Probabilidade de Colapso de Muro de Solo Reforçado e Considerações de Projeto
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1 Probabilidade de Colapso de Muro de Solo Reforçado e Considerações de Projeto Marcus Vinicius Weber de Campos Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo, EESC-USP, São Carlos, Brasil, m.v.campos@sc.usp.br RESUMO: Atualmente é crescente a utilização de muros reforçados com geossintéticos visando ganhos de áreas úteis com sistema de grande confiabilidade. Os métodos de cálculo de muros reforçados buscam em sua concepção fatores de segurança que muitas vezes não consideram a variabilidade do material utilizado no muro e em seu entorno. Tal variabilidade apresenta uma probabilidade de associações de condições que levem o muro à ruína ou mesmo que o tornem instável. Durante o projeto do muro reforçado o projetista tem livre arbítrio para dimensionar o muro de forma a considerar as variabilidades do meio probabilisticamente, diminuindo a chance de o muro alcançar estados instáveis. Neste trabalho foi idealizado um muro de arrimo reforçado visando representar alguns dos possíveis problemas que este tipo de construção está sujeito, e considerou-se uma variabilidade natural e plausível de alguns parâmetros que compõe o muro como ângulo de atrito e coesão do solo. Foram geradas planilhas eletrônicas para o cálculo do muro e para os cálculos probabilísticos onde foram testadas diversas configurações de muros reforçados com solo envelopado com geossintéticos e simultaneamente eram gerados cálculos probabilísticos de ruínas para as diversas configurações. Os resultados dos cálculos mostraram que há uma probabilidade de ruína acima de 2% para muros calculados com os fatores de segurança especificados em normas e projetos comumente utilizados, e que alterações sutis de projetos podem diminuir a probabilidade de falha do mesmo. Os resultados obtidos enfatizam a importância de tratamento probabilístico de estabilidade de estruturas de solo reforçado no projeto e durante o dimensionamento. PALAVRAS-CHAVE: Muro Reforçado, Solo Envelopado, Reforço, Geossintéticos. 1 INTRODUÇÃO Atualmente é crescente a utilização de muros reforçados visando à otimização e maior eficiência dos espaços construtivos. Um dos tipos de muros reforçados muito utilizados é o de solo reforçado através do envelopamento de camadas de solo com geossintéticos, que é o enfoque deste trabalho. A concepção de um muro reforçado utiliza diversos parâmetros de cálculos comumente considerados como valores absolutos, desconsiderando as diversas variabilidades intrínsecas do meio e ainda suas combinações. Recentemente vêm sendo introduzida a utilização de análises probabilísticas a respeito da estabilidade de obras civis, considerando-se que esta análise fornece parâmetros de quantificação palpáveis a respeito da chance de ruína de uma edificação. Para fins de demonstração prática da aplicação de métodos probabilísticos a respeito da estabilidade de muros de arrimo reforçados foi idealizado um muro com características dimensionais e de composição (solo) potencialmente problemáticas detalhadas a seguir. Foi elaborada uma planilha eletrônica para cálculos de projeto do muro reforçado, almejando a obtenção de valores de estabilidade para o muro através de fatores de segurança acima de 1,00 e cálculos probabilísticos de variações deste valor para cada camada reforçada e considerando-se ainda o conjunto das camadas. Dentre os fatores que podem apresentar variabilidade estão a sobrecarga no muro, o empuxo lateral provocado pelo maciço sobre o
2 muro, o reforço, como observado em Campos (2010), a aplicação do reforço e ainda diversos parâmetros do solo como resistência, deformabilidade, porosidade, compacidade, umidade, coesão e ângulo de atrito. A fim de simplificar a demonstração e os cálculos foram consideradas apenas as variabilidades da coesão e do ângulo de atrito internas ao muro que podem ser alteradas após a finalização da obra pela infiltração de água no maciço. 2 MURO REFORÇADO 2.1 Projeto do Muro Para a concepção do muro foram adotadas dimensões significativas para a atuação do reforço como a altura de 7,0 metros, inclinação vertical (90 ), largura e número de camadas de reforço variáveis, considerando-se ainda o comprimento longitudinal infinito, sobrecarga e potencial superfície de ruptura, como ilustrado na figura a seguir. 2.3 Fatores de Segurança Para o projeto de muros reforçados são utilizados diversos fatores de segurança normatizados e citados em bibliografias da área como em Vertematti (2004) referentes à parte externa do muro quanto à ruptura global (1,5), tombamento do muro (2,0), deslizamento (1,5), ruptura do solo de fundação (3,0) e da parte interna quanto à ruptura do reforço (1,5) e arrancamento do mesmo (1,5), sendo que estes valores mais conservadores são considerados para obras permanentes. 2.4 Estabilidade A estabilidade do muro de solo reforçado é constituída por uma gama de fatores que compreendem a estabilidade interna e externa do muro. Entre estes fatores podem-se considerar os esforços de sobrecarga vertical e horizontal devido a carregamentos de utilização externos e devido ao peso próprio interno ao muro, o empuxo do maciço sobre o muro, o comportamento específico dos componentes do muro como o solo e o reforço quanto à resistência, deformabilidade e fluência ao longo do tempo Estabilidade Externa Figura 1. Corte transversal de muro reforçado com solo envelopado e provável superfície de ruptura (tracejado). 2.2 Considerações do Projeto Objetivando-se uma maior atuação do reforço considerou-se ainda a aplicação de uma sobrecarga de um trem tipo classe 45 descrito pela norma ABNT-NBR 7188/84, representando a passagem do veículo mais pesado descrito na mesma com a adição de 450 KN sobre o aterro de solo reforçado. No caso do muro exemplificado a estabilidade externa considera o muro como um maciço e considera os tipos de colapsos provenientes do solo de fundação ou do solo ao redor do muro. Tais instabilidades podem ser provenientes de deslizamento na base do muro, tombamento do muro, ruptura da fundação da face por falta de capacidade de carga, ou mesmo ruptura global Estabilidade Interna A estabilidade interna do muro reforçado se dá pela estabilidade do reforço, que deve resistir às solicitações de tração impostas pelas forças de rupturas cisalhantes e ao arrancamento do reforço do solo, que deve ser evitada com uma ancoragem mínima necessária à interação do reforço com o material do meio.
3 2.5 Solo do Muro e do Talude Visando considerações realistas e possivelmente problemáticas, foi selecionado um solo X areno-argiloso colapsível com características conhecidas e descritas na tabela 01 a seguir, para a composição do muro de solo reforçado e do talude ao entorno e sob o muro. Tabela 1. Características do Solo do Muro Reforçado. Solo e s máx c X (kn/m ³ ) (kn/m ³ ) (kpa) ( ) 0,48 26,4 19, Cálculos de Projeto Considerando-se que alguns fatores como altura e ângulo de inclinação do muro são prédeterminados, os fatores restantes como comprimento do reforço, altura das camadas envelopadas e resistência característica do reforço são obtidos através de métodos numéricos e empíricos como por Rankine e Coulomb, determinando-se a provável superfície de ruptura, os empuxos e tensões horizontais que atuam sobre os reforços, assim o comprimento mínimo de ancoragem, os espaçamentos entre as camadas e a resistência necessária são obtidos. Nos cálculos do projeto do muro foram consideradas as estabilidades internas e externas do muro. 3 DISTRIBUIÇÃO PROBABILISTICA Os métodos probabilísticos de distribuições discretas e contínuas possibilitam a quantificação probabilística de colapso ou mesmo de diversos fenômenos inerentes às obras geotécnicas devido à variabilidade intrínseca do meio, representando uma ferramenta muito útil em obras geotécnicas. 3.1 Variabilidade da Estrutura Os materiais que compõe a estrutura, no caso os reforços, são caracterizados por meio de ensaios laboratoriais, que apontam ligeiras variabilidades em parâmetros como resistência e geometria. As variabilidades características do reforço são de cerca de 3% na resistência e 2% na geometria, porém, a variabilidade de resistência dos materiais da estrutura é considerada nos fatores de segurança empregados nos cálculos da estrutura. Outros fatores como variabilidade de instalação e geometria final do reforço foram desconsiderados nos cálculos probabilísticos, visando à quantificação de parâmetros que podem ser alterados após a construção e funcionamento da estrutura. 3.2 Variabilidade do Meio Para o cálculo de probabilidade de ruína ou colapso do muro foram considerados coeficientes de variações citados na literatura e comumente encontrados em campo de 10% no ângulo de atrito interno do solo de 30% no valor da coesão. Porém, devido à grande variabilidade da coesão e pelo fato desta variabilidade ocorrer facilmente devido à alteração significativa na umidade do solo, a literatura mais conservadora acaba por desconsiderar este fator para efeito de contribuição na resistência do solo, caracterizando sua variabilidade 100% onde o acréscimo de 100% na coesão significaria uma parcela de resistência no maciço representada pela coesão e um decréscimo de 100% significaria coesão igual a 0, desconsiderando esta parcela de resistência. Considerando-se uma concepção de muro conservadora, optou-se por desprezar este acréscimo de resistência ao maciço devido à coesão, alterando-se apenas a parcela da variabilidade do ângulo de atrito. 3.3 Método Probabilístico A distribuição dos valores de angulo de atrito e coesão deste solo apresentam o valor médio característico com variações semelhantes acima e abaixo do valor médio. Com o coeficiente de variabilidade (CV) determinado e conhecendose o valor característico médio (µ) da coesão e do ângulo de atrito, pode-se obter o desvio padrão (σ) através da equação (1) a seguir.
4 CV = (1) Considerando-se a dispersão dos dados característica deste solo, a tendência da curva média apresenta formato de sino, e com os valores de coeficiente de variabilidade (CV), valor característico médio (µ) e desvio padrão (σ), tal gama de valores e formato típico da curva de distribuição média se encaixam na distribuição probabilística Normal elucidada por Ang & Tang (1975) Distribuição Normal A distribuição Normal é caracterizada por apresentar simetria sobre a média µ e o ponto máximo da distribuição ocorre em µ, caracterizando a curva deste tipo de distribuição em forma de sino, e o ponto de inflexão da curva ocorre em x = µ +- σ, como ilustrado a seguir na figura 2. 4 PROBABILIDADE DE RUPTURA Através das equações citadas anteriormente e considerando-se o coeficiente da variação (CV) de 10% no ângulo de atrito interno do solo ( ), têm-se que (σ) é igual a 3,5 para um ângulo de atrito ( ) médio de 35. A equação da probabilidade foi aplicada em uma planilha eletrônica e comparada à probabilidade de o ângulo de atrito ( ) ser tal que o muro se desestabilize. Com base nos cálculos efetuados por meio da planilha eletrônica criada foram obtidas tabelas onde pôde-se quantificar dois fenômenos inerentes ao muro reforçado. O primeiro fenômeno foi a diminuição da resistência do conjunto além dos limites recomendados por norma e na bibliografia competente à área através da diminuição dos fatores de segurança mínimos. O segundo fenômeno foi a ruptura do muro considerada quando os valores dos coeficientes de segurança relativos às diversas constituintes do muro diminuem de 1,00, provocando desestabilização do maciço e sobrecarregando as demais estruturas do muro que podem vir a romper em consequência da primeira falha inicial. 4.1 Descumprimento das Normas Figura 2. Distribuição Probabilística Normal com Média (µ) e Desvio Padrão (σ) Método de Cálculo da Distribuição Normal A distribuição Normal apresenta função densidade de probabilidade de acordo com a equação a seguir (2) onde µ é a média, σ² é a variância e x é a variável que no caso é o ângulo de atrito ( ). f x, µ, σ = 1 2πσ ² e( x µ 2 2σ 2 ), < x <, σ > 0 Como a distribuição dos dados é normal, o gráfico gerado pela distribuição das probabilidades de ocorrência de dados ângulos de atrito formam um sino, como ilustrado na figura 3 a seguir. Por meio da planilha eletrônica pode-se calcular o valor mínimo de ângulo de atrito necessário para que algum fator de segurança seja diminuído de seu valor mínimo. Tal valor é 31,5, representado pela linha amarela. A área achurada em vermelho a partir deste valor até o menos infinito é a probabilidade de ocorrência de ângulos menores ou iguais a 31,5 que levam ao descumprimento das exigências das normas relacionadas. (2)
5 4.2 Ruptura do Muro reforçado Figura 3. Probabilidade de Descumprimento da Norma. A tabela a seguir apresenta ainda os valores limites de ângulos de atritos para o descumprimento dos fatores de segurança de ruptura do reforço (FSr), arrancamento do reforço (FSa), deslizamento do muro (FSd), ruptura da fundação (FSf) e de tombamento (FSt). A tabela apresenta ainda a probabilidade acumulada de ocorrência de dados ângulos até o menos infinito e ainda a probabilidade de ocorrência destes ângulos em específico. Podese notar que o primeiro item do muro que descumpriu o fator de segurança mínimo proposto em norma foi o item de resistência à ruptura do reforço (FSr) quando a variabilidade do meio for tal que o angulo de atrito seja 31,5. A partir deste ângulo, o próximo ângulo necessário para que causa descumprimento da norma é 29,5, que afeta o fator de segurança de arrancamento do reforço. Tabela 2. Probabilidade de ocorrência de ângulos de atrito e descumprimento das normas. Limites Norma (FS) Ângulo Atrito ( ) Acumulada Específica FS r 31,5 15,87 6,91 FS a 29,5 5,80 3,32 FS d 27,5 1,61 1,15 FS f 25 0,21 0,19 FS t 24 0,08 0,08 Com base na análise da tabela se obtém que a probabilidade de obtenção de valores de fatores de segurança menores do que os exigidos em norma é de 15,9% devido à variabilidade do meio. A ruptura do muro reforçado foi considerada quando o fator de segurança de algum dos itens que compõe a estabilidade do muro se torna inferior a 1,00, significando que a solicitação se tornou maior que a resistência do conjunto. Para tal análise foi concebido um gráfico onde a partir da linha amarela vertical até o menos infinito está delimitada a faixa de valores representada pela área hachurada em vermelho que são responsáveis pela ruptura do muro. Figura 4. Probabilidade de Ruptura do Muro. O valor mínimo para a ocorrência da queda do muro é o valor de ângulo de atrito de 28 que leva à ruptura do conjunto pelo arrancamento do reforço, sobrecarregando os outros sistemas constituintes do muro inclusive as outras camadas de reforços podendo-as romper por ruptura ou arrancamento. A tabela a seguir ilustra os ângulos de atrito necessários para a ocorrência de arrancamento (FSa), deslizamento do muro (FSd) e ruptura do reforço (FSr) com suas respectivas probabilidades de ocorrência. Tabela 3. Probabilidade de ocorrência de ângulos de atrito e ruptura do muro. Limites Ruptura (FS) Ângulo Atrito ( ) Acumulada Específica FS a 28 2,28 1,54 FS d 23 0,03 0,03 FS r 21 0,01 0,01 Com base na observação da tabela acima podese concluir que há probabilidade de ruptura do muro de 2,3% devido à variabilidade dos
6 parâmetros do solo. 5 MELHORIAS DE PROJETO Durante o desenvolvimento da planilha de cálculo e das escolhas aleatórias a respeito de características dimensionais do muro pôde-se perceber que a sutil alteração entre a quantidade e a altura das camadas de reforço, que mesmo estando em conformidade com as exigências mínimas de fatores de segurança das normas vigentes e de bibliografias da área, apresentavam grande diferença nas probabilidades de ruptura do muro, demonstrando que a utilização de uma tabela que considera as dimensões do muro com cálculos em tempo real das probabilidades de ruptura e dos fatores de segurança resultantes das diversas configurações é muito útil e ajuda na escolha da melhor configuração do muro contribuindo para uma menor probabilidade de ruína ou mesmo de redução dos fatores de segurança exigidos pelas normas. 6 CONCLUSÕES Através da elaboração da planilha de cálculo para projeto do muro reforçado citado, que considera os diversos fatores de segurança mínimos exigidos por normas e literatura da área para os vários componentes e formas de ruptura do muro, associado ainda à incorporação de cálculos probabilísticos que consideram as variações dos componentes do muro, se obtém uma melhoria nas configurações do muro através de análises instantâneas de dados mais palpáveis, como os dados de probabilidades de ruína obtidos na planilha, podendo quantificar o risco aceitável para cada tipo de obra e mesmo reduzir a probabilidade de ruína adotando-se diferentes geometrias de alturas de camadas e distribuição dos reforços. Os resultados deste mostram que há uma real probabilidade de ruptura de muro reforçado, quantificado neste exemplo em cerca de 2%, e ainda uma probabilidade de cerca de 16% de redução do fator de segurança além do mínimo normatizado, apenas devido à variabilidade de parâmetros do solo. Tais resultados, por apresentarem quantificações mais palpáveis a cerca da probabilidade de ruína frisam a importância de tratamentos probabilísticos a respeito da ruína de edificações e podem ainda auxiliar durante os projetos geotécnicos. AGRADECIMENTOS Agradeço à CNPQ pela bolsa concedida e à Escola de Engenharia de São Carlos EESC/USP pelo apoio e incentivo às pesquisas. REFERÊNCIAS Ang, A. H.; Tang, W.H. (1975) - Probability concepts in engineering planning and design. Campos, M. V. W. et al. (2010) - Tensile testing method and material variability effects in the tensile behavior of PET geogrids. International Conference in Geosynthetics França, F. A. N. (2007) - Ensaios de Arrancamento em Solo Grampeado Executados em Laboratório. Dissertação de mestrado - Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo EESC- USP. 121p. Ribeiro, R. C. H. (2008) - Aplicações de Probabilidade e Estatística em Análises Geotécnicas. Tese de doutorado - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. 161p. Vertematti, J. C. (2004) - Manual Brasileiro de Geossintéticos. ABINT Associação Brasileira das Indústrias de Nãotecidos e Tecidos Técnicos. 413p.
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