PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE FOZ DO IGUAÇU
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- Bento Gameiro
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1 MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO Autos n Cuida-se de mandado de segurança coletivo impetrado pela Associação Comercial e Empresarial de Foz do Iguaçu, qualificada nos autos, em face de ato apontado como ilegal do Prefeito do Município de Foz do Iguaçu, igualmente qualificado. Alega a impetrante, em síntese, que diante da pandemia declarada acerca do COVID-19, o Município de Foz do Iguaçu editou o Decreto n /2020, pelo qual determinou o fechamento das atividades comerciais a partir de 18/Mar/2020. Posteriormente, o Chefe do Executivo Municipal publicou o Decreto n /2020, pelo qual, além de declarar a situação de emergência, adotou medidas visando controlar a disseminação do novo coronavírus e, assim, determinou o fechamento, por tempo indeterminado, de praticamente todas as atividades comerciais no Município. A medida adotada, no entanto, é absolutamente prejudicial a economia e, além disso, não foi baseada em qualquer estudo científico, mas apenas em apelos midiáticos, e igualmente não trouxe prazo de duração, o que caracteriza ofensa a Lei n /2020. Destaca que buscou o Poder Executivo a fim de que o comércio seja reaberto, mas não obteve resposta positiva e desprovida de qualquer estudo técnico, medida que entende contrariar, inclusive, as orientações do Ministério da Saúde, que recomendou a reabertura do comércio em cidades com baixa intensidade do COVID-19. Diz que novos pedidos foram apresentados ao Chefe do Executivo e, face a diversos fatores, foi editado o Decreto n /2020, pelo qual foi disciplinada a reabertura gradual e monitorada do comércio, a partir de 13/Abr/2020, mediante adesão a Termo de Responsabilidade Sanitária. Nada obstante, poucos dias após a publicação do referido ato, a autoridade coatora, devido a confirmação de transmissão comunitária do COVID-19 no Município, publicou o Decreto n /2020, suspendendo a reabertura de parte das atividades comerciais disciplinadas no ato anterior.
2 Diante disso, considera que os atos questionados, ao invés de observar critérios técnicos, estão eivados de cunho político, ferindo de forma evidente os objetivos fundamentais da República, pois ao tempo em que freiam o desenvolvimento local, deixam de buscar a erradicação da pobreza e a marginalização, assim como não atendem a redução das desigualdades sociais. Mais adiante, discorre que a proibição imposta pelo alcaide viola os princípios da dignidade da pessoa humana e da isonomia, notadamente porque permite o funcionamento de determinadas atividades, em detrimento de outras, considerando algumas como essenciais e outras não, destacando, mais uma vez, a falta de análise científica na adoção de critérios pela autoridade coatora. Afirma que os Decretos violam o direito social ao trabalho, apontando que sem o regular labor, não há qualquer garantia de sobrevivência do ser humano. Noutro ponto, assevera que existem atividades comerciais em regular funcionamento, enquanto outras estão impedidas de funcionar, medida que configura manifesta ofensa a livre concorrência, em clara violação a ordem econômica e financeira, que encontra assento constitucional. De resto, discorre acerca dos boletins epidemiológicos emitidos pelo Ministério da Saúde, inclusive no que diz respeito ao chamado distanciamento social seletivo, bem como sobre a capacidade hospitalar local e número de contaminados. Por isso, entendendo presente a violação a direito líquido e certo, busca o provimento jurisdicional, inclusive mediante liminar, para que seja determinada a reabertura de todas as atividades comerciais, sem qualquer distinção entre os serviços, bem como a declaração incidental de inconstitucionalidade do art. 1.º, caput, do Decreto n /2020, no que diz respeito a expressão as seguintes atividades, assim como de todas as atividades descritas em seus incisos, do art. 1.º do Decreto n /2020 e do art. 2.º, inciso XIII, do Decreto n /2020. Alternativamente, pede pela reabertura com restrição/limitação de atendimento para 30% da ocupação de capacidade prevista no projeto técnico de prevenção a incêndio e desastre aprovado pelo Corpo de Bombeiros. Junta documentos. Decido.
3 2 O writ deve ser extinto, sem o julgamento do mérito, em razão da carência de ação. Está ausente o interesse processual para ajuizamento do remédio heroico. Como se sabe, o mandado de segurança serve para proteger direito líquido e certo do indivíduo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício das atribuições do Poder Público. Outrossim, a ação constitucional em tela exige a apresentação de prova pré-constituída do afirmado, não existindo possibilidade futura para dilação probatória, uma vez que o impetrante deve possuir direito líquido e certo. É a conclusão a que se chega do disposto no art. 1.º, art. 6.º e art. 10, todos da Lei n /2009. Quer dizer, para a utilização do writ, deve estar presente uma situação concreta e objetiva que indique a iminente possibilidade de lesão ou a lesão efetiva a direito líquido e certo do impetrante por ato abusivo ou ilegal de autoridade pública. Neste sentido, ensina Hely Lopes Meirelles que (...) quando a lei alude a direito líquido e certo, está exigindo que esse direito se apresente com todos os requisitos para seu reconhecimento e exercício no momento da impetração. Em última análise, direito líquido e certo é direito comprovado de plano. Se depender de comprovação posterior, não é líquido, nem certo, para fins de segurança. Evidentemente, o conceito de liquidez e certeza adotado pelo legislador do mandado de segurança não é o mesmo do legislador civil (art do Código Civil). É um conceito impróprio e mal-expresso alusivo à precisão e comprovação do direito quando deveria aludir à precisão e comprovação dos fatos e situações que ensejam o exercício desse direito. (Mandado de Segurança. 32ª edição. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, p. 34).
4 E desta premissa não destoa o Superior Tribunal de Justiça, conforme se extrai do seguinte aresto: PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. AUSÊNCIA. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. 1. Entre os requisitos específicos da ação mandamental está a comprovação, mediante prova pré-constituída, do direito subjetivo líquido e certo do impetrante. 2. Na hipótese, discute-se a respeito da nulidade de pesquisa mineral, sob o fundamento de que a autorização de que trata o art. 27 do Decreto-Lei nº 227/1967 não foi concedida pelo legítimo proprietário ou posseiro da área objeto da pesquisa. Todavia, a titularidade da propriedade onde se localizam as jazidas é objeto de ação de usucapião ainda em curso, e depende de minuciosa instrução probatória, incabível em sede de mandado de segurança. 3. Mandado de segurança extinto sem julgamento do mérito. (STJ 1.ª Seção MS n /DF Rel. Min. Teori Albino Zavascki J. 26/Nov/2008). E no caso vertente, é evidente que não há qualquer violação ao direito líquido e certo defendido pela impetrante. A pretensão inaugural, na essência, visa combater os Decretos editados pelo Chefe do Executivo local que restringiram o integral funcionamento das atividades comerciais no Município, os quais foram editados visando amortecer os impactos decorrentes da chegada da pandemia do novo coronavírus no País. É inegável que o atual momento é absolutamente singular, com potencial destrutivo tanto ao sistema de saúde quanto a economia global. Não há dúvidas de que, justamente por tal razão, foram adotadas medidas drásticas, orientadas por critérios científicos e políticos, para fins de contingenciamento do COVID-19 e, da maneira mais rápida, achatar a curva de contaminação e, assim, buscar a retomada de uma possível normalidade.
5 Também se trata de fato notório que muitos defendem a utilização de mecanismos extremos para controle do coronavírus, dentre os quais se destaca o famigerado isolamento social. Por outro lado, também existem aqueles que defendem a retomada das atividades comerciais e econômicas, pregando justamente que o chamado lockdown integral é potencialmente mais prejudicial do que o isolamento. E justamente este conflito é retratado no presente mandamus. O Chefe do Executivo, visando conter os avanços do COVID-19, decretou a parcial suspensão do comércio local, de modo a fomentar o mencionado isolamento social. A impetrante, por sua vez, calcada em diversos preceitos constitucionais, entende que há necessidade de reabertura das atividades comerciais, destacando a violação a isonomia e a necessidade de se observar os objetivos fundamentais da República. Diante desta conjuntura, apresentada em momento excepcional, não há dúvidas de que as decisões judiciais, tanto em cognição sumária quanto em cognição exauriente, reclamam por especial prudência, balizadas, evidentemente, nos preceitos da Constituição da República de Com isso em mente, mas ainda no plano do direito positivo, é importante apontar que a Constituição Federal, ao tratar da organização do Estado, optou pela descentralização política, definindo em seu artigo 18 que a organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição. Nos dispositivos seguintes, a Lei Maior tratou das competências de cada ente político e, especificamente ao que interessa a presente controvérsia, dispôs no artigo 23, inciso II, que cuida-se de competência administrativa comum o cuidado da saúde pública, lembrando, no ponto, que compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local e suplementar a legislação federal e a estadual no que couber (art. 30, I e II, CR/88).
6 Seguindo esta linha de raciocínio, constata-se que a Carta Política adotou critérios especiais para atribuição de competência a cada ente, evidenciando o conhecido princípio da predominância do interesse. A propósito: CONSTITUCIONAL. FEDERALISMO E RESPEITO ÀS REGRAS DE DISTRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIA. LEI /2013 DO ESTADO DE MINAS GERAIS. LIMITAÇÃO DO CREDENCIAMENTO DE CLÍNICAS PARA REALIZAÇÃO DE EXAMES DE APTIDÃO FÍSICA, MENTAL E DE AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA. LIMITAÇÃO DO CREDENCIAMENTO DE FABRICANTES DE PLACAS E TARJETAS PARA VEÍCULOS AUTOMOTORES. CRITÉRIO DEMOGRÁFICO. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE TRÂNSITO E TRANSPORTE (ART. 22, XI, DA CF). INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. PROCEDÊNCIA. REQUERIMENTO DE MODULAÇÃO DE EFEITOS REJEITADO. 1. As regras de distribuição de competências legislativas são alicerces do federalismo e consagram a fórmula de divisão de centros de poder em um Estado de Direito. Princípio da predominância do interesse. 2. A Constituição Federal de 1988, presumindo de forma absoluta para algumas matérias a presença do princípio da predominância do interesse, estabeleceu, a priori, diversas competências para cada um dos entes federativos, União, Estados-Membros, Distrito Federal e Municípios, e, a partir dessas opções, pode ora acentuar maior centralização do poder, principalmente na própria União (CF, art. 22), ora permitir uma maior descentralização nos Estados-Membros e Municípios (CF, arts. 24 e 30, I). 3. A norma impugnada, ao limitar o credenciamento de clínicas médicas e psicológicas, bem como de fabricantes de placas e tarjetas, a um critério demográfico (proporção de um estabelecimento para cada quarenta mil eleitores), invadiu a competência da União para legislar sobre trânsito e transporte (art. 22, XI, da CF). 4. Ação Direta julgada procedente. Inexistência dos requisitos necessários à modulação de efeitos. (STF Tribunal Pleno
7 ADI n /MG Rel. Min. Alexandre de Moraes J. 20/Set/2019). Não foi por outra razão que o Ministro Marco Aurélio, ao apreciar a medida cautelar na ADI n /DF, explicitou a competência dos Estados e dos Municípios no combate ao novo coronavírus. Neste sentido: SAÚDE CRISE CORONAVÍRUS MEDIDA PROVISÓRIA PROVIDÊNCIAS LEGITIMAÇÃO CONCORRENTE. Surgem atendidos os requisitos de urgência e necessidade, no que medida provisória dispõe sobre providências no campo da saúde pública nacional, sem prejuízo da legitimação concorrente dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. E da decisão, destaca-se o seguinte excerto: Vê-se que a medida provisória, ante o quadro revelador de urgência e necessidade de disciplina, foi editada com a finalidade de mitigar-se a crise internacional que chegou ao Brasil, muito embora no território brasileiro ainda esteja, segundo alguns técnicos, embrionária. Há de ter-se a visão voltada ao coletivo, ou seja, à saúde pública, mostrando-se interessados todos os cidadãos. O artigo 3º, cabeça, remete às atribuições, das autoridades, quanto às medidas a serem implementadas. Não se pode ver transgressão a preceito da Constituição Federal. As providências não afastam atos a serem praticados por Estado, o Distrito Federal e Município considerada a competência concorrente na forma do artigo 23, inciso II, da Lei Maior. Também não vinga o articulado quanto à reserva de lei complementar. Descabe a óptica no sentido de o tema somente poder ser objeto de abordagem e disciplina mediante lei de envergadura maior. Presentes urgência e necessidade de ter-se disciplina geral de abrangência nacional, há de concluir-se que, a tempo e modo, atuou o Presidente da República Jair Bolsonaro ao editar a
8 Medida Provisória. O que nela se contém repita-se à exaustão não afasta a competência concorrente, em termos de saúde, dos Estados e Municípios. Surge acolhível o que pretendido, sob o ângulo acautelador, no item a.2 da peça inicial, assentando-se, no campo, há de se reconhecido, simplesmente formal, que a disciplina decorrente da Medida Provisória nº 926/2020, no que imprimiu nova redação ao artigo 3º da Lei federal nº 9.868/1999, não afasta a tomada de providências normativas e administrativas pelos Estados, Distrito Federal e Municípios. 3. Defiro, em parte, a medida acauteladora, para tornar explícita, no campo pedagógico e na dicção do Supremo, a competência concorrente. Não se olvide, outrossim, que a medida acauteladora foi submetida ao Colegiado do Supremo Tribunal Federal, oportunidade em que os demais Ministros, por unanimidade, confirmaram o entendimento adotado pelo Ministro Marco Aurélio 1. É importante destacar, demais disso, que a maioria dos Ministros aderiram à proposta do Ministro Edson Fachin, no sentido de que a União pode legislar sobre o tema, mas que o exercício desta competência deve sempre resguardar a autonomia dos demais entes, considerando que a possibilidade do Chefe do Executivo Federal definir por decreto a essencialidade dos serviços públicos, sem observância da autonomia dos entes locais, afrontaria o princípio da separação dos poderes. E mais: o Ministro Alexandre de Moraes destacou que a questão não exclui a competência dos governadores e prefeitos de também estipularem por decretos quais são os serviços públicos e atividades essenciais que esses gestores públicos entendem importantes. Daí se percebe, indene de dúvidas, que por força da distribuição de competências instituída pela Constituição Federal, aliada aos princípios da separação dos poderes e da predominância do interesse, cabe ao Município adotar as medidas que entender necessárias ao desate dos impactos causados pela pandemia, podendo instituir medidas diversas daquelas seguidas por outros entes políticos, inclusive os de maior estatura constitucional Estado do Paraná e União Federal.
9 E isso decorre da premissa básica de que o Poder Executivo Municipal está muito mais próximo da realidade local e das necessidades dos munícipes do que os Estados-Membros e/ou a União. As medidas adotadas, por sua vez, têm amparo no conhecido poder de polícia, o qual decorre, nos dizeres de Celso Antônio Bandeira de Mello, de uma das pedras de toque da Administração Pública, ou seja, do princípio da supremacia do interesse público sobre o particular. Segundo orientação doutrinária, o poder de polícia consiste na prerrogativa de direito público que, calcada na lei, autoriza a Administração Pública a restringir o uso e o gozo da liberdade e da propriedade em favor do interesse da coletividade 2. E o momento atual, ao que parece, justifica a adoção, pelo Poder Público, das medidas mais adequadas ao interesse local e da coletividade, segundo sua exclusiva discricionariedade. Conquanto a impetrante sustente que os Decretos violam diversos preceitos constitucionais, é preciso lembrar que não existem direitos absolutos, sendo tal premissa igualmente aplicável aos que foram estatuídos pela Constituição Federal como fundamentais. Neste sentido, é valiosa a lição de Gustavo Fernandes Sales 3 : Em primeiro lugar, lembremos que os direitos fundamentais não são absolutos. Verdadeiramente, a convivência em sociedade só é possível diante de limitações às ações humanas, mesmo em seus direitos mais básicos. Essa é a lei universal do direito, segundo IMMANUEL KANT, que diz: age externamente de modo que o livre uso de teu arbítrio possa coexistir com a liberdade de todos de acordo com uma lei universal (KANT, Immanuel. A metafísica dos costumes, trad. Edson Bini, Bauru, SP: Edipro, 2003, p. 77). Disso decorre CARAVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 33.ª ed., São Paulo, SALES, Gustavo Fernandes. A constitucionalidade dos decretos dos Governadores que restringem direitos individuais por conta da pandemia de COVID-19 (coronavírus). Coisas do Direito, Brasília, mar Disponível em: < Acesso em 18/Abr/2020.
10 que, em prol da fruição permanente e simultânea por todos os seus titulares, os direitos fundamentais possuem limitações em sua esfera de proteção, que podem ser trabalhadas sob as perspectivas da teoria interna e da teoria externa, tão caras ao direito constitucional. E mais adiante, prossegue: A princípio, poderíamos pensar que tais direitos fundamentais não admitiriam restrições, até mesmo por uma questão de lógica: permitir limitação a direitos sem autorização constitucional seria o mesmo que dizer que o texto constitucional, nesse ponto, não vale nada, já que, havendo ou não permissão da Lei Maior, qualquer direito fundamental pode ser restringido pelos Poderes Públicos. Entretanto, não seria razoável admitir a existência de direitos fundamentais absolutos ou ilimitados, pelo simples fato de texto normativo não explicitar, naquele dispositivo isolado, a possibilidade de restrição. Como se sabe, as normas constitucionais integram e constituem um sistema unitário de regras e princípios, de forma que uma norma extraída do texto da Constituição não deve ser analisada isoladamente, mas, sim, em conjunto com todo o ordenamento jurídico-constitucional, o que exigirá a realização de uma ponderação de valores e bens jurídicos pelo intérprete, caso a caso, a fim de se atingir o equilíbrio entre as diversas normas constitucionais aparentemente antagônicas. Dentro deste juízo de ponderação se denota que a solução de conflitos desta estirpe reclama pela devida análise da proporcionalidade, a respeito da qual cabe exclusivamente ao gestor municipal avaliar os fins visados e os meios empregados para melhor atender às necessidades inerentes à saúde e políticas públicas. E a realidade local, inclusive sob a ótica dos obstáculos e as dificuldades reais do gestor e a exigências das políticas públicas a seu cargo (art. 22, LINDB), cuida-se de matéria em que não se admite a ingerência do
11 Poder Judiciário, notadamente pela necessidade de elaboração de planos e critérios para o controle da crise sanitária, assim como acerca da disponibilização e racionalização da aplicação dos recursos financeiros no âmbito da saúde pública. Sobre o tema, é valiosa a lição do saudoso professor Hely Lopes Meirelles 4 : Essa liberdade funda-se na consideração de que só o administrador, em contato com a realidade, está em condições de bem apreciar os motivos ocorrentes de oportunidade e conveniência da prática de certos atos, que seria impossível ao legislador, dispondo na regra jurídica lei de maneira geral e abstrata, prover com justiça e acerto. Só os órgãos executivos é que estão, em muitos casos, em condições de sentir e decidir administrativamente que convém e o que não convém ao interesse coletivo. Em tal hipótese executa a lei vinculadamente, quanto aos elementos que ela discrimina, e discricionariamente, quanto aos aspectos em que ela admite opção. Erro é considerar-se o ato discricionário imune à apreciação judicial, pois só a Justiça poderá dizer da legalidade da invocada discricionariedade e dos limites de opção do agente administrativo. O que o Judiciário não pode é, no ato discricionário, substituir o discricionarismo do administrador pelo do juiz. Não pode, assim, invadir opções administrativas ou substituir critérios técnicos por outros que repute mais convenientes ou oportunos, pois essa valoração é privativa da Administração. Mas pode sempre proclamar as nulidades e coibir os abusos da Administração. Assim, aliás, já decidiu o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, conforme se extrai do seguinte aresto: REEXAME NECESSÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROCEDÊNCIA. CONHECIMENTO DA REMESSA 4 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2007.
12 OBRIGATÓRIA. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ARTIGO 19 DA LEI DE AÇÃO POPULAR. PRELIMINARES DE INCOMPETÊNCIA DE JUÍZO, AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR E ILEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. AFASTAMENTO. MÉRITO. DISPONIBILIZAÇÃO DE VAGAS AOS ADOLESCENTES INTERNOS DA COMARCA. DESCUMPRIMENTO DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. INTERVENÇÃO DO NAS POLÍTICAS PÚBLICAS. INADMISSIBILIDADE NA HIPÓTESE SUB JUDICE. INTROMISSÃO POSSÍVEL APENAS EM SITUAÇÕES EXCEPCIONAIS. I. - "(...) Por aplicação analógica da primeira parte do art. 19 da Lei nº 4.717/65, as sentenças de improcedência de ação civil pública sujeitam-se indistintamente ao reexame necessário." (Superior Tribunal de Justiça, REsp n.º /SC, Segunda Turma, Relator Ministro CASTRO MEIRA, DJ 19/05/2009 II. Em observância ao princípio da separação de poderes, insculpido na Carta Magna, a regra é que o Poder Judiciário não pode obrigar o Executivo a praticar atos de gestão pública, porquanto estes dependem de planejamento administrativo e orçamentário. SENTENÇA CONFIRMADA EM REEXAME NECESSÁRIO. (TJPR 4.ª C. Cível REEX n Rel. Abraham Lincoln Calixto J. 09/Nov/2010). Enfim, de tudo o que foi esposado, constata-se que a análise das medidas mais adequadas ao presente momento, repleto de incertezas, compete ao Chefe do Executivo do Município, não havendo qualquer excepcionalidade presente que justifique a ingerência do Poder Judiciário na questão. Trata-se, mutatis mutandis, da hipótese de judicial self-restraint, isto é, a técnica de autocontenção 5, segundo a qual o Poder Judiciário não deve interferir em questões consideradas estritamente políticas. Registre-se, de mais a mais, que muito embora a impetrante enumere disposições constitucionais supostamente violadas, igualmente se faz 5 STF Tribunal Pleno MS n /DF Rel. Min. Luis Roberto Barroso J. 08/Set/2016
13 presente a constatação de normas com idêntico assento constitucional por ocasião da edição das normativas municipais. Ademais, ao tempo em que afirma que os Decretos são desprovidos de critérios científicos, é preciso lembrar que a inicial não veio acompanhada de qualquer estudo que indique que a reabertura do comércio é (ou não) a medida mais acertada, circunstância que igualmente afasta a probabilidade do direito. É oportuno ressaltar, neste ponto, que o Tribunal de Justiça paranaense já analisou casos que envolviam a suspensão de atividades comerciais, assim como outras restrições mais severas, sendo que em nenhuma destas ocasiões restou evidenciada a suposta inconstitucionalidade 6. Deste modo, na medida em que não resta evidenciada, de plano, a presença de medida excepcional apta a autorizar a revisão dos atos normativos aqui questionados e firme na premissa que a análise adequada deste tema que envolve estritamente questões de saúde e políticas públicas compete ao gestor municipal, não resta alternativa ao Juízo senão o indeferimento da petição inicial, posto que ausente qualquer violação ao direito líquido e certo sustentado. 4 Por estas razões, atento ao que foi exposto, indefiro a petição inicial, com fulcro no art. 10 da Lei /2009 e julgo extinto o feito, sem a resolução do mérito, nos moldes do art. 485, inciso I, do Código de Processo Civil. Condeno a impetrante ao pagamento das custas e despesas do processo. Sem honorários porque incabíveis na espécie (art. 25 da Lei /2009; Súmulas 512 do Supremo Tribunal Federal e 105 do Superior Tribunal de Justiça). Intimem-se. Diligências necessárias. Foz do Iguaçu, 18 de abril de Rodrigo Luis Giacomin Juiz de Direito 6 Confira-se: autos n ; autos n ; autos n
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