Cabeça bem feita x cabeça cheia
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- Regina Prada Carlos
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1 Cabeça bem feita x cabeça cheia O que diferencia os gênios das pessoas medianas não é o volume de conhecimentos que têm, mas sim a sua qualidade. Há pessoas que têm muita cultura, títulos e cargos, representando verdadeiras enciclopédias ambulantes, mas nada conseguem criar. Todavia, há outras, que têm menor bagagem cultural, mas têm uma inteligência mais aguda, conseguindo sempre descobrir caminhos nunca d'antes navegados. Outro gênio do pensamento foi MICHEL DE MONTAIGNE, cujas ideias serviram de paradigma em vários setores da atividade humana. Uma das melhores ideias que apresentou foi a seguinte: "É melhor uma cabeça bem feita do que uma cabeça cheia." Os pedagogos aproveitaram essa tese e a desenvolveram visando a melhoria do Ensino. Edgar Morin foi um dos que mais aprofundou e divulgou essa importante ideia. No seu livro A cabeça bem feita: repensar a reforma, reformar o pensamento, o autor fala sobre a necessidade de uma reforma no pensar, que, consequntemente, modificará o ensino. Um grande desafio que conduz os indivíduos a pensar e repensar em como levar isso a termo. Naturalmente que se esse objetivo fosse atingido, se fosse possível espalhar e difundir a todos os setores da educação, ma nova maneira de pensar, a reforma do pensamento, modificaria a sociedade. As portas se abririam para a construção de uma educação pluralista, democrática e que, com certeza garantiria uma nova visão para as futuras gerações. Todo esse movimento de reformar o pensamento reflete sobre o mundo, altera os horizontes do olhar sobre a terra, sobre a vida, a humanidade se modifica, as artes, as histórias traduzem novas alternativas, as gerações adolescentes dividem outras perspectivas, a cultura se desvirtua e acima de tudo, o conhecimento se traduz de forma mais significativa. Traz o desafio da complexidade, o conhecimento das partes depende do conhecimento do todo e o conhecimento do todo depende do conhecimento das partes ; pretende religar os conhecimentos dispersos e para isso exige uma nova postura do sujeito. Para o ser humano, passar de indivíduo a sujeito, deve ultrapassar a
2 dimensão biológica, chegar ao conhecimento e atingir a complexidade. A alusão sobre a educação como transmissão de conhecimentos, quando, não basta uma cabeça bem cheia, melhor uma cabeça bem feita. Melhor saber o que se deve saber. Traz também, como ensinar a viver, como ensinar a compreensão das emoções para uma formação que realmente favoreça a autonomia do espírito. Uma educação que leve o homem a ser cidadão responsável e que compreenda seu espaço e o espaço que o envolve. O ensino como arte de ensinar, transmitir o saber e a cultura, permitindo compreender as condições do homem, do mundo e ajudando-o a viver melhor. O que a reforma do pensamento quer é educar os homens dentro de uma visão sistêmica, onde os conhecimentos estejam ligados. Onde o conhecimento envolva o conhecimento, onde haja uma união entre o pensamento científico e o pensamento humanista, onde se trabalhe com um sistema aberto, vivendo e enfrentando as incertezas dentro de uma visão transdisciplinar. No prefácio da obra, o autor explica que o amadurecimento da ideia para o livro levou em torno de 10 anos. Ele sentia e verificava cada vez mais a necessidade de uma reforma no pensamento, que no ponto de vista dele só seria/será possível a partir de uma reforma no ensino. Durante este amadurecimento, um dos conceitos chaves para Morin é o da complexidade, e além disto, um dos pontos mais marcantes no pensamento de Edgar é de que só através da educação, aquela que vai além da mera transmissão de conceitos, mas que também nos ajuda a compreender a nossa condição, somente através dela é que alcançaremos a felicidade, ou como ele diz, "viver a parte poética de nossas vidas." (p. 11). Verifica-se que toda a discussão de Edgar Morin, seja no livro "Cabeça bemfeita" ou no "Os Sete saberes necessários à educação do futuro" (MORIN, 2006) é em torno da reforma do ensino para a educação do século XXI e, além disso, fica claro que esta educação está baseada numa necessidade da hominização do ser humano, ou seja, a educação do futuro necessita sim resgatar o que é o ser humano e quais a qualidades, características, ações que lhes confere esta condição. No primeiro capítulo do livro denominado "Os desafios", o autor coloca a questão da hiperespecialização que segundo ele, "impede de ver o global (...) bem como o essencial (...)" (p. 13) uma vez que com a hiperespecialização os
3 problemas são estudados cada vez mais isolados, mais específicos e particulares. Assim deixamos de analisar as influências que estes problemas sofrem exteriormente, ou quais são as relações que foram deixadas de lado com a particularização do mesmo. Deste modo, o problema fica isolado, mas não solucionado, não alisado corretamente. E aqui entra a tal da complexidade que Edgar Morin considera tal importante, aliás, a falta dela na análise dos problemas estudados tão particularmente. Com os especialistas deixamos de ver o todo e as relações existentes neste todo, assim a visão e a razão que fomos desenvolvendo tornou-se fragmentada, como ele mesmo diz, criou-se verdades ilusórias, não reais. Precisamos voltar-nos para a complexidade, entendermos os sistemas, ou melhor, ter um olhar sistêmico do nosso mundo, e o que seria isto, cada sistema é formado por subsistemas que interagem e se inter-relacionam. Se não for dessa maneira, se continuarmos com nossos olhares especialistas, Edgar Morin coloca que: (...) quanto mais os problemas se tornam multidimensionais, maior a incapacidade de pensar sua multidimensionalidade; quanto mais a crise progride mais progride a incapacidade de pensar a crise; quanto mais planetários tornam-se os problemas, mais impensáveis eles se tornam (p. 15). Ainda, para o autor, a contextualização é uma importante ferramenta no aumento do conhecimento, pois a partir do momento em que todos os campos dos saberes estão relacionados podemos ver diferentes faces do mesmo problema, e que todas estas faces interagem e têm suas parcelas de culpa na geração do problema ou são nelas que os problemas atuam. Edgar Morin afirma: Devemos, pois, pensar o problema do ensino, considerando, por um lado, os efeitos cada vez mais graves da compartimentação dos saberes e da incapacidade de articulá-los, uns aos outros; por outro lado, considerando a aptidão para contextualizar e integrar é uma qualidade fundamental da mente humana, que precisa ser desenvolvida, e não atrofiada ". (p. 16). Um dos pontos principais do livro está em torno da questão do que é a CABEÇA BEM-FEITA. Para o autor, uma cabeça bem-feita é aquela em "vez de acumular o saber precisa dispor ao mesmo tempo de: - uma aptidão geral para colocar e tratar os problemas; - princípios organizadores que permitam ligar os saberes e lhes dar sentido". (p. 21).
4 No terceiro capítulo do livro denominado de "A condição humana" o autor enfatiza a importância de sabermos, enquanto seres terrestres, a nossa verdadeira condição, de onde viemos, qual é o nosso local no universo, como foi o surgimento da vida, para onde vamos, o que podemos enfrentar no futuro, etc. Morin ainda aponta a Cosmologia, Ciências da Terra, Biologia, Ecologia como as ciências capazes de "situar a dupla condição humana: natural e metanautral." (p. 37). E é claro, sempre reforçando o fato da grande complexidade que é o ser humano, totalmente biológico e totalmente cultural. No capítulo seguinte "Aprender a viver", Morin coloca a ética como a questão mais relevante. A ética da compreensão humana. Morin nos mostra o cenário muito triste em que vivemos atualmente, onde há uma incompreensão generalizada entre todas as esferas da sociedade, entre estranhos e entre conhecidos, entre pais e filhos, entre professores e alunos, etc. Para a solução deste grave problema o autor propõe estudos interdisciplinares que aliassem a pedagogia, filosofia, psicologia, sociologia, historia, que segundo ele serviriam para trazer a lucidez e a compreensão de que todos somos humanos e assim também temos mecanismos de egocentrismos e de auto-justificação, através da percepção disto seria mais fácil trabalhar contra o ódio e o racismo, por exemplo. No capítulo cinco "Enfrentar a incerteza"... primeiro ponto e o mais importante, precisamos aceitar o destino incerto de cada um e de toda humanidade. Edgar Morin vai além e aponta três princípios de incerteza no conhecimento: O primeiro é cerebral: o conhecimento nunca é reflexo do real, mas sempre tradução e construção, isto é, comporta o risco de erro; - o segundo é físico: o conhecimento dos fatos é sempre tributário da interpretação; - o terceiro é epistemológico: decorre da crise dos fundamentos da certeza, em filosofia (a partir de Nietzsche), depois em ciência (a partir de Bachelard e Popper). (p. 59). Assim, ele deixa claro que precisamos viver com a incerteza em todos os momentos de nossas vidas, mas, a meu ver isso não significa que não podemos fazer nada diante dos fatos (negativos) com que nos deparamos no dia-a-dia. Devemos sempre pensar para o bem e ao mesmo tempo tentar não enganarmos de alguma forma diante dos fatos. Além disso, precisamos estar atentos ao que ele denominou de "ecologia da ação", ou seja, "toda a ação,
5 uma vez iniciada, entra num jogo de interações e retroações no meio em que é efetuada, que podem desviá-la de seus fins e até levar a um resultado contrário do esperado (...)" (p. 61). No capítulo seis, "A aprendizagem cidadã", Edgar volta a confirmar a minha ideia de que na atualidade, ou melhor, o mais importante para a educação nos dias atuais é a importância que ela está assumindo no sentido de estar formando cidadãos no sentido mais amplo da palavra. Refiro-me as questões relacionadas ao comportamento humano, há uma imperiosidade de que o homem volte a praticar os atos que lhe conferem o "grau" de ser um humano. O autor menciona a necessidade de atitudes como responsabilidade e solidariedade com a pátria, entretanto está pátria é formada por um Estado, conseqüentemente por uma sociedade/comunidade que também são formadas por seres humanos. Neste contexto, outros dois autores que comentam sobre a crise em que vivemos atualmente é Oliveira (1993, p. 42) quando ele coloca que "... perde-se cada vez mais a dimensão comunitária do ser humano". Segundo ele, este é um dos principais fatores pelo qual a nossa sociedade passa por tal crise. Já Rouanet (1993) afirma que no Brasil e no mundo, o projeto civilizatório da modernidade entrou em colapso. Estamos vivendo, literalmente, num vácuo civilizatório. Há um nome para isso: barbárie. Ou seja, diante deste cenário fica fácil entender a proposta de Edgar quando ele fala em "Aprendizagem cidadã", verifica-se a urgência de que o homem volte a humanizar-se, precisa resgatar atitudes de responsabilidade e solidariedade não só com sua pátria mas principalmente com seus semelhantes. No sétimo capítulo Edgar explica como seria a Educação de acordo com as propostas mencionadas por ele nos capítulos anteriores do livro, para os três graus de ensino, primário, secundário e Universidade. No primário seria estimulado o questionamento, que nesta época do desenvolvimento do ser humano é natural e, além disso, no meu entendimento, o autor coloca a necessidade de ensinar a importância da contextualização (grifos meus) em todos os sentidos. De onde viemos, para onde vamos, qual foi a trajetória do desenvolvimento do Homo sapiens até os dias atuais e este estudo seria realizado de maneira interdisciplinar, levando em conta psicologia, sociologia, física, química, biologia... No secundário, deveria ser o momento da aprendizagem do que deve ser a verdadeira cultura e é claro, entender a
6 cultura que realmente existe. No ensino universitário, ao contrário do que imaginávamos, Edgar propõe que a Universidade continue com seu papel de conservação, transmissão e enriquecimento do patrimônio cultural, mas o ponto fundamental é que o conteúdo a ser conservado/transmitido seria outro, seria um conhecimento adequado e adaptado às reais necessidades da sociedade, um conhecimento interdisciplinar. Por fim, nos capítulos seguintes, o autor, explica que a "Reforma do pensamento" não é uma ideia que está surgindo somente agora com seu livro, mas que já tem suas bases na "cultura das humanidades, na literatura e na filosofia, e é preparada nas ciências" (p. 89). E de que modo seria este pensamento? Para Edgar há necessidade de um pensamento: - que compreenda que o conhecimento das partes depende do conhecimento do todo e que o conhecimento e que o conhecimento do todo depende do conhecimento das partes; - que reconheça e examine os fenômenos multidimensionais, em vez de isolar, de maneira mutiladora, cada uma de suas dimensões; - que reconheça e trate as realidades, que são, concomitantemente solidárias e conflituosas (como a própria democracia, sistema que se alimenta de antagonismos e ao mesmo tempo os regula); - que respeite a diferença, enquanto reconhece a unicidade; (p ). A partir deste ponto, a discussão mais interessante que o autor faz é a respeito da inter-poli-transdisciplinariedade. Edgar enfatiza que a interdisciplinaridade não é meramente a união de disciplinas mas cada uma discutindo o "objeto" separadamente. A palavra interdisciplinaridade propõe troca, cooperação que, diga-se de passagem são duas atitudes que também estão ausentes nos seres humanos nos dias atuais. Ou seja, a interdisciplinaridade na verdade propõe uma nova posição/atidude por parte do ser humano, uma atitude humanizada. E aqui voltamos para aquela necessidade da volta ao "o que é ser humano", já discutido anteriormente. Como considerações finais, identificamos dois pontos fundamentais no pensamento de Morin: a urgência da humanização do homem e a interdisciplinaridade que a meu ver ao mesmo tempo é caminho e fim para se atingir a humanização do homem e a reforma do pensamento. Fica claro que interdisciplinaridade traz em seu bojo os quatro preceitos que Morin menciona sobre o quê é e como seria este novo pensamento, a questão da
7 complexidade e da contextualização. Nela não existe lugar para pré-conceitos, para a descontextualização, para a falta de discussão, para o egocentrismo. E aqui está o grande problema, ou o grande desafio a ser superado, deixarmos o "eu" um pouco de lado e passarmos a utilizar e a viver um pouco mais o "nós" em nossas vidas, na escola, na universidade, no seio de nossas famílias. Cabeça bem feita é o que deve ser priorizado. Quem é mera cabeça cheia tem de passar da simples acumulação de conhecimentos para a reflexão.
8 Referências Bibliográficas MARQUES, Luiz Guilherme. Disponível em < d=2526>. Acesso em: 01 mar MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 8ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 11 ed. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: UNESCO, OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Ética e racionalidade moderna. São Paulo: Loyola, ROUANET, S. P. Mal-estar da modernidade: ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
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