ARGENTINA: O PLANO DE CONVERSIBILIDADE ( )
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- Thiago Camarinho Vilanova
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1 Apêndice ao capítulo I do livro Regimes Monetários: Teoria e a Experiência do Real, do prof. André de Melo Modenesi. Editora Manole, ARGENTINA: O PLANO DE CONVERSIBILIDADE ( ) Por Marcello Averbug 1 A Implantação Do Conselho Da Moeda Partindo de um cenário nacional devastado por sucessivas crises, a Argentina deflagrou, em abril de 1991, o mais fascinante e controvertido processo de política econômica ocorrido na América Latina, naquela década. As tensões que atormentavam o país no fim dos anos 1980 e início dos 1990 eram o clímax de um longo período, no qual conviveram, nem sempre pacificamente, a instabilidade na área política, indomável inflação e perda de dinamismo da economia. Após vários intentos ortodoxos e heterodoxos para se alcançar a estabilidade monetária (entre os quais, destaca-se o Plano Austral de 1986), o ministro da economia, Domingo Cavallo, anunciou o chamado Plano de Conversibilidade (PC), que consistiu na implantação de um rígido sistema de conselho da moeda (currency board). Com o propósito de sinalizar a solidez do plano, o governo submeteu-o à aprovação do Congresso, transformando-o em lei. Uma nova moeda passou a vigorar, o peso, cuja equivalência ao dólar norte-americano foi fixada em um por um. Qualquer alteração na taxa de câmbio teria que passar pelo crivo do poder legislativo. Essa paridade cambial era avalizada pelo dispositivo que estabelecia a necessidade de haver um vínculo entre os meios de pagamento e as reservas internacionais. Conseqüentemente, o governo perdeu capacidade de emitir pesos conforme suas conveniências, impondo a si próprio um espaço limitado para formular política monetária. Consultor em Washington; Professor da Faculdade de Economia da Universidade Federal Fluminense ( ); Economista do BNDES ( ); e Economista do Banco Interamericano de Desenvolvimento ( ), onde ocupou, inclusive, a posição de economista para Argentina.
2 De início, a lei previa um volume dos meios de pagamento correspondente a no máximo, 100% do estoque de reservas. Isto é, a confiança na moeda argentina provinha do fato de que, a qualquer momento, era possível trocar qualquer montante de pesos por igual valor em dólares. Foram eliminadas restrições às operações cambiais, com livre circulação de capital, e a moeda estrangeira passou a ser legalmente negociada em estabelecimentos especializados, em bancos e até em hotéis. Permitiu-se a abertura de contas bancárias em dólares, também aceito em transações comerciais. O peso argentino permaneceu como moeda exclusiva para as contas públicas, pagamento de impostos, salários, contabilidade empresarial e crédito imobiliário. Ao Plano, foram agregadas iniciativas como: i) abertura comercial do país, com drástica redução de tributos aduaneiros; ii) privatização das inúmeras empresas estatais, muitas das quais de grande porte; iii) desregulamentação da economia; iv) flexibilização da presença de bancos estrangeiros no país; v) incentivo à previdência social privada. Houve intento de implementar a reforma do Estado e da estrutura tributária, mas os resultados obtidos foram insuficientes como elemento de respaldo ao Plano. A economia argentina tornou-se mais exposta às decisões de mercado, embora fortemente ancorada em uma decisão de governo, a conversibilidade. 2 Resultados Imediatos Pelos êxitos visíveis imediatamente, prenunciava-se, dentro e fora do país, uma longa era de elevado crescimento e estabilidade monetária, baseada em disciplina macroeconômica e reformas estruturais (ver Tabela 1). De fato, ao PC podem ser creditados eventos como: 1) inflação caiu imediatamente, passando de 2.314%, em 1990, para 172%, em 1991; continuou em declínio até 1995, estabilizando-se em taxas inferiores a 1,0% a.a., de 1996 até o final do PC; 2) economia readquiriu dinamismo, livrando-se do crescimento negativo verificado nos anos 1980 (média de -0,5% ao ano) e ostentando taxas de crescimento do produto interno bruto (PIB) superiores a 10%, em 1991 e Até 1998, o único ano de retração foi 1996, em razão da crise mexicana. De 1999 a 2001, as cifras voltaram a ser negativas;
3 3) privatização e abertura comercial induziram apreciável aumento de produtividade em vários setores de atividade; e 4) comércio exterior (exportação + importação) mais do que dobrou, entre 1991 e Tabela 1 Crescimento do PIB e Inflação Argentina: (Versão preliminar) Ano Taxa de variação do PIB Inflação Ano Taxa de variação do PIB Inflação ,6 672, ,3 4, ,3 90, ,8 3, ,6 131, ,8 0, ,0 343, ,1 0, ,0 3070, ,9 0, ,3 2314, ,4-1, ,5 172, ,5-0, ,3 24, ,4-1, ,3 10,7 Fonte: Ministério de Economia da Argentina. Pelos êxitos visíveis imediatamente, prenunciava-se, dentro e fora do país, uma longa era de elevado crescimento e estabilida A rápida recuperação do crescimento do PIB é explicada pela existência de elevado índice de demanda reprimida, causada pela intranquilidade reinante nos anos anteriores. À imagem da experiência internacional em súbito estancamento da inflação, a população recuperou confiança no futuro e lançou-se avidamente ao consumo. Em face do elevado índice de ociosidade no setor industrial, não foram necessários investimentos para aumentar velozmente a produção. 3 A Evolução Do Modelo Mas nem tudo era um mar de rosas na trajetória do modelo argentino de currency board. Dois dos setores econômicos diretamente relacionados com a lógica da conversibilidade,
4 o fiscal e o cambial, revelaram comportamento que vulnerabilizava o destino do PC. Ao mesmo tempo, as políticas aplicáveis a esses setores estavam condicionadas aos parâmetros impostos pelo próprio Plano. Isto é, às dificuldades usuais em combater os desequilíbrios nas contas públicas e externas, adicionavam-se as limitações impostas pela conversibilidade no manuseio dos instrumentos de política econômica. 3.1 Contas Públicas Apesar do crescimento econômico, as finanças públicas jamais registraram comportamento compatível com os princípios do PC. Embora a arrecadação tributária tenha aumentado a partir de 1991, os gastos primários subiram em ritmo superior, descompasso esse agravado pelo crescente ônus com o serviço da dívida pública. Nos primeiros anos, o desequilíbrio fiscal era disfarçado pelos recursos provenientes da venda de empresas estatais. No momento em que declinou a receita obtida com as privatizações, pois a maioria das estatais já havia sido vendida, o perfil deficitário tornou-se mais exposto. A partir de 1996, a intranquilidade provocada pelo quadro fiscal começou a corroer os alicerces da paridade cambial. Havia, portanto, uma inconsistência macro-econômica: a coexistência entre política monetária/cambial rígida, e política fiscal expansiva. Enquanto a taxa de câmbio menteve-se fixa, o endividamento público cresceu velozmente, criando-se uma combinação explosiva, tendente a abalar a conversibilidade. 3.2 Dívida Externa Uma postura fiscal mais cautelosa do que a citada anteriormente teria melhorado a dinâmica de endividamento público, sobretudo o externo, e amenizado a propensão ao default. Entre 1991 e 2001, a dívida externa passou de US$ 57 bilhões a US$ 148 bilhões, ampliando sua magnitude com respeito ao PIB de 30,0% para 55,4%. Em 2001, o serviço da dívida efetivamente pago equivaleu a 89,7% do valor das exportações, indicador que em 1991 encontrava-se em 46,3%. Evidentemente, esse perfil de endividamento conflita com qualquer pretenção de gerir tranquilamente um sistema de currency board. E, na realidade, acelerou a implosão da conversibilidade, em Balanço de Pagamentos
5 Tendo em vista a necessidade de haver equivalência entre os meios de pagamento e reservas internacionais, o balanço de pagamentos constituia fator de risco ao PC. Contas externas que proporcionassem incremento ou preservação das reservas, representavam condição para evitar-se um clima recessivo que sufocasse o Plano. Essa condição só foi atendida graças à dimensão alcançada, a partir de 1991, pelo superávit na conta de capital, compensando o saldo negativo em conta corrente. Tratavase, portanto, de um equilíbrio delicado, dependente do volúvel fluxo de capitais externos. No ano 2000, essa fragilidade tornou-se mais explicita: pela primeira vez em dez anos o superávit na conta de capital foi insuficiente para compensar o déficit em conta corrente. Em 2001, o fluxo líquido de capital foi negativo. Os déficts na balança comercial, registrados de 1992 a 1994 e de 1997 a 1999, advinham: i) do salto na demanda por importações, gerado pelo crescimento econômico; e ii) da apreciação da taxa de câmbio real, que funcionava como subsídio à importação e desestímulo à exportação. Nos demais anos, as importações contrairam-se em decorrência da recessão. 3.4 Emprego e Pobreza Ao longo da vigência do PC, os níveis de emprego e pobreza evoluiram desfavoravelmente, mesmo nos anos de crescimento do PIB Nível de Emprego Apesar do notável crescimento econômico ocorrido entre 1991 e 1997 (com exceção de 1995), a taxa de desemprego entre esses dois anos passou de 6,5%, para 13,7%, tendo atingido cifra recorde de 18,6%, em 1995, quando ocorreu o efeito tequila 1. Em 2001, esse indicador encontrava-se em 16,4%. Como nesses anos o nível de subemprego girava em torno de 15,0%, aproximadamente 30,0% da força de trabalho encontrava-se sem emprego ou ocupada por poucas horas. Nos quatro primeiros anos de conversibilidade, o aumento do desemprego teve suas origens em: i) incremento de produtividade nos setores industrial e de serviços, sendo que, nesse último, fruto das privatizações; ii) fechamento de empresas que não resistiram à competição com bens importados, dada a sobrevalorização cambial; 1 Que se refere ao contágio da economia argentina pelos efeitos negativos da crise mexicana de dezembro de 1994.
6 iii) redução de pessoal nos quadros públicos. Posteriormente, o ritmo ora hesitante e ora recessivo da atividade econômica passou à condição de principal demolidor de postos de trabalho. A questão repetidamente levantada à época era: até quando a sociedade estaria disposta a conviver com elevados níveis de desemprego, sem reivindicar mudanças radicais na política econômica, isto é, no sistema de conversibilidade? Pobreza e Desigualdade Social Como conseqüência do desemprego, pioraram os padrões de pobreza e de concentração de renda, a partir do terceiro ano de vigência do PC. O número de pessoas classificadas como pobres subiu de 16,9%, em outubro de 1993, para 41,5%, em maio de 2002, primeira medição realizada após o fim do PC. Em 1990, ano anterior ao PC, os 40% mais pobres da população recebiam 14,9% da renda total, número que baixou para 13,5% ao final de Os 10% mais ricos elevaram sua participação na renda, durante esse período, de 34,8% a 42,0 % Conclusão Parte das crises que minaram a trajetória do PC, sobretudo entre 1999 e 2001, originou-se no esforço em atacar problemas cujas respectivas terapias continham áreas de atrito entre si. Embora a experiência internacional demonstre que esses atritos não constituem dilema inédito nem insolúvel, as dificuldades de convivência entre alguns objetivos assumiram, na Argentina, magnitude e complexidade peculiares. Isto porque a conversibilidade demarcava, para a política econômica, uma fronteira mais estreita do que a existente em outros países. Os três principais conjuntos de objetivos sujeitos a confrontos internos eram: i) o combate ao déficit público e a busca da reativação econômica; ii) iii) o aumento da competitividade (essencial para compensar o câmbio fixo e sobrevalorizado) e a redução do desemprego; o esforço em satisfazer as necessidades de financiamento do setor público e o empenho em reduzir o peso da dívida. 2 Dados referentes à região do Grande Buenos Aires, única onde o levantamento é realizado pelo Instituto Nacional de Estadística y Censo (INDEC).
7 Faltaram à Argentina elementos para desvendar esses dilemas e, em consequência, o sistema de currency board foi abandonado de forma tumultuada, em dezembro de As pressões criadas pelo elevado endividamento público, o eterno desequilíbrio fiscal, a drástica diminuição no fluxo de capital externo, a intranquilidade social causada pela recessão, o desalento no meio empresarial, a hostilidade do mercado financeiro internacional e a elevação do risco país, tornaram a conversibilidade insustentável. O regime de currency board desempenhou, no início, papel essencial na vitória contra a inflação. Mas seu pleno êxito, em termos de forjar um ambiente favorável ao desenvolvimento econômico e social, dependia da execução de profundas reformas, destinadas principalmente a: i) aumentar competitividade do sistema produtivo, a ponto de favorecer mais fortemente o comércio externo; ii) iii) disciplinar o ambiente fiscal, de forma a abrandar a questão do endividamento e elevar capacidade de investimento do setor público; promover a reforma do Estado, dotando-o de maior habilidade para conceber e executar políticas públicas. Como as reformas não aconteceram, a conversibilidade passou de fator de confiança para fator de dúvidas: até quando a Argentina agüentaria? Quais estragos seriam produzidos pela mudança de regime cambial? Por ter durado mais do que o razoável, o regime de currency board transformou-se em um passivo, ao encolher o raio de manobra para uma política de retomada do crescimento. Chegou-se a um ponto onde as tensões econômicas, sociais e políticas superaram os benefícios do regime de currency board. Vale dizer, essas tensões provocavam danos maiores do que o trauma de sair da conversibilidade. Nesse momento, houve a ruptura.
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