Mobilidade no espaço lusófono numa perspectiva de educação internacional: a experiência no curso de educação de infância

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1 Mobilidade no espaço lusófono numa perspectiva de educação internacional: a experiência no curso de educação de infância Julio Santos, Alice Bastos, Carla Faria, Isabel Carvalho, Melo de Carvalho e Jose Portela Introdução O programa de moblidade com Cabo Verde no âmbito da licenciatura em Educação de Infância inscreve-se na perspectiva de internacionalização e de cooperação para o desenvolvimento que a Escola Superior de Educação de Viana do Castelo (ESEVC) tem estado a desenvolver ao longo dos últimos cinco anos. Mais concretamente, a iniciativa insere-se num programa mais vasto de cooperação e captação de novos públicos intitulado "Educar sem Fronteiras", abrangendo Angola, Guiné-Bissau, Cabo Verde e Portugal. Além disso, privilegia, no Quadro da Acção de Dacar e na perspectiva da Educação para Todos decorrente de Jomtien, o apoio directo a projectos de cooperação na área do ensino básico em contextos (maioritariamente rurais) em África. Este projecto piloto, pela natureza dos contextos periféricos onde se situa (concelhos de Santa Catarina na ilha de Santiago e de Paúl e

2 Porto Novo na ilha de Santo Antão), significa seguramente um investimento no Pré-Escolar no contexto do desenvolvimento local e comunitário. Neste sentido, tenta relacionar-se, numa abordagem integrada, com a promoção dos direitos da criança, o alívio da pobreza, o desenvolvimento sustentável dos recursos humanos, a Educação para Todos (EPT) e a saúde para todos. De acordo com as orientações da Conferência de Asmara para a Educação de Infância em África 1, deverá reconhecer o papel e efeito multiplicador dos programas de Educação de Infância como base para o desenvolvimento sustentável e o combate à exclusão e à pobreza. Cooperar para o desenvolvimento a experiência e a visão da ESEVC A Escola Superior de Educação vem acumulando uma experiência e conhecimento aprofundado dos valores, conceitos e práticas interventivas inerentes à cooperação no contexto dos países do sul, mais propriamente nos países da CPLP. Este domínio de interesse, de intervenção e de investigação reporta-se essencialmente à implementação de projectos e programas na área do ensino básico no quadro das grandes linhas de orientação da UNESCO e outras agências internacionais que promovem a agenda internacional da cooperação em redor dos conceitos do combate à pobreza (poverty reduction strategies) através do incentivo a uma educação básica de 1 Asmara Declaration on Early Child Development: Framework for Action, Asmara, Eritreia, 2002.

3 qualidade para todos. 2 Esta agenda está a ser adoptada pelos organismos oficiais da cooperação portuguesa e por outros agentes de cooperação da sociedade civil. A cooperação educativa para o desenvolvimento pode e está já a afirmar-se como um área de importância crucial, podendo ser cada vez mais integrada nas outras unidades orgânicas do Instituto Politécnico de Viana do Castelo (IPVC). A recente intervenção no Sri Lanka, resultante do esforço de articulação das várias escolas do IPVC, demonstrou que a linha da sensibilização das sociedades do norte em relação aos países e sistemas sociais do Sul, no âmbito educação para o desenvolvimento, pode ser um factor aglutinador de iniciativas concretas de internacionalização e mobilidade. O programa Educar sem Fronteiras 3 tem por missão contribuir para o reforço e melhoria dos actuais instrumentos de cooperação e internacionalização existentes de forma a potenciar e disseminar as suas actividades de intervenção e investigação na área da educação internacional e comparada, alargando o seu impacto a outras instituições de ensino superior. Várias iniciativas que sustentam esta proposta já estão a ser promovidas pela ESEVC, em parceria com diversos actores envolvidos em projectos de educação, formação e captação de recursos humanos, quer em Portugal, quer em vários contextos da Lusofonia. A criação recente do Gabinete de Estudos para a Educação e Desenvolvimento (GEED), a constituição de várias 2 Ver, entre outos, os documentos UNESCO (2002) "Education for all - An international strategy to put the Dakar framework for action on education for all into operation". Uma das estratégias salienta a melhoria do estatuto, moral e profissionalismo do corpo docente. Ver ainda World Bank (1995) "Priorities and strategies for Education - a World Bank review".

4 missões de estudo, concepção, acompanhamento e avaliação de projectos envolvendo docentes do ensino básico e pré-escolar da ESEVC à Guiné-Bissau, Angola e Cabo Verde, a participação de estudantes em projectos de voluntariado para a cooperação (incluindo estudantes do curso de educação de infância), a formação de técnicos cooperantes, o apoio à cooperação descentralizada, entre outras actividades, demonstra o esforço desta Escola no sentido da apropriação e institucionalização de uma área de trabalho e investigação que se começa a revelar fundamental para o seu futuro. A área da cooperação com os Países de Língua Portuguesa tem-se afirmado como uma área estruturante para a instituição, na medida em que tem permitido reforçar os processos de internacionalização do próprio IPVC, conjugando também a possibilidade de se poderem incrementar acções e programas de qualidade na área da educação internacional e comparada. A lógica que tem presidido à construção de uma visão nesta área de estudo e intervenção tem obedecido a três grandes linhas de trabalho: Implementação de Projectos de Cooperação para o Desenvolvimento Educativo A concepção conjunta e a ajuda à implementação de projectos de cooperação no contexto dos países do sul e, nomeadamente, nos PALOP, está a constituir um desafio ético, pedagógico e cultural para a ESE. É de salientar, os programas em que a ESEVC assumiu um 3 Âmbito Contrato-Programa, financiado pelo MCTES.

5 papel a tempo inteiro de parceria, de orientação e de concepção das principais linhas de intervenção - Projecto de Apoio à Educação no Interior da Guiné-Bissau (PAEIGB) e Projecto de Apoio à Educação Básica em Angola (PAEBA). Neste momento, encontra-se em fase de arranque muito promissor os projectos de colaboração com Cabo Verde e Angola. Em relação a Cabo Verde, o programa de cooperaçã0 e internacionalização realizase em estreita articulação com as Escolas de Formação de Professores do Ensino Básico de Assomada na Ilha de Santiago e do Mindelo na Ilha de São Vicente. A ESEVC assume uma relação de parceria com estas instituições, tendo-se aliado também em rede a Organizações não-governamentais (ONGs), às câmaras municipais e às delegações de educação do Ministério da Educação e Valorização dos Recursos Huamnos no sentido do envolvimento participativo dos actores para a sustentação das práticas já iniciadas. Na perspectiva estratégica da cooperação portuguesa, o programa de mobilidade e cooperação com Cabo Verde está a ser reconhecido e valorizado pelo IPAD (Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento), sendo as suas iniciativas um contributo para a melhoria do sistema de educação (particularmente neste caso, do sub-sistema de educação pré-escolar), quer através do contacto directo com a rede dos jardins de infância, quer da formação contextualizada de públicos, quer do apoio à concepção de formação especializada na perspectiva de vários grupos-alvo (educadores, monitores, coordenadores).

6 Integração institucional, sensibilização, mobilidade e docência nas áreas da educação, cooperação e desenvolvimento Esta linha de trabalho está a ser implementada e deverá ser desenvolvida através da realização de várias iniciativas, a saber: - integração nos curricula dos cursos de formação de professores e educadores de temáticas ligadas à cooperação, desenvolvimento e educação internacional; oferta de cursos livres sobre cooperação, educação e desenvolvimento; proposta já elaborada de uma disciplina de opção sobre cooperação e desenvolvimento nos cursos de formação para professores do 1º ciclo; - voluntariado para a cooperação internacional através da participação nos projectos No Djunta Mon (em língua Caboverdiana "Vamos dar as mãos") em parceria com o ISU (presença de estudantes do IPVC em estadia de curta duração nos PALOP, nomeadamente na Guiné-Bissau); participação em iniciativas da cooperação descentralizada através da geminação entre municípios portugueses e dos PALOP e consequente incentivo à implementação e reflexão sobre geminações de escolas e jardins de infância e mobilidade docente e discente entre países de língua portuguesa; - colaboração com a Universidade Fernando Pessoa na pósgraduação em Assistência Humanitária. A ESE, através do

7 GECED, é responsável pelo módulo "Educação em situação de pós-conflito e reconstrução". Investigação na área da Educação Internacional e Comparada Esta componente deverá ser reforçada no âmbito do presente projecto. Algumas dimensões a serem investigadas decorrem do envolvimento directo da ESEVC na implementação no terreno de programas e projectos. Entre outras, já estão a merecer particular realce as seguintes temáticas: - Educação e desenvolvimento no contexto dos Países de Língua Portuguesa; - O ensino da Língua Portuguesa no contexto africano; - Cooperação e implementação de mudanças educativas no contexto do sul; - Uso e impacto das novas tecnologias de informação no acesso e qualidade da educação nos países do sul; - Modelos e práticas de formação de professores e educadores em contextos rurais desfavorecidos; - Estudos de caso sobre educação básica em situação de pósconflito; - O papel das ONGs na implementação de projectos educativos no âmbito da cooperação descentralizada; - Avaliação de projectos educativos. Acções do Programa "Educar sem Fronteiras"

8 Acção 1. Criação do centro de recursos Consolidação, reforço e ampliação do GECED com a criação de um centro de recursos sobre educação no contexto dos países do sul, possibilitando a construção de respostas coerentes às solicitações inerentes à intervenção, reflexão e monitorização de projectos de educação e formação de recursos humanos. Além disso, o GECED deverá continuar a contribuir para a investigação nesta área, envolvendo parcerias mistas de docentes portugueses e de especialistas de educação no contexto do desenvolvimento, quer do Norte, quer do Sul. Acção 2. Intercâmbios pedagógicos e mobilidade de técnicos, de docentes e discentes Esta acção pretende implementar um programa de mobilidade docente com as escolas de formação de professores e com outros agentes educativos com as quais a ESE tem estado em contacto. Pretende também fomentar formação complementar e avançada, estabelecer laços de solidariedade e intercâmbio pedagógico e cultural com escolas ou centros de formação de professores situadas no interior de Cabo Verde, de Angola e Guiné-Bissau (Instituto Pedagógico de Cabo Verde, Escola de Formação de Professores de Assomada, Santa Catarina, Ilha de Santiado e Instituto Médio Normal de Educação de Malange ou Huambo).

9 Acção 3 - Documentário e site na internet - "Percepções e realidade da educação básica em contexto africano" Esta acção visa a produção de um documentário e de um site sobre as percepções locais de vários actores a nível micro sobre a importância da educação básica e pós-básica para o desenvolvimento sustentável num dos PALOP. Dado a envolvimento da ESE com várias escolas e delegações de educação dos meios rurais na Guiné-Bissau, em Cabo Verde e em Angola, torna-se pertinente a elaboração deste registo, recorrendo a métodos etnográficos e qualitativos. Este será um instrumento de troca cultural e um recurso de educação para o desenvolvimento (pode ser associado ao trabalho da Plataforma de Cooperação com a Guiné-Bissau de Viana do Castelo - Projecto de Geminação entre Viana do Castelo e Cachéu e serão estudadas parcerias com organizações como, por exemplo, a Associação de Audiovisual "Ao Norte" sediada em Viana do Castelo). Acção 4 - Extensão do Projecto Internet@EB1 a escolas ligadas a centros de formação nos PALOP Visa esta acção a constituição de uma rede de intercâmbio entre escolas que possam estar ligadas a centros de formação nos PALOP (numa fase experimental a escolas de Cabo Verde, a partir da Escola de Formação de Professores de Assomada na Ilha de Santiago), podendo o número ser alargado também a outros países como a Guiné-Bissau (por exemplo às zonas de Cachéu e Boé onde a ESE já participa em iniciativas de cooperação) e a Angola. (províncias de

10 Malange, Huambo e Huíla, sendo aí que se desenvolve o projecto PAEBA). Esta acção terá a participação da Escola Superior de Enfermagem no que concerne à implementação de materiais e sensibilização ná área da educação para a saúde. Acção 5 - Produção de materiais e estudos relevantes sobre cooperação Além dos relatórios já produzidos no âmbito dos projectos e de alguns artigos sobre cooperação (na revista da ESEVC e na revista Cooperação do IPAD), esta acção prevê a produção de materias pedagógicos de acordo com as solicitações inerentes aos projectos (por ex. manuais de apoio ao professor de Língua Portuguesa, manuais de metodologias do ensino básico já em fase experimental do Projecto PEIGB na Guiné-Bissau). A par disso, deverão produzir-se artigos científicos a publicar em revistas da especialidade sobre temáticas identificadas no âmbito das grandes questões da educação internacional já atrás enunciadas. Sustentabilidade e viabilidade do "Educar Sem Fronteiras" Apontam-se como factores desenvolvidos pela ESE do IPVC para a sustentabilidade e viabilidade das iniciativas de cooperação os seguintes: - O estabelecimento de parcerias, ao longo dos últimos quatro anos, com organismos estatais e da sociedade civil (ONGs,

11 igrejas, instituições de formação, câmaras municipais) empenhados em desenvolver projectos de qualidade a longo prazo na área da cooperação; - A integração de docentes, discentes e colaboradores especialistas em educação e desenvolvimento em acções directas no terreno, fortalecendo a memória institucional e conferindo à instituição credibilidade para conceber e implementar projectos em articulação com os ministérios dos países; - As sinergias entre a implementação de projectos e a sua demonstrada capacidade para influenciar políticas de cooperação e de educação no sentido de um desenvolvimento educativo sustentado e holístico; - a proximidade do terreno de implementação junto dos actores a nível descentralizado (a escola ou núcleo de escolas como unidade de pesquisa e intervenção); - o apoio do IPVC, da cooperação portuguesa (IPAD) e os contactos multilaterais estabelecidos no diálogo com a UNESCO (particularmente, com o núcleo "Educação em situação de emergência e reconstrução" e com o grupo de trabalho da UNESCO e FAO sobre Educação para Populações Rurais); - O investimento financeiro sustentado da ESE ao longo dos últimos quatro anos, no projecto de criação de uma base para a cooperação (criação do GECED, vencimento de um docente, organização de cursos livres, logística, visitas ao terreno, etc).

12 Bibliografia Belo D., Barbosa J. Santos J. (2001) Aprender com o sul - Parcerias para a cooperação com a Guiné-Bissau, in Cooperação, nº2, Lisboa: IPAD. Carron G. Chau T. N. (1996) The quality of primary schools in different development contexts, Paris, IIEP/Unesco. FAO/UNESCO (2002) Education for Rural People in Asia. Experiences and policy lessons, FAO seminar, Roma: FAO. Hoppers C. (1998) Teachers resource centres in Southern Africa: an investigation into local autonomy and educational change in International Journal of Educational Development, 18 (3). Knamiller G. (ed) (1999) The efectiveness of teacher resource centre strategy, Serial no. 34, London:DFID. Sinclair M. (2002) Education and reconstruction, Paris: IIEP/Unesco. UNESCO (2002) "Education for all - An international strategy to put the Dakar framework for action on education for all into operation", Paris: Unesco World Bank (1995) Priorities and strategies for Education - a World Bank review, Washington: WB.