TEORIAS DO DISCURSO E ENSINO

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2 TEORIAS DO DISCURSO E ENSINO

3 Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Chanceler: Dom Dadeus Grings Reitor Joaquim Clotet Vice-Reitor: Evilázio Teixeira Conselho Editorial: Antônio Carlos Hohlfeldt Elaine Turk Faria Gilberto Keller de Andrade Helenita Rosa Franco Jaderson Costa da Costa Jane Rita Caetano da Silveira Jerônimo Carlos Santos Braga Jorge Campos da Costa Jorge Luis Nicolas Audy (Presidente) José Antônio Poli de Figueiredo Jussara Maria Rosa Mendes Lauro Kopper Filho Maria Eunice Moreira Maria Lúcia Tiellet Nunes Marília Costa Morosini Ney Laert Vilar Calazans René Ernaini Gertz Ricardo Timm de Souza Ruth Maria Chittó Gauer EDIPUCRS: Jerônimo Carlos Santos Braga Diretor Jorge Campos da Costa Editor-chefe

4 Carmem Luci da Costa Silva Claudia Stumpf Toldo Leci Borges Barbisan Lia Lourdes Marquardt Organizadoras TEORIAS DO DISCURSO E ENSINO Porto Alegre 2009

5 EDIPUCRS, 2009 Capa: Deborah Cattani Diagramação: Stephanie Schmidt Skuratowski Revisão: Rafael Saraiva Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) T314 Teorias do discurso e ensino [recurso eletrônico] / organizadoras, Carmem Luci da Costa Silva... [et al.]. Dados eletrônicos. Porto Alegre : EDIPUCRS, p. Sistema requerido: Adobe Acrobat Reader Modo de Acesso: World Wide Web: < ISBN (on-line) 1. Linguistica Teorias. 2. Português Ensino. 3. Línguas Estrangeiras Ensino. I. Silva, Carmem Luci da Costa. CDD 410 Ficha Catalográfica elaborada pelo Setor de Tratamento da Informação da BC-PUCRS Av. Ipiranga, Prédio 33 Caixa Postal Porto Alegre, RS BRASIL Fone/Fax: (51) edipucrs@pucrs.br

6 COLABORADORES Carmem Luci da Costa Silva (UFRGS) Claudia Stumpf Toldo (UPF) Gisele Benk de Moraes (UPF) Magali Lopes Endruweit (UERGS) Neiva Maria Tebaldi Gomes (UNIRITTER) Neusa Maria Henriques Rocha (UPF) Niura Maria Fontana (UCS) Roberta Macedo Ciocari Sônia Litchenberg Tânia Maris de Azevedo (UCS) Telisa Furlanetto Graeff (UPF) Vania Morales Rowell

7 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO... 7 PARTE 1 - TEORIAS DO DISCURSO E ENSINO DO PORTUGUÊS A língua portuguesa como instrumento de aquisição de conhecimentos no ensino fundamental: algumas reflexões Tânia Maris de Azevedo e Vania Morales Rowell Teorias linguísticas e o ensino da escrita Magali Lopes Endruweit Pela inserção do discurso na escola Sônia Lichtenberg Argumentação e ensino de língua materna Carmem Luci da Costa Silva Para resumir textos: uma proposta de base semântico-argumentativa Telisa Furlanetto Graeff Gêneros discursivos no ensino: o foco na interação verbal Neiva Maria Tebaldi Gomes O comportamento dos demonstrativos na organização dos enunciados Claudia Stumpf Toldo e Neusa Maria Henriques Rocha PARTE 2 - TEORIAS DO DISCURSO E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS Construção da autonomia na formação do professor de língua estrangeira Niura Maria Fontana Operadores argumentativos little, a little, few, e a few no ensino inglês como língua estrangeira Roberta Macedo Ciocari Uso de pero, sino e sin embargo através da teoria da argumentação na língua Gisele Benck de Moraes

8 APRESENTAÇÃO Este livro foi organizado por um grupo de pesquisadores que desenvolvem, com o apoio do CNPq, o projeto A construção do sentido no discurso. Ao folhar as páginas desta obra, o leitor encontrará reflexões sobre questões teóricas e práticas acerca da língua e de suas perspectivas no complexo e heterogêneo mundo da educação. Pensar a realidade da língua é pensar que todos os discursos se constroem a partir do uso que dela se faz. Como escreveu Saussure em um de seus rascunhos *, a língua só é criada com vistas ao discurso. Diante disso, queremos, neste livro, divulgar estudos desenvolvidos sob diferentes perspectivas teóricas do discurso e questionar alguns aspectos do ensino de língua, tanto materna quanto estrangeira, na escola, tendo presente que o professor precisa acima de tudo ser um profissional capaz de criar conhecimento e alternativas para a aprendizagem de seus alunos. Assim, os textos aqui apresentados se propõem a buscar um diálogo possível entre concepções teóricas, e são dirigidos a estudiosos da língua, a professores de modo geral e a alunos de Graduação, futuros professores. Os textos que compõem este livro estão organizados em duas partes. Encontram-se, na primeira, estudos concernentes a teorias do discurso, aplicadas ao ensino da língua materna. Na segunda parte, há trabalhos que dizem respeito à aplicação de teorias ao ensino de línguas estrangeiras. Na primeira parte, Tânia Maris de Azevedo e Vania Morales Rowell, em A língua portuguesa como instrumento de aquisição de conhecimentos no ensino fundamental: algumas reflexões, propõem uma abordagem para o ensino da língua portuguesa que leve em conta a língua como ferramenta para a aquisição de conhecimentos em todas as áreas. Para tanto, defendem uma concepção de ensino de língua materna a partir de pressupostos vinculados às * STAROBINSKI, Jean. As palavras sob as palavras: os anagramas de Ferdinand Saussure. São Paulo: Perspectiva, 1974.

9 teorias linguísticas enunciativas, que se centram nos sentidos produzidos pela língua em uso na interlocução. Em Teorias lingüísticas e o ensino da escrita, Magali Lopes Endruweit reflete sobre a presença da escrita na escola e sua relação com as teorias linguísticas subjacentes às concepções de escrita. A discussão se dá em três momentos: o primeiro trata do entendimento segundo o qual a escola é o lugar da escrita por excelência; o segundo analisa as principais publicações presentes em sala de aula nos últimos trinta anos e o terceiro procura o significado da escrita na escola. Em Pela inserção do discurso na escola, Sônia Lichtenberg analisa o contexto ensino-aprendizagem da língua portuguesa nas escolas de níveis fundamental e médio, assim como os instrumentos utilizados para esse fim gramáticas tradicionais e livros didáticos questiona os limites de um ensino que deixa de lado a língua em uso e, em consequência, o discurso. A autora propõe um ensino centrado no funcionamento da língua no discurso a partir da Teoria da Enunciação de Émile Benveniste. No artigo Argumentação e ensino de língua materna, Carmem Luci da Costa Silva discute o saber teórico-metodológico do ensino de língua materna proposto pelos PCNs, bem como verifica, nessas diretrizes para os ensinos fundamental e médio, a presença de aspectos que contemplam o funcionamento enunciativo-argumentativo da língua. A partir disso, mostra análises centradas na Teoria da Argumentação de Oswald Ducrot para refletir sobre as possibilidades de exploração do uso argumentativos da língua em sala de aula. Assim, a autora pontua em seu texto duas questões relacionadas: (1) o tratamento da língua em uso e (2) a consideração da argumentação no uso da língua. Para resumir textos: uma proposta de base semântico-argumentativa é um artigo em que Telisa Furlanettto Graeff testa uma metodologia de resumo de textos expositivo-argumentativos com base nas teorias da Polifonia e dos Blocos Semânticos propostas por Oswald Ducrot e Marion Carel. A aplicação dessa metodologia a alunos de Pós-Graduação em Letras em nível de Mestrado revelou-se adequada, visto que os alunos passaram, a partir dessa metodologia, a produzir resumos considerando os princípios necessários a esse gênero 8 Carmem Luci da Costa Silva, et al.

10 textual: completude (presença/ausência de unidades semânticas básicas), economia e fidelidade. Gêneros discursivos no ensino: o foco na interação verbal, de Neiva Maria Tebaldi Gomes, estuda a possibilidade de levar os gêneros discursivos para a escola. Essa atividade permite, conforme a autora, compreender o espaço escolar como uma extensão do grande espaço das relações sociais em que se movem e se constituem os sujeitos. Esse estudo mostra que, independentemente de perspectivas teóricas, falar de gêneros na Linguística é ter como foco a interação pela linguagem, é tratar das formas de interação verbal que se constroem nas práticas sociais, procurando entender melhor o que o homem faz com a linguagem. O comportamento dos demonstrativos na organização dos enunciados, pesquisa desenvolvida por Claudia Stumpf Toldo e Neusa Maria Henriques Rocha, evidencia, à luz da perspectiva linguístico-funcionalista, que a língua tem de ser tratada no seu contexto de uso e entendida na relação com as diversas possibilidades de interação. Para tanto, analisa a construção de sentidos no texto, por meio das relações que se estabelecem, nesse processo, entre os componentes sintáticos, semântico-discursivos e pragmáticos. As autoras procuram compreender o comportamento dos pronomes demonstrativos em enunciados de humor, com o propósito de mostrar que o professor pode levar o aluno a reconhecer a função referenciadora desses pronomes e o papel que eles desempenham na construção dos sentidos do texto. A segunda parte é constituída de textos que abordam o ensino de línguas estrangeiras a partir de teorias sobre o uso da linguagem. Em Construção da autonomia na formação do professor de língua estrangeira, Niura Maria Fontana apresenta a noção de autonomia na escola e afirma a necessidade de que o professor tenha conhecimento de teorias linguísticas para, pela relação da teoria com a prática, desenvolver essa competência em seus alunos. Propõe, então, que o professor tenha uma concepção de língua, não como estrutura, mas como atividade situada, que contemple noções como texto, coesão, enunciação, gênero e discurso. É apresentado o relato de um experimento com dois grupos de alunos. Teorias do Discurso e Ensino 9

11 Em Operadores argumentativos little, a little, few, e a few no ensino do inglês como língua estrangeira, Roberta Macedo Ciocari estuda o uso dos chamados quantificadores, destacando que os materiais didáticos comumente utilizados tornam difícil a tarefa de explicar a diferença existente entre os componentes de cada par. Por isso, os alunos não conseguem empregá-los com segurança, visto não os distinguirem. Com o estudo da Teoria da Argumentação na Língua, a autora propõe uma nova abordagem dos quantificadores em questão, que ajudaria tanto alunos como professores no entendimento desse assunto. Com seu trabalho, Uso de pero, sino e sin embargo, através da teoria da argumentação na língua, Gisele Benck de Moraes constata que uma das dificuldades que se apresenta a alunos e professores de língua espanhola é o uso de pero, sino, sin embargo no discurso. A busca de esclarecimentos em gramáticas, dicionários e até mesmo em livros didáticos parece não ser suficiente para dar clareza sobre o uso desses termos: a explicação é sucinta e comparativa e, geralmente, trata só de pero e de sino. Em virtude dessa dificuldade, a autora faz um estudo em que mostra o funcionamento dos articuladores pero, sino e do conector sin embargo em textos, com base em descrições amparadas pela Teoria da Argumentação na Língua (TAL) de Oswald Ducrot. Tendo em vista a importância que a Linguística assume no cenário do ensino de língua e a relevância dos temas desenvolvidos neste livro, as autoras esperam que os textos aqui apresentados oportunizem reflexões e discussões que contribuam para o trabalho de professores em sala de aula. 10 Carmem Luci da Costa Silva, et al.

12 PARTE 1 TEORIAS DO DISCURSO E ENSINO DO PORTUGUÊS

13 A LÍNGUA PORTUGUESA COMO INSTRUMENTO DE AQUISIÇÃO DE CONHECIMENTOS NO ENSINO FUNDAMENTAL: ALGUMAS REFLEXÕES Tânia Maris de Azevedo * tmazeved@ucs.br Vania Morales Rowell ** umorell@yahoo.com.br As palavras só têm significado na corrente do pensamento e da vida. (Wittgenstein) 1 Introdução O ensino de língua materna, hoje, parece estar um tanto desfocado em relação ao seu objetivo, principalmente no que se refere ao Ensino Fundamental: à metalinguagem é conferido o status de protagonista, quando deveria, no máximo, ser coadjuvante. O estudo da língua tem se reduzido à memorização de regras gramaticais aplicadas a uma única modalidade, a língua escrita, em uma única variante, a padrão-culta. A língua é tratada como uma dobra sobre si mesma no sentido de que o estudo da estrutura e da forma é visto como suficiente e até mesmo essencial para que, como consequência natural e necessária, o sujeito aprenda a produzir e compreender eficientemente textos/discursos reais, aqueles inseridos em situações cotidianas de comunicação, quer escolares, quer não. Obviamente, e a experiência é testemunha disto, essa consequência não é assim tão natural e, menos ainda, necessária. Muito pelo contrário, a aprendizagem da metalinguagem parece até distanciar o aprendiz das tarefas de compreensão leitora e de produção de textos/discursos. O estudo da gramática normativa acaba por inibir e limitar a atividade de produção do aluno, pois este tem sempre a impressão de não saber escrever, como se a língua * Professora do Departamento de Letras de Universidade de Caxias do Sul, Doutora em Linguística Aplicada pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. ** Mestre em Linguística Aplicada pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

14 escrita fosse uma modalidade a que somente os grandes literatos têm acesso, longe, portanto, do uso corrente advindo de necessidades cotidianas. Tanto é assim que é comum ouvir, nos mais diversos meios e nas mais diferentes profissões inclusive na de professor, profissionais afirmando categoricamente não saber colocar suas ideias no papel e ter dificuldade para ler um texto mais especializado e mais complexo. É preciso lembrar que a criança chega à escola como usuário da língua e com uma competência comunicativa de base já bastante desenvolvida em nível oral, além de contar com uma imaginação prodigiosa e extremamente fértil em termos de possibilidade de criação e potencialidade de aquisição de recursos linguísticos para aprimorar sua expressão verbal. A escola, na contramão desse processo, introduz a criança no mundo do código escrito, desprezando o que ela já domina linguisticamente e impondo a ela um registro desvinculado do seu contexto de uso. Unidades desprovidas de sentido como letras, sílabas, palavras e mesmo orações são trabalhadas num universo totalmente artificial, impondo ao sujeito aprendiz a condição do não saber, da plena ignorância, como se o falante já não dominasse estruturalmente mecanismos básicos de uso da língua. A língua escrita é colocada ao aluno como uma ilustre desconhecida, sem qualquer vínculo com a língua que ele já usa, e usa proficientemente em várias situações enunciativas. Por outro lado, as demais disciplinas curriculares tratam a aquisição do conhecimento em suas áreas, cada uma no seu nicho, como retenção de conteúdos temáticos, de informações específicas, sem que haja consciência de que a linguagem é o principal veículo de interação, por meio da qual se dá a construção do conhecimento, e a língua a ferramenta maior de acesso às informações e de processamento/sistematização delas rumo à construção dos saberes. Essa falta de consciência faz com que os professores que atuam com as outras disciplinas que compõem o currículo do Ensino Fundamental não se percebam como também professores de língua materna, como se o processo de apreensão e apropriação do conhecimento não fosse mediado pela língua. É nesse contexto que se circunscreve o presente trabalho, cujo objetivo é o de propor uma abordagem instrumental para o ensino de Língua Portuguesa no Teorias do Discurso e Ensino 13

15 Ensino Fundamental (mais especificamente, de 5ª a 8ª série), ou seja, uma abordagem que conceba a língua como ferramenta para a aquisição de conhecimentos em todas as áreas, desde o acesso à informação até a estruturação do pensamento e dos diferentes raciocínios que cada área impõe ao sujeito conhecedor. São diferentes textos, diferentes estruturas, diversos campos semânticos a serem dominados e mobilizados para que o sujeito possa transitar pelas várias áreas e pelos múltiplos tipos de conhecimento. São requeridas do aprendiz diferentes habilidades linguísticas para a construção dos diversos saberes atinentes a cada forma de conhecer e cabe à escola, a cada professor e, mais especificamente, ao professor de língua materna a instrumentalização linguística do aluno para a construção do conhecimento. O que defenderemos aqui são algumas concepções acerca do ensino e do ensino de língua materna, algumas formas de conceber a língua como instrumento de interação humana e mediadora da aquisição de conhecimentos. Portanto, não filiaremos este trabalho a nenhuma teoria linguística em especial, mas a determinadas posturas que, transpostas ao ensino, possam dar conta da real função da língua na construção do conhecimento. Se houver necessidade de explicitar alguns pressupostos teóricos, certamente, estes estarão vinculados às chamadas teorias enunciativas, pois cremos que o uso da língua e sua função na interlocução devam ser a tônica do processo educativo em se tratando do ensino da língua materna. Como já foi dito, o Ensino Fundamental não é lugar de discussões metalinguísticas e muito menos de prescrições gramaticais, mas, se o objetivo é proporcionar ao aluno situações que o leve a construir conhecimentos e formar conceitos, nesse nível de ensino a língua portuguesa deve ser tratada desde os seus diversos usos, quer em termos de leitura, quer de produção, e o aporte teórico que pode alicerçar essa concepção de ensino só poderá ser aquele inscrito na perspectiva enunciativa da linguística. Dados os limites desse estudo, não se tem a pretensão de propor soluções definitivas para o problema detectado, mas apenas elencar algumas reflexões que poderão contribuir para que o ensino de língua materna assuma sua principal função no Ensino Fundamental: a de municiar o aprendiz com os mecanismos 14 Carmem Luci da Costa Silva, et al.

16 linguísticos necessários à compreensão e produção dos diversos gêneros discursivos presentes no cotidiano de qualquer cidadão e daqueles gêneros de que se valem as demais disciplinas curriculares para tratar o conhecimento. 2 Alguns conceitos de base No momento em que se concebe a linguagem como responsável pela estruturação do pensamento e a língua como veículo dessa estruturação e, portanto, como instrumento fundamental à aquisição de conhecimento, faz-se mister discutir, mesmo que breve e superficialmente dadas as limitações impostas pela configuração deste trabalho, alguns conceitos que se põem na base de uma proposta de ensino instrumental da língua materna. Não há como pensar o ensino de língua sem pensar antes no ensino como educação formal. E falar sobre a educação formal requer uma breve reflexão sobre o conceito de homem em suas relações com os conceitos de natureza, cultura, sociedade. O homem só difere dos outros animais por ser capaz de, pela interação com seus semelhantes, agir sobre a natureza no sentido de transformá-la de acordo com suas necessidades de sobrevivência e também por ser o único a preservar o fruto dessas constantes transformações a cultura ao longo da história para que as gerações futuras possam se valer delas sem ter que refazer o caminho já trilhado. O ser humano distingue-se dos outros animais e assume a condição de sujeito, principalmente, por ser o ÚNICO: - dotado de racionalidade, o que lhe possibilita abstrair, distanciar-se da realidade a ponto de, por meio da percepção, compreensão, interpretação, representar-se e representar o mundo; - capaz de, por sua alteridade constitutiva, constituir-se na intersubjetividade e auto-referir-se, por meio da linguagem; - a manter sua identidade, independentemente das alterações físico-químicas, afetivas, de personalidade, de caráter que ocorrem com ele ao longo da vida; - a poder refletir sobre si mesmo, pois é dotado de consciência consciência esta que lhe permite inclusive ter consciência da existência de seu próprio inconsciente, de sua experiência pessoal intransferível; Teorias do Discurso e Ensino 15

17 - a concretizar a idéia de liberdade, por ser capaz de conceber e fazer escolhas e poder operar essas escolhas dentro dos meios interno e externo, avaliando-as e avaliando sua própria operacionalização. 1 Essas potencialidades do ser humano que o diferenciam dos outros animais e o tornam único têm na base e, ao mesmo tempo, como principal instrumento de atualização, de concretização sua capacidade de linguagem, a competência humana de constituir-se e constituir seu mundo na e pela linguagem. Para abstrair, compreender, interpretar, representar-se e representar o mundo, referir e autorreferir-se, preservar sua identidade, refletir sobre si mesmo, sobre seu conhecimento e sobre suas próprias formas de conhecer e aprender, bem como para realizar, tornar concreta a ideia de liberdade, exercendo sua cidadania, o homem se vale da linguagem, e, mais especificamente, do sistema linguístico que põe em uso. A condição social do homem, a interação com os demais da mesma espécie, bem como a preservação da cultura construída só é possível porque o homem possui uma linguagem, uma forma de simbolizar, de representar, de abstrair dos fenômenos conceitos que perduram por meio da linguagem. Da relação do homem, como sujeito conhecedor que é com a natureza e com os outros sujeitos, relação desencadeada pelos conflitos que a sobrevivência cotidiana impõe, surge o processo de educação informal que, novamente via linguagem, é o grande responsável pela preservação da cultura e pela consolidação da sociedade. A educação informal tem por características: (a) a não sistematicidade, uma vez que não é planejada nem regida por quaisquer preceitos didáticopedagógicos; (b) a espontaneidade, já que acontece na justa proporção da necessidade, nos diferentes grupos e relações sociais, à medida que os conflitos surgem como elementos perturbadores da estabilidade do indivíduo/grupo; e (c) a circunstancialidade, visto que o processo não tem local e hora marcados, efetivase conforme a exigência das situações problematizadoras. 1 SANTOS, PEREIRA e AZEVEDO, 2004, p Carmem Luci da Costa Silva, et al.

18 Por meio do processo educativo informal, são transmitidos valores, crenças, mitos, enfim, regras de convivência de um grupo, de geração em geração. A educação é o vetor de transmissão da cultura enquanto que esta define o quadro institucional da educação e ocupa um lugar essencial em seus conteúdos. A educação, afirma-se, ocupa uma posição central no sistema de valores e os valores são os pilares em que se apóia a educação. Postas a serviço das necessidades de desenvolvimento do ser humano, a educação e a cultura tornam-se, quer uma, quer outra, meios e fins deste mesmo desenvolvimento. 2 Da exigência de organizar e disseminar conhecimentos de modo a tornálos comuns a comunidades maiores e mesmo à sociedade como um todo, surge a educação formal, ou ensino. Com ambiente e horários determinados, com profissionais especializados, com material apropriado e programas curriculares estabelecidos, a educação formal, diferentemente da informal, assume a configuração de processo sistemático metódica e metodologicamente organizado para propiciar a aquisição do conhecimento produzido, programado com objetivos e ações planejados previamente e conteúdos hierarquicamente dispostos ao longo de um currículo e situado artificialmente em oposição à circunstancialidade que define o processo de educação informal, a educação formal tem tempos e espaços definidos, ocorre por meio da criação de ambientes de aprendizagem, antecipando necessidades e conflitos. A educação formal passa a ser, então, um simulacro do processo educativo informal, no sentido de que tenta reproduzir situações conflitivas na forma de situações de aprendizagem, para que o sujeito conhecedor tenha acesso ao conhecimento social e historicamente produzido. Todo o processo educativo, seja ele formal ou informal, só é possível por meio da linguagem e, mais especificamente, da língua oral ou escrita. Conhecimentos matemáticos, físicos, químicos, geográficos, independentemente de terem uma linguagem própria, um sistema de formalização e representação, são veiculados pela educação, formal ou não, por meio do sistema linguístico, da 2 NANCZHAO, 1998, p Teorias do Discurso e Ensino 17

19 linguagem verbal, oral ou escrita. Os questionamentos, as explicações, as definições, os exercícios didáticos têm na linguagem verbal sua forma de expressão e o meio de decifração/compreensão de símbolos e gráficos pertinentes às diversas áreas do conhecimento. Qualquer que seja a forma de educação, da mais sistemática a mais espontânea, tem como veículo mais utilizado a língua, justamente por ser ela o meio mais viável de transmissão de informações e de processamento delas rumo à formação de conceitos e, consequentemente, à construção do conhecimento. Falando em conhecimento, esse é outro conceito de base a ser aqui discutido, pois de como o compreendemos e entendemos o ato de conhecer decorre a concepção de ensino de língua proposta. O conhecimento é visto aqui como o resultado, o produto do processamento, da organização, enfim, da sistematização do conjunto de informações a que somos expostos a todo instante ou a que nos expomos quando temos um problema a solucionar. Essas informações chegam a nós de várias formas e por diversas vias, desde o que é percebido sensorialmente até o que é intelectualmente captado ou acessado. O que ocorre é que essas informações por si só não se constituem meios para a solução de problemas, precisam ser inter-relacionadas para assumir a configuração de conhecimento construído e, então, poder ser adaptadas, ressignificadas e aplicadas, como instrumentos de resolução, a situações que se colocam como problemas. O conhecimento só é conhecimento enquanto organização, relacionado com as informações e inserido nos contextos destas. As informações constituem parcelas dispersas de saber. [...] [A] informação é uma matéria-prima que o conhecimento deve dominar e integrar. 3 O conhecimento resulta, por conseguinte, de uma ação do sujeito sobre o objeto a ser conhecido. Não há, pois, transmissão de conhecimento, mas reconstrução, ressignificação do objeto de conhecimento pelo sujeito por meio da ação, da interação, que se faz, por sua vez, pela linguagem. 3 MORIN, 2002, p. 16 e Carmem Luci da Costa Silva, et al.

20 É a partir de um acontecimento que se institui como desafio/problema ao sujeito que o processo de conhecer entra em ação, ou seja, que o sujeito, pela interação com outros sujeitos e com as informações objeto de conhecimento, constrói uma rede de relações entre essas informações e delas com a situação- - problema, interpretando-as e convertendo-as em possibilidades de solução ou de minimização do problema instituído. O produto desse processo, independentemente da efetiva solução do problema, é o que se concebe como conhecimento, uma vez que essa rede de relações estabelecida foi incorporada pelo sujeito e poderá ser o alicerce de novas relações na busca de outras soluções para outras situações conflitivas. A cada evento que se apresenta ao sujeito cognoscente, ele localiza e mobiliza o que já assimilou a respeito, ressignifica e reconstrói o conhecimento que já possui e, buscando novas informações, realizando novas interações, incorpora novas redes de relações ao seu conhecimento prévio, ampliando-o, redimensionando-o e/ou sedimentando-o para a solução de novos problemas. Assim, sucessiva e recursivamente, o conhecimento vai sendo construído, aprofundado, alargado, e o sujeito vai se tornando mais autônomo, mais senhor de suas interpretações e ações sobre o mundo e sobre si mesmo. Como diz Luckesi (1989, p ), o conhecimento é o produto de um enfrentamento do mundo realizado pelo ser humano que só faz plenamente sentido na medida em que o produzimos e o retemos como um modo de entender a realidade, que nos facilite e nos melhore o modo de viver, e não, pura e simplesmente, como uma forma enfadonha e desinteressante de memorizar fórmulas abstratas e inúteis para nossa vivência e convivência no e com o mundo. Desde essa perspectiva, o objeto de conhecimento não se apresenta ao sujeito como um reflexo do real a ser assimilado, mas como um objeto a que o sujeito precisa atribuir sentido. Por isso, o conhecimento é sempre, como diz Morin (2002), tributário da interpretação, logo, da subjetividade, isto é, construído individual e transitoriamente, não admitindo o caráter de verdade tácita e imutável. A linguagem assume no processo de conhecer pelo menos três funções: a de veicular a interação do sujeito cognoscente com o objeto de conhecimento, Teorias do Discurso e Ensino 19

21 possibilitando sua apropriação; a de estruturar e organizar o conhecimento resultante dessa interação; e a de tornar consciente ao sujeito todo esse processo. [...] o homem transforma e é transformado nas relações produzidas em uma determinada cultura. Mas a sua relação com o meio não se dá de forma direta, ela é mediada por sistemas simbólicos que representam a realidade; e a linguagem, que se interpõe entre o sujeito e o objeto de conhecimento, é o principal sistema de todos os grupos humanos. 4 Quando o sujeito se questiona sobre algo, quando mobiliza o que já conhece a respeito do que está investigando e, desde aí, estabelece novas relações a fim de se apropriar desse objeto de investigação e, ainda, quando consegue tomar consciência do caminho percorrido para desvendar o objeto que se lhe põe à frente, bem como do resultado desse desvelamento, o faz por meio da linguagem, seja ela verbal ou não. Como diz Vygotsky, a linguagem dá forma ao pensamento, estruturando-o. É por meio da linguagem que o sujeito interpreta, constrói, reconstrói, ressignifica, redimensiona e socializa o conhecimento. Para Luria (1987, p. 202), a presença da linguagem e de suas estruturas lógico-gramaticais permite ao homem tirar conclusões com base em raciocínios lógicos, sem ter que se dirigir cada vez à experiência sensorial imediata. A presença da linguagem permite ao homem realizar a operação dedutiva sem se apoiar nas impressões imediatas e se limitando àqueles meios de que dispõe a própria linguagem. Esta propriedade da linguagem cria possibilidade de existência das formas mais complexas do pensamento discursivo (indutivo e dedutivo), que constituem as formas fundamentais da atividade intelectual produtiva humana. Se a linguagem é o instrumento fundamental do processo de conhecer e se o conhecer pressupõe o aprender, a linguagem desempenha na aprendizagem função igualmente essencial, como mediadora das relações entre o sujeito e o objeto a conhecer. 4 BEZERRA, 2002, p Carmem Luci da Costa Silva, et al.

22 Nesse sentido, quando se pensa uma proposta para o ensino de língua materna, outro conceito de base a ser repensado é o de aprendizagem. É preciso saber como se entende o processo de aprendizagem, como se aprende, para poder conceber uma proposta de ensino, uma vez que este só tem sentido se pensado da perspectiva do aprender. Não há espaço aqui para analisarmos todas as formas de aprendizagem, restringir-nos-emos, pois, à aprendizagem formal, sistematizada, escolar. Se o ato de conhecer pressupõe a construção de uma rede de informações interconectadas, faz-se necessário aprender a tecer essa rede. A aprendizagem, aqui, é vista como o desenvolvimento de competências/habilidades essenciais ao ato de conhecer como as de observar, comparar, classificar, analisar, sintetizar, interpretar, criticar, descobrir, estabelecer relações. Outra vez, o desenvolvimento de tais competências/habilidades tem como principal ferramenta a linguagem e, essencialmente, a linguagem verbal. Desde a mais simples observação até a construção da mais complexa rede de relações tem na verbalização o maior instrumento de representação/sistematização/consolidação. Segundo Piaget, aprender é diferente de conhecer. Aprender, para o autor, é saber realizar, ao passo que conhecer é compreender e distinguir as relações necessárias, é atribuir significado às coisas. Nesse sentido, aprender diz respeito mais aos procedimentos e às estratégias empregadas pelo sujeito para agir sobre o objeto de conhecimento e decifrá-lo ou ressignificá-lo. Novamente, aqui, torna-se essencial a consciência sobre esses procedimentos: aprender a aprender, pois, é fundamental para o aprimoramento das estratégias pressupostas pelo conhecer. A meta-aprendizagem, assim como a metacognição, é fundamental para assegurar ao sujeito a autonomia do seu desenvolvimento, uma vez que lhe permite otimizar processos e redimensionar estratégias em função do objeto a conhecer. A aprendizagem resulta de construções efetivadas pelo sujeito cognoscente por meio de estágios de reflexão, remanejamento e remontagem das percepções que ocorrem na ação sobre o mundo e na interação com outras Teorias do Discurso e Ensino 21

23 pessoas 5. A aprendizagem é resultado de um processo de interação entre o mundo do sujeito e o mundo do objeto, por uma integração ativada pelas ações do sujeito 6. A aprendizagem, por decorrência, só ocorre à proporção que o aluno age sobre os conteúdos específicos e, desafiado por situações problematizadoras, tem suas próprias estruturas de pensamento previamente construídas ou em construção. E, ainda, pelo desenvolvimento de competências/habilidades, mantém uma relação ativa como o conhecimento, relação essa que produz transformações no sujeito cognoscente e no próprio objeto cognoscível. No entanto, a aprendizagem não pode ser vista como um fenômeno unicamente individual. Se o ser humano é aqui entendido como um ser essencialmente social, só se pode compreender a aprendizagem como resultado de um constante processo de interação, não apenas do sujeito com o objeto a conhecer, mas do sujeito com outros sujeitos. No caso específico do ensino formal, a aprendizagem decorre fundamentalmente das interações alunoprofessor e aluno-aluno. Segundo Wood 7, a teoria vigotskiana atribui ao sucesso alcançado pela cooperação a base da aprendizagem e do desenvolvimento. A instrução, tanto formal como informal, em contextos sociais variados, realizada por colegas, familiares, amigos e professores dotados de maior conhecimento, é o principal veículo de transmissão cultural do conhecimento. O conhecimento encontra-se inscrito nas ações, no trabalho, nas brincadeiras, na tecnologia, na literatura, nas artes e na fala dos membros de uma sociedade. E apenas por meio da interação com os representantes de vários grupos sociais e culturais é que o sujeito poderá adquirir, incorporar e desenvolver posteriormente aquele conhecimento. Ou seja, é através das múltiplas inter-relações que o indivíduo mantém com os diferentes grupos sociais que vai construindo seu conhecimento e incorporando valores, crenças e atitudes que compõem a cultura e que, por sua vez, fazem-na perpetuar-se. 5 MORAES, 2000, p Id. Ib , p Carmem Luci da Costa Silva, et al.

24 O ato de conhecer pressupõe uma ação do sujeito sobre o objeto de conhecimento, no sentido de compreendê-lo e decifrá-lo, processos que por sua vez implicam o ato de refletir, já que nem todo o objeto de conhecimento está disponível sensorialmente. É pela possibilidade de representar simbolicamente, ou seja, pela linguagem, que o sujeito consegue abstrair, logo, analisar, hipotetizar, deduzir, generalizar, transferir, projetar, acessar e processar informações, sistematizando-as e incorporando-as na forma de conhecimento construído. É pela linguagem que o homem se apropria do conhecimento. E é pelo questionamento sobre a realidade (esta concebida como um ponto de vista do sujeito, logo, individualmente percebida e compreendida) que o conhecedor conhece. Portanto, é a língua que permite ao sujeito assumir uma atitude investigativa sobre o mundo, questioná-lo e questionar o conhecimento produzido, e, assim, construir sobre ele seus pontos de vista. É a língua o principal instrumento de tomada de consciência do mundo pelo sujeito. Conhecer nada mais é do que atribuir sentido ao que se nos apresenta; conhecer, portanto, pressupõe a linguagem para tal atribuição de sentido. É por meio da linguagem que o sujeito conhecedor age sobre o objeto a conhecer e, nessa ação, construindo hipóteses e generalizações, confere sentido a ele, apropriando-se desse objeto e tomando consciência do próprio processo de conhecê-lo, o que, consequentemente, lhe permitirá decifrar novos objetos cognocíveis e implementar novas formas de conhecer. De acordo com Vygotsky (1998), quando trata do processo de formação de conceitos, o signo, ao mesmo tempo em que funciona como elemento mediador nesse processo, afigura-se como sua síntese, uma vez que se torna a exteriorização, a abstração, a formalização do próprio conceito formado. A linguagem, nesse sentido, assume papel mediador e estruturante no processo de conhecer. É por meio dela, e mais especificamente por meio da língua, que significamos e representamos o mundo que se nos dá a conhecer. É a língua a responsável pela transformação do conhecimento em saber e em saber-fazer, visto que ela possibilita a socialização de informações e o desenvolvimento de habilidades que o raciocinar pressupõe. É pela propriedade de referir pela língua que o sujeito se constitui e constitui o mundo que o cerca. Teorias do Discurso e Ensino 23

25 As concepções até aqui discutidas formam o alicerce sem o que não seria possível delinear uma proposta para o ensino de língua materna no Ensino Fundamental. Somente quando se tem por base e se acredita que a função da língua é a de mediar o processo de conhecer em qualquer área pode-se propor que o ensino de língua configure-se como uma instrumentalização ao ato de transformar informações em conhecimento e, posteriormente, outra vez por meio da língua, transformar esse conhecimento construído em ferramenta para a solução de problemas que o viver e o conviver impõem. Assim sendo, é hora de repensarmos o ensino da língua materna desde essa perspectiva: algumas concepções, algumas diretrizes, alguns redimensionamentos. 3 Português instrumental: a língua a serviço da construção de saberes no ensino fundamental Se a educação formal é tida aqui como uma simulação dos processos de ensino e aprendizagem desenvolvidos pela educação informal, o ensino da língua materna não poderia ser concebido de outra forma. Assim, o ensino da língua portuguesa deveria seguir na direção da aquisição da linguagem oral, no sentido de que essa modalidade da língua é apreendida e aprendida em seu uso, pela interação do sujeito com outros que já a detém. Ensinar língua materna, então, significa expor o sujeito aprendiz a diferentes situações de emprego da língua, seja na modalidade escrita para aprendê-la, seja na modalidade oral para aperfeiçoá-la. Hoje, as aulas de língua portuguesa estão direcionadas prioritariamente à aquisição e ao desenvolvimento da língua escrita, quer em termos de compreensão leitora, quer no que se refere à produção de textos. A língua oral é relegada a um segundo plano ou nem sequer trabalhada, sendo inclusive atrofiado seu uso no ambiente escolar, já que as interlocuções são limitadas e rigidamente supervisionadas, e as intervenções dos professores sobre a oralidade dos alunos vão exclusivamente ao sentido da correção e, ainda, da correção com critérios do nível culto da modalidade escrita. Além disso, o ensino de língua está muito longe de priorizar as situações de uso efetivo da língua a ser aprendida/aprimorada; a descrição ou mesmo a 24 Carmem Luci da Costa Silva, et al.

26 normatização do sistema linguístico é o foco dos currículos na Educação Básica. A língua como objeto de ensino é uma língua atemporal, fora de contexto, portanto, desprovida de qualquer função, mas plenamente recheada de regras e normas, cuja infração é sempre motivo de punição; é a língua sobre si mesma e por si mesma, sem qualquer vínculo com as possibilidades reais de emprego e, menos ainda, sem qualquer possibilidade de criação sobre ou de rompimento do sistema que é tido como restritivo e coercitivo; é uma língua fossilizada, sem ninguém que a atualize, que a realize, que atribua sentido a ela. Ora, sabe-se bem que o sentido não está na língua, como entidade virtual, mas no contexto de uso das formas da língua; é o discurso, como diz Ducrot (2002), que doa sentido, é na parole saussuriana que o dizer se faz dito e, portanto, pleno de sentido. Então, como conceber um ensino de língua que a artificializa, que suprime dela o que lhe confere sentido? Como esperar que o aluno aprenda a usar uma língua, a sua língua, ensinando suas formas e estruturas descontextualizadas, fora da situação enunciativa que a faz fazer sentido? Diante disso e da crença de que a língua é, além do principal instrumento de interlocução dos seres humanos, o principal mediador na formação de conceitos e, consequentemente, da construção de saberes pelos sujeitos, o que se propõe aqui é quase o inverso disso. É um ensino de língua materna (em que as modalidades oral e escrita tenham o mesmo status e sejam constante e concomitantemente trabalhadas) cujas bases sejam as situações enunciativas, os contextos de interlocução, os diferentes objetivos dos locutores, os diversos perfis dos interlocutores. Nossos professores de língua seja por formação profissional, seja por falta de formação são muito atraídos pela descrição de língua e pelo ensino de gramática. Sempre fazemos sucesso na formação de professores quando discutimos as características formais e de estilo de um texto ou gênero, a partir de nossos instrumentos. Por outro lado, nossos alunos não precisam ser gramáticos de texto e nem mesmo conhecer uma metalinguagem sofisticada. Ao contrário, no Brasil, com seus acentuados problemas de iletrismo, a necessidade dos alunos é de terem acesso letrado a textos (de opinião, literários, científicos, Teorias do Discurso e Ensino 25

27 jornalísticos, informativos, etc.) e de poderem fazer uma leitura crítica e cidadã desses textos. 8 Por isso, acredita-se que os gêneros discursivos, desde a abordagem de Bakhtin, possam se constituir meios eficientes para o ensino da língua materna numa perspectiva mais enunciativa e funcional. A proposta desse autor vem ao encontro da função que se atribui aqui ao ensino de língua materna no Ensino Fundamental, ou seja, a de instrumento do processo de aquisição/construção de conhecimentos em todas as demais disciplinas que compõem o currículo desse nível de ensino. Como diz Bakhtin, todos os diversos campos da atividade humana estão ligados ao uso da linguagem. Compreende-se perfeitamente que o caráter e as formas desse uso sejam tão multiformes quanto os campos da atividade humana, o que, é claro, não contradiz a unidade nacional de uma língua. O emprego da língua efetua-se em forma de enunciados 9 (orais e escritos) concretos e únicos, proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo da atividade humana. Esses enunciados refletem as condições específicas e as finalidades de cada referido campo não só por seu conteúdo (temático) e pelo estilo da linguagem, ou seja, pela seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua, mas, acima de tudo, por sua construção composicional. Todos esses três elementos o conteúdo temático, o estilo, a construção composicional estão indissoluvelmente ligados no todo do enunciado e são igualmente determinados pela especificidade de um determinado campo da comunicação. Evidentemente, cada enunciado particular é individual, mas cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, os quais denominados gêneros do discurso. 10 Cada área do conhecimento e, por conseguinte, no referido processo de simulação, cada disciplina do currículo possui formas específicas de expressar seus raciocínios e conceitos: definições, explicações, justificativas, questionamentos, fórmulas, gráficos, mapas, esquemas, enfim, uma grande 8 ROJO, p Conceito situado pelo próprio autor no campo da parole saussuriana, significa o ato de enunciar, de exprimir, transmitir pensamentos, sentimentos, etc. Bakhtin, segundo seu tradutor, usa indiscriminadamente os termos enunciado e enunciação, sem distingui-los. 10 BAKHTIN, 2003, p Grifos do autor. 26 Carmem Luci da Costa Silva, et al.

28 quantidade e diversidade de gêneros discursivos aplicados às finalidades e necessidades de cada área e de cada conceito trabalhado, analisado. O sujeito aprendiz é exposto a essa multiplicidade de gêneros discursivos sem que nenhuma instrumentalização linguística lhe seja fornecida. A ideologia escolar tem a falsa impressão de que o fundamental a ser ensinado é o conteúdo temático de cada área, como se esse conteúdo não fosse veiculado por um conjunto de sequências discursivas próprias da área e que requerem domínio, por parte do sujeito cognoscente, para que possam ser compreendidas e, então, aprendido, transferido e aplicado o conteúdo que é por elas transmitido. Desde essa perspectiva, à educação formal cabe não só ensinar o conhecimento produzido em cada área, mas também instrumentalizar o aprendiz para que tenha acesso a esses conhecimentos e seja capaz de apropriar-se deles para construir seus próprios conceitos e produzir novos conhecimentos. Particularmente, à disciplina de língua portuguesa fica uma dupla tarefa: a de instrumentalizar o aluno para compreender e produzir os gêneros discursivos cotidianos, orais ou escritos, dos mais informais aos mais formais; e a de instrumentalizá-lo também para operar, quer em termos de leitura, quer de produção, com os gêneros utilizados pelas outras disciplinas, desde aqueles próprios das várias áreas do conhecimento até os que são didaticamente usados pelas disciplinas para acesso e construção do conhecimento produzido, a saber: os relatórios, resumos, resenhas, esquemas, etc. Ainda conforme Bakhtin, em cada campo existem e são empregados gêneros que correspondem às condições específicas de dado campo; é a esses gêneros que correspondem determinados estilos. Uma determinada função (científica, técnica, publicística, oficial, cotidiana) e determinadas condições de comunicação discursiva, específicas de cada campo, geram determinados gêneros, isto é, determinados tipos de enunciados estilísticos, temáticos e composicionais relativamente estáveis. 11 Nesse sentido, o que se propõe aqui é que a função, a finalidade, a situação enunciativa determinem a forma, os mecanismos linguístico-gramaticais 11 BAKHTIN, 2003, p.266. Teorias do Discurso e Ensino 27

29 e textuais a serem trabalhados, ensinados nas aulas de língua materna, e não o contrário como vem sendo feito. Que a hierarquização dos conteúdos a serem trabalhados no Ensino Fundamental, principalmente nas últimas quatro séries, em língua portuguesa, seja feita com base nos gêneros discursivos veiculados nas outras disciplinas do currículo e que seja assumida pela disciplina de língua materna a função instrumental que tem em relação às outras que compõem o currículo. Não se postula que seja abolido o estudo da forma em função da análise enunciativo-discursiva, mas que esta seja priorizada e norteie o ensino daquela. Acredita-se que tanto os recursos textuais (mecanismos que asseguram coerência e coesão nos níveis macro e microtextual) quanto os aspectos gramaticais sejam tratados em função do gênero analisado, de acordo com o que é requerido pela situação enunciativa. De acordo com Rojo, toda prática de linguagem se dá numa situação (de comunicação, de enunciação, de produção ou circulação) que é própria de uma determinada esfera social, em um dado tempo e espaço históricos. Esta esfera neste tempo/espaço admite determinados participantes (com relações específicas), temas e modalidades de linguagem e de mídia, e não outros. Estes participantes articulam seus enunciados em gêneros específicos dessa esfera e as propriedades composicionais e estilísticas desses enunciados em gêneros (forma composicional, formas lingüísticas) serão dependentes das relações entre estes participantes. Em especial, das apreciações de valor que estes façam sobe o tema e sobre seus interlocutores. 12 Cabe ao professor de língua materna criar situações-problema que desafiem o aprendiz não só a compreender como também a produzir diferentes gêneros discursivos, isto é, situações conflitivas cuja resolução dependa da produção/compreensão de determinados gêneros. Só assim os alunos perceberão a importância de aprimorar-se linguisticamente para poder interagir em diferentes contextos e com diversos objetivos e interlocutores e tirar o máximo proveito dessas interações. 12 ROJO, p Carmem Luci da Costa Silva, et al.

30 Falamos apenas através de determinados gêneros do discurso, isto é, todos os nossos enunciados possuem formas relativamente estáveis e típicas de construção do todo. Dispomos de um rico repertório de gêneros de discurso orais (e escritos). Em termos práticos, nós os empregamos de forma segura e habilidosa, mas em termos teóricos podemos desconhecer inteiramente sua existência. [...] até mesmo no bate-papo mais descontraído e livre nós moldamos nosso discurso por determinadas formas de gênero, às vezes padronizadas e estereotipadas, às vezes mais flexíveis, plásticas e criativas [...]. Esses gêneros do discurso nos são dados quase da mesma forma que nos é dada a língua materna, a qual dominamos livremente até começarmos o estudo teórico da gramática. 13 Bakhtin acrescenta ainda que a língua materna sua composição vocabular e sua estrutura gramatical não é apreendida por nós a partir de dicionários e gramáticas, mas de enunciações concretas que ouvimos e reproduzimos nas diferentes situações discursivas, com os interlocutores que nos rodeiam. Assimilamos as formas da língua somente nas e pelas enunciações. As formas da língua e as formas típicas dos enunciados, isto é, os gêneros do discurso, chegam à nossa experiência e à nossa consciência em conjunto e estreitamente vinculadas. 14 Aprender a falar, de acordo com o mesmo autor, significa aprender a construir enunciados (porque falamos por enunciados e não por orações isoladas e, menos ainda, por palavras isoladas). Há, segundo ele, entre os gêneros do discurso e as formas gramaticais e destes com o discurso uma relação de interdependência em termos de organização: os gêneros do discurso organizam o nosso discurso quase da mesma forma que o organizam as formas gramaticais (sintáticas). 15 Não entraremos aqui nos meandros da discussão linguística existente entre tipos textuais e gêneros discursivos (ou como quer Marcuschi, gêneros textuais). Não é objetivo deste texto apresentar uma discussão teórica e terminológica sobre esse assunto, no entanto, Marcuschi (2002) faz uma distinção interessante entre esses conceitos e pensamos ser pertinente 13 BAKHTIN, 2003, p Id. ib. 15 Id. ib. Teorias do Discurso e Ensino 29

31 apresentá-la aqui, pois cremos ser possível aliar, como ferramentas pedagógicas para o ensino de língua materna, tipos textuais e gêneros do discurso. O autor 16 diz usar a expressão tipo textual para designar uma espécie de construção teórica definida pela natureza linguística de sua composição (aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas) e afirma que esses tipos abrangem categorias como a narração, a exposição, a argumentação, a descrição e a injunção. Já a expressão gêneros textuais (ou o que chamamos aqui gêneros discursivos) é usada como uma noção propositalmente vaga para referir os textos materializados que encontramos em nossa vida e que apresentam características sócio-comunicativas definidas por conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição característica. Os gêneros, segundo ele, são inúmeros, e alguns exemplos seriam o telefonema, a carta comercial, a carta pessoal, o romance, o bilhete, a reportagem jornalística, o horóscopo, o artigo científico, a resenha, etc. Por estar didaticamente muito bem posto, reproduziremos o quadro elaborado pelo autor 17 para expressar essa distinção. TIPOS TEXTUAIS 1. construtos teóricos definidos por propriedades linguísticas intrínsecas; 2. constituem sequências linguísticas ou sequências de enunciados e não são textos empíricos; 3. sua nomeação abrange um conjunto limita-do de categorias teóricas determinadas por aspectos lexicais, sintáticos, relações lógicas, tempo verbal; 4. designações teóricas dos tipos: narração, argumentação, descrição, injunção e exposição. GÊNEROS TEXTUAIS 1. realizações linguísticas concretas definidas por propriedades sociocomunicativas; 2. constituem textos empiricamente realizados cumprindo funções em situações comunicativas; 3. sua nomeação abrange um conjunto aberto e praticamente ilimitado de designações concretas determinadas pelo canal, estilo, conteúdo, composição e função; 4. exemplos de gêneros: telefonema, sermão, carta comercial, carta pessoal, romance, bilhete, aula expositiva, reunião de condomínio, horóscopo, , p Id, p Carmem Luci da Costa Silva, et al.

32 receita culinária, bula de remédio, lista de compras, cardápio, instruções de uso, outdoor, inquérito policial, resenha, edital de concurso, piada, conversação espontânea, conferência, carta eletrônica, bate-papo virtual, aulas virtuais, etc. Se no ambiente escolar, e mesmo fora dele, o conhecimento se manifesta por diferentes gêneros discursivos e se é papel da disciplina de língua materna instrumentalizar o aluno para o livre trânsito entre esses gêneros para que possa se apropriar do conhecimento produzido pela humanidade e, então, exercer plenamente sua cidadania, acreditamos ser possível, no ensino de língua portuguesa, aliar, mesmo que somente como instrumentos didáticos uma vez que as bases teóricas que dão origem à distinção feita por Marcuschi sejam em muitos pontos divergentes esses dois pontos de vista apresentados pelo autor. Os tipos de texto, tanto quanto os aspectos gramaticais da língua, vêm sendo trabalhados no ensino como fins em si mesmos. É comum vermos professores destinarem grande parte do período letivo ao ensino de narrações e descrições (principalmente no Ensino Fundamental), suas estruturas, seus elementos, seus subtipos e, a par disso, categorizações e classificações lexicais e sintáticas, forçando ambientes de compreensão e produção de textos que se enquadrem nessa tipologia, como se um texto real fosse puramente narrativo ou descritivo. Nossa proposta é que, partindo das situações enunciativas que dão origem aos diversos gêneros discursivos (quer aqueles presentes no cotidiano, quer aqueles de que se valem as demais disciplinas curriculares), analisando a finalidade de cada gênero, seu estilo, seu conteúdo, os tipos de texto, ou mais especificamente as sequências discursivas que os constituem, sejam trabalhados para explicitar a composição característica de cada gênero, sua construção composicional, como define Bakhtin. Nesse sentido, tanto a tipologia textual quanto os aspectos gramaticais que passam a ser vistos como mecanismos de coesão e coerência textuais, portanto de um prisma descritivo e não mais prescritivo serão trabalhados em Teorias do Discurso e Ensino 31

33 função dos gêneros discursivos ensinados, ou seja, o uso da língua em contextos similares aos reais determinará o estudo do sistema linguístico. Conforme o próprio Bakhtin 18, A língua como sistema possui uma imensa reserva de recursos puramente lingüísticos para exprimir o direcionamento formal: recursos lexicais, morfológicos [...], sintáticos [...]. Entretanto, eles só atingem direcionamento real no todo de um enunciado concreto. Uma instrumentalização linguística com essa configuração parece-nos ser capaz de facilitar ao aluno seu processo de formação de conceitos, a aquisição de conhecimentos e, consequentemente, a construção dos saberes indispensáveis a sua inserção na sociedade de que faz parte como verdadeiro cidadão. Visto que o aluno, quando chega à escola, já domina a língua materna, o papel do ensino da língua, mesmo da modalidade escrita, deve ser o de instigar, provocar e promover uma tomada de consciência dos mecanismos e processos linguísticos que o sujeito já usa e de outros disponíveis no sistema linguístico, quer oral, quer escrito, no sentido de possibilitar a ele um uso mais efetivo e eficaz desses recursos no desenvolvimento de competências/habilidades necessárias à aquisição do conhecimento. REFERÊNCIAS BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, BEZERRA, M. A. Ensino de língua portuguesa e contextos teórico-metodológicos. In DIONISIO, A. P., MACHADO, A. R. e BEZERRA, M. A. (orgs.). Gêneros textuais e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, DUCROT, Oswald. Os internalizadores. Tradução Leci Barbisan. Letras de Hoje. Porto Alegre: EDIPUCRS, nº 129, set p.7-26 LUCKESI, Cipriano et al. Fazer universidade: uma proposta metodológica. São Paulo: Cortez, , p Carmem Luci da Costa Silva, et al.

34 LURIA, A. R. Pensamento e linguagem: as últimas conferências de Luria. Porto Alegre: Artes Médicas, MARCUSCHI, L. A. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In DIONISIO, A. P., MACHADO, A. R. e BEZERRA, M. A. (orgs.). Gêneros textuais e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, MORAES, Maria Cândida. O paradigma educacional emergente. 6ª. ed., Campinas, SP: Papirus, MORIN, Edgar. A cabeça bem feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, NANCZHAO, Zhou. Interações entre educação e cultura, na óptica do desenvolvimento econômico e humano: uma perspectiva asiática. In DELORS et al. Educação: um tesouro a descobrir. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: MEC: UNESCO, ROJO, Roxane. Gêneros do discurso e gêneros textuais: questões teóricas e aplicadas. A sair em MEURER, J. L., BONINI, A. e MOTTA-ROTH, D. (orgs.). Gêneros textuais sob perspectivas diversas. Florianópolis, SC: UFSC/GT de LA da ANPOLL. Acesso em: 10/06/2005. SANTOS, Marcia M. C. dos, PEREIRA, Siloe e AZEVEDO, Tânia M. de (org.). Projeto pedagógico UCS-licenciatura (Formação Comum). Caxias do Sul: EDUCS, VYGOTSKY, Lev S. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, WOOD, David. Como as crianças pensam e aprendem. São Paulo, SP: Martins Fontes, Teorias do Discurso e Ensino 33

35 TEORIAS LINGUÍSTICAS E O ENSINO DA ESCRITA Magali Lopes Endruweit* magali.endruweit@gmail.com 1 Introdução Esta reflexão parte da escola e sua relação com a linguística, mais precisamente, da presença da escrita na escola e as teorias linguísticas que subjazem à concepção de escrita presente em sala de aula. Algumas razões sustentam esse caminho. Em primeiro lugar, a relação entre o ensino de língua e a escrita segue um senso comum responsável por ligar a escrita ao ensino e à escola, filiando a prática da escrita escolar ao positivo próprio da ciência. Por esse prisma, é preciso ir à escola para aprender a ler e a escrever. Em segundo lugar, pela tão discutida relação entre linguística e escola, sugerindo que esta possa tornar-se um lugar em que as teorias sejam aplicadas, oportunizando, de certa forma, uma prática a uma epistemologia. Por fim, pela suspeita de que a presença da escrita na escola esteja ancorada em duas questões: a) na relação com a ciência e b) na relação com a fala. Ambas as versões estão presentes na escola e estão autorizadas pela linguística saussuriana. Mas como se chegou a conceituação de escrita como sendo da escola? Para responder a essa pergunta será necessário um passo atrás, ou seja, tentar acompanhar a discussão de como a escrita é entendida na escola e as prováveis consequências dessa conceituação para o ensino da escrita. * Professora de Língua Portuguesa da UERGS e Doutora em Letras Estudos da Linguagem pelo PPG- Letras/UFRGS.

36 2 A escola como o lugar da escrita O ensino da língua vale-se da legitimação da escrita como regularidade, própria do saber escolar, resultando no distanciamento de qualquer visão enunciativa da escrita. Na verdade, a escola é, sim, o lugar da escrita regular. Talvez porque a primazia cronológica da fala como prática oral desenvolvida em interações do dia a dia, sendo adquirida naturalmente à medida que a criança cresce, seja entendida como uma aquisição informal. Ao contrário da escrita, tomada como uma manifestação formal da alfabetização, representa a aquisição de um bem cultural, significando certo prestígio decorrente do processo de escolarização 1. É, portanto, na escola que a criança terá maior contato formal com a língua escrita. A escrita está presente na maioria das práticas sociais dos povos em que penetrou. Mesmo quem não sabe escrever está constantemente sendo influenciado por ela. Segundo Kato (1995), é função da escola introduzir a criança no mundo da escrita para que esta seja capaz de fazer uso desse tipo de linguagem para comunicar-se, em uma sociedade que prestigia a escrita. A escrita faz parte da escola, tanto que é impensável uma sala de aula sem quadro negro - ou branco, seguindo o avanço tecnológico - ainda mais nos ensinos fundamental e médio. Por mais que mudem as metodologias, os recursos usados no dia a dia escolar, dar aula significa, também e ainda, escrever no quadro; frequentar a sala de aula, por sua vez, também implica envolver-se muito mais com a expressão escrita do que com a oral. Sem dúvida, a escrita facilita as atividades desenvolvidas na escola. Citando Bottéro (1995, p.21): Por outro lado, ao contrário do discurso oral, flutuante, lábil e contínuo, que não se pode apanhar, como água e o tempo que escorrem, a mensagem escrita é materializada, tendo recebido ao mesmo tempo consistência e duração: não é uma corrente de água inesgotável e impermanente como o rio de Heráclito, no qual nunca nos banhamos duas vezes; tornou-se um objeto, coerente, autônomo e manipulável à vontade. 1 Para Graff, (1994), é equivocada a identificação entre alfabetização e escolarização, pois é possível haver alfabetização desvinculada de escolarização. Teorias do Discurso e Ensino 35

37 A escrita como um objeto material se presta à análise, à separação de suas partes e ao retorno reparador sobre o que foi escrito, mas talvez sua principal função seja a de armazenar. De fato, a função de arquivar da escrita parece ser decisiva para compreenderem-se as implicações sociais e intelectuais da cultura escrita 2 e, acrescento, de sua importância em sala de aula como representação do oral e da regularidade. Mas é possível pontuar essa presença da escrita tão arraigada ao discernível da língua em relação ao ensino? Apontar gestos dessa presença é a proposta do item seguinte, perseguindo as formas de retorno da escrita através das publicações dirigidas aos professores, pois, certamente serão um testemunho da época em que surgiram. Para esse fim, as publicações mais representativas (abordando os últimos trinta anos) serão chamadas a testemunhar sobre o ensino de língua na escola. A questão de fundo, no entanto, é saber como a escrita situa-se dentro das teorias linguísticas apresentadas aos professores, posição que, consequentemente, repercutirá no ensino da escrita em sala de aula. 3 de cada década 3 As teorias linguísticas e a escrita Entre os anos 70 e 80 o ensino volta-se para as teorias da comunicação, prioriza o uso e vê a língua como um instrumento de comunicação transparente, afastando-se gradativamente do ensino da gramática. A discussão sobre o ensino ou não de Gramática na escola é tema de grande interesse na época. Por conta disso, textos não literários, do dia a dia, passam a fazer parte dos livros didáticos; a linguagem oral torna-se parte das aulas. A visão instrumental domina a concepção de língua como veículo de comunicação. Até a década de 70, o estudo centrado no ensino da Gramática priorizava a escrita. Com a mudança de enfoque, as atenções voltadas para a oralidade, o 2 Olson (1995) refere-se à cultura escrita em âmbito mais geral do que apenas a instrução, em sentido restrito, como à capacidade de ler e escrever. Tomo emprestada a condição de armazenamento, característica da cultura escrita, estendendo-a para o processo de escrita dentro da escola. 3 Evidentemente, essa escolha irá retratar uma visão particular em relação à escolha das obras citadas. No entanto, não deixa de ser um testemunho em relação à importância da publicação. 36 Carmem Luci da Costa Silva, et al.

38 trabalho em sala de aula buscou atividades diferenciadas do que se fazia até então. Em vista disso, surge no Brasil, nos anos 80, uma gama de autores dedicados a estudar a relação que se estabelece entre a linguística e o ensino de língua materna em sala de aula. Tais trabalhos repercutem até hoje entre os professores, refletindo a delicada situação que se abateu sobre o ensino, sugerindo que muitas questões (talvez a maioria delas) ainda permanecem insolúveis 4. De certa forma, algumas previsões foram lançadas bem antes, em 1973, com Lingüística e ensino do Português (GENOUVRIER; PEYTARD), e alcançaram os dias de hoje. Trata-se de uma obra singular: precursora de uma discussão que perduraria muitas décadas, traduzida do francês para o português, tinha como objetivo atender às necessidades do professor português e brasileiro e levou a reformulações frequentes e radicais do original francês, o princípio básico foi o de utilizar o arcabouço conceitual do texto francês estofando-o com material luso-brasileiro. A posição de vanguarda defendida pelos autores abre caminho para as novas discussões a respeito da adoção de textos literários consagrados como modelo do bem escrever: cremos que bons textos não são apenas os do passado; cremos que a língua escrita vive também nas cartas, nas revistas, nos jornais, e que uma língua existe, antes de mais nada, oralmente (1973, p.146). Já afirmavam que não deveria haver primazia da língua escrita em relação à oral: duas faces da mesma moeda, interdependentes entre si. A língua escrita é vista como transcrição gráfica, como a materialização da oralidade. Os autores acreditam que o aprendizado da escrita, a partir da entrada para a escola, é o momento em que a criança passará a conhecer verdadeiramente a língua: A primeira distância experimentada e vivida em relação à língua refere-se, portanto 4 Ilustrando esse período vale lembrar as palavras de Ataliba Castilho ao apresentar o livro de Perini (2000):Uma aula de gramática, ou mesmo um livro de gramática, funcionam mais ou menos assim: o professor diz lá umas coisas em que você não crê, os alunos piscam, piscam, e fingem que acreditam, e tudo fica na mesma. Para que então aprender gramática? Porque cai no vestibular. Mas haveria alguma razão verdadeira para tudo isso? Ah, bom... As coisas estavam nesse pé quando, em 1985, apareceram três professores universitários e seus livros maravilhosos. Sem nenhum acordo prévio, usando argumentos não coincidentes, eles semearam a desconfiança quanto às certezas da gramática escolar: Rodolfo Ilari, Celso Pedro Luft e Mário Perini. Teorias do Discurso e Ensino 37

39 ao contacto da criança com a escrita. É isso que caracteriza sua situação de aluno (p.20). É possível perceber que o ponto de vista defendido pelos autores reflete o momento de mudança por que passam os estudos linguísticos no Brasil. Nota-se a tendência da valorização da expressão oral relegada ao segundo plano devido aos estudos gramaticais, e o professor é instigado a recorrer à linguística para poder realizar a passagem além das aparências gráficas (p. 45). Vê-se que a escrita é a exterioridade, representando um empecilho para se chegar até a verdadeira essência: a fala como oralidade. Tal caracterização da escrita testemunha a concepção de escrita como simples reprodução do som. Seguindo essa discussão, Ilari ( ) 5, em Lingüística e ensino da língua portuguesa, apresenta a coletânea de seis artigos que procuram responder a uma mesma pergunta: pode a Linguística contribuir para o aperfeiçoamento do ensino da língua materna? Considerando algumas orientações teóricas presentes em nosso ensino, o autor tenta avaliar a assimilação de ideias provenientes da linguística e suas consequências práticas para o ensino: a primazia da expressão falada sobre a escrita, proporcionando o uso de textos antes pouco valorizados por não serem literários. E é pela via da redação que a escrita aparece como a expressão de um exercício escolar tendo como função escrever textos. Ilari propõe uma perspectiva formal mais ampla que a gramática para pensar a redação escolar: a teoria do texto ou teoria do discurso. A partir daí, apresenta objetivos para a aula de redação, priorizando a expressão escrita como uma oportunidade de explorar a variabilidade da língua. É preciso dizer que essa forma de ver a escrita como expressão escrita manifestada através de textos não chega a colocar em questão a relação de submissão ou não da escrita em relação à oralidade. O interesse passa a ser o texto tomado como unidade essencialmente comunicativa da língua; ponto de 5 Será citada entre parêntese a data da primeira edição seguida da data da publicação em uso. 38 Carmem Luci da Costa Silva, et al.

40 vista assumido pelas Teorias do Texto e pela Linguística Textual 6 - termos nem sempre sinônimos. Nessa visão, o texto consiste em qualquer passagem, falada ou escrita, que forma um todo significativo, independente de sua extensão. Tratase, pois, de uma unidade de sentido, de um contínuo comunicativo contextual que se caracteriza por um conjunto de relações responsáveis pela tessitura do texto os critérios ou padrões de textualidade, entre os quais merecem destaque especial a coesão e a coerência. (Fávero e Koch;1988, p.25) A escrita é, portanto, tomada como a expressão do domínio das estruturas linguísticas, adquiridas através do exercício escrito: a produção de texto. Exercício que passou a ser sinônimo de escrita na escola, tornando-se o ponto centralizador das aulas de língua materna, buscando instrumentalizar o aluno para que seja capaz de fazer uso das operações que a língua oferece. Vê-se que a escrita é um instrumento de que se pode lançar mão com o intuito de comunicar através de textos; nesse sentido, a escrita continua a ser entendida como exterioridade, reforçando a concepção de escrita apenas como representação. Importante salientar que essa forma de tomar a escrita passou a fazer parte do ensino de língua, sendo acusada de utilizar o texto como pretexto para ensinar nomenclatura. Assim, é possível vislumbrar uma visão textual nas publicações que seguiram nos anos 80, transformando o texto como o lugar em que o aluno mostra o domínio gramatical da língua e depois da subjetividade. Como podemos ver na obra de Celso Pedro Luft professor de português e gramático em Língua e Liberdade (1985), a questão levantada pelo autor é a maneira de se ensinar a língua materna, a postura opressora de um ensino cuja obsessão gramaticalista acaba por traduzir uma visão distorcida de que ensinar uma língua está relacionado com a correção da escrita. 6 A linguística textual começou a desenvolver-se na década de 60, na Europa, em especial, na Alemanha. Marcuschi (1983, p.12) assim a define: proponho que se veja a Lingüística Textual, mesmo que provisória e genericamente, como o estudo das operações lingüísticas e cognitivas reguladoras e controladoras da produção, construção, funcionamento e recepção de textos escritos ou orais [...] Em suma, a lingüística Textual trata o texto como um ato de comunicação unificado num complexo universo de ações humanas. Teorias do Discurso e Ensino 39

41 Luft defende que falar e escrever bem tem a ver com a gramática natural sistema de regras que os falantes interiorizam ouvindo e falando, um dom que qualquer indivíduo adquire por volta dos cinco ou seis anos, acessível a todas as pessoas normais 7. Significa dizer que nascemos programados para falar e que toda pessoa sabe a língua que fala, assim, aprender a língua é evolução natural, como crescer (p. 62). Esta gramática natural é uma gramática da fala, um sistema de regras para a comunicação oral, que nada tem a ver com a correção escrita, pois a verdadeira língua é a fala (p. 44). A escrita é vista como uma sinalização secundária que pode mesmo nem ocorrer, como é o caso dos analfabetos e dos povos ágrafos. Luft sustenta que a escola tradicional volta-se prioritariamente a atividades relacionadas com a leitura e a escrita, deixando de lado o ouvir e o falar, já que letras e outros sinais servem apenas para representar o que alguém falou, o que vai ou poderia falar (p.44). Dessa forma, o ensino deve priorizar a gramática natural da fala, e esta, por sua vez, deve sempre preceder, fundamentar e controlar a gramática artificial da escrita (p.44). A posição de Luft traz de volta a questão relativa à escrita como representação da fala. Reafirma-se a antiga antinomia entre fala e escrita, entre naturalidade e exterioridade, para a partir daí poder ser discutido o ensino da gramática. A aproximação entre escrita e gramática prescritiva reforça a concepção de que a escrita é formalidade, regra artificial, em oposição à gramática natural da fala, que, por ser verdadeira, deve ser priorizada. O ensino dessa gramática artificial escrita se dá na escola, lugar da regularização. É, pois, sobre o ensino de língua na escola que discute Possenti. Em seu livro, Por que (não) ensinar gramática na escola ( ), Sírio Possenti expõe questões relativas à contribuição da linguística para o ensino de língua, afirmando que a escola não ensina língua materna, mas língua padrão. A justificativa para o ensino do português padrão por parte da escola relaciona-se com a aquisição do domínio da escrita e da leitura de textos variados, excetuando-se a produção de textos literários, já que literatos 7 A argumentação de Luft ancora-se em uma teoria estruturalista e gerativista. Significa dizer por este viés que a língua é vista como internalizada, dotando o falante de um saber intuitivo e de uma gramática natural. O funcionamento efetivo da língua é assimilado pela exposição a modelos e a treinamento intensivo, isto é, pela prática. Quanto à escrita, Luft refere uma natural terapia da escrita (p.72) como decorrência da fala, isto é, escrever se aprende escrevendo. 40 Carmem Luci da Costa Silva, et al.

42 certamente não se fazem nos bancos escolares; o máximo que se pode esperar é que eles aí não se percam (p.20). O importante é que o aluno egresso da escola seja capaz de escrever textos com naturalidade. Mas para que esse grau de utilização da língua escrita possa ser atingido é necessário escrever constantemente, inclusive na própria sala de aula. Possenti sugere que a escola imite as atividades linguísticas da vida: se nas ruas, nas casas, na vida, o que se faz é falar e ouvir; na escola, as práticas mais relevantes serão escrever e ler. Desse modo, como aprendemos a falar falando e ouvindo, aprenderemos a escrever escrevendo e lendo, e sendo corrigidos, e reescrevendo, e tendo nossos textos lidos e comentados muitas vezes, com uma freqüência semelhante à freqüência da fala e das correções da fala (p.48). A escrita é, portanto, um trabalho, assim como falar e ler também são trabalhos, e a escola é um lugar de trabalho. Ainda que não seja apenas redação, a escrita é vista como a materialização do texto, e o autor lembra que é nesse nível, o do texto, que residem os principais problemas escolares, cuja tentativa de solução se dá na aproximação entre escrita e fala, tentando vencer a distância que as separa. Também por esse viés a escola é lugar de regularidades, onde uma escrita própria desse regular deve ser ensinada. E é também sob esse viés, a menção do texto, que podemos aproximar a obra de Possenti a outra publicação contemporânea: O texto na sala de aula ( ) de João Wanderley Geraldi (org.). No início dos anos 80, surge a coletânea cujos artigos abordam aspectos pedagógicos e sociais relativos à área do ensino, sempre com vistas à sala de aula. Um propósito interliga os textos que compõem essa publicação: todos têm como objetivo principal um (re) dimensionamento das atividades de sala de aula e pretendem servir, em conjunto, como subsídio teórico-prático. Artigos como: Sobre o ensino de português na escola (Sírio Possenti), Concepções de linguagem e ensino de português (Geraldi), Gramática e política (Sírio Possenti), Em terra de surdos-mudos (um estudo sobre as condições de produção de textos escolares) de Luiz Percival de Leme Britto, entre outros, tornaram-se leitura obrigatória para os professores. Teorias do Discurso e Ensino 41

43 Antes de oferecer sugestões para o desenvolvimento de atividades com a produção de textos e a avaliação, Geraldi aponta a necessidade de levarmos em consideração que uma diferente concepção de linguagem constrói não só uma nova metodologia, mas principalmente um novo conteúdo de ensino (2000, p.45). A escrita é vista através da produção de textos na escola, e esta, por sua vez, deve oportunizar ao aluno o domínio da variedade padrão como uma forma de acesso a bens que são de todos. Ao entender linguagem como interação, Geraldi sustenta que é preciso enquanto professor mudar de atitude em relação ao aluno, para que possamos nos tornar interlocutores e sermos parceiros reais, devolvendo ao aluno o direito à palavra - e na nossa sociedade isto inclui o direito à palavra escrita (p.131). Tal afirmação sugere a presença de um sujeito que possa ser autor do seu dizer. Já no início dos anos noventa, é ainda João Wanderley Geraldi quem apresenta Portos de Passagem ( ), livro em que o autor contrapõe à prática tradicional do ensino de conteúdos gramaticais uma prática baseada em textos enquanto uma alternativa cujas preocupações fundamentais fossem as operações de construção de textos. Geraldi defende a atividade de produção de textos e de análise linguística como produtores de conhecimento e não meros reprodutores: A busca do já produzido não faz sentido quando a reflexão que a sustenta é sonegada a quem apreende. Esta busca deve ser resultado de perguntas e de reflexões, e não de mero conhecimento do conhecido (1993:220). A construção de sujeitos, e da própria linguagem, tem lugar em um espaço em que a interação é fundamental, sustentado por uma concepção de linguagem enquanto atividade constitutiva, coletiva, histórica e social (p.xiii); deixando clara a opção do autor por uma teoria da linguagem que a considere em sua dimensão discursiva. A produção de textos é o lugar onde a escrita se efetiva, sendo (incluindo a oralidade) o centro de todo o processo de ensino aprendizagem da língua, visto que é no texto que a língua se revela em sua totalidade. Para Geraldi, há um sujeito que produz discursos, concretizados em textos, um sujeito 42 Carmem Luci da Costa Silva, et al.

44 comprometido com sua palavra, ainda que vinculado a uma formação discursiva, dentro da qual nada de novo se diria e apenas se repetiria o já dito (p.135). É possível afirmar que Geraldi trata de enunciação, pois mobiliza conceitos centrais dessa teoria como sujeito e enunciação, dentro de uma regularidade. A relação de que trata o autor é entre o texto e o sujeito que o escreve, buscando as qualidades dessa escrita. A visão de enunciação em que procuro inscrever a escrita entende sujeito e língua como indissociáveis, e a noção de escrita como sendo constitutiva do sujeito. Nesse momento, além de uma visão textual, há um outro elemento a intervir: o sujeito. No entanto, segundo Geraldi, é preciso afastar qualquer interpretação que tome o sujeito como a fonte dos sentidos (p.16). Mas como entender esse sujeito que não atribui sentidos? Como é possível sua presença no ensino? Não é por acaso que o retorno do sujeito (do que diz do regular, apenas) se dê justamente pela via escolar, lugar da regularidade e normatização, lugar, principalmente, do saber; portanto, do conhecimento. Em contrapartida, a escola sustenta a necessidade de o aluno ser o autor de seu texto, garantindo à escrita o lugar, por excelência, de instauração da subjetividade na linguagem. Tal posicionamento reflete-se nas afirmações do tipo o aluno precisa se tornar sujeito de seu texto, ou a escrita é o lugar de emergência da subjetividade, ou ainda, os alunos escrevem sempre igual, queixas que demonstram a insatisfação por parte dos professores em relação ao escrever em sala de aula. Parece que existe certa vagueza de tratamento desse conceito de subjetividade, oscilando entre uma concepção ampla que poderia ser parafraseada por algo como manifestação linguisticamente marcada daquele que escreve até uma concepção mais restrita próxima de algo como qualidade estilística superior. Nesse sentido, não é exagero apontar essa busca pela subjetividade como uma condição perseguida nos textos escritos na escola, atributo responsável pelas mais variadas tentativas de ensinar o aluno escrever para esse ou aquele propósito. Significa que para a escola, escrever é principalmente um ato utilitário. Se não é verdade, como entender o direcionamento das aulas de língua materna para a construção de um texto que contemple as exigências do concurso vestibular? Teorias do Discurso e Ensino 43

45 Há sempre a necessidade de escrever para algum fim, para mostrar conhecimento, para aferir um domínio de conteúdo apreendido durante a trajetória escolar. Esse é o caminho trilhado pelo texto escrito em aula, e consequentemente pela redação de vestibular, tomado como exemplo de bem escrever. Os efeitos dessa visão não podem ser minimizados. Por conta desse entendimento, escrever bem significa escrever conforme as regras norteadoras desse texto ideal. Ideal em forma e também em conteúdo, separação que abriu a discussão em dois pólos distintos: a importância ou não da presença da redação no ensino médio. Por conta disso, praticamente dois momentos recebem a atenção nas aulas de língua portuguesa: a gramática normativa e o ensino de redação. Creio não ser exagero afirmar que há submissão do ensino médio em relação ao vestibular, ou seja, não é difícil suspeitar da existência de uma estreita relação entre o que é pedido no vestibular e o que é ensinado em sala de aula. Lembremos que quando a redação não mais constou na prova de vestibular, em 1970, também sumiu da sala de aula no ensino médio 8. Nessa época, jornais e revistas apontavam o ensino de língua portuguesa nas escolas como decadente e insatisfatório; o Conselho Federal de Educação emitiu parecer sobre o assunto; educadores indicavam a presença de grave crise no ensino da língua. Enfim, em meio à grita generalizada, o uso de provas de múltipla escolha e a ausência de redação no concurso vestibular foram apontados como responsáveis pelo fracasso dos jovens no uso do Português escrito. Em resposta, a prova de redação surgiu como medida de correção para a crise da língua nacional. Demasiada responsabilidade atribuída ao ensino médio e particularmente ao ensino de redação, ainda mais em se tratando de um gênero específico de texto, com um único fim que não extrapola o âmbito do concurso vestibular. Mas entre os muros da escola o embate é outro. É na escola que o aluno aprende que escrever bem seria aproximar-se de modelos pré-estabelecidos, 8 A esse respeito há duas posições. Magda Soares (1978) diz que o raciocínio segundo o qual a inclusão da redação no concurso vestibular garante que os alunos aprenderão a redigir é falso e simplista, pois não garante que haverá um melhor desempenho linguístico por parte dos alunos. Já, Maria Tereza Rocco (1995) considera ter havido melhoria nos textos produzidos após a introdução da prova de redação. 44 Carmem Luci da Costa Silva, et al.

46 fugindo de uma escrita reveladora de conflitos, fracassos, abandonos. Há um aprendizado de não envolvimento, de falsificação das emoções e consequentemente de não reflexão sobre a própria história. Nesse sentido, não é difícil perceber que no cerne do problema está a escola que ajudou a construir uma imagem da escrita como formalidade, resultado de um treinamento para escrever na escola e fora dela. Para os alunos, a língua escrita é encarada como capaz de significar por si só, em nada semelhante à língua falada no dia a dia, capaz de produzir todos os sentidos desejados. O texto escrito em sala de aula, para a escola, não pretende incluir-se na discussão do mundo real sobre o tema em questão; tem seu fim determinado no próprio momento da escrita: não nasceu para significar, para somar-se a uma discussão, para dizer da forma como seu autor encara o mundo. Na verdade, passa à margem do diálogo com outros textos do mundo lá fora. Discussão que de tão ampla excede os limites dessa reflexão, ainda que toque questões importantes em relação ao ensino, à escrita e ao sujeito 9. O que é possível constatar é que a escrita da escola, tomada, repito, como a expressão do domínio das estruturas linguísticas, como regularidade traz contrabandeado um sujeito que emerge, no dizer da escola, da produção textual. Mas o que produz esse sujeito se não conhecimento? A subjetividade que a escola busca encontrar nos textos de seus alunos é apenas uma argumentação que denote o domínio do conteúdo apreendido. Trata-se, pois, de um retorno imaginário. A bem da verdade, o sujeito que retornou não é o mesmo que foi excluído pela linguística; isto é, o que retorna sempre esteve presente na escola: o ideal de ciência 10. Ao que parece, a escola cumpre seu papel regularizador, enquadrando sob seus moldes escrita e sujeito. 9 Em (Endruweit;2000), constato que as redações consideradas pela banca como sendo nota dez são as que mais se aproximam de um modelo formal vigente na escola. Três fatores contribuíram para que a redação seja assim entendida: o momento histórico em que o concurso surgiu no Brasil, a pouca valorização do ensino médio por entendê-lo apenas como uma ponte entre a universidade e a presença da redação no concurso como sendo responsável pela qualidade do ensino de língua na escola. 10 A própria ausência de teorização sobre o sujeito pela linguística estrutural possibilita esse retorno imaginário. Se há um lugar vazio deixado pelo sujeito, é legítimo seu preenchimento. Foi o que fez a escola, ainda que tal retorno se desse de forma parcial. Essa questão será retomada no terceiro capítulo. Teorias do Discurso e Ensino 45

47 A escrita presente na escola, na tentativa de aproximar-se da cientificidade, não esqueçamos disso, acaba por tornar-se um poderoso reforço entre as desigualdades sociais, de certa forma, reeditando as crenças de supremacia de quem domina a escrita. Nesse sentido, a escrita presente na escola passa a ser relacionada com a norma-padrão e, em alguns momentos, chegam a ser tomadas como sinônimos. 4 O que é escrever na escola? O que se pode depreender é que a escrita ocupa papel de destaque em sala de aula, mais valorizado em relação à fala, e também por isso mais sujeito ao treinamento. Ainda assim, o trabalho escrito seria uma decorrência do oral, este sim, entendido como um processo natural. É possível pensar que decorrente dessa visão de escrita, alguns livros didáticos buscam desenvolver a criatividade do aluno através de exercícios de fluência e desinibição do ato de escrever, estímulo para escrever e, por fim, criação de um texto 11. A expressão escrita pode também ser entendida como um modo de interação entre falante e ouvinte, em uma relação intersubjetiva construída no processo de enunciação. A linguagem - fala e escrita - é vista como um trabalho do sujeito com a língua. Geraldi (1993, p.183) afirma que ter acesso ao mundo da escrita é poder escolher as estratégias de dizer, mais do que definir como se diz. O acesso ao mundo da escrita é também um acesso a estas estratégias que resultam de relações interlocutivas do passado, de seus objetivos (razões para dizer) e das imagens de interlocutores com que aqueles que escreveram pretenderam um certo tipo de relação. As estratégias que se escolhem revelam, em verdade, esta história porque delas são resultado. Pelo que se pode notar, a intersubjetividade apontada por Geraldi diz respeito às relações de interlocução instituídas entre os locutores envolvidos no processo da escrita, esta, por sua vez, reveladora dos caminhos de tal processo. 11 O exercício de fluência se propõe a levar o aluno a soltar a imaginação. Semelhante processo é a explosão de ideias em que o aluno deve registrar no papel as ideias que lhe vierem à mente, sem censura prévia, apenas associando-as. 46 Carmem Luci da Costa Silva, et al.

48 Como geralmente acontece, a proposta dos livros didáticos inicia por um texto para leitura, buscando a interlocução com o aluno para que este desperte para a necessidade da escrita a partir de perguntas prévias 12. Independente da teorização a que se filiem, as lições destinadas ao uso em sala de aula, em sua maioria, extrapolam os limites estritos de uma única teoria. Desse modo, a presença de um artigo, resenha ou qualquer outra manifestação escrita se junta a exercícios destinados ao manejo do vocabulário. A escola é, portanto, o lugar onde o aluno entra em contato com uma visão de escrita instrumental, como formalidade da qual ele pode lançar mão para significar pensamento e/ou fala ou representar. Muito mais significativo do que a constatação da presença constante da escrita na escola é a consciência de que essa presença foi apenas a sombra de um fenômeno maior: uma escrita além da forma. Mas de que escrita falamos, afinal? Vimos que a escola é apenas aparentemente o mundo da escrita, apresentando unicamente um lado do fenômeno, e de certo modo, ratificando a ideia de escrita como representante da fala. A escrita como produto resulta em um ensino centrado na produção de texto, supervalorizando os aspectos formais, as questões situadas na superfície do texto (caligrafia, margem, distribuição dos parágrafos, aspectos organizacionais, por exemplo), superando até mesmo a preocupação com a correção gramatical 13. Na escola é preciso que o aluno conheça para que possa passar suas conclusões para o papel; não há a possibilidade de construção durante o momento em que escreve. Mesmo que seja levado em consideração o caráter dialógico para a produção de texto em sala de aula, fica-se sempre dentro da esfera formal, de uma escrita instrumental, alheia à mão que escreve tanto quanto distante do olhar que a recebe. 12 Geraldi (1993, p.170) critica a presença da leitura em sala de aula como mero recurso didático e não como um meio para a produção de conhecimento: Não há perguntas prévias para se ler. Há perguntas que se fazem porque se leu. 13 Considerações baseadas em estudo realizado por Garcez Teorias do Discurso e Ensino 47

49 5 Considerações finais As obras apresentadas, principalmente as dos anos 70 e 80, entendem a língua como um instrumento de comunicação. A discussão centra-se nos métodos de melhorar essa função comunicativa, e com o surgimento dos estudos linguísticos no Brasil, a questão preponderante passou a ser a validade ou não do estudo gramatical nas aulas de língua portuguesa. A escrita entra como um subproduto dessas discussões, que de um modo ou de outro, sempre estivera presente na escola: ora como objeto da Gramática ou Filologia, ora como um instrumento da comunicação escrita e da interação pessoal. Certo é que mesmo não sendo o centro das atenções das discussões e das pesquisas, a escrita conquistou um lugar cativo no ensino e parece ter se tornado uma questão à parte das mudanças de rumo do ensino de língua. A presença da escrita em sala de aula impõe sua inclusão nas publicações destinadas aos professores, criando um caminho paralelo em meio às reflexões linguísticas, pois, é praticamente impossível passar ao largo das questões da escrita quando se trata de ensino. Mesmo sendo relegada a um segundo plano, em relação à oralidade, a escrita retorna sempre, forçando sua passagem e consolidando seu lugar na escola. Se for certo o retorno da escrita, visto o lugar ocupado por ela no ensino de língua, o que não está claro diz respeito à qualidade dessa presença que chega mesmo a ser ausência. Ou seja, estar presente nas atividades de aula não garantiu que a escrita deixasse de ser entendida como um modelo de cientificidade, distante de uma visão enunciativa, muito pelo contrário, sua presença no ensino reforçou a distância entre escrita e subjetividade. Há, portanto, duas escritas: a que retornou, ou se manteve, via ensino e a outra face, obscura, a que diz do sujeito, ainda oculta. Ao enfatizar a relação entre ensino de língua e escrita, busquei verificar como ela retornou no âmbito da escolarização. Tal relação, dentro da instituição escolar, creditou à escrita o modelo de cientificidade, garantindo sua presença por conta da sua aproximação com a positivação requerida pelo caráter institucional da escola. Pelo mesmo caminho retornam escrita e sujeito: pela trilha do conhecimento. Significa que para a escola, escrever é principalmente um ato utilitário, pois a subjetividade que a escola busca encontrar nos textos dos alunos 48 Carmem Luci da Costa Silva, et al.

50 é, sobretudo, uma argumentação que denote o domínio do conteúdo aprendido. Não é demais repetir: o sujeito que retornou não é o mesmo que foi excluído pela linguística; o que retorna à linguística sempre esteve presente na escola: o ideal de ciência. REFERÊNCIAS BOTTÉRO, Jean; MORRISON, Ken, e outros. Cultura, pensamento e escrita. São Paulo, Ática: ENDRUWEIT, Magali Lopes. A redação nota dez. Dissertação de mestrado. UFRGS, O vestibular no contexto histórico do Brasil. In: Cadernos do IL. Porto Alegre: UFRGS, (nº 26/27), FÁVERO, Leonor Lopes; KOCH, Ingedore G. Villaça. Lingüística textual: Introdução. São Paulo: Cortez, FLORES, Valdir & ENDRUWEIT, Magali. Sobre estilo e subjetividade na escrita: enunciar o um para dizer o(s) outro(s). In: A redação no contexto do vestibular 2005: a avaliação em perspectiva. Porto Alegre: UFRGS, GARCEZ, Lucília. A escrita e o outro. Brasília: Unb, GENOUVRIER, Emile; PEYTARD, Jean. Lingüística e ensino do Português. Coimbra: Almedina, GERALDI, João Wanderley. Portos de passagem. São Paulo: Martins Fontes, (Org.). O texto na sala de aula. São Paulo: Ática, GRAFF, Harvey J. Os labirintos da alfabetização. Porto Alegre: Artes Médicas, ILARI, Rodolfo. A Lingüística e o ensino da Língua Portuguesa. São Paulo: Martins Fontes, KATO, Mary A. No mundo da escrita. São Paulo: Ática, LUFT, Celso P. Língua e Liberdade. Porto Alegre: LPM, MARCUSCHI, Luiz Antonio. Lingüística de Texto: o que é e como se faz. Série Debates 1, Universidade federal de Pernambuco, Teorias do Discurso e Ensino 49

51 OLSON, David; TORRANCE, Nancy. Cultura, escrita e oralidade. São Paulo: Ática, PERINI, Mário A. Sofrendo a Gramática. São Paulo: Ática, POSSENTI, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola. São Paulo: Mercado de letras, SOARES, Magda. Redação no vestibular: uma solução? In: Cadernos de Pesquisa. nº 24. São Paulo: Carlos Chagas, Carmem Luci da Costa Silva, et al.

52 PELA INSERÇÃO DO DISCURSO NA ESCOLA Sônia Lichtenberg* 1 Introdução Neste texto, apresentamos a Teoria da Enunciação proposta por Émile Benveniste, com o objetivo de oportunizar aos professores de Português que atuam no ensino fundamental, o conhecimento dos fundamentos dessa teoria. Nosso intuito não é propor a substituição do que os professores vêm fazendo, nem sugerir procedimentos ou estratégias de ensino-aprendizagem. Queremos apenas instrumentalizar os professores para que, de posse de certos pressupostos teóricos, promovam reflexões sobre o uso da língua, de modo a qualificar o seu trabalho. Pesquisa recente realizada por Moura Neves aponta o estudo da gramática como opção feita pelos professores do ensino fundamental e do ensino médio. 1 O fato de a gramática ser objeto de estudos nas escolas é motivo, atualmente, de muitas críticas, também como consequência de inúmeros questionamentos que, nos últimos anos, são feitos à gramática. Sobre esse assunto existe vasta bibliografia; cabe aos professores a ela recorrerem e formarem seu próprio juízo. Apesar das críticas ou porque há críticas a considerar, os ensinamentos da gramática podem ser tomados como base para outros que se façam necessários, constituindo-se, assim, a sala de aula em um espaço interdisciplinar e de reflexão sobre a língua. A partir da realidade que a pesquisa de Moura Neves revela, apresentamos a visão de língua que um estudo que toma a gramática como base possibilita. Acrescentamos, a seguir, a Teoria da Enunciação de Benveniste como uma leitura em que o estudo da palavra e da frase noções que são * Doutora em Letras Estudos da Linguagem pelo PPG-Letras/UFRGS. 1 Esta pesquisa, que é meritória devido ao fato de trabalhos neste sentido serem raros, foi publicada em Gramática na Escola, obra que citamos em Referências Bibliográficas.

53 encontradas nas gramáticas sob um enfoque singular, mediante uma rede de outras noções que se vão estabelecendo, esboça o quadro da enunciação, que releva a língua em uso. Porque nossa atenção aqui se volta para ensino-aprendizagem, trazemos, a título de exemplos, algumas situações nas quais alunos e professores, ao pensarem a língua, identificam princípios que consideram a enunciação, tais como Benveniste os concebeu. Com estes exemplos, queremos demonstrar que os conhecimentos oriundos da gramática, aliados a outros, ancorados em estudos linguísticos, permitem perceber os fenômenos linguísticos sob ponto de vista diverso daquele que se ancora exclusivamente em estudos gramaticais, propiciando aos que realizam uma atividade reflexiva tornarem-se sujeitos, também, da sua aprendizagem. 2 A língua estudada na escola Falar sobre o ensino do Português é falar de questões relativas ao tratamento da gramática na escola. Isso não significa que este seja ou deva ser o único objeto de estudo nas aulas de Português, porém isto pressupõe que é, a partir do que a gramática apresenta, que, na escola, se promova uma reflexão sobre os fenômenos da língua. Propor outro suporte para este trabalho, representa negar um dado da realidade: na escola, os estudos sobre a Língua Portuguesa se embasam no que é apresentado pela gramática. Em Gramática na Escola, cuja primeira edição data de 1990, Moura Neves descreve pesquisa realizada em quatro cidades do Estado de São Paulo, com 170 professores de Língua Portuguesa de 1º e 2º graus. O dado inicial obtido é que todos os professores, de um modo ou de outro, ensinam gramática (2003, p. 9), sendo que a maioria dos professores consultados relaciona este conhecimento a bom desempenho linguístico falar e escrever bem : essa é a meta desse ensino, cuja aprendizagem futuramente traduzir-se-á, segundo os mesmos professores, em obtenção de sucesso na vida. 52 Carmem Luci da Costa Silva, et al.

54 A fim de colher informações sobre a natureza do trabalho realizado nas aulas, foi solicitada aos professores a formulação de exercícios que se caracterizassem como os mais usuais quanto à aplicação. Pelas respostas apresentadas, verificou-se uma ênfase significativa no que se refere ao estudo das classes gramaticais e das funções sintáticas. Dos professores pesquisados, cerca de 66% afirmaram, em respostas a questionários, consultar manuais de gramática. Dos manuais citados, segundo Moura Neves, 50% se incluem entre obras bem tradicionais, e os outros são livros didáticos, porém, por ocasião de entrevistas, ficou evidenciado que os professores, na quase totalidade, restringem sua fonte de informações ao livro didático em uso (2003, p. 22). O fato de o material de referência dos professores ser o livro didático, não interfere na natureza do que é ensinado e na finalidade deste ensino, pois, via de regra, os livros didáticos reproduzem as informações fornecidas por gramáticas de prestígio, mantendo, inclusive, a ordem de apresentação dos conteúdos. Muitas dessas publicações levam como título Gramática, e sua adequação aos que se iniciam nesses estudos se faz pelo acréscimo de recursos gráficos e/ou exercícios, quando não de textos, atividades de interpretação desses textos e propostas de redação, atendendo às tarefas que a escola (se) impõe: trabalhar com leitura e interpretação, redação e gramática. Nesse contexto, o que é relevante para a discussão que empreendemos é o dado colhido por Moura Neves: nas aulas de Português, estuda-se a gramática. Acresce-se a isto que, dessa teoria, destacam-se dois aspectos: a organização de classes de palavras e as funções que as palavras desempenham na frase, segundo relações que estabelecem entre si, ou que se dão entre os termos da frase nos quais estão contidas. Com esse estudo visa-se ao bom desempenho no uso da língua. Diante disto, antes de dar prosseguimento a essa exposição de ideias, esclarecemos que, como o ensino da gramática é algo que se impõe, procuraremos identificar, nesta realidade, alguns aspectos que o justifiquem e, ao mesmo tempo, lacunas as quais possibilitem a inserção de conhecimentos recentes, advindos da Linguística. Teorias do Discurso e Ensino 53

55 3 A abrangência da língua estudada na escola Destacamos como importante para a contribuição a que nos propomos, a afirmação feita pelos professores, relativa ao estudo da gramática na escola, nos níveis fundamental e médio. Necessitamos, porém, para que tal contribuição se efetive, determinar que aspectos dessa teoria são recortados pelos professores ao trabalharem classes gramaticais e funções sintáticas em suas aulas, ou seja, o que do que é tratado pela gramática o ensino do Português na escola abrange? Esta questão nos remete a outra: de que gramática nos falam os professores, se, sob esse rótulo, se inscreve uma vasta gama de estudos cujos objetivos variam e são, vez por outra, contraditórios? Luft, em sua Moderna Gramática Brasileira, responde a esta questão, opondo, primeiramente, a gramática natural o saber de quem usa a língua à gramática artificial a descrição desse saber e o registro dessa descrição ou Gramática. Em relação à Gramática estudos sobre o saber linguístico, Luft identifica dois tipos: a tradicional, de herança greco-latina, e a moderna, advinda da Linguística. Sobre a tradicional, este autor ainda diz que: A Gramática tradicional tem tido duas orientações: normativa e descritiva, conforme a preocupação dominante de: (a) impor as regras de um padrão lingüístico havido como modelar (...), ou (b) expor os fatos da linguagem. Daí títulos como: Gramática Normativa / Gramática Descritiva ou Expositiva (1979, p. 6). 2 Em relação à moderna, Luft, que edita este livro pela primeira vez em 1976, aponta a estrutural e a transformacional, como duas vertentes principais. Bechara, em 1999, na Moderna Gramática Portuguesa, também distingue tipos de gramática: a descritiva e a normativa. 2 Ao lado desta distinção, Luft acrescenta que: Em todo o caso, a Gramática tradicional sempre foi mais normativa que descritiva, por falta de compreensão exata do fenômeno da linguagem e de uma técnica apropriada à descrição (1979, p. 6). 54 Carmem Luci da Costa Silva, et al.

56 A gramática descritiva, de acordo com Bechara, é uma disciplina científica que registra e descreve (...) um sistema lingüístico em todos os seus aspectos (...) (p.52). Nessa classificação, insere a estrutural, a funcional, a estrutural e funcional, a contrastiva, a distribucional, a gerativa, a transformacional, a estratificacional, a de dependências, a de valências, a de usos, etc. À gramática normativa este autor atribui uma finalidade pedagógica. A esta gramática cumpre elencar os fatos recomendados como modelares da exemplaridade idiomática para serem utilizados em circunstâncias especiais de convívio social (p. 52). Em 2000, Cavaliere, em Fonologia e Morfologia na Gramática Científica Brasileira, faz um estudo sobre os conceitos de gramática vigentes, do qual extrairemos os termos sob os quais as gramáticas são classificadas, respeitando, assim, o procedimento adotado pelos autores anteriormente citados, e apresentaremos suas características principais. Gramática descritiva é a que faz uma exposição metódica dos fatos da língua ou, considerando-se o conceito saussuriano, a que descreve o sistema linguístico em uso. Por não ser discriminatória, obriga aquele que dela se ocupa, a delimitar seu campo de atuação, dada a impossibilidade de se estudarem todas as variantes de uma língua, nas suas manifestações oral e escrita. Caso tenha objetivo pedagógico, selecionará os usos que o ensino privilegia. A gramática que tem origem nos estudos clássicos e que visa à prescrição de um comportamento linguístico é chamada de normativa. Baseia-se na autoridade de quem prescreve ou na de escritores que gozam de prestígio, apresentando o que se considera correto, sem que para isto se apresentem justificativas, mesmo que seus preceitos contrariem o que, no momento, vigore como uso, pois não há preocupação com um estudo sistemático dos fatos linguísticos, tal como o fazem os trabalhos descritivos. A gramática tradicional, no mais das vezes confundida com a gramática normativa, é de caráter descritivo-normativo porque é especializada na descrição de um uso, tido como o que se rege pela norma culta, a qual é de domínio dos falantes escolarizados, que a utilizam principalmente na escrita. Sua finalidade não é propriamente a prescrição visto que está baseada na observação de fatos Teorias do Discurso e Ensino 55

57 linguísticos os quais não são tão constantemente atualizados, devido à incapacidade de se estabelecer, com certa frequência, o que vige neste uso. 3 Assim diferenciadas as gramáticas, mesmo que as propostas apresentadas por Luft, Bechara e Cavaliere difiram em certos aspectos, pode-se dizer que a gramática estudada na escola não é a moderna, citada pelo primeiro, nem a descritiva, referida pelo segundo, porque estas têm como base teorias linguísticas. O que os professores elegem como matéria de estudos as classes de palavras e as funções que as palavras desempenham na frase, com o objetivo de que os alunos adquiram bom desempenho linguístico, entendendo-se bom como a norma culta se situa nos âmbitos da descrição e da normalização, tomando-se descrição como exposição dos fatos da língua ou o sistema linguístico em uso (gramática tradicional, conforme Luft e Cavaliere) e normalização como o conjunto de normas pertinentes ao sistema que é descrito (gramática descritiva com fins pedagógicos ou gramática tradicional, conforme Cavaliere; gramática tradicional, conforme Luft, e, ainda, gramática normativa, conforme Bechara ). 4 Examinando-se alguns livros didáticos materiais elaborados para estudantes, mas confessadamente também utilizados pelos professores como fonte de consulta e algumas gramáticas tradicionais, identifica-se, geralmente nos capítulos iniciais, a exposição de fatos linguísticos. Ao estudar as classes e subclasses de palavras substantivos, adjetivos, pronomes, e ainda pronomes pessoais, possessivos, demonstrativos, indefinidos, etc. e as divisões que a frase comporta, incluindo-se sucessivas divisões de seus termos sujeito e predicado; verbos intransitivos, transitivos, etc.; objeto direto, objeto indireto, etc. estas obras atribuem-se o papel de organizar e hierarquizar fatos linguísticos a partir da apresentação de uma terminologia e de definições. Num primeiro momento, então, descrevem a língua. 3 O autor ainda desenvolve dois conceitos gramática como sistema lingüístico e gramática como método de investigação científica, os quais não apresentamos aqui devido à sua especificidade e, por isto, não atinentes ao que entendemos por ensino da gramática na escola, tal como os professores manifestam na pesquisa realizada e em outra situações nas quais, a partir de relatos e comentários, descrevem o seu trabalho. 4 Sobre este assunto, leia-se também Estrutura da Língua Portuguesa, de Joaquim Mattoso Câmara Jr. 56 Carmem Luci da Costa Silva, et al.

58 Esse tratamento inicial dos fatos linguísticos permite que, posteriormente, os estudos se voltem fundamentalmente para questões relacionadas a um uso que, nesse caso, é o que pessoas escolarizadas utilizam notadamente em situações de escrita. Metodologicamente, essas obras desenvolvem um percurso: da classificação, que implica uma nomenclatura com suas respectivas definições, à aplicação da classificação apresentada, na formulação de regras relativas ao bem dizer e ao bem escrever. Ao determinar classes, sejam elas de palavras ou de funções, nota-se que a gramática promove relações entre os diversos agrupamentos. Noções são apresentadas, respeitando-se um direcionamento: do amplo para o específico, do abrangente para o abrangido, do central para o periférico. À medida que se avança no estudo, uma noção prescinde da anterior ou de anteriores. Além disto, os estudos da sintaxe da frase, não apenas, mas também classificatórios, se encarregam de estipular o lugar que as classes de palavras ocupam na estrutura frasal, muitas vezes reafirmando relações já estabelecidas ao ser explicitado cada um desses agrupamentos. Assim, por exemplo, se os artigos são apresentados como determinantes dos substantivos, seu ingresso na frase se dá como adjunto adnominal de um núcleo nominal. A gramática estudada na escola, pela via de obras tradicionais e livros didáticos que as tomam como base, portanto, esboça um quadro de noções pertinentes à língua, o qual se caracteriza pela classificação e pela hierarquização. Além do arcabouço do sistema da língua que esses estudos traçam, nelas se encontram explicitados empregos. Quando é apresentada a flexão dos substantivos, quando, ao lado da definição de adjetivos, são tratados os gentílicos, e nos estudos sobre concordância, regência, colocação de pronomes, etc., aflora a especificidade do uso, sob forma de restrição. Como se trata de um uso, obviamente não há como se ter outro que não seja este. Nesse sentido, afirma Cavaliere que: (...) mesmo a gramática descritiva sempre terá um componente normativo, a menos que efetivamente logre descrever todos os possíveis usos da língua em suas dimensões diastrática, diatópica e diafásica. Não sendo assim, a simples seleção dos fatos descritos reflete uma discriminação do que é ou não é descritível, isto é, implica uma norma, à semelhança da que Teorias do Discurso e Ensino 57

59 modernamente se encontra no conceito de aceitabilidade (2000, p. 38). Até época bem recente, se tomavam as normas apresentadas pelas gramáticas como extensivas a qualquer manifestação linguística. Atualmente, o que se verifica é uma ruptura no interior da própria gramática porque os empregos ou regras, sabe-se, convivem com usos os mais diversos. Não só linguistas sabem dessa convivência, os gramáticos também o admitem, e um exemplo disto é Bechara. Na Moderna Gramática Portuguesa, de Bechara, publicada nos anos 90, edição revista e ampliada de obra de mesmo título, cuja primeira edição ocorre em 1961, o autor, ao distinguir gramática descritiva e gramática normativa, sobre a última afirma que: Cabe à gramática normativa, que não é uma disciplina com finalidade científica e sim pedagógica, elencar os fatos recomendados como modelares da exemplaridade idiomática para serem utilizados em situações especiais de convívio social. A gramática normativa recomenda como se deve falar e escrever segundo o uso e a autoridade dos escritores corretos e dos gramáticos e dicionaristas esclarecidos (1999, p. 52). Essa visão do que representa a gramática normativa hoje um uso, próprio a situações especiais de convívio social, no conjunto de usos que constituem a Língua Portuguesa decorre de estudos realizados por Bechara que, no Prefácio desta sua Gramática, diz que se trata de um novo livro e assim o descreve: (...) amadurecido pela leitura atenta dos teóricos da linguagem, da produção acadêmica universitária, das críticas e sugestões gentilmente formuladas por companheiros da mesma seara e da leitura demorada de nossos melhores escritores (1999, p. 18). Tomamos aqui um único modelo o gramático Bechara uma vez que as duas edições da Moderna Gramática Portuguesa permitem cotejar sua atual posição, cuja origem o próprio autor revela, com a anteriormente assumida. Na edição de 1961, na Introdução, Bechara afirma: 58 Carmem Luci da Costa Silva, et al.

60 Mas dentro da diversidade das línguas ou falares regionais se sobrepõe um uso comum a toda área geográfica, fixada pela escola e utilizada pelas pessoas cultas: é isto o que constitui a língua geral, língua padrão ou oficial do país. Cabe à Gramática registrar os fatos da língua geral ou padrão, estabelecendo os preceitos de como se fala ou escreve bem ou como se pode falar e escrever bem uma língua. Daí ser a Gramática, ao mesmo tempo, uma ciência e uma arte (p. 25). No mesmo capítulo, ao distinguir essa gramática da gramática histórica e da comparada, denomina-a gramática descritiva, expositiva, normativa ou tãosomente gramática (p.26). Verifica-se, pois, que a gramática, também aos olhos de um gramático, mudou. Sua finalidade era registrar os fatos da língua geral ou padrão, estabelecendo os preceitos de como se fala ou se escreve bem ou como se pode falar e escrever bem uma língua ; atualmente se atém a situações especiais de convívio social, e faz apenas recomendações. Era considerada uma ciência e uma arte ; hoje é uma disciplina pedagógica. Sua denominação, em consequência, tornou-se restrita, segundo este autor, à gramática normativa, deixando, pois, de abarcar as que se lhe davam pela ausência de outras gramáticas, pela força que impunha e pelo prestígio que gozava: gramática descritiva, expositiva, normativa ou tão-somente gramática. Além disto, o que se apresenta como gramática normativa, porque o gramático refere-se a situações especiais de convívio social, pressupondo-se, portanto, outras situações em que não são aceitas estas normas, se aproxima do que se aponta como característica da gramática descritiva, que referenda um uso entre a possibilidade de vários outros. Aliás, estendendo-se dessa forma o conceito de gramática normativa apresentado por Bechara nessa nova versão de seu trabalho, se faz justiça ao que este autor atualmente apresenta na sua Gramática, porque não se exime de justificar, comentar, apresentar possibilidades várias, mas também se vale de estudos oriundos da ciência linguística para fundamentar suas posições. A partir dessas reflexões, verifica-se que a língua estudada na escola restringe-se a um uso, o qual não pode mais ser concebido como o ideal. Caso, ao se referirem a bom desempenho linguístico, os professores tenham em Teorias do Discurso e Ensino 59

61 mente a uniformização do uso da língua ou a aquisição de um uso que se sobreponha aos demais porque o mais correto ou o melhor, essa ideia tão logo deverá ser abandonada, pois atualmente ninguém mais a autoriza, nem os próprios gramáticos. Também porque esse ensino se restringe a apenas um uso, mesmo que os conhecimentos obtidos por meio dele se façam necessários em inúmeras situações de vida, principalmente naquelas em que é utilizada a expressão escrita, há de se considerar que esse ensino não pode, por si só, ser tomado como o ensino do Português, embora reconheçamos que seja uma das tarefas da escola a excelência relativa à escrita. Ademais, há outro fator limitante a considerar: verifica-se que esse trabalho com a língua não ultrapassa o estudo da frase, já que é assim que a gramática procede. Propomos a inserção do discurso no ensino do Português, a partir da Teoria da Enunciação, de Benveniste. Certamente essa não é a única alternativa à disposição para que tal projeto se formalize, porém a esta teoria deve-se a compreensão de como a língua funciona, pois considera a língua e o uso, ou seja, a língua em uso. 4 Uma Teoria da Enunciação Quando nos referimos à Teoria da Enunciação de Benveniste, estamos falando de estudos selecionados por este linguista, entre outros realizados, publicados em dois livros: Problemas de Lingüística Geral I e Problemas de Lingüística Geral II. Estas publicações são constituídas de artigos, alguns originalmente apresentados por escrito, outros originados de conferências, produzidos em momentos diversos. Esses estudos não estão dispostos cronologicamente nessas obras, nem supõem uma leitura em determinada ordem, embora reunidos sob títulos que visam dar ao leitor certa indicação sobre o que neles é tratado. Nesse aspecto, esses estudos linguísticos distinguem-se de muitos outros a que estamos acostumados a ler, pois sua forma de apresentação não 60 Carmem Luci da Costa Silva, et al.

62 determina um percurso de leitura: podemos livremente incursionar entre eles. Apesar disto, percebemos que, independentemente da especificidade que alguns artigos apresentam, seu autor é fiel a certos princípios que regem sua teoria, e da rede de relações que o leitor paulatinamente elabora, emana um todo coerente e consistente. Relevando o que é ensinado nas escolas hoje, e nesse aspecto consideramos de grande valor o trabalho de Moura Neves no sentido de nos fornecer dados relativos às aulas de gramática no ensino fundamental e no médio, nos dispomos, neste escrito, a perseguir o traçado apresentado pelos professores, os quais se dedicam ao estudo das palavras como classes e ao da frase como funções desempenhadas pelas palavras. Desse modo, como a teoria de Benveniste propicia a apreensão dos fenômenos linguísticos sob várias perspectivas, optamos por organizar esta exposição inicialmente pela via da palavra e, posteriormente, da frase, e, em seguida, apresentar todas as implicações que desses focos emanam. 4.1 As palavras É a partir da clássica distinção dos pronomes que Benveniste formula a noção de pessoa 5, a qual desencadeia uma série de outras noções, fazendo-se presente em toda sua teoria. Questionando essa distinção, este autor afirma que o tratamento dado à pessoa do verbo, desde a gramática grega até os nossos dias 1ª, 2ª e 3ª pessoas é não linguístico. Estas denominações não nos informam nem sobre a necessidade da categoria, nem sobre o conteúdo que ela implica, nem sobre as relações que reúnem as diferentes pessoas (1995, p.248). Sob o mesmo critério adotado para a apresentação dessa distinção pessoa, Benveniste retoma o estudo dos pronomes, estabelecendo que a 5 Sugerimos, neste momento, especialmente a leitura de A Natureza dos Pronomes, Estrutura das Relações de Pessoa no Verbo e A Subjetividade na Linguagem, por nós elencados em Referências Bibliográficas. Teorias do Discurso e Ensino 61

63 noção de pessoa decorre de um ato em que eu se diz eu. Eu é essencialmente linguístico, é palavra que coloca a língua em funcionamento. Este ato, por meio do qual o locutor se propõe como sujeito, institui também tu, também pessoa, mas pessoa diferenciada. Ambas se constituem pelo mesmo ato, porém são opostas. Na e pela enunciação, que é colocar a língua em funcionamento por um ato individual de utilização (1989, p.82), o locutor assim se apresenta, mas sempre pressupondo um alocutário. Eu e tu são formas linguísticas que têm existência na e pela enunciação. Porque subjetivas, são sempre únicas e efêmeras, pois são palavras que eu profere. Apresentam a mesma referência, isto é, a instância de discurso que as contém. São inversíveis, pois, no momento em que tu toma a palavra, se apresenta como eu, e o que até então assim se dizia, torna-se tu. Além de eu e tu, que estabelecem a noção de intersubjetividade, a enunciação constitui outras palavras ou categorias, os indicadores de subjetividade: o tempo, que é o presente concomitante com a enunciação; o aqui, que é indissociável de agora; os demonstrativos, que designam todos e quaisquer objetos presentes no aqui-agora. Também outros advérbios ou locuções adverbiais que são correlatos de aqui e de agora, os tempos verbais, que tomam o presente da enunciação como referência, a modalidade, os adjetivos, os possessivos, certos verbos, etc. também marcam a inserção do sujeito na língua. A noção de subjetividade, que instala eu-tu-aqui-agora e todas as demais relações que a partir disto se estabelecem, não prevê ele. Quanto à natureza, ele corresponde a não pessoa, pois não pertence à instância de discurso como eu e tu, porque diz respeito ao não importa quem ou não importa o que munido de referência objetiva. Essa forma não decorre da enunciação, pois a língua lhe prevê um conceito. Quanto à função, ele é um substituto abreviativo, representa no enunciado o não importa quem ou não importa o que já referido: seu caráter é, portanto, sintático. Ao estudar os pronomes, Benveniste estabelece a oposição eu-tu/ele, caracterizando dois âmbitos: o da enunciação e o da língua. Ao primeiro pertencem as palavras que a partir do uso adquirem significação; ao segundo 62 Carmem Luci da Costa Silva, et al.

64 pertencem palavras que para qualquer falante estão associadas a um conceito. Assim pode-se entender a oposição subjetividade/objetividade. Apesar de não negarmos essa oposição, ela precisa ser interpretada para que compreendamos enunciação como colocar a língua em funcionamento. Benveniste, ao caracterizar eu como pessoa que enuncia eu, afirma que há (...) neste processo uma dupla instância conjugada: a instância de eu como referente, e instância de discurso contendo eu, como referido (1995, p.279). Em outras palavras, eu é referente porque é sujeito da enunciação; eu é referido porque eu o que se propõe como sujeito enuncia eu, constituindo o enunciado. Na e pela enunciação, instaura-se um mundo a presente instância de discurso pelo fato de o sujeito só poder assumir esta condição diante de tu, bem como ser o referente de uma série de categorias, qual seja o tempo, que é o presente, este-aqui-agora. Eu-tu-este-aqui-agora passa a coexistir e a constituir um eixo em torno do qual tem possibilidade o uso de outras palavras como, por exemplo, expressões de temporalidade que se estabelecem em relação ao presente, e alguns advérbios que decorrem de aqui. Pelo viés do sujeito, que exterioriza esta realidade ou a sua realidade, têm significação, ainda, os modos, os adjetivos, os possessivos, etc. Em síntese: a enunciação é a referência de todas as palavras que adquirem tal estatuto ao serem enunciadas. A ele correspondem os conceitos da língua. Por meio de ele, eu designa as coisas às quais quer dar existência. Assim sendo, ele não é constituído, a partir das coisas; ao contrário, são as coisas que são constituídas a partir do momento em que são enunciadas, passando a fazer parte da instância de discurso e, apesar de exteriores à relação eu-tu, têm como referência, assim como as demais palavras, a enunciação. Retomemos a definição de enunciação: enunciação é o colocar a língua em funcionamento por um ato individual de utilização. Língua em funcionamento admite a existência de um coletivo, a língua como um sistema de significações desvinculadas da realidade, formas distintivas; língua em funcionamento supõe um ato individual que significa a realidade em que se inclui, ou seja, a instância de discurso. Ele, pertencente ao coletivo, na e pela enunciação tem referência, Teorias do Discurso e Ensino 63

65 adquire existência, materialidade, e os indicadores de subjetividade nela e por ela emergem. Podemos, assim, considerar as palavras sob duas perspectivas: a da origem e a da referência. Sob a primeira, temos eu-tu/ele: a língua e a instância de discurso, a língua e o uso da língua. Na outra perspectiva, a da referência, a oposição se desfaz eu-tu-ele a língua é apenas uso porque colocada em funcionamento. 4.2 A frase Para a inclusão da frase nesta Teoria da Enunciação, se faz necessário estudar as duas maneiras de ser língua por Benveniste tratadas: a primeira denominada semiótica; a segunda, semântica. À medida que avançarmos neste estudo ver-se-á que estas maneiras de ser estão na base da oposição pessoa/não pessoa: a não pessoa é do domínio do semiótico, a pessoa é do domínio do semântico. Embora sejam distintos, semiótico e semântico têm um aspecto em comum: ambos significam, diferenciando-se pela maneira como significam 6. O âmbito do semiótico tem como unidade o signo. Corresponde à língua, tal como é descrita por Saussure no Curso de Lingüística Geral. O signo significa em face de outro signo, pois essa maneira de ser língua se caracteriza por excluir o mundo, uma vez que as relações que nela se estabelecem se dão entre as unidades que lhe são pertinentes. No semiótico, não há intervenção de um sujeito, então a referência inexiste: a significação é genérica. No âmbito do semântico, está a subjetividade. É a enunciação. É eu que se diz e diz o mundo. Já não há signo, mas palavra. Embora as palavras sejam signos, têm outro estatuto porque significam uma situação que é particular e única. Não apenas significam, servem para viver. Para explicitar a transposição do signo para palavra, Benveniste utiliza os termos agenciamento e apropriação. O locutor agencia palavras (os signos) no 6 Para complementação, leia-se, principalmente, A Forma e o Sentido na Linguagem e Os Níveis da Análise Lingüística, o primeiro apresentado em um congresso que reuniu filósofos; o segundo, em um congresso de linguistas. Ambos são referenciados no final deste trabalho. 64 Carmem Luci da Costa Silva, et al.

66 campo do semiótico e as desloca para o semântico, ou seja, a língua e o uso da língua são vistos como associados. A este processo, Benveniste dá o nome de apropriação: o sujeito se apropria da língua e a põe em funcionamento. Nesse processo de apropriação para funcionamento, o que era genérico se torna específico: os conceitos da língua, noções gerais devido à ausência de referência, sofrem uma restrição em uma situação de emprego da língua: cada palavra não retém senão uma pequena parte do valor que tem enquanto signo (1989, p.234). Na ordem do semântico, não é apenas a palavra que significa, também a frase significa, ou melhor, a palavra significa porque contida na frase 7. A palavra é palavra porque está na frase, já que a função da língua é predicar. No discurso, a língua se manifesta, o pensamento se torna ideia. No discurso, a palavra jamais pode ser vista isoladamente, está sempre em conexão com outras palavras. Um sentido se expressa, o qual é sempre particular, pois relativo a sujeitos e contexto, por isso exige uma configuração também particular, para que se manifeste a singularidade da ideia. Essa singularidade relativa à referência a situações sempre novas e diferenciadas determina certo arranjo de palavras. A frase, então, não pode ser vista como um somatório de palavras, pois nela as palavras, dependendo da organização que lhes é imposta, apresentam nuances diversas, adequando-se à ideia. O semântico é, assim, o uso da língua, significação partilhada pelos falantes a qual se manifesta na palavra uma parte do coletivo expressando sentido particular, entendido como emprego em inter-relação com outras palavras. Nessa configuração própria à ideia se dá a significação do predicar. 7 Frase, termo empregado por Benveniste, relaciona-se à expressão de uma ideia. Não se limita, portanto, como em outros estudos, quanto à extensão. A frase, tal como é concebida por este autor, comporta inter-relações entre as palavras, uma certa organização promovida por quem usa a língua. Esta organização é exigida pela atribuição de referência. Teorias do Discurso e Ensino 65

67 4.3 O diálogo Na e pela enunciação, eu se constitui, se apresenta como sujeito; a linguagem é, portanto, condição humana, por meio dela o homem se diferencia dos outros homens, se individualiza. Assim, em Benveniste, a linguagem não pode ser reduzida a instrumento de comunicação, pois a linguagem fundamenta na realidade, na sua realidade que é a do ser, o conceito de ego (1995, p.286). Apesar de eu ser, ao mesmo tempo, referente e referido eu diz eu e, deste modo, se institui como pessoa, esse ato não lhe confere prerrogativas porque este dizer constitui tu, o não eu. Em Benveniste, não há propriamente noção de pessoa, mas de pessoas, sempre duas e somente duas, e se por vezes empregamos o singular, é para estabelecer a noção de oposição pessoa/não pessoa. Essa noção de pessoalidade está associada a outra, a de inversibilidade. Eu assim o é enquanto dura seu dizer, invertem-se as posições no momento em que tu toma a palavra. Eu e tu, embora opostos, não são excludentes e ainda gozam da possibilidade de revezamento na atribuição de referência. Então, se usamos o termo subjetividade com o objetivo de descrever o ato por meio do qual o locutor põe a língua em uso, devemos considerar que intersubjetividade é o termo que condiz com a noção de pessoas. Eu e tu, coparticipantes da enunciação como integrantes da instância de discurso, promovem o diálogo. E para que este se exerça, a noção de referência, ainda que necessária, não é suficiente: importa a de correferência para que o diálogo como tal se constitua. 8 Para que melhor se esclareça a noção de correferência, é preciso que se retome a oposição entre ordem do semiótico/ordem do semântico. Na visão de Benveniste, a língua é o único sistema dotado dessa dupla significância, e porque desse modo se apresenta, é capaz de interpretar todos os demais sistemas de signos, os quais são unidimensionais. Já que possui duas 8 Os estudos aqui realizados poderão ser enriquecidos com a leitura dos textos O Aparelho Formal da Enunciação e Semiologia da Língua. 66 Carmem Luci da Costa Silva, et al.

68 dimensões, sua função de interpretante não se restringe a outros sistemas, ela pode, a princípio, tudo categorizar e interpretar, inclusive ela mesma (1989, p.62). Em uma situação de emprego, a língua é o interpretante e o interpretado pois a enunciação, a maneira de ser língua no campo do semântico, inclui o semiótico: o locutor toma a língua inteira e a coloca em funcionamento para referir o mundo da presente instância de discurso. A dupla significância da língua significa o que é coletivo, ou significa o que é particular: semiótico/semântico; significa o que é particular, considerando a significação que é coletiva: a inclusão do semiótico no semântico garante-lhe interpretar-se a si mesma. A língua é interpretante enquanto coletivo, é interpretado enquanto particular; é interpretante enquanto expressão de uma situação nova e única, a qual corresponde ao interpretado. O colocar a língua em funcionamento, que prevê não só sujeito, mas sujeitos, os quais têm a possibilidade de alternar-se nesse ato, confunde-se com o quadro do diálogo: um ir-e-vir do processo de apropriação da língua, configurando a ideia, de modo a referir a instância de discurso, referência esta que é perpassada pela língua, um aparato que é comum aos parceiros. O que caracteriza o diálogo, relação entre sujeitos, é uma constante alternância de semiótico e semântico. Nesse processo, já sabemos como o locutor constitui a significação, porém, em se tratando de alocutário, não podemos afirmar que faz simplesmente o caminho inverso, pois isto representaria destituí-lo da condição de sujeito. Face à enunciação de eu, tu, porque também sujeito, reconstitui o processo: reconhece, na língua, a qual é comum a eu e tu, os conceitos relativos às palavras que compõem o enunciado; semantiza, porque parceiro do locutor, copartícipe da situação de discurso, atribuindo referência, ou seja, significando. Há, portanto, reconstituição do processo; não há reconstituição do enunciado. Para locutor e alocutário são comuns a língua e a instância de discurso e, consequentemente, referência e significação. O uso da língua, porque traz implícito o diálogo, implica não só referência, mas correferência. O diálogo prevê, portanto, sujeitos, um imbuído em significar-se, o outro em atribuir significação a este significar-se. Eu refere, eu-tu coreferem. A língua é Teorias do Discurso e Ensino 67

69 garantia de um mínimo comum; a existência de sujeitos que partilham a mesma situação de discurso, o aqui-agora, que inclui este, garante a relação discursiva. Assim como eu constitui tu, mas, ao mesmo tempo, por ele é constituído, a referência, decorrente da enunciação, prevê correferência, condição para a existência do diálogo. Se o entendimento da noção de subjetividade é requisito para a de intersubjetividade, a de referência também o é para a de correferência: uma é origem; a outra, fim da enunciação É com este sentido que a língua serve para viver. 5 A inserção da enunciação reflexões a partir de algumas situações de ensino-aprendizagem Por tudo o que foi exposto, verificada a rede de relações e a complexidade que essa maneira de compreender os fenômenos linguísticos envolve, conclui-se que esta Teoria da Enunciação não é aqui apresentada para que seja desenvolvida em sala de aula, porém conhecê-la é possuir um suporte a mais para considerar as intervenções feitas pelos alunos, que trazem suas explicações, incompreensões e críticas, quando lhes é apresentada uma informação nova ou quando são aprofundados ou inter-relacionados alguns aspectos relativos aos fatos linguísticos tratados pela gramática. Há muito tempo, teorias pedagógicas e outras que contribuem para a reflexão sobre modos de ensinar e modos de aprender apontam para a necessidade de que sejam promovidas, em sala de aula, situações nas quais os alunos participem ativamente. Não se concebe mais um ensino em que os alunos sejam vistos como objeto. Os professores, no afã de sempre e cada vez mais qualificarem o trabalho que fazem, realizam um esforço ao planejarem situações de ensino-aprendizagem, para garantir aos alunos o papel de agentes do seu aprender. Como é isto o que se quer e o que se faz quanto ao que é propriamente pedagógico, é preciso que, nos momentos em que os alunos apresentam suas indagações ou em que assumem uma posição diante do que é estudado, os professores tenham uma bagagem de conhecimentos suficiente para interpretar o que pelos alunos está sendo expresso, corroborando ou redirecionando as reflexões apresentadas, de modo a enriquecê-las. 68 Carmem Luci da Costa Silva, et al.

70 É certo que os professores, por mais que se dediquem a organizar as atividades, não têm como prever todas as respostas dos alunos. Um ensino voltado para o pensar sobre a matéria está à mercê do inusitado. Assim, em uma sala de aula do ensino fundamental em que os alunos estudavam os pronomes, o professor apresentou algumas frases previamente selecionadas, as quais eram constituídas por pronomes indefinidos, e os alunos, após levantamento de hipóteses que eram aceitas ou refutadas pelos seus pares e pelo professor, concluíram que certas palavras da língua expressam ideia de imprecisão, de indeterminação, de indefinição. Avançando um pouco mais a discussão, um aluno deu a seguinte opinião: Penso que estas palavras não definem. Alguém indica uma pessoa, mas não diz que pessoa é; algo dá uma ideia parecida em relação a uma coisa, muitos é uma palavra que expressa grande quantidade, mas esta quantidade varia, dependendo de quem diz. Na frase Tenho muitos lápis, muitos pode representar 12 lápis, assim como pode representar uns 50. Se um menino muito pobre, que estuda numa escola muito pobre em que todos os alunos também são pobres, disser Tenho muitos lápis, muitos pode representar 12 lápis ou até menos; se um menino com boas condições financeiras disser para seus colegas, que têm o mesmo padrão de vida, esta frase, muitos não representa 12 lápis porque nem este menino nem seus colegas consideram que ter 12 lápis é ter muitos lápis. Muitos, neste caso, devem ser uns 50 ou até mais. Imediatamente essa ideia de grande quantidade relativa, denominação dada por esse aluno, foi aceita pelos demais e passou a circular entre eles, e vários outros exemplos foram dados, não mais apenas relacionados a uma condição econômico-financeira, mas a outras situações, como no caso de pontos marcados por equipes esportivas. Certamente o fato de o professor ter se valido de frases para introduzir o estudo dos pronomes indefinidos, seria merecedor de críticas de parte dos que afirmam ser esta uma visão redutora. Neste caso, entende-se perfeitamente a intenção do professor. Este partia do âmbito da língua, da significação na esfera do coletivo, e a discussão que promovia junto e entre os alunos desencadeava a especificidade do uso, verificando-se efeitos de sentido quando do emprego da palavra. Por outro lado, esse professor se atinha ao que o grupo de professores Teorias do Discurso e Ensino 69

71 da escola em que trabalhava decidira ser o fio condutor dos objetivos e conteúdos na série e nas diversas séries do ensino fundamental, pois considerava os princípios da gramática, sem restringir-se unicamente a eles. O que essa forma de tratar os pronomes indefinidos adotada por esse professor proporcionou foi abordar, sob duas óticas, o que se convencionou chamar, de acordo com a gramática, de pronomes indefinidos: pelo viés da língua e pelo viés do discurso. Do primeiro, a noção de indefinição; do segundo, essa noção que se mantém numa situação de uso, mas que passa a produzir um efeito o que os alunos chamaram de quantidade indefinida relativa em função da consideração de sujeitos e de uma situação enunciativa, nos exemplos apresentados pelos alunos. Isto nos indica que os professores nunca devem se apegar a uma só interpretação. A língua abriga conceitos, noções amplas, mas os alunos normalmente pensam a língua a partir de usos, geralmente o que falam ou o que ouvem diariamente; são especificidades, particularidades que constituem os seus exemplos. Faz-se necessário, assim, um ir-e-vir, o que justifica um trabalho não só por meio de palavras e frases, mas também de porções maiores, o que inclui a análise de situações discursivas. Foi o que expressou um aluno da mesma turma, também quando eram estudados tais pronomes: Se eu chego à janela e digo Ninguém está na rua, ninguém não está indefinindo, simplesmente a frase quer expressar que a rua está vazia, que nela não há nenhuma pessoa. A língua aqui participa com o seu jogo de oposições alguém/ninguém, por exemplo; a razão de ninguém figurar, nas listagens apresentadas pelas gramáticas, como um pronome indefinido, porém atribuir a ninguém, na situação apresentada, a noção de indefinição, discordando da afirmação do aluno, torna-se difícil, quando não insustentável. Parece-nos que, muitas vezes, os alunos têm dificuldade de compreender afirmações feitas pelo professor, ou se insurgem contra elas porque se postam ao lado de situações de uso, que são sempre particulares, pois envolvem locutores e um contexto específico. Suas contribuições implicam referência, uma ideia que é expressa tendo-se em vista uma situação enunciativa. 70 Carmem Luci da Costa Silva, et al.

72 A frase, conforme afirma Benveniste, unidade de significação do discurso, é, muitas vezes, em atividades de aula, pinçada do discurso ou simplesmente criada, pois é objetivo do professor apresentar um todo em que determinada palavra figura. Daí a dificuldade, por exemplo, de os professores explicarem a diferença entre artigos definidos e indefinidos ou a distinção entre oração subordinada adjetiva restritiva e oração subordinada adjetiva explicativa. Em muitas situações, a frase, limite máximo de análise das gramáticas, não é suficiente. Essas situações requerem a atenção dos professores que, sabedores de que o sentido ultrapassa a fronteira da frase gramatical, porque relativo à ideia que é expressa, deverão selecionar recursos compatíveis com o que pretendem discutir com seus alunos. A falta de previsão quanto a esse aspecto pode acarretar imprecisões que terão como consequência dificuldades para os alunos. A gramática costuma classificar o sujeito gramatical, e, principalmente no estudo da concordância, os tipos de sujeito, nomenclatura geralmente usada nas atividades escolares, retornam para o estabelecimento de certas regras. Na Novíssima Gramática da Língua Portuguesa, de Cegalla, lê-se que o sujeito é indeterminado quando não se indica o agente da ação verbal (1970, p. 246). Em relação aos modos de indeterminação do sujeito, este autor apresenta dois, sendo um deles assim exposto: Usando o verbo na 3ª pessoa do plural, sem referência a qualquer agente já expresso. Na rua olham-no com admiração. Batem leve, levemente... Augusto Gil (1970, p. 246). Uma leitura atenta da explicitação feita pelo gramático, apesar de os exemplos se constituírem, como costumam acontecer nessas obras, de frases isoladas, permite antever a inclusão das frases-exemplo em situações discursivas, pois à condição de o verbo estar conjugado na 3ª pessoa do plural alia-se outra condição: sem referência a qualquer agente já expresso. Isso requer que os estudos sobre indeterminação do sujeito se façam a partir de um conjunto de frases a ideia deve ser apresentada que possibilite uma análise da relação entre as frases, de maneira que os alunos possam constatar a inexistência de retomada de palavra à qual possa ser atribuído o Teorias do Discurso e Ensino 71

73 papel de agente e, consequentemente, a noção de indeterminação promovida pelo locutor. Não só nos estudos introdutórios desse assunto, mas sempre que este estiver sendo tratado exercícios, provas, etc. esse aspecto precisa ser considerado. Muitas vezes, entretanto, não é o que se vê em atividades realizadas em aula. Tarefas que se caracterizam pelo reconhecimento dos tipos de sujeito, incluem frases do tipo Deixaram-me um bilhete, e nada mais. Afirmar, por exemplo, que, na frase Deixaram-me um bilhete, o sujeito gramatical é indeterminado, com base no fato de o verbo indicar terceira pessoa do plural, ignorando que outra resposta possa ser apresentada pelos alunos, revela autoritarismo ou, o que é mais grave, desconhecimento do que a gramática apresenta como noção de sujeito indeterminado. Se, nesse caso, alguns alunos acertarem a resposta que o professor estipulou como desejada, é obra do acaso porque essa frase, desvinculada de uma situação enunciativa, não possibilita correferência: diante dela, os alunos perguntar-se-ão qual é o sentido? Devido à impossibilidade de resolverem a questão, agirão aleatoriamente. O que se verifica aqui é que a análise da frase, tal como se costuma fazer nas aulas de Português, não é suficiente. Ensinar que deixaram é um verbo na terceira pessoa do plural, que me é objeto indireto, um bilhete é objeto direto, portanto o sujeito gramatical não está expresso materialmente na frase e, a partir da forma verbal, classificar o sujeito gramatical como indeterminado, é desconhecer que Deixaram-me um bilhete pode figurar em um enunciado como Meus amigos saíram apressados. Deixaram-me um bilhete. O sentido aqui não se estabelece unicamente na frase dada, ultrapassa-a, e falar sobre ele exige que estabeleçamos inter-relações com outras frases do enunciado, as quais, neste caso, não constam. Comete-se erro semelhante quando é apresentada aos alunos uma frase como Ele chegou atrasado e se pede a eles que seja identificado o pronome. Que tipo de ensino está se promovendo? Um ensino baseado na memorização de uma lista de palavras entre as quais ele se encontra. Essa situação não tem nenhuma significação porque Ele chegou atrasado, por si só, não é um fato do Português. 72 Carmem Luci da Costa Silva, et al.

74 Em uma aula em que um professor mostrava isto a seus alunos, um deles complementou a explanação do professor dizendo: Esta palavra, assim apresentada, me dá ideia de indefinição, assim como alguém em Alguém chegou atrasado. Não tenho nenhuma informação sobre quem seja ele. A falha não está na gramática, comete o erro quem, a partir de uma lista de palavras, pensa poder ensinar uma língua. O que precisamos entender é que a gramática estabelece que a maior porção de língua que analisa é a frase; esta é a sua escolha metodológica. Porém, quando a língua é usada, e uma língua serve para falar, o objetivo de quem a utiliza é a atribuição de referência, e por referência entende-se a expressão de uma ideia, que pressupõe, sempre, uma situação de discurso. Em muitas ocasiões, é possível que uma só palavra dê conta desta ideia e as gramáticas afirmam a existência de frases formadas por uma única palavra ; em outras, apenas uma frase pode exprimir a ideia. Até aqui, utilizar o recorte metodológico das gramáticas é suficiente e adequado, entretanto há situações em que a ideia se materializa por meio de inter-relações entre certo número de frases. Nesse sentido, a noção de frase em Benveniste e nas gramáticas não é a mesma. Para Benveniste frase implica certa organização, conexões entre palavras, que assim são apresentadas porque há algo a exprimir. Essa sintagmatização não pode ser limitada porque a ideia quer ver-se expressa, não importando extensão. A atribuição de referência muitas vezes exige porções maiores que a frase da gramática. Os professores, por isto, quando planejam suas aulas, quando dialogam com seus alunos, quando avaliam respostas, precisam constantemente colocar-se na posição de analistas, perguntando-se como aqui se dá o sentido?, ou seja, quais são as inter-relações?, e ainda qual é, então, o sentido?. Pergunta semelhante a esta última foi formulada a alunos que estudavam os pronomes pessoais. Este é, a propósito, um grupo de palavras que representa para os alunos uma série de dificuldades, a começar pela noção de pessoa trazida pela gramática. Quando se lhes apresenta a distinção 1ª, 2ª e 3ª pessoas a que fala, a com quem se fala, a de quem ou de que se fala, respectivamente, demonstram Teorias do Discurso e Ensino 73

75 os alunos certo estranhamento quanto ao termo pessoa: ao se dizer O cachorro é feroz. Ele me mordeu ou O edifício precisa de reformas. Ele apresenta rachaduras nas paredes internas, como podem cachorro e edifício ser tratados como pessoas? Esse, então, é um momento propício para se falar em diálogo, em locutores e no que à situação enunciativa não pertence, sem que haja necessidade de se recorrer à complexidade das noções que a situação enunciativa envolve. Outro ponto que desperta uma crítica é a oposição singular/plural relacionada à 1ª e à 2ª pessoas, além da presença de vós e a ausência de você(s) no quadro dos pronomes, sendo que uma reflexão sobre esses dois últimos pode desencadear inúmeras discussões sobre questões de uso. Para que os próprios alunos fornecessem indicações para uma posterior tomada de posição a respeito da relação singular/plural, solicitou-se a eles que imaginassem um diálogo em que alguém usasse a frase Nós fizemos o trabalho e, com base na situação imaginada, explicassem o que nós representa. Resumidamente, foram dadas as seguintes respostas: a) Nós representa que eu e todos os meus colegas de turma fizemos o trabalho. b) Nós representa que eu e um colega fizemos o trabalho. c) Nós representa que eu e Fulano fizemos o trabalho. d) Nós representa que eu e um colega que, naquele dia, faltou à aula fizemos o trabalho. e) Nós representa que eu e o colega com o qual estou falando, fizemos o trabalho. A apresentação das respostas, as quais despertam atenção, pois cada aluno se colocou na posição de locutor, possibilitou a conclusão desejada eu e tu, eu e ele(s); o locutor e o alocutário, o locutor e uma outra pessoa que não participa do diálogo, mas sempre a presença do locutor, pois, afinal, é o locutor daí derivando-se a inexistência de um plural com base em eu e eu, a leitura que os alunos faziam de 1ª pessoa do plural, a qual consideravam inaceitável. Caso professores se disponham a compatibilizar a sua prática em sala de aula com o que até aqui apresentamos, certamente verificarão que há uma grande variedade de outros fatos a acrescentar. Sabemos que a sala de aula se 74 Carmem Luci da Costa Silva, et al.

76 manifesta como uma sucessão de desafios, que alguns deles são facilmente superados, outros permanecem por um longo tempo, até que encontremos uma resposta. À guisa de conclusão, apresentamos uma resposta, que é a nossa. A gramática, à medida que é estudada, fornece, tanto em relação às classes de palavras como quanto ao que denomina funções sintáticas, um quadro conceitual. Com base nesse quadro termos e definições formula regras, pertinentes a um uso, próprio a certas ocasiões específicas. Aos professores, que escolheram essa gramática como fio condutor para a organização de situações de ensino-aprendizagem, cabe estudá-la criticamente, verificando seus aspectos positivos e/ou negativos. De posse disto, terão à sua disposição uma série de contribuições, oriundas das mais diversas teorias linguísticas, capazes de preencher possíveis lacunas que venham a ser identificadas. A seleção dessas teorias por certo exigirá novamente estudos e reflexões, não só quanto aos pressupostos que apresentam, mas também quanto à forma de adequá-los àquilo que o professor pretende. Com esse intuito, apresentamos essa Teoria da Enunciação, que releva a língua enquanto uso e releva o uso enquanto língua: o uso da língua. Outras obrigatoriamente deverão ser conhecidas para que a sala de aula se torne um espaço de permanente reflexão e diálogo. REFERÊNCIAS BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. São Paulo: Ed. Nacional, Moderna Gramática Portuguesa. 37ª. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Lucerna, BENVENISTE, Émile. A forma e o sentido na linguagem. In:. Problemas de Lingüística Geral II. Campinas, SP: Pontes, A natureza dos pronomes. In:. Problemas de Lingüística Geral I. Campinas, SP: Pontes, Da subjetividade na linguagem. In:. Problemas de Lingüística Geral I. Campinas, SP: Pontes, Teorias do Discurso e Ensino 75

77 . Estrutura das relações de pessoa no verbo. In:. Problemas de Lingüística Geral I. Campinas, SP: Pontes, O aparelho formal da enunciação. In:. Problemas de Lingüística Geral II. Campinas, SP: Pontes, Os níveis da análise lingüística. In:. Problemas de Lingüística Geral I. Campinas, SP: Pontes, Semiologia da língua. In: Problemas de Lingüística Geral II. Campinas, SP: Pontes, CAMARA JR., Joaquim Mattoso. Estrutura da Língua Portuguesa. Petrópolis: Vozes, CAVALIERE, Ricardo. Fonologia e Morfologia na Gramática Científica Brasileira. Niterói, RJ: Ed. da Universidade Federal Fluminense, CEGALLA, Domingos Paschoal. Novíssima Gramática da Língua Portuguesa. São Paulo: Ed. Nacional, LICHTENBERG, Sônia. Usos de Indefinidos do Português: uma abordagem enunciativa. Porto Alegre: UFRGS, Dissertação (Mestrado em Teorias do Texto e do Discurso), Instituto de Letras, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Usos de Todo: uma abordagem enunciativa. Letras de Hoje. Estudos sobre a enunciação, texto e discurso. Porto Alegre, v. 36, n. 126, p , dez Usos de Algo: uma aplicação da Teoria de Benveniste. Organon. Os estudos enunciativos: a diversidade de um campo. Porto Alegre, v. 16, n , p , LUFT, Celso Pedro. Moderna Gramática Brasileira. Porto Alegre: Globo, NEVES, Maria Helena de Moura. Gramática na Escola. São Paulo: Contexto, A Gramática: história, teoria e análise, ensino. São Paulo, Ed. UNESP, Que gramática estudar na escola? São Paulo: Contexto, SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Lingüística Geral. São Paulo: Cultrix, Carmem Luci da Costa Silva, et al.

78 ARGUMENTAÇÃO E ENSINO DE LÍNGUA MATERNA Carmem Luci da Costa Silva* clcostasilva@hotmail.com 1 Considerações iniciais Neste texto, pretendemos mostrar como as questões defendidas pelos autores da perspectiva da Teoria da Argumentação na Língua (Oswald Ducrot e colaboradores) estão presentes nos diferentes pressupostos preconizados pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). Com isso, buscamos, juntamente com os professores de língua materna de ensino fundamental e de ensino médio, um maior entendimento dos aspectos teóricos que subjazem às teses contidas nos PCNs. Para tanto, nosso percurso apresenta duas configurações, quais sejam: a primeira, que pontua aspectos teórico-metodológicos sobre o ensino de língua materna produzidos pelos PCNs, e a segunda que apresenta questões teóricas acerca do funcionamento argumentativo da língua produzido pela Teoria da Argumentação na Língua. Essas duas configurações serão relacionadas, levando-se em conta os seguintes aspectos: (1) o tratamento da língua em uso e (2) a consideração do funcionamento argumentativo da língua. 2 Contextualizando os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) Quando as pesquisas produzidas por uma linguística centrada no uso da língua começam a proliferar após a década de 1980 no Brasil, novas reflexões surgem no cenário do ensino de língua materna, contendo críticas acerca da sua finalidade e dos conteúdos selecionados para a aprendizagem. Entre as críticas mais frequentes ao ensino de língua portuguesa, dito tradicional, destacavam-se: a desconsideração de atividades de uso da língua; o uso do texto como pretexto para ensinar valores morais e para o tratamento de aspectos gramaticais; a * Professora de Língua Portuguesa do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da UFRGS e Doutora em Letras Estudos da Linguagem pelo PPG- Letras/UFRGS.

79 excessiva valorização da norma linguística, através de regras de exceção; ensino descontextualizado, com ênfase na metalinguagem, normalmente vinculado à memorização de terminologias e associado à identificação de fragmentos em frases soltas; e a apresentação de uma teoria gramatical, sem a devida reflexão do funcionamento da língua em seus vários níveis (fonológico, morfológico, sintático, semântico e pragmático). A partir disso, produziu-se um pressuposto consensual acerca do ensino de língua portuguesa de que as práticas precisavam partir do uso (linguagem) para permitir a conquista de novas habilidades linguísticas (metalinguagem). É justamente, levando em conta tal pressuposto, que os Parâmetros Curriculares Nacionais defendem como objetivo do ensino de língua materna o desenvolvimento da competência discursiva do aluno. Por isso, nessa nova diretriz, o texto, em toda a sua diversidade de gêneros, é considerado o objeto desse ensino. Além de se partir da língua em uso, os Parâmetros Curriculares Nacionais consideram a importância de se tomar a língua como objeto de reflexão, a fim de possibilitar ao aluno produzir categorias explicativas de seu funcionamento, visto ser na prática de reflexão sobre a língua e a linguagem que pode se dar a construção de instrumentos que permitirão ao sujeito o desenvolvimento da competência discursiva para falar, escutar, ler e escrever nas diversas situações de interação. Em decorrência disso, os conteúdos de Língua Portuguesa articulam-se em dois eixos básicos: uso da língua oral e escrita, e a reflexão sobre a língua e a linguagem...(pcns terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental, p. 34) Dessa maneira, nos Parâmetros Curriculares de Ensino Fundamental (PCNs EF), os conteúdos estão divididos em dois eixos: o do uso e o da reflexão. No eixo do uso, a língua é vista a partir do processo de interlocução, com ênfase nos seguintes trabalhos: (1) na historicidade da linguagem e da língua; (2) na constituição do contexto de produção, representações do mundo e interações sociais (interlocutores, finalidade da interação, lugar e momento de produção); (3) nas implicações do contexto de produção na organização dos discursos: restrições de conteúdo e de forma decorrentes das escolhas de gêneros e 78 Carmem Luci da Costa Silva, et al.

80 suportes; (4) nas implicações do contexto de produção no processo de significação (representações dos interlocutores no processo de construção de sentidos, relações intertextuais e articulação entre texto e contexto no processo de compreensão). No eixo reflexão, os conteúdos desenvolvidos sobre os do eixo uso, referem-se à construção de instrumentos para a análise e funcionamento da linguagem em situações de interlocução, privilegiando alguns aspectos linguísticos que possibilitam a ampliação da competência discursiva do sujeito: (1) variação linguística: modalidades, variedades e registros; (2) organização estrutural dos enunciados; (3) léxico e redes semânticas; (4) processos de construção de significação e (4) modos de organização dos discursos. Já, no ensino médio, pressupõe-se que os elementos básicos relativos ao funcionamento da língua portuguesa foram apreendidos no ensino fundamental, cabendo a esse nível oferecer aos estudantes oportunidades de compreensão mais aguçada dos mecanismos que regulam a língua. Levando em conta as competências e as habilidades propostas pelos Parâmetros Curriculares para o Ensino Médio (PCNs EM), chegamos aos seguintes objetivos defendidos para esse nível de ensino: desenvolvimento do potencial crítico do aluno (percepção das múltiplas possibilidades de expressão linguística) e sua capacitação como leitor efetivo dos mais diversos textos de nossa cultura. Nesse sentido, os PCNs+EM, ao dividirem as competências básicas em três blocos - Representação e comunicação, Investigação e compreensão e Contextualização sociocultural -, retomam as competências de uso e de reflexão já expressas nos PCNs EF. Essas competências básicas apresentam, em sua transversalidade, a aquisição e o desenvolvimento das competências interativa, textual e gramatical como os grandes pilares do ensino de língua materna no nível médio. A questão fundamental para o ensino de Língua Portuguesa na etapa final de escolaridade básica desloca-se, portanto, dos conteúdos a serem abordados para a aquisição de competências e de habilidades. No primeiro bloco das competências gerais a serem desenvolvidas no ensino médio o da Representação e Comunicação, temos os seguintes conceitos estruturantes: (1) linguagens (verbal, não-verbal e digital); (2) signo e símbolo; (3) denotação e conotação; (4) gramática; (5) texto; (6) interlocução, Teorias do Discurso e Ensino 79

81 significação, dialogismo e (7) protagonismo. As habilidades relacionadas a esses conhecimentos contemplam a utilização da linguagem nos três níveis de competência (interativa, gramatical e textual), através da leitura e da interpretação, da inserção do aluno como protagonista na produção e na recepção de textos e da aplicação das tecnologias de comunicação e da informação em situações relevantes. Considerando a questão que nos interessa aqui a argumentação, enfatizaremos esse primeiro bloco, com os conceitos, por um lado, de gramática e de texto, por outro lado, de interlocução, significação e dialogismo. O conceito de gramática está desenvolvido da seguinte maneira: refere-se a um conjunto de regras que sustentam o sistema de qualquer língua. Na fala, fazemos uso de um conhecimento lingüístico internalizado, que independe de aprendizagem escolarizada e que resulta na oralidade. Na escrita, necessitamos de outros subsídios lingüísticos, fornecidos pelo letramento (conjunto de práticas que denotam a capacidade de uso de diferentes tipos de material escrito). O domínio desse conceito é importante em quase todas as situações em que se trabalha com a língua. Para ficar em alguns exemplos: Na fala ou na escrita, é fundamental considerar a situação de produção dos discursos que, afinal, são possibilitados pelo conhecimento gramatical (morfológico, sintático, semântico) de cada pessoa. Compreender que o aceitável na linguagem coloquial pode ser considerado um desvio na linguagem padrão ou norma culta. Abordar os diversos graus de formalidade das situações de interação. Compreender as especificidades das modalidades oral e escrita da língua (PCNs+EM, p. 60). Nessa concepção de gramática, temos a presença das perspectivas estruturais, gerativas e sociolinguísticas para dar conta da análise do funcionamento sistemático da língua em suas diferentes variedades. Já a noção de texto vincula se aos postulados teóricos do conceito de gênero de discurso da perspectiva enunciativa bakhtiniana. De fato, o texto é concebido como um todo significativo (verbal ou não-verbal), com diferentes feições, conforme a abordagem temática, a estrutura composicional e os traços estilísticos do autor. A partir desse conceito, os PCNs+EM defendem que a unidade de ensino seja 80 Carmem Luci da Costa Silva, et al.

82 composta pelo texto, que pode ser abordado a partir de dois pontos de vista: pela consideração dos diversos aspectos implicados em sua estruturação, o que envolve as escolhas feitas pelo autor das possibilidades oferecidas pela língua, e pela sua relação intertextual, através do seu diálogo com outros textos. Desse modo, as noções de interlocução, significação e dialogismo são vinculadas à produção de enunciados pertinentes à situação de uso, tanto na fala quanto na escrita. Segundo tal concepção, as diversas trocas sociais possibilitam que os falantes de uma língua produzam enunciados de acordo com certas intenções e dentro de determinadas condições, o que origina diferentes efeitos de sentido. É, nessa linha, que encontramos a seguinte tese nos PCNs+EM, p. 61: Quando se dialoga com alguém ou se lê um texto, é pela interlocução que se constroem os sentidos; também é nela que os interlocutores se constituem e são constituídos. Assim, os três níveis de competência (interativa, gramatical e textual) são entendidos como pressupostos necessários à constituição do ser falante e do usuário de uma língua, através do desenvolvimento das seguintes habilidades: da utilização da linguagem na interação com pessoas e situações, envolvendo o desenvolvimento da argumentação oral por meio de gêneros e o domínio progressivo das situações de interlocução; do conhecimento das articulações que regem o sistema linuístico, em atividades de textualização, como conexão, coesão nominal, coesão verbal e mecanismos enunciativos; e da leitura plena com a produção de sentidos de todos os aspectos significativos, implicando a caracterização dos diversos gêneros e seus mecanismos de articulação, leitura de imagens, percepção das sequências e dos tipos no interior dos gêneros e paráfrase oral, com substituição de elementos coesivos. Quanto ao ler e ao interpretar, os PCNs+EM tratam do ser leitor, pressupondo os domínios do código (verbal ou não) e de suas convenções, dos mecanismos de articulação que constituem o todo significativo e do contexto em que se insere esse todo. Dessa maneira, a competência de ler e de interpretar pode desenvolver-se com atividades relacionadas à antecipação e à inferência, à exploração dos elementos da narrativa, ao tratamento dos efeitos de sentido e da autoria, através da análise das escolhas e do estilo do autor. Teorias do Discurso e Ensino 81

83 A partir dos três eixos sugeridos para o trabalho com a Língua Portuguesa no ensino médio centrados no desenvolvimento das competências interativa, textual e gramatical, há nos PCNs+EM critérios para a seleção dos conteúdos e das competências e habilidades específicas. Com relação à competência interativa, é enfatizado o fato de que é, através da língua materna, que o indivíduo participa das trocas sociais nas diversas situações comunicativas, sendo a escola a mediadora da aquisição dessa competência. E aqui precisamente o conceito de interlocução aparece: Pela língua, somos capazes de agir e fazer reagir: quando nos apropriamos dela instaurando um eu que dialoga com um outro buscamos atingir certas intencionalidades, determinadas em grande medida pelo lugar de que falamos, e construir sentidos que se completam na própria situação de interlocução (PCNs+EM, p. 74). Por isso, para o desenvolvimento da competência interativa, o ensino de língua materna, conforme os PCNs+EM, deve levar em conta alguns fatores: as variedades linguísticas da língua, a adequação das variedades às situações de interlocução interlocutores, intenções, espaço e tempo, o questionamento dos rótulos de certo e errado, avaliação da adequação das variedades linguísticas às circunstâncias comunicativas e o tratamento da norma culta como variedade de prestígio, mas não como a privilegiada no processo de conhecimento linguístico do aluno. Para o desenvolvimento da competência interativa, há nos PCNs+EM procedimentos sugeridos que enfatizam as situações comunicativas e os elementos ligados ao ato enunciativo: onde, para quem, como e com que intenções. Dentro disso, o trabalho com os papéis de falante e de ouvinte tornase importante para o tratamento do saber ouvir, pois, através da escuta, o sentido da fala do outro pode se legitimar e ser avaliado. Para o desenvolvimento da competência textual, há nos PCNs+EM a definição de texto como unidade linguística concreta em uma situação interativa específica, a partir da qual se constitui como unidade de sentido. É o texto escrito que é enfatizado tanto do ponto de vista da leitura quanto da produção. O tratamento conferido à competência textual baseia-se nos trabalhos da 82 Carmem Luci da Costa Silva, et al.

84 Linguística Textual de Ingedore Koch e de Luiz Travaglia, tendo subjacente o constructo teórico enunciativo bakhtiniano de gêneros do discurso, já que há a consideração, para abordagem do texto, do tema, da estrutura composicional e das escolhas operadas na língua pelo autor (estilo). Ao trazer os procedimentos para o desenvolvimento da competência textual, os PCNs+EM listam as maiores dificuldades dos estudantes na leitura de textos, quais sejam: não conhecer o significado de algumas palavras; não saber o que o texto quer dizer (sentido global); enxergar a parte, não o todo; não saber o que está pressuposto e não saber compreender efetivamente o lido. Para superar tais dificuldades de compreensão, interpretação e valoração de um texto, as sugestões de procedimentos gerais de leitura são: buscar apoio no significado de palavras conhecidas e inferir o das desconhecidas; estabelecer relações entre os significados das palavras, reconhecendo o novo e o dado nas proposições para conectá-las entre si; construir um significado global, a partir do entendimento da função das partes do texto; e organizar as ideias globais num esquema coerente. Tendo em vista que, na produção textual, o aluno necessita mobilizar uma série de recursos, relacionados às competências interativa e gramatical, torna-se relevante o desenvolvimento das seguintes habilidades: (1) utilizar relações constituídas em vários tipos, de acordo com o seu projeto de texto (tese e argumentos, causa e consequência, fato e opinião, anterioridade e posterioridade, problema e solução, conflito e resolução, definição e exemplo, tópico e divisão, comparação, oposição e progressão argumentativa); (2) relacionar adequadamente, no texto dissertativo (expositivo ou argumentativo), a seleção e a ordenação dos argumentos com a tese; (3) identificar, no texto argumentativo, o interlocutor e o assunto sobre o qual se posiciona para estabelecer relações; (4) utilizar diferentes recursos resultantes de operações linguísticas escolha, ordenação, expansão, transformação, encaixamento, inversão e apagamento, considerando as condições de produção. No que diz respeito à competência gramatical, o ensino de gramática é visto como um dos mecanismos para a implementação das competências interativa e textual, ou seja, é tratado como um meio para um fim. O desenvolvimento da competência gramatical relacionado ao da textual pode se dar através dos seguintes procedimentos: exploração de textos de diferentes Teorias do Discurso e Ensino 83

85 gêneros quanto ao tratamento temático e aos recursos formais utilizados pelo autor; estabelecimento de relações entre partes de um texto a partir da repetição e da substituição de um termo; estabelecimento de relação entre a estratégia argumentativa do autor e os recursos coesivos e argumentativos escolhidos; e análise das relações sintático-semânticas em segmentos do texto (gradação, disjunção, explicação, causalidade, conclusão, comparação, contraposição, exemplificação, retificação e explicitação). Para o tratamento da competência gramatical, novamente vemos a influência da Sociolinguística Variacionista e da Linguística Textual (aspectos coesivos). Quanto à observação dos recursos expressivos utilizados pelo autor decorrentes das escolhas dos elementos da língua, há, nos PCNs+EM, sugestões de procedimentos de leitura intrinsecamente ligados aos mecanismos gramaticais, tais como o tratamento dos efeitos de sentido decorrentes do uso de pontuação e a verificação do uso dos recursos lexicais e sintáticos em função da estratégia argumentativa do autor. Aqui a exploração das escolhas gramaticais do autor busca vincular o uso das formas às suas estratégias argumentativas e aos efeitos de sentido que pretende produzir na interlocução. Desse modo, a gramática é vista como o que possibilita um modo de dizer, que não se limita apenas à forma, mas à forma como produtora de sentido. Assim como nos PCNs EF uso e reflexão formam os eixos norteadores do ensino de língua portuguesa de modo integrado, as diretrizes dos PCNs EM preveêm o desenvolvimento das competências interativa, textual e gramatical, não de forma estanque, mas simultânea, pois cada competência prescinde das outras. O percurso feito permite-nos sintetizar as principais reflexões sobre o ensino de língua portuguesa no ensino fundamental e no ensino médio desenvolvidas no interior dos PCNs. Do ponto de vista metodológico, os PCNs assumem uma visão de ensino-aprendizagem centrada na língua em uso, concebendo o texto como elemento central da unidade de ensino. Por isso, o texto, seja na produção, seja na leitura, é concebido em seu aspecto estrutural, através da exploração dos elementos recorrentes e relacionais (coesão) e, em seu aspecto enunciativo, a partir da instanciação dos interlocutores e da situação de enunciação (o aqui e o agora). A questão gramatical é vista como um meio 84 Carmem Luci da Costa Silva, et al.

86 para o desenvolvimento das competências interativa e textual, estando a serviço das estratégias argumentativas do autor, devendo, desse modo, ser explorada na leitura e na produção de texto. Assim, percebemos uma ênfase no tratamento do nível semântico da língua, a partir do trabalho com os efeitos de sentido produzidos na interlocução pelos usos lexicais e pela organização sintática. Tendo em vista que os PCNs, ao operarem a transposição de questões teóricas advindas da Linguística ao Ensino de Língua Portuguesa, recorrem a uma diversidade de teorias, o que consideramos salutar em termos de ensino, tentaremos a seguir trazer as contribuições teóricas da Semântica Argumentativa sobre o uso e o funcionamento da língua, concebendo-a também como uma proposta teórica possível de ser aplicada ao ensino de língua. 3 O funcionamento enunciativo-argumentativo da língua: aspectos teóricos A menção à perspectiva enunciativa de língua, como já vimos, é atestada nos PCNs do ensino fundamental e do ensino médio. No entanto, como lembra Flores (2001), existe uma diversidade teórica que permite falar em mais de uma teoria da enunciação. Por isso, o autor defende a existência de uma Linguística da Enunciação, abrigando as diferentes teorias enunciativas. De fato, a enunciação, embora concebida de forma diversa por diferentes autores, entre os quais podemos citar Bally, Jakobson, Benveniste, Bakhtin, Ducrot, Authier-Revuz, parece ter, nessas várias abordagens, as seguintes similaridades: 1) o estruturalismo saussuriano como condição para elaboração de uma reflexão particular; 2) a língua em uso, com a verificação das marcas que trazem as representações do sujeito que enuncia nesse uso e 3) a observação dos fenômenos de diferentes naturezas (morfológica, sintática, etc.) pelo ponto de vista do sentido. Ducrot, o precursor da Teoria da Argumentação na Língua, procura inserir a sua descrição semântica do sentido no quadro estruturalista saussuriano e no campo da Linguística da Enunciação. Nesse sentido, é importante evidenciarmos a concepção de enunciação desse teórico, articulando-a com a sua concepção de argumentação. Em vários momentos, o autor enfatiza não conceber a Teorias do Discurso e Ensino 85

87 enunciação como um fato empírico, ou seja, como uma atividade exercida por um ser humano que produz certo enunciado influenciado por determinadas condições ou forças internas ou externas. A enunciação sob esse ponto de vista é um processo de produção, entretanto Ducrot (1984/entrevista à revista Punto de vista) salienta que seu trabalho toma a enunciação de outro modo, pois para ele a enunciação é somente o simples acontecimento constituído pela aparição do enunciado, o sentido de um enunciado é o que o enunciado diz de sua enunciação, porém a enunciação vista não como processo de produção e sim como acontecimento (...) me interessa o sentido do enunciado, ou seja, o que se diz no enunciado sobre a enunciação. (...) O que eu quero dizer é que o sentido de um enunciado refere a sua enunciação, apresentando indicações sobre o fato de sua aparição, sobre o valor desta aparição (p. 24). Dessa forma, temos que a enunciação é o acontecimento que dá vida ao produto, concebido como enunciado. O interesse de Ducrot está justamente nas indicações fornecidas pelo enunciado que trazem o acontecimento enunciativo. Nesse sentido, as marcas da enunciação no enunciado, por ele estudadas, têm a especificidade de remeterem à instância em que tais enunciados são produzidos, fazendo aparecer a posição do locutor, enquanto responsável por esse acontecimento. A reflexão contida na Teoria da Argumentação na Língua embora enfatize os fenômenos da língua enquanto sistema abstrato, procura ir além, visto os fenômenos da língua também pertencerem à fala na medida em que o uso passa a lhes dar existência. A dicotomia língua/fala da linguística saussuriana é operacionalizada no quadro teórico de Ducrot através da distinção frase/enunciado. Para dar conta do tratamento do sentido no enunciado, enquanto produto da enunciação, Ducrot serve-se da noção saussuriana de valor, adaptando-a ao seu quadro teórico para abarcar as noções de significação, valor semântico da frase (entidade abstrata) e sentido, valor semântico do enunciado (entidade concreta produzida por um locutor). Com isso, mostra que a própria enunciação está inscrita na língua e é parte constitutiva dos sentidos dos enunciados. Disso resulta que a Teoria da Argumentação da Língua é uma 86 Carmem Luci da Costa Silva, et al.

88 perspectiva que enfatiza o uso, relacionando-o sempre com um sistema preexistente, a língua. Numa perspectiva polifônica, o tratamento da enunciação em Ducrot aparece vinculado às diferentes vozes que se configuram no enunciado. Para o autor, a descrição da enunciação, constitutiva do sentido do enunciado, contém a atribuição da enunciação a vários sujeitos: sujeito falante (autor empírico, que não é levado em conta na descrição do sentido); locutor (aquele que se responsabiliza pela produção do enunciado) e enunciadores (origens dos diferentes pontos de vista e atitudes manifestados pelo locutor). Nessa concepção, o sentido do enunciado não estaria somente nos diferentes pontos de vista, que se mostram através do locutor, mas também na posição do locutor frente aos enunciadores por ele postos em cena na produção do enunciado. Na divisão proposta para o ato enunciativo, é conferida ao sujeito falante, tratado como ser empírico, a origem desse ato. Esse sujeito é dotado de atividade psicofisiológica necessária à produção do enunciado. O segundo elemento constitutivo do ato enunciativo é o locutor, que é o ser do discurso responsável pelo enunciado, a quem o pronome "eu" e outras marcas de primeira pessoa referem-se. De acordo com Ducrot, não há paradoxo entre o sujeito falante e o locutor, pois o primeiro é um elemento da experiência e o segundo, uma ficção discursiva. A partir da figura de locutor, Ducrot assinala uma das formas de polifonia, a qual ocorre no discurso relatado. No exemplo <Pedro diz «João me disse: "eu virei"» >, encontramos duas marcas de primeira pessoa que remetem a seres diferenciados, evidenciando dois locutores distintos, o primeiro relacionado a Pedro e o segundo a João. Por isso, Ducrot prefere caracterizar o discurso relatado direto como consistindo, fundamentalmente, em uma apresentação de uma enunciação dupla: o próprio sentido do enunciado atribuiria à enunciação dois locutores diferentes, eventualmente subordinados. Certamente, do ponto de vista empírico, para Ducrot, a enunciação é ação de um único sujeito falante, mas a imagem que o enunciado dá dela é a de uma troca, de um diálogo, ou ainda, de uma hierarquia de falas. Além de assinalar essa forma de polifonia, quando há mais de um locutor explicitamente marcado, a noção de enunciador (E) permite a Ducrot (1984/1987) Teorias do Discurso e Ensino 87

89 descrever uma segunda forma de polifonia: aquela que ocorre quando se encontra, em um discurso, a voz de alguém que não tenha as propriedades que se atribuem ao locutor. São os enunciadores, que se expressam através da enunciação, aparecendo somente a manifestação de suas posições, mas não, no sentido material, suas falas. Assim, os diferentes pontos de vista, presentes num enunciado ou discurso 1, muitas vezes estranhos ao do locutor, são denominados por Ducrot enunciadores. O conceito desse elemento da enunciação pode ser visto, através das palavras do próprio autor: Chamo enunciadores estes seres que são considerados como se expressando através da enunciação, sem que para tanto se lhe atribuam palavras precisas; se eles falam é somente no sentido em que a enunciação é vista como expressando seu ponto de vista, sua posição, sua atitude, mas não, no sentido material do termo, suas palavras (DUCROT, 1984/1987, p.192). A pertinência linguística da noção de enunciador é mostrada através da ironia, da negação, do uso do mas e da pressuposição. Na ironia, o locutor apresenta a enunciação como expressando a posição de enunciador (E) que o locutor (L) considera absurda, pois, mesmo sendo o responsável pela enunciação, L não se identifica com E, origem do ponto de vista expresso na enunciação. A situação a seguir ilustra as diferentes vozes presentes na ironia: Ao dizer que iria passar no vestibular, Márcia foi desacreditada pelos amigos. Com o listão na mão, constando o seu nome, ela diz para os mesmos amigos: vocês estão vendo, eu não passei! (exemplo nosso). Essa enunciação irônica de Márcia, pela qual se responsabiliza como locutor (uso de eu), apresenta um ponto de vista diferente do dela, uma vez que pertence aos amigos que duvidaram dela. Na negação, ocorre a presença de pontos de vista opostos, fato que ocorre na sequência Pedro não é gentil, em que há um locutor que é responsável pela sua enunciação e dois enunciadores: E1, que apresenta o ponto de vista de que Pedro é gentil e E2, que apresenta o ponto de vista de que Pedro não é gentil. Com o uso de mas, também percebemos pontos de 1 A noção de discurso em Ducrot está relacionada a fato observável e concreto, tal como o enunciado, porém situa este último em um nível elementar de descrição e o primeiro em um nível complexo. 88 Carmem Luci da Costa Silva, et al.

90 vista que levam a conclusões diferentes como no enunciado o tempo está bom, mas estou com dor nos pés, em que o locutor, responsável pelo enunciado, apresenta quatro enunciadores: um enunciador (E1) que apresenta a posição de que faz bom tempo, encaminhando à conclusão vamos caminhar (E2) e um enunciador (E3), que apresenta a posição estou com dor nos pés, encaminhando à conclusão não vamos caminhar (E4). Nesse caso, o locutor mostra concordância com os enunciadores E1 e E2 dos quais se distancia por apresentar argumento e conclusão em sentidos opostos (E3 e E4), enunciadores com os quais se identifica. Com a pressuposição, Ducrot (op. cit.) mostra que há um enunciador que é responsável pelo posto e outro pelo pressuposto, como vemos na sequência Pedro parou de fumar, em que E1 coloca que Pedro não fuma atualmente e E2 que Pedro fumava anteriormente. Esses fenômenos, para o autor, atestam linguisticamente os diferentes pontos de vista do locutor, evidenciando a sua posição no enunciado e seu engajamento na enunciação. Assim, com a Teoria da Polifonia, Ducrot (1984/1987) tem o objetivo de criticar e de substituir a tese da unicidade do sujeito falante. Centra-se no estudo da linguagem cotidiana, aplicada à análise de enunciados, postulando que a polifonia é um princípio constitutivo da linguagem. Segundo o autor, o sentido de um enunciado configura-se não só através dos termos nele contidos, mas igualmente através das "figuras" enunciativas que apresenta, as quais remetem ao contexto da enunciação. Tais "figuras" abrangem a diversidade de representação do sujeito no enunciado, fazendo, por isso, parte de seu sentido. Com o propósito de descrever o sentido dos enunciados, Ducrot, no texto Polifonia y Argumentacion (1988), mostra como a noção de polifonia pode ser usada na Teoria da Argumentação na Língua, relacionada à Teoria dos Topoi. Nessa versão da teoria, locutor e enunciador são apresentados como funções, reiterando, novamente, a posição de que o autor efetivo (produtor do enunciado) faz parte das condições externas de sua produção e, por isso, não constitui objeto da descrição semântica. O conceito de locutor mantém-se, visto ser aquele a quem se atribui a responsabilidade pela enunciação no interior do próprio enunciado. Também a noção de enunciadores mantém-se, porque são considerados como a fonte, a origem, dos diferentes pontos de vista. Teorias do Discurso e Ensino 89

91 Com a Teoria dos Topoi, Anscombre e Ducrot (1995) verificam que, entre um enunciado-argumento e um enunciado-conclusão, há um elemento argumentativo que os articula, imprimindo a tais enunciados uma dada orientação argumentativa. Para os autores, se de um enunciado pode-se concluir outro, é porque está intervindo um terceiro termo, um topos, princípio argumentativo que permite constituir a ligação entre esses dois enunciados. O topos apresenta as seguintes características: a universalidade, a generalidade e a gradualidade. A universalidade liga-se ao fato de ele ser um consenso no seio de uma coletividade; a generalidade relaciona-se ao fato de valer para situações diferenciadas daquela em que é utilizado e a gradualidade vincula-se à relação argumento/conclusão, que é gradual por natureza (um argumento é mais ou menos forte para uma dada conclusão). Devido a essa gradualidade, o topos pode tomar formas de valores argumentativos, que, na Teoria, denominam-se formas tópicas. No exemplo Pedro trabalhou pouco, temos um enunciado-argumento que leva a determinadas conclusões, entre as quais a conclusão de que Pedro não está cansado. Ao produzir Pedro trabalhou pouco, não está cansado, temos a voz de um locutor e as vozes de enunciadores, que expressam seus pontos de vista de que quem trabalha cansa (E1) e de quem não trabalha não cansa (E2). Nesse caso, os enunciadores evocam um topos de que o trabalho leva ao cansaço. O enunciado-argumento (Pedro trabalhou pouco) somente é válido para o enunciado-conclusão (Pedro não está cansado) graças ao princípio de universalidade (topos) compartilhado pelos falantes de que o trabalho cansa. Tal relação argumento-conclusão também é entendida porque esse princípio argumentativo aplica-se a outras situações diferentes daquela que está sendo explicitada, evidenciando a generalidade do topos. A gradualidade, através das formas tópicas quanto mais trabalho, mais cansaço e quanto menos trabalho, menos cansaço, garante o encadeamento entre o enunciado-argumento Pedro trabalhou pouco e o enunciado-conclusão Pedro não está cansado. Com isso, Ducrot (1997/2005) amplia a noção de enunciador, que passa a ser concebido como a fonte de um ponto de vista que consiste em evocar, a propósito de um estado de coisas, um princípio argumentativo geral que serve de apoio ao raciocínio, o topos. 90 Carmem Luci da Costa Silva, et al.

92 Sendo assim, a análise do sentido argumentativo é feita através de marcas linguísticas, uma vez que, como atesta Ducrot (1997/2005), o linguista, ao descrever palavras, descobre nelas indicações relativas a sua possível enunciação. É a partir das palavras escritas ou pronunciadas que a enunciação e seu contexto devem ser caracterizados, já que somente se pode ter uma imagem do evento enunciativo considerando o que foi enunciado. Com isso, ele procura desinformatizar a língua e extinguir a divisão, no sentido do enunciado, entre os aspectos objetivo e subjetivo, porque os enunciados não dão acesso direto à realidade, não a descrevem diretamente, visto que, se nós descrevemos a realidade (aspecto objetivo), fazemos isso por meio de uma atitude (aspecto subjetivo) e de um chamado ao interlocutor (aspecto intersubjetivo). Dessa forma, Ducrot unifica os aspectos subjetivo e intersubjetivo no que chama de valor argumentativo das palavras na língua. Essa relação enunciação/argumentação é ressaltada por Flores (2001), por considerar que, na Teoria, o emprego de uma palavra no enunciado torna possível ou impossível a continuidade do discurso, o que mostra um valor argumentativo no nível fundamental da descrição semântica. Por isso, o autor observa que a Semântica Argumentativa é uma teoria voltada para as questões de enunciação porque considera, na representação do sentido do enunciado, tanto a presença de diferentes vozes, quanto a evocação de princípios argumentativos que fornecem indicações de como certo enunciado deve ser interpretado em dada situação. A versão atual da Semântica Argumentativa, Teoria dos Blocos Semânticos, proposta por Carel e Ducrot, opõe-se à Teoria dos Topoi. Para Carel (1995,1997, 1998, 2002), o sentido de uma entidade linguística consiste em evocar um conjunto de discursos ou de modificar o conjunto de discursos associados a outras entidades. Nessa versão da Teoria da Argumentação na Língua, o caráter argumentativo de um encadeamento é definido não pela intervenção de um topos (elemento externo ao enunciado), mas pela interdependência entre seus dois segmentos, os quais formam uma unidade de sentido. Ao dizermos X é feliz: ele deve ser rico e X é feliz: ele tem muitos amigos, temos dois sentidos para felicidade diferenciados que se constituem pela interdependência entre os segmentos, pois, no primeiro enunciado, o sentido Teorias do Discurso e Ensino 91

93 de felicidade liga-se à questão monetária e, no segundo, à questão afetiva. Essa interdependência semântica entre os dois segmentos dos enunciados forma uma unidade, que, na Teoria, é denominada Bloco Semântico. Para sistematizar a sua descrição do sentido e tratar da interdependência entre encadeamentos, a autora considera como discursos doadores de sentido os encadeamentos argumentativos ligados por conectores de dois tipos: portanto (encadeamento normativo) e no entanto (encadeamento transgressivo) 2. Esses aspectos podem ser vistos nos exemplos a seguir: (1) Eu proponho adiar a assinatura do contrato, pois ele apresenta problemas. (2) O contrato apresenta problemas, no entanto eu proponho não adiar a sua assinatura. No exemplo 1, há uma interdependência entre apresentar problemas e adiar assinatura, garantido pelo encadeamento argumentativo normativo em portanto, que pode ser reagrupado no bloco problema PORTANTO adiamento. No exemplo 2, também temos uma interdependência entre apresentar problemas e não adiar assinatura, evidenciada através do encadeamento argumentativo transgressivo em no entanto, que pode ser reagrupado no bloco problema NO -ENTANTO não adiamento. De modo geral, todo bloco semântico tem um aspecto normativo P PORTANTO Q e um aspecto transgressivo P NO ENTANTO não-q, o que confere a argumentatividade inerente aos enunciados e às palavras da língua, já que esses aspectos podem estar associados a uma palavra devido à argumentação interna da mesma. A partir dessas noções, Ducrot (1995, 2002) mostra que certos tipos de palavras funcionam como um modificador, agindo sobre a força argumentativa de outra palavra, seja atenuando (desrealizante) seja fortalecendo (realizante) essa força. Assim, o modificador não introduz nenhum termo novo nos aspectos que constituem a argumentação interna de determinado termo, mas procura reorganizar o sintagma com uma nova combinação. Isso pode ser visto no 2 Os conectores donc (portanto) e pourtant (no entanto) são entidades teóricas, que indicam as relações argumentativas básicas de um encadeamento. O primeiro faz parte da norma e o segundo evidencia uma transgressão da norma. 92 Carmem Luci da Costa Silva, et al.

94 exemplo problema fácil, em que problema (X) tem sua argumentação interna (AI) atenuada (aspecto normativo: esforço PORTANTO resolução ), enquanto problema difícil tem sua argumentação interna reforçada (aspecto transgressivo: esforço NO ENTANTO não resolução ). Com os modificadores, ocorre uma reorientação argumentativa estabelecida na relação pela interdependência de sentido entre os segmentos. Nessa proposta teórica, o sentido do encadeamento somente pode ser constituído pelos dois segmentos que o compõem, evidenciando uma interdependência semântica entre argumento e conclusão de forma indecomponível, o que constitui o bloco semântico. Conforme Azevedo (2003, p. 102), com as noções de bloco semântico e encadeamento, Ducrot e Carel trazem a inter-relação língua (bloco semântico) e fala (encadeamento). Essa interrelação entre o nível abstrato e o concreto parece, novamente, circunscrever a interdependência entre o uso e o sistema abstrato, a língua. A partir dessas considerações, podemos verificar que Ducrot parece minimizar, na Teoria dos Blocos Semânticos, os aspectos enunciativos, ligados à Linguística da Enunciação, e realçar mais as relações argumentativas internas aos enunciados, vinculadas ao quadro saussuriano estruturalista. Embora minimizados, acreditamos que os aspectos enunciativos da versão atual da teoria estão nas indicações argumentativas inscritas no encadeamento, que marcam as posições do locutor e possibilitam a continuidade de sentidos. Se o discurso é doador de sentido argumentativo, esse sentido é constituído através da escolha de um segmento em detrimento de outro para orientar a argumentação. Assim, durante a sua enunciação, o locutor dá indicações sobre o caminho que escolheu e o alocutário tenta reconstruir esse itinerário a partir das indicações fornecidas nos enunciados. Isso pode ser exemplificado com a noção de modificador, o qual reorganiza o encadeamento com uma nova combinação argumentativa. Nesse sentido, vemos, em todas as reflexões teóricas produzidas no interior do quadro da Semântica Argumentativa, um tratamento não somente daquilo que o locutor diz, mas de como ele o diz. Pensamos que a reflexão produzida sobre esse como nas atividades relacionadas aos eixos do uso e da reflexão, conforme proposta dos PCNs, possibilitará ao aluno desenvolver a sua competência interativa, textual e gramatical, tanto para a leitura quanto para a Teorias do Discurso e Ensino 93

95 produção de textos. Tais questões serão discutidas no item seguinte, através da busca de aplicação de uma abordagem argumentativa ao ensino de língua materna. 4 Argumentação e ensino de língua materna Com a contextualização dos PCNs, percebemos a defesa de algumas teses acerca do ensino de língua materna ali contidas, a saber: o tratamento da língua em uso, com ênfase em atividades de leitura e de produção de texto, e a abordagem dos mecanismos gramaticais como meio para o desenvolvimento das competências interativa e textual. Nesse sentido, é dado relevo à questão gramatical como estando a serviço das estratégias argumentativas do autor na leitura e na escrita. Com isso, o nível semântico da língua, através do trabalho com os efeitos de sentido dos usos lexicais e da organização sintática produzidos na interlocução, passa a ser bastante tematizado. É justamente por isso que consideramos relevante a abordagem da Semântica Argumentativa no tratamento da língua em uso e em sua reflexão para o desenvolvimento das competências interativa, textual e gramatical. Na Teoria da Argumentação na Língua, as relações argumentativas do enunciado são o foco de estudo, porque o discurso não é composto de informação, mas de argumentação. Como exemplo podemos citar o segmento este livro é interessante, que não traz uma informação acerca do livro, mas uma argumentação em favor dele. Ligada a isso, temos a defesa, na teoria, de que o discurso é doador de sentido e que, portanto, não é a situação de enunciação que lhe garante significação, já que esta é justamente construída pelo enunciado. Assim, é o discurso que constrói o contexto, e não o contrário, o que possibilita interpretar a palavra pelas relações que ela mantém no discurso e pelos pontos de vista ali expressos. Como consequência das questões acima, temos que a representação da enunciação (situação e sujeitos) está integrada no sentido do enunciado, já que enunciação é acontecimento. Esse acontecimento traz um dizer que, por sua vez, produz sentidos. Com isso, vemos que ocorre, na Teoria, a dissolução da 94 Carmem Luci da Costa Silva, et al.

96 dicotomia língua (abstrato)/fala (concreto) e a defesa da relação frase (abstrato)/enunciação (acontecimento)/enunciado (concreto). Os pressupostos da Teoria da Argumentação acima apontados parecemnos ser de grande valia para a construção de uma metodologia produtiva de ensino de língua materna, principalmente se centrada nos seguintes pontos: no tratamento da língua em uso como acontecimento particular, mas sempre em relação com o sistema linguístico, que é coletivo, e na concepção de que o discurso constrói o contexto, e não o contrário, já que o mundo aparece, no enunciado, por meio da exploração discursiva do qual é objeto (Ducrot, 1997/2005, p. 20). Esse último ponto a nosso ver é de suma importância no ensino da leitura, em que muitas vezes se toma o texto como pretexto para um debate que se inicia e termina com opiniões preexistentes e a manifestação escrita fornece apenas o tema para a discussão sem que o aluno explore o funcionamento argumentativo contido nas escolhas do autor. No entanto, como defende Ducrot (1999/2005, pp. 14, 15), o que preexiste à fala é uma situação sem limites e sem estrutura: a fala traz com ela os limites e os pontos de vista que tornam essa situação utilizável para a interpretação. A noção de polifonia, desenvolvida no interior da Teoria da Argumentação, também tem uma valor operacional importante para o desenvolvimento das competências textual e gramatical do aluno, já que, para a verificação das diferentes vozes contidas no texto, torna-se necessário observar as marcas gramaticais que autorizam a existência de diálogo no discurso. Nesse sentido, torna-se relevante, no tratamento textual, o desenvolvimento dessa concepção de que, em um mesmo discurso, não temos somente a voz de seu autor, enquanto locutor responsável pelo discurso, mas outras vozes que a ela se mesclam, apontando pontos de vista com os quais o locutor se identifica ou não. Por isso, trabalhar com as pistas contidas nos enunciados para recuperar não ditos, ou dizeres implícitos, que apresentam sentidos no texto, torna-se importante para a formação de leitores críticos. Ilustraremos essa concepção com a descrição do funcionamento polifônico nos discursos abaixo: Teorias do Discurso e Ensino 95

97 Discurso 1: Na música Pra que mentir, de Vadico e Noel Rosa, temos o seguinte dizer: Tu ainda não tens a malícia de toda mulher. Com as marcas gramaticais adverbiais ainda e não, o locutor apresenta, mescladas a sua voz, outras vozes, que, no interior da teoria, são chamadas enunciadores. Uma das posições é autorizada pelo uso de não, através do qual o locutor nega um ponto de vista afirmativo anterior, que está no ponto de vista de que a interlocutora (tu) considera ter a malícia das mulheres. Além disso, o locutor, através do uso de ainda, insere outra voz que defende a posição de que a interlocutora (tu) um dia terá a malícia das mulheres. Junto a essas vozes, implicitamente constituídas pelo uso de marcadores gramaticais, temos a posição do locutor explicitamente evidenciada em seu dizer através da defesa de que a interlocutora (tu) não tem ainda a malícia das outras mulheres. A análise do enunciado da música mostra a importância de se verificar o funcionamento gramatical pelo viés do sentido e como vinculado à argumentação do autor. Esse tratamento polifônico na interpretação de textos substitui a leitura horizontal (linear) por uma vertical, visto que a ideia subjacente está no fato de que o sentido do discurso é constituído por outros discursos, que lhe são transversais, cujos supostos responsáveis, tratados na teoria como enunciadores, podem ser diferentes daquele efetivamente responsável pelo dizer, o locutor. Essa superposição de vozes, muitas vezes em confronto (caso da negação), evidencia o diálogo e a argumentação inerente ao discurso. Discurso 2: Em um comercial da Folha de São Paulo, encontramos o seguinte dizer: A Folha não se atrela a nenhum grupo. Por isso, a notícia sempre chega ao leitor como deve chegar: limpa. Nesse anúncio da Folha de São Paulo, encontramos diferentes vozes mescladas à do locutor, aquele que se responsabiliza pela unidade do discurso. Novamente, temos a partícula negativa não, enunciando um ponto de vista afirmativo de que a Folha, enquanto jornal, vincula-se a grupos (enunciador 1). Explicitamente, temos a defesa do locutor, através do posto de que a Folha não se atrela a nenhum grupo (enunciador 2). Esses pontos de vista são encadeados 96 Carmem Luci da Costa Silva, et al.

98 através do articulador por isso, que introduz novas vozes, uma relacionada ao enunciador 1, que defende A Folha, como jornal, não traz a notícia transparente/verdadeira (enunciador 3) e outra que se articula com a do enunciador 2, assumido pelo locutor, de que A Folha traz a notícia transparente/verdadeira (enunciador 4). Esses sentidos, instaurados nesse discurso, podem ser lidos devido às pistas fornecidas em sua materialidade, tais como a partícula negativa não e a expressão por isso. Também é importante salientar, nesse discurso, uma tese defendida pela Teoria da Argumentação da Língua, segundo a qual o discurso é doador de sentido. Essa tese pode ser vista pelo sentido da palavra limpa, que está ligada a discurso transparente e verdadeiro e não vinculada à noção de asseado, lavado, etc. O que autoriza o sentido de limpa como transparente e verdadeira é justamente a relação posta, no enunciado, entre os termos Folha, notícia e limpa, que, encadeados argumentativamente, trazem o ponto de vista do locutor e conduzem o interlocutor à conclusão: A Folha é um jornal comprometido com a verdade da notícia. A reflexão da produção de sentido dos dois discursos, através da abordagem polifônica, evidencia como esse fenômeno linguístico apresenta-se no uso da língua. Por fazer parte desse uso, consideramos que, se explorado no trabalho com a leitura, possibilita o desenvolvimento da competência discursiva do aluno, acarretando a formação de leitores críticos e de produtores de texto comprometidos com a escolha de formas como um meio para produzir sentido argumentativo no dizer, oral ou escrito. A seguir, a partir de dois episódios representativos de diferentes momentos de aquisição da linguagem 3, mostraremos a argumentação presente no dizer da criança, a fim de refletirmos acerca da importância de se considerar no ensino a relação do aluno com a língua e com o outro, pois acreditamos ser, nessa relação, que ele se constitui como um sujeito que argumenta. O primeiro episódio retoma a polifonia, associando-a à questão dos topoi, fenômeno também 3 Essas análises fizeram parte da pesquisa desenvolvida junto à UFRGS, intitulada Um estudo polifônico da linguagem da criança e Um estudo polifônico da linguagem da criança: fase II. Tal pesquisa contou com o apoio da FAPERGS, através da concessão de bolsa de Iniciação Científica à aluna Maira Azevedo e Souza, que nos auxiliou nas análises aqui exemplificadas. Teorias do Discurso e Ensino 97

99 explorado pelo quadro teórico da semântica argumentativa, como evidenciado anteriormente. O segundo episódio apresenta a argumentação da criança através do uso de modificadores (adjetivos e advérbios), que, na última versão da Teoria da Argumentação na Língua cunhada de Teoria dos Blocos Semânticos, têm a função de atenuar ou reforçar a argumentação contida nas palavras plenas (verbos e substantivos). Episódio 1: polifonia e topoi A criança (3;2.13) relata à entrevistadora, em sua escola, uma experiência por ela vivenciada. *entrevistadora: tu nunca caiu? *ato: a criança responde afirmativamente com a cabeça. *entrevistadora: já caiu? *entrevistadora: e aí tu chorou? *entrevistadora: como é que foi esse tombo que tu caiu, conta prá mim. *criança: eu caí na escada que eu fui na minha avó. *entrevistadora: hum! *entrevistadora: e aí, como é que aconteceu? *criança: aconteceu, eu aconteci, chorei, daí eu chorei e daí eu fui pulando e daí eu me machuquei. *entrevistadora: hum, coitadinha. *entrevistadora: e aí depois quem é que foi lá te socorrer, pegar tu? *criança: o Henrique. *entrevistadora: o Henrique? *criança: uh hum. *entrevistadora: ah, ele mora lá perto da tua avó? *ato: a criança responde afirmativamente com a cabeça. *entrevistadora: hum. *criança: não, ele mora com a mãe dele. *entrevistadora: ah, e aí eles deram um remedinho prá ti? *criança: não, foi a minha mãe. *entrevistadora: a tua mãe deu remedinho? *criança: uh hum. *entrevistadora: e aí tu parou... *criança: deu aspirina. *entrevistadora: ah, deu aspirina (risos) e aí tu parou de chorar? *ato: a criança responde afirmativamente com a cabeça. *entrevistadora: é? *criança: eu não chorei eu só estava com dor de cabeça. *entrevistadora: ah, aí te deu dor de cabeça. *entrevistadora: tu caiu deu dor de cabeça? *ato: a criança responde afirmativamente com a cabeça. 98 Carmem Luci da Costa Silva, et al.

100 Nas sequências destacadas da criança, percebemos que o locutor apresenta os pontos de vista de que a queda faz com que se chore (E1) e de que sem queda não se chora (E2), evocando o topos (princípio argumentativo do consenso) de que o choro requer um motivo que, no caso, é a queda. Tal topos mobiliza as formas tópicas quanto mais motivo mais choro (FT1) e quanto menos motivo menos choro (FT2). Tal princípio argumentativo é reiterado pelo locutor quando, diante da pergunta do interlocutor ( é? ), este muda a orientação argumentativa e coloca eu não chorei eu só estava com dor de cabeça, ou seja, dor de cabeça não é motivo para se chorar, fato reforçado pelo uso do operador só. Com isso, o locutor mobiliza os pontos de vista de que se chora por determinados motivos (E3) e de que dor de cabeça não é motivo para se chorar (E4), levando argumentativamente, através da evocação do topos já citado, o interlocutor a concluir que ela não é uma criança que chora por um simples motivo, como uma dor de cabeça. Episódio 2: modificadores e blocos semânticos Situação: a criança (4;9.5) relata, em sua escola, à entrevistadora uma narrativa ficcional. *criança: era uma vez um coelhinho ele era muito bom ele andava dando os presente e os ovo daí o gurizinho disse: *criança: ô coelhinho. *criança: e daí o coelhinho veio (pausa) a coelhinha tava na casa. *entrevistadora: hum terminou a história? * ato: responde positivamente com a cabeça. *entrevistador: muito bem. Na narrativa, selecionamos o encadeamento argumentativo destacado e, no primeiro segmento, já observamos a exploração pelo locutor do morfema diminutivo inho que atenua a argumentação interna de coelho, que tem o aspecto normativo animal PORTANTO sem generosidade. Além do diminutivo, utiliza a palavra bom, reforçando essa atenuação, em que coelhinho bom passa a ter em sua argumentação interna (AI) o aspecto transgressivo animal NO ENTANTO com generosidade. Esse aspecto transgressivo dado pela Teorias do Discurso e Ensino 99

101 combinação do modificador bom à palavra plena coelho confere um potencial argumentativo ao primeiro segmento coelhinho bom do encadeamento evidenciado, o que justifica a consequência dar presentes. As análises empreendidas com dados de crianças parecem mostrar algumas questões importantes ligadas à Teoria da Argumentação na Língua. Uma delas diz respeito ao fato de que, independentemente da faixa etária, valemo-nos de princípios argumentativos (topoi) para mostrar diferentes pontos de vista (enunciadores), orientando o interlocutor para determinadas conclusões. O fato de a criança, desde uma fase prematura, já evidenciar argumentação em seu discurso mostra que argumentar é um fenômeno inerente ao uso da língua, o que justifica a necessidade de o ensino de língua materna, pautado no uso da língua, trabalhar os aspectos argumentativos dos elementos linguísticos, já que um dos pontos enfatizados pelos PCNs relaciona-se justamente à reflexão das escolhas feitas pelo locutor em suas estratégias argumentativas. Com relação aos modificadores, as análises empreendidas a partir da Teoria da Argumentação na Língua também evidenciaram que a criança conhece a argumentação inerente às palavras da língua, o que lhe possibilita relacionar tais palavras, muitas vezes, reorientando argumentativamente o seu dizer. Ainda, observamos que, embora a Teoria da Argumentação leve em conta como modificador apenas palavras instrumentais (adjetivos e advérbios), o uso de diminutivos parece funcionar como um modificador. Isso se justifica pela reorganização ou pela reorientação provocada por estes na argumentação interna das palavras plenas (substantivos e verbos), quando combinadas às raízes das mesmas. A partir das considerações sobre os princípios argumentativos subjacentes às vozes da criança e sobre o uso que fazem dos modificadores, podemos relacionar o desenvolvimento da linguagem argumentativa da criança no período pré-escolar e sua relação com o ensino de língua materna em fases posteriores. Considerando a polifonia aliada aos princípios argumentativos, acreditamos ser interessante, em termos de ensino, os professores explorarem tais princípios subjacentes ao discurso dos alunos, a fim de proporem atividades que os levem em conta, conferindo uma maior contextualização ao trabalho e, com isso, uma maior possibilidade de eles argumentarem tanto na oralidade quanto na escrita. Com relação aos modificadores, os professores podem explorar o funcionamento 100 Carmem Luci da Costa Silva, et al.

102 lexical e sintático das palavras no discurso, a fim de trabalharem as estratégias argumentativas do autor. Nesse caso, não importa apenas a metalinguagem, ou seja, a classificação das palavras como adjetivo, advérbio, etc., mas o entendimento do funcionamento argumentativo de tais elementos gramaticais no discurso, constituído pela relação entre encadeamentos. Os trabalhos de Ducrot e colaboradores situam-se no campo da Linguística da Enunciação. Nessa perspectiva, os aspectos subjetivo e intersubjetivo da linguagem (questões enunciativas) relacionam-se ao valor argumentativo dos enunciados. Desse modo, o emprego de uma palavra torna possíveis ou impossíveis os encadeamentos argumentativos do discurso, ou seja, sua continuidade. Por isso, consideramos importante que os professores atentem para o que o aluno diz, dando continuidade a seus encadeamentos argumentativos, uma vez que, como mostramos, tanto o uso das vozes quanto o dos modificadores ocorrem na relação eu-tu da situação de enunciação (Benveniste, 1974/1989), em que os sujeitos vão constituindo justamente a sua argumentação a partir dessa relação. 5 Considerações finais A partir dos pressupostos teórico-metodológicos defendidos pelos PCNs e da retomada de algumas categorias conceituais da Teoria da Argumentação na Língua (principalmente polifonia e modificadores), procuramos, neste texto, através da análise do funcionamento argumentativo da língua em uso, mostrar a possibilidade de aplicação das noções da Semântica Argumentativa ao ensino de língua materna. Os PCNs postulam a necessidade de um ensino de Língua Portuguesa baseado no uso da língua e na reflexão sobre o funcionamento desse uso. A Teoria da Argumentação na Língua, ao procurar descrever o sentido argumentativo presente nos enunciados/encadeamentos/discursos, enquanto entidades concretas, preconiza o uso da língua como lugar de argumentação do locutor. A busca de aplicabilidade das noções da Semântica Argumentativa acerca da descrição do funcionamento da língua no discurso ao ensino de língua materna parece-nos constituir-se num dos suportes teóricos de que o professor Teorias do Discurso e Ensino 101

103 pode se valer para operacionalizar uma metodologia de ensino centrada na língua em uso, tese dos PCNs, principalmente através da verificação da argumentatividade inerente a esse uso. REFERÊNCIAS ANSCONBRE, Jean Claude (org.). Théorie des Topoi. Paris: Éditions Kimé, BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa/ Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros curriculares nacionais: ensino médio/língua portuguesa/. Brasília: MEC; SEMTEC, AZEVEDO, Tânia Maria. Semântica argumentativa: uma possibilidade para a descrição do sentido do discurso. Porto Alegre: PUCRS, Tese de doutorado. BENVENISTE, Émile. (1970) O aparelho formal da enunciação. In:. (1974) Problemas de Lingüística Geral II.Campinas, SP: Pontes, p 81-90, CAREL. Marion. L argumentation dans le discours: argumenter n est pas justifier. Letras de Hoje. Porto Alegre: EDIPURS, v. 32, n 1, p , mar Argumentação interna aos enunciados. Letras de Hoje, Porto Alegre: EDIPUCRS, vol. 37, nº 3, p.27-43, set Pourtant: Argumentation by exception. Journal of Pragmatics 24, p , Predication et Argumentation. Fórum lingüístico. Universidade Federal de Santa Catarina. Centro de Comunicação e Expressão. Pós-Graduação em Lingüística, Florianópolis: Imprensa Universitária, v. 1, p.1-17, jun/dez DUCROT, Oswald. (1984) O dizer e o dito. Revisão técnica da tradução Eduardo Guimarães. Campinas, SP: Pontes, Enunciação. In Enciclopédia Einaudi. Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, v.2. p , Os internalizadores. Tradução Leci Barbisan. Letras de Hoje. Porto Alegre: EDIPUCRS, nº 129, set p Carmem Luci da Costa Silva, et al.

104 . Lingüística, enunciación, discurso. Conversacion con Ducrot. Argentina: Revista Punto de vista. nº 21, p , agosto de Entrevista concedida a Marcelo Sztrum.. Os modificadores desrealizantes. Journal of Pragmatics 24, p Polifonia y argumentacion.cali: Universidad del Valle, (1997). A pragmática e o estudo semântico da língua. Letras de Hoje. Porto Alegre: EDIPUCRS. Vol. 40, nº 1, p. 9-21, março de FLORES, Valdir. Princípios para a definição do objeto da lingüística da enunciação. Letras de Hoje. Porto Alegre: EDIPUCRS. v. 36, nº 4, p. 7-67, Teorias do Discurso e Ensino 103

105 PARA RESUMIR TEXTOS: UMA PROPOSTA DE BASE SEMÂNTICO- ARGUMENTATIVA Telisa Furlanetto Graeff* 1 Introdução Cada vez mais temos necessidade de ler e de produzir resumos. É esse gênero textual que permite às pessoas acesso mais rápido ao que há de novo na sua área de atuação, para que possam decidir sobre o interesse ou não de ler o original. Referimo-nos aqui ao resumo parafrástico. O mesmo que se faz, por exemplo, quando se ficha uma obra de consulta para estudo, quando se elabora a revisão de literatura de um trabalho científico ou quando se prepara uma apresentação de trabalho para seminários, congressos, entre outros. Devido a esse seu caráter pragmático, a importância de se saber fazer resumos tem sido reconhecida por alunos e professores. É sabido que a elaboração de um resumo parafrástico deve observar três princípios: (1) o princípio de completude, o que significa que a(s) unidade(s) semântica(s) básica(s) deve(m) ser preservada(s); (2) o princípio de fidelidade, o que significa que se deve parafrasear o original; (3) o princípio de economia, o que significa que se devem evitar as repetições de unidades semânticas básicas. Relativamente aos princípios de completude e de fidelidade, Graeff (2001) verificou, em pesquisa realizada com 20 (vinte) leitores competentes, que realizaram a tarefa de resumir dois textos expositivo-argumentativos, sem instrução especial, que esses dois princípios foram observados pela quase totalidade dos resumidores. Observou, inclusive, que eles não só selecionaram as ideias como também foram capazes de hierarquizá-las, o que, conforme os * Professora do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade de Passo Fundo, Doutora em Linguística Aplicada pela PUCRS.

106 estudiosos do assunto, constitui o grande problema revelado pela análise de resumos (Flottum, 1992). Já o princípio de economia não foi observado pela maioria dos resumidores. A hipótese é que, se lhes fosse apresentado o quadrado argumentativo de cada um dos blocos semânticos, que se sucedem ao longo do texto, eles conseguiriam perceber, com clareza, as repetições de seu próprio resumo. Uma hipótese como essa tem base na questão de se é possível ensinar a resumir textos expositivo-argumentativos, por meio de uma metodologia fundamentada na Teoria dos Blocos Semânticos e na Teoria da Polifonia, conforme sugere Graeff na obra antes referida. Este texto tem o objetivo de apresentar uma pesquisa feita com o intuito de construir uma metodologia de elaboração de resumos. Seguem uma reflexão sobre importância do tema da pesquisa e seus objetivos, o quadro teórico em que se insere, a metodologia utilizada, a apresentação e análise dos resultados. 2 Atividade de resumo e ensino Manter-se atualizado é uma exigência para um profissional que pretenda ser competente e cidadão de seu país e do mundo, sintonizado, portanto, com as questões locais, nacionais e internacionais que afetam a sua esfera de atuação profissional e a vida humana. Essa não é uma tarefa fácil, principalmente pelo volume de informações, postos à disposição com o desenvolvimento dos meios de comunicação de massas e, mais recentemente, pelas novas tecnologias de informação e comunicação. Nesse contexto, ganha espaço o resumo que, de um lado, difunde o conhecimento produzido mais rapidamente e, de outro, permite dominar a enorme quantidade de informações com que nos defrontamos diariamente. Todos lemos resumos. Eles se apresentam a nós desde a forma de resumo de novelas de TV, de filmes até a forma de resumos de pesquisas, servindo aos nossos mais variados interesses e necessidades de interação sóciocomunicativa. Teorias do Discurso e Ensino 105

107 Todos produzimos resumos, desde cedo, na escola. E essa atividade é realizada sem que se tenham recebido instruções formais de como proceder. Opera-se, então, com a intuição de falantes nativos. É, também, fundamentalmente nessa intuição que se baseiam as parcas instruções sobre como fazer um resumo, produzidas entre nós. De fato, não há tradição na escola brasileira de se trabalhar o resumo. A esse respeito, cumpre referir a obra Redação Técnica (Silva et al., 1975) que pretendeu iniciar essa tradição, junto aos alunos iniciantes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Nesse livro, é dedicado um capítulo inteiro ao tema Sínteses, em que é tratada a habilidade de sintetizar, a extensão do resumo, os passos essenciais para se compor um resumo e em que se transcreve a NB-88 Sinopses e Resumos. A atitude foi de vanguarda, mas a compreensão da atividade de resumir é essencialmente intuitiva, como se pode observar no trecho: Para resumir um trabalho é necessário compreender sua organização. Parte-se de uma visão global do texto ou livro, através de uma leitura de apreensão do todo. O objetivo é compreender o texto em seu conjunto e em cada uma de suas partes. Para isso, deve-se determinar o enfoque que o autor dá ao assunto: filosófico ou científico, administrativo ou econômico, qualitativo ou quantitativo. Desta forma podem-se estabelecer, então, os pontos essenciais do tema e suas qualificações e enunciá-los do modo mais conciso possível.(p.109) Ao se ler sobre os passos essenciais para compor um resumo, fica-se sabendo que o primeiro passo é encontrar a ideia-tópico do parágrafo; o segundo, eliminar tudo o que não seja essencial à compreensão da ideia-tópico; o terceiro, escrever o resumo, utilizando as palavras e expressões mais econômicas, e que o passo final é comparar o resumo com o original, para testar a sua precisão e fazer quaisquer revisões. (Silva et al., 1975, p ). Diferentemente do que ocorre no Brasil, o resumo ocupa um lugar de destaque no ensino nos Estados Unidos e na Europa, especialmente na França. Conforme Charolles (1991), o resumo de textos foi introduzido, em 1969, na prova de francês do baccalauréat, tendo sido anexado, também, a outros exames ou concursos do ensino francês. 106 Carmem Luci da Costa Silva, et al.

108 Na medida em que se reconhece a importância pragmática desse gênero textual, justifica-se o interesse em construir e testar uma metodologia de base científica, que dê conta dessa atividade de síntese. Nesse sentido, foram objetivos da pesquisa: (1) verificar se é possível ensinar a selecionar e a hierarquizar unidades semânticas básicas em textos expositivo-argumentativos; (2) verificar se o conhecimento das unidades semânticas básicas de um texto favorece a elaboração de resumo parafrástico, isento de repetições; (3) colocar à disposição dos professores subsídios teórico-metodológicos que auxiliem no trabalho de ensinar a resumir textos. 3 Alguns estudos sobre resumo A leitura e a produção de resumos vem ocupando um lugar cada vez mais importante em nossa sociedade, sendo necessária a sua prática na maioria das atividades profissionais. Em vista disso, o estudo de sua natureza e funcionamento deveria ocupar lugar especial entre os estudiosos da linguagem em uso. Entretanto, há poucos trabalhos sobre esse tipo de prática discursiva entre nós. A produção de conhecimento principal sobre esse gênero textual vem da Europa, especialmente da França. Grize (1992, p.3-10) examina a atividade de resumir e constata a existência de dois planos distintos que se apresentam ao resumidor: um, no nível do texto, caso em que o resumo sintetiza o texto; o outro plano está sobre o texto, caso em que o resumo é feito a propósito do texto, tratando do que o texto apresenta e do modo como procede. Nos dois casos, segundo o referido autor, trata-se de uma atividade de comunicação que, por natureza, necessita de três componentes: o emissor, o destinatário e a situação, o que conduz a interrogar a respeito do status de cada participante. É diferente, por exemplo, resumir um texto para quem já o leu e para quem não o leu ainda. Em síntese, quem resume deve ter uma ideia de a quem se dirige o resumo, do por que resumir e do para fazer o quê. As várias respostas a essas questões levaram Grize a uma tentativa de caracterização de quatro tipos de textos que comumente são considerados resumos, embora ele já alerte para o fato de que o primeiro e o último constituam Teorias do Discurso e Ensino 107

109 quase casos-limite: (1) resumo exemplificação; (2) resumo substituição; (3) resumo síntese; (4) resumo descrição. Enquanto o resumo exemplificação é feito de excertos retirados do original, o resumo substituição constitui um novo modo de apresentar o que o texto diz e o modo como diz. Em geral, ele comporta um tipo de julgamento do resumidor. Conforme Grize, o resumo síntese é o mais frequente. Ele parafraseia as ideias essenciais, mantendo as palavras-chave. Às vezes o próprio título pode constituir sozinho o resumo do texto. No resumo descrição, são escolhidos os aspectos que serão retidos, como os fatos, no caso de índice analítico; as ideias, no caso de manuais de filosofia, etc. O resumo de que nos ocupamos neste trabalho é o resumo síntese. Constitui uma paráfrase resumitiva do texto original. A respeito de como proceder para resumir um texto, é importante mencionar duas perspectivas teóricas: uma, linguística de base cognitiva, de que são representantes Van Dijk e seus seguidores como Vigner; outra, linguística de base sintática, representada por Charolles. Van Dijk (1980, p.46-49) detalha regras de resumo de texto, chamadas de macro-regras, que, na verdade, são regras gerais que subjazem à compreensão de qualquer texto. São elas: (1) seleção/apagamento fraco, pela qual se apagam todas as proposições do texto-base que não sejam relevantes para a interpretação de outras proposições do discurso; (2) seleção/apagamento forte, pela qual se apagam proposições localmente relevantes; (3) generalização, pela qual se constrói uma proposição, conceptualmente mais geral, pela abstração dos detalhes semânticos das respectivas sentenças; (4) construção, pela qual se substitui uma sequência de proposições por uma proposição que denote um fato global, do qual as microproposições denotam componentes, condições ou consequências habituais; (5) zero, pela qual se reproduz no macronível uma mesma proposição que ocorre no micronível. 108 Carmem Luci da Costa Silva, et al.

110 Essas macro-regras estabelecem relações entre a macroestrutura do texto e as estruturas semânticas das frases e de sequências menores do conjunto do texto (microestruturas). Conforme Van Dijk, essas macro-regras podem ser aplicadas em diversos níveis, de sorte que pode haver várias macroproposições hierarquicamente ordenadas. Entende-se, assim, que há diferentes níveis possíveis de macroestrutura num texto, uma vez que cada nível superior, isto é, mais global de proposições pode representar uma macroestrutura, em relação a um nível inferior. Nesse caso, a macroestrutura de um texto, seria aquela mais geral e global deste texto. As macro-regras, na definição do autor em foco (1983, p.58), são uma reconstrução daquela parte de nossa capacidade linguística com a qual unimos significados, convertendo-os em totalidades significativas maiores. Elas são utilizadas para estabelecer uma ordem entre as proposições, o que implica a redução da informação. No plano cognitivo, as macro-regras são consideradas operações para redução de informação semântica, utilizadas na compreensão de textos. Vigner (1991, p.33-54) aborda a questão do resumo de textos narrativos e descritivos pelo viés da dimensão cognitiva, associada às modificações lexicais e sintáticas. Assumindo que o resumo pressupõe capacidades de abstrair e de generalizar, postula três operações características dessas capacidades: globalização, por meio da qual se eliminam, se substituem e se integram informações; de generalização e de conceptualização. Ele mesmo admite que essas operações têm analogias incontestáveis com as operações de compreensão, explicitadas por Van Dijk e Kintsch (1975). Exemplifica a operação de globalização, por meio de um texto narrativo cuja redução se baseia no apagamento de certo número de informações subordinadas, relativamente a um modelo cognitivo global do tipo script. Nessa passagem da experiência singular ao esquema, o apagamento e a integração das informações fundamentam-se no tratamento cognitivo do texto, que determina o valor estrutural da informação, de acordo com a sua posição no conteúdo global do texto. Para exemplificar a operação de generalização, Vigner seleciona duas descrições (retratos) sobre as quais aplica o processo de generalização, associado a um princípio de economia em matéria de Teorias do Discurso e Ensino 109

111 reformulação. Desse modo, os retratos perdem suas peculiaridades, tornando-se um único retrato genérico. Para exemplificar a operação de conceptualização, utiliza um texto composto de duas partes: descrição da vida de um camponês e comentário. A primeira situa-se no universo da experiência, da constatação; a segunda, no universo do conhecimento, da explicação. A passagem da constatação empírica para a conceptualização ocorre pela redução dos pontos de vista, sob os quais é apresentado o objeto ou o acontecimento, a um único sentido de um dado campo teórico. Desse modo, reduz-se a informação semântica e aumenta-se a densidade do texto. O trabalho de Vigner cresce em importância para o ensino, quando o autor examina as implicações da retomada do conteúdo semântico reduzido e de sua reformulação linguística, do ponto de vista da seleção lexical e das alterações sintáticas dos enunciados. Na transformação de globalização (das partes para o todo), o léxico se organiza segundo uma relação de tipo partitivo, isto é, as partes são reunidas sob uma etiqueta lexical única. Na tarefa de generalização (do específico ao genérico), a relação posta em jogo é do tipo hierárquico, isto é, da hiponímia para a hiperonímia. No processo de conceptualização (do empírico para o genérico), o evento ou o objeto descrito é, de certo modo, desindividualizado, posto fora das circunstâncias, sendo ressaltada a estrutura do acontecimento ou da organização. O aspecto de alterações sintáticas é brevemente tratado por Vigner. Contudo, enfatiza dois pontos que podem dar lugar a aplicações pedagógicas: os artigos (o uso de definido/indefinido) e as modificações sintáticas mais perceptíveis na passagem dos enunciados descritivos para os enunciados teóricos (transformações de períodos simples em compostos por subordinação e posterior nominalização dos períodos compostos). Enfatizando que os pré-requisitos cognitivos não são idênticos para todos os tipos de textos, esse autor menciona que os textos expositivo-argumentativos parecem escapar da utilização das operações que descreveu. Imagina que a redução desse tipo de texto possa estar ligada às operações de globalização, isto é, à integração num esquema argumentativo global de todos os elementos subordinados. Charolles (1991, p.7-27) situa-se num quadro teórico totalmente diferente dos relacionados à perspectiva cognitivista. As macro-regras não têm lugar em 110 Carmem Luci da Costa Silva, et al.

112 sua perspectiva, pelo fato de elas se basearem nos conhecimentos enciclopédicos dos resumidores, não sendo, por isso, nem predizíveis nem controláveis, pelo menos linguisticamente. Sua abordagem da atividade de resumo considera essencialmente marcas linguísticas de superfície (conectores, expressões que situam no tempo e no espaço, verbos introdutores de mundos, marcas de segmentação e anáforas), capazes de guiar o resumidor na construção de uma representação da organização do texto-fonte e na hierarquização da informação que ele contém. Para mostrar o funcionamento de sua proposta, Charolles examina o primeiro parágrafo de um texto, proposto como prova de resumo. Nesse caso, os elementos que guiam a hierarquização das informações são os conectores, que podem estar implícitos ou explícitos. Considerando que o conector indica, convencionalmente, qual função semântico-pragmática liga sua enunciação, na intenção do autor, aos segmentos que o precedem, Charolles levanta a hipótese de que o processo de compreensão inclui a recuperação mental dos conectores implícitos. Essa tarefa de restituição relacional e intencional constitui o processo de compreensão, que supõe, ainda, duas outras operações: a parentetização e a hierarquização. Na tarefa de parentetização, a interpretação conduz a reunir os conjuntos de enunciados aos quais se atribui a mesma função enunciativa; na hierarquização, é estabelecida uma hierarquia de intenções em que as operações de consecução (donc=portanto), de correção (mais=mas) e de oposição (pourtant=mesmo assim) são diretrizes, devendo, por isso, ser preservadas no resumo. Considerando que os princípios de contração são recursivos, Charolles demonstra que uma versão moderadamente condensada do texto-fonte poderia ser objeto de uma nova aplicação da regra de eliminação de enunciados subordinados, até que se chegasse a constituir um tipo de título, estado último do resumo. É interessante observar que, após todas essas operações explicitação de conetivos, parentetização, hierarquização -, o texto-fonte fica reduzido a enunciados que expressam as unidades semânticas básicas, isto é, fica reduzido a enunciados que expressam os encadeamentos argumentativos em donc (portanto) e os encadeamentos argumentativos em pourtant (mesmo assim). Conclusão a que chegou Graeff (2001), ao estudar a atividade de resumir de uma Teorias do Discurso e Ensino 111

113 perspectiva semântico-linguística, nesse caso, aplicando a proposta de semântica argumentativa, elaborada inicialmente por Oswald Ducrot, em cooperação com Jean-Claude Anscombre (1983). Essa teoria, que parte do pressuposto de que a língua é essencialmente argumentativa, foi ampliada pela Teoria da Polifonia e pela Teoria dos Topoi e, mais recentemente, modificada pela Teoria dos Blocos Semânticos (Carel,1995). Aplicando ao estudo do resumo princípios e conceitos da Teoria da Polifonia associados a princípios e conceitos da teoria dos Blocos Semânticos foi possível concluir como se constrói o sentido nos textos e propor a metodologia de resumo de textos (Graeff, 2001) que foi testada na pesquisa que está sendo agora apresentada. Conforme Carel (1995), um enunciado A donc C (= A portanto C) é argumentativo por expressar discursos como O apetite é sinal de saúde e O estudo conduz ao sucesso. Tais discursos não são considerados pela referida autora como associações de conceitos independentes (Apetite e Saúde; Estudo e Sucesso), não sendo vistos como elos entre um argumento e uma conclusão. Ela os percebe como representações unitárias (blocos semânticos), as quais constituem o próprio sentido dos encadeamentos argumentativos. Mostra, também, que os encadeamentos em donc, além de exprimirem um bloco, exprimem uma apreensão positiva ou negativa do bloco. Carel inova, ainda mais, ao afirmar a existência de encadeamentos transgressivos (em pourtant), ao lado de encadeamentos argumentativos (em donc). Sua tese é de que ambos os encadeamentos são igualmente primitivos, não se fundamentando o encadeamento transgressivo A pourtant não-c no encadeamento normativo A donc C. Nessa perspectiva, os dois constituem unidades semânticas básicas. Desse modo, pode-se estabelecer o quadrado argumentativo do bloco cujo sentido resulta da interdependência semântica entre apetite e saúde como segue: Seja: X= apetite Y= saúde bloco semântico + positividade: apetite / saúde bloco semântico + negatividade: não apetite/ não saúde 112 Carmem Luci da Costa Silva, et al.

114 A. Ter apetite donc ter saúde. B. Não ter apetite donc não ter saúde. Aspecto normativo (X DC Y) Aspecto normativo (neg X DC neg Y) C. Não ter apetite pourtant ter saúde. D. Ter apetite pourtant não ter saúde. Aspecto transgressivo (neg X PT Y) Aspecto transgressivo (X PT neg Y) Nesse quadrado argumentativo, os pares A/B e C/D são recíprocos. (Cada par recíproco é formado pela apreensão positiva e negativa do mesmo bloco). Os pares A/D e B/C são conversos. (Cada par converso é composto de um aspecto argumentativo normativo e de um aspecto argumentativo transgressivo). Conforme Carel (2002, p.37), a conversão é uma das relações fundamentais do discurso, visto instalar a oposição entre enunciados. Ao explicitar primeiramente, sob que condições duas argumentações são conversas, para depois tratar de enunciados conversos, afirma a pesquisadora que duas argumentações são conversas, primeiramente, quando se trata de encadeamentos como (n) a polícia pressiona Paulo para que vá vê-la, donc ele irá. (t1) a polícia pressiona Paulo para que vá vê-la, pourtant ele não irá. isto é, de encadeamentos, com estrito parentesco material, da forma A donc C e A pourtant não-c. Observa, contudo, Carel que são também conversos (n) e (t2): respondeu (t2) os professores pressionavam Maria a responder, pourtant ela não Explica que a relação de conversão não exige um estrito parentesco material, sendo converso a A donc C qualquer encadeamento que exprima o mesmo bloco semântico e o mesmo aspecto transgressivo desse bloco, ou seja, A pourtant não-c. Entende a autora em foco que são conversos, em relação ao encadeamento normativo (n), ambos os encadeamentos transgressivos (t1) e Teorias do Discurso e Ensino 113

115 (t2), porque, ainda que não sejam estritamente aparentados materialmente, ambos exprimem a mesma ideia de ação feita sob pressão e sob o mesmo ponto de vista transgressivo, ou seja, tanto em (t1) quanto em (t2) é dito que se pode resistir à coação. A seguir, Carel (p. 37) define a noção de enunciados conversos: (...) dois enunciados serão ditos conversos se suas argumentações internas são conversas. Por exemplo, os dois enunciados até mesmo esse bom estudante foi reprovado e esse bom estudante, como se esperava, foi aprovado são conversos porque eles condensam respectivamente as argumentações conversas é um bom estudante, pourtant ele foi reprovado e é um bom estudante donc foi aprovado. Como se mencionou antes, a base teórica para o estudo do resumo reuniu tanto ideias da Teoria dos Blocos Semânticos quanto da Teoria da Polifonia. Ducrot (1968, p.65), em sua Teoria da Polifonia, faz perceber que a ideia de sujeito-falante remete, na verdade, a várias funções muito diferentes, como a função de sujeito empírico (produtor do enunciado); de locutor (responsável pelo enunciado); de enunciador (responsável pelos pontos de vista apresentados pelo enunciado), e que a indicação da posição de locutor, em relação à posição dos enunciadores, pode ser de identificação, de aprovação e de oposição. Em vista disso, na perspectiva da Teoria da Polifonia que propõe, há três etapas importantes para a constituição do sentido do enunciado: (a) apresentação dos pontos de vista dos diferentes enunciadores; (b) indicação da posição do locutor em relação à posição dos enunciadores; (c) identificação do(s) enunciador(es) com outra pessoa que não o locutor. Para que essa noção de polifonia pudesse ser aplicada à estrutura global do texto, tivemos (Graeff, 2001) de transpô-la do enunciado para o texto e considerar que o sentido de um texto expositivo-argumentativo é redutível a uma superposição de diferentes vozes que, postas em cena pelo locutor, dialogam entre si, agrupando-se para concordar ou discordar e, com as quais o locutor concorda e se identifica, ou não. Isso significa que, num texto, os enunciadores são agrupados conforme a identidade da orientação argumentativa do que 114 Carmem Luci da Costa Silva, et al.

116 enunciam. Em outras palavras, conforme o encadeamento argumentativo que suas manifestações expressam. No caso de o locutor não concordar com uma dada orientação argumentativa, os enunciados que a evocam são todos apagados, isto é, não são retidos no resumo. Já relativamente ao conjunto de vozes, ditas aparentadas por evocarem o mesmo bloco semântico e o mesmo aspecto argumentativo desse bloco, ele é mantido no resumo, expresso num enunciado argumentativo que represente essa ideia comum, que organiza as vozes no conjunto, caso o locutor com ele concorde e/ ou se identifique. Observe-se que, no caso de o locutor se identificar com um encadeamento transgressivo de um dado bloco semântico, isso significa que ele concorda/ reconhece a existência do aspecto normativo, mas que preferiu expressar o bloco em seu aspecto transgressivo. Nesse caso, a presença, no resumo, de um encadeamento argumentativo transgressivo torna desnecessária a presença do seu converso normativo. A construção das matrizes para análise dos resumos, que especificam essas unidades semânticas básicas, observou os seguintes passos (Graeff, 2001, p.92-93): a) leitura do texto-base; b) identificação dos blocos semânticos; c) estabelecimento do quadrado argumentativo de cada bloco, composto pelos aspectos recíprocos (positivo e negativo) e pelos aspectos conversos (normativo e transgressivo); d) seleção dos encadeamentos expressos no texto-base; e) seleção dos encadeamentos com que o locutor do texto-base concorda e/ou se identifica. 4 Metodologia da pesquisa 4.1 Os textos Foram selecionados três textos (denominados aqui Texto1, Texto2 e Texto3) dentre artigos de opinião, publicados na Revista Veja, em Esses textos versam sobre temas da atualidade, de interesse dos brasileiros em geral. Teorias do Discurso e Ensino 115

117 4.2 Os participantes Participaram da pesquisa 10 (dez) alunos de Curso de Pós-Graduação em Letras, em nível de Mestrado. 4.3 O procedimento 1- O Texto 1 Qual a mais bela?, de Rosana Zakabi, publicado nas páginas dedicadas a assuntos gerais da revista Veja, de 17/12/2003, p.146, foi distribuído aos alunos. Solicitou-se que o resumissem, observando os princípios de economia e de fidelidade. Não se definiu tempo para a realização da tarefa. 2- Os alunos receberam instruções formais sobre procedimentos para realização de resumos, com base nas teorias da Polifonia e dos Blocos Semânticos. A seguir, juntamente com o professor, leram o Texto2, Mataram mais um, de Ronaldo França, publicado nas páginas sobre o Brasil, da revista Veja de 13/08/2003, p.5; identificaram os blocos semânticos desse texto e elaboraram o quadrado argumentativo correspondente a cada um dos blocos. Por fim, selecionaram os encadeamentos argumentativos com os quais o locutor concorda e/ou se identifica. A seguir, com base nesses encadeamentos argumentativos selecionados e já hierarquizados pela própria interdependência existente entre os blocos semânticos do texto, escreveram o resumo. O professor leu, comentou cada resumo, solicitando aos alunos que o reescrevessem, quando julgou necessário. Procedimento semelhante foi adotado com o Texto 3 Sobre veados, flamingos e outros bichos, ensaio de Roberto Pompeu de Toledo, publicado na revista Veja, em 20/08/2003, p.126. Acertados os resumos dos textos 2 e 3, os alunos receberam novamente o Texto 1 e a respectiva cópia do resumo que fizeram sobre esse texto, com a tarefa de que cada um avaliasse o seu resumo e de que o reescrevesse, se julgasse necessário. Ao final da atividade, entregaram o resumo do Texto 1, na última versão. 3 - Essa última versão do resumo do Texto1 de cada aluno foi avaliada, considerando os princípios de completude (presença/ausência de unidades 116 Carmem Luci da Costa Silva, et al.

118 semânticas básicas), de economia e de fidelidade, com base nos procedimentos referidos em relação aos Textos 2 e 3, isto é, com base na matriz gerada por esses procedimentos, e, em seguida, comparada com a primeira versão do resumo do Texto 1, também avaliada com os mesmos critérios. 4.4 Passos para resumir os textos 2 e Etapas seguidas em aula, para sintetizar o Texto 2 Mataram mais um, de Ronaldo França, publicado nas páginas sobre o Brasil, da revista Veja de 13/08/2003, p.5, que se lê abaixo: Mataram mais um Diretor de presídio é assassinado no meio da rua. De tão banal, a cena já não comove os brasileiros Ronaldo França O Rio de Janeiro foi palco, na semana passada, de mais uma cena de banditismo explícito. Foi assassinado, com dezessete tiros, o diretor do presídio de Bangu III, Abel Silvério de Aguiar. Seu carro foi perseguido por outros dois automóveis, na Avenida Brasil, a mais movimentada do Rio. Os bandidos encapuzados dispararam até que ele perdesse o controle da direção. Aguiar chocou-se contra um ônibus. Os assassinos, que usavam coletes à prova de bala e máscaras, saltaram dos carros e atiraram mais de perto, para garantir a execução. Duas semanas antes, Paulo Rocha, o coordenador de segurança do complexo penitenciário, que reúne quinze unidades, foi assassinado no mesmo local, de forma semelhante. Apesar da inaceitável ousadia dos bandidos, não se registrou comoção especial pelas mortes. É como se os assassinatos, mesmo quando de agentes da lei, juízes e políticos, fossem inescapáveis fatos da vida. Não são. Não podem ser. A história mostra que a banalização do banditismo é um fenômeno que, como o câncer, nasce e cresce silenciosamente. Quando se tenta atacá-lo, em muitos casos, já é tarde demais. A ousadia dos bandidos é crescente. Quando eles agem de maneira especialmente cruel, produzem reações da sociedade na forma de manifestações públicas "pela paz" ou "contra a violência". Essas manifestações têm sido inócuas para conter os marginais. Elas podem revelar, no fundo, um fenômeno de adaptação, de amortecimento social diante do inimigo que não se sabe mais como combater. Em junho, mês da mais recente estatística disponível, 600 pessoas foram assassinadas no Rio. No último trimestre, a violência ceifou 950 vidas por mês em São Paulo. Somente nos dois principais Estados da federação Teorias do Discurso e Ensino 117

119 matam-se, em média, pessoas por ano. São números assustadoramente altos. A Guerra do Vietnã matou, em média, pessoas por ano, somados os dois lados. O Rio e partes de São Paulo passam por uma guerra urbana que, por sua persistência e pela freqüência dos episódios sangrentos, acabou se incorporando à rotina urbana. Na semana passada, após o assassinato de Aguiar, as autoridades fluminenses de segurança anunciaram, como de praxe, medidas urgentes. Especula-se que o crime teria sido cometido por quadrilhas insatisfeitas com o rigor na prisão ou em virtude de uma disputa pelo controle das cantinas nos presídios. A polícia promete apurar o caso. Um estudo feito pelo secretário nacional de Segurança Pública, Luiz Eduardo Soares, mostrou que apenas 8% dos homicídios investigados pela polícia são elucidados. As investigações não costumam andar muito além do anúncio de medidas urgentes. E, no entanto, afora as famílias, ninguém se lembra de cobrar soluções. É como se tudo fosse muito normal. Não é. O professor entregou o texto aos alunos. Foram feitos comentários sobre a revista, sobre a sua circulação, sobre a seção onde se encontra o texto, sobre seus possíveis leitores, etc. A seguir, o professor iniciou a leitura do texto. Já, no primeiro período, percebeu-se que o locutor do texto constatava a existência de banditismo explícito no Brasil, mas não se sabia, ainda, o que ele achava disso, como se posicionava diante dessa constatação. Somente após relatar ocorrências de banditismo explícito, o locutor apresenta a outra parte do bloco semântico expressa no enunciado: Apesar da inaceitável ousadia dos bandidos, não se registrou comoção especial pelas mortes. Então, pôde-se perceber que escrevia sobre a existência de banditismo explícito, relacionada com a inexistência de comoção especial da sociedade. O locutor se posiciona, convocando esse bloco semântico em seu aspecto argumentativo transgressivo (Há banditismo explícito PT não há comoção especial da sociedade). Manifesta seu espanto diante dessa conduta fora do normal da sociedade. Notese que o normal seria (Há banditismo explícito DC a sociedade rechaça, repudia, exige medidas em sentido contrário, etc). Mais adiante, no texto, ele vai sintetizar o encadeamento argumentativo transgressivo por meio da expressão banalização do banditismo. Em outras palavras, esse encadeamento constitui uma paráfrase da expressão em foco, ou seja, sua argumentação interna. O texto, então, passa a explicitar essa banalização, constatando tanto o aumento da violência, da ousadia dos bandidos quanto a ineficácia de ações em sentido contrário por parte das autoridades e a ausência de indignação por parte 118 Carmem Luci da Costa Silva, et al.

120 da sociedade. O locutor conclui o texto com os enunciados É como se tudo fosse muito normal. Não é. Observe-se que o primeiro desses enunciados expressa o encadeamento O banditismo explícito é rotineiro DC é normal. Já o segundo enunciado, que expressa o ponto de vista do locutor sobre a banalização do banditismo, contém o encadeamento argumentativo transgressivo O banditismo explícito é rotineiro PT não é normal. Como se pôde perceber, o locutor rechaça a atitude da sociedade brasileira de considerar banal o banditismo explícito, exortando-a a cobrar soluções das autoridades. Essa seria uma possível síntese do texto Etapas seguidas em aula, para sintetizar o Texto 3 Sobre veados, flamingos e outros bichos, de Roberto Pompeu de Toledo, articulista da Revista Veja, publicado em 20/08/2003, p.126, do qual se lê abaixo a segunda nota, que trata do segundo tipo de poder o da casa do patriarca da Globo. Sobre veados, flamingos e outros bichos Duas notas e dois tipos de poder: o da imagética do ministro da Justiça e o da casa do patriarca da Globo Roberto Pompeu de Toledo No fundo, no fundo, a diferença entre o burguês e o aristocrata é que o aristocrata nunca vende a casa. Um burguês, e burguês aqui cobre desde a classe média até a classe média alta, como se diz no Brasil, vive trocando de casa, ou de apartamento. Aristocrata que é aristocrata nasce e morre na mesma casa ou castelo. Quando morre supremo requinte é enterrado nos próprios domínios. A princesa Diana repousa na herdade da família. No Brasil não há, salvo os Orleans e Bragança que, ao que consta, não pretendem vender o Palácio Grão-Pará, na doce Petrópolis, aristocratas. Mas há os que, lúcidos, sabem que, depois de acumular riqueza, o passo seguinte é perseguir os atributos da aristocracia. Ajuda muito. Duplica o prestígio e reforça o poder. E, entre esses atributos, o principal é a casa uma casa que não só se imponha pelo tamanho e pela elegância, mas que transmita a idéia de raízes, de permanência, de continuidade. O banal sonho da casa própria da patuléia transmuda-se, no aristocrata, na fidelidade ao castelo. Teorias do Discurso e Ensino 119

121 Essas coisas vêm a propósito de Roberto Marinho. Ele morava numa mansão do nobre bairro do Cosme Velho e atenção que se disse "nobre", não "rico"; "rico" é a Barra da Tijuca. No amplo terreno, cortado por um rio nada menos que o Rio Carioca, com nome igual ao dos habitantes da cidade, criava flamingos, araras, macacos e outros bichos. O patriarca da Globo ali estava fazia mais de meio século, marca pífia em termos europeus, mas de causar estupor no Brasil e não se duvide de que a casa, e os bichos, e o rio contribuíram pesadamente para a mística do proprietário. Especialista no assunto, Roberto Marinho sabia que o poder emana, também, da casa em que se mora. No fim, não chegou a ser enterrado em seus domínios, mas foi velado neles e assim, mesmo morto, se apresentou em escala superior ao comum dos mortos. Costumam chamar Machado de Assis, que morou ali perto, de "bruxo do Cosme Velho", apelido meio incompreensível num escritor tão racional e límpido. Roberto Marinho, o prestidigitador do poder e do prestígio, foi o verdadeiro bruxo do Cosme Velho. Nesse ensaio, o autor apresenta, como ele mesmo refere, Duas notas e dois tipos de poder: o da imagética do ministro da Justiça e o da casa do patriarca da Globo. Foi objeto de análise argumentativa a segunda nota, que começa com o enunciado: No fundo, no fundo, a diferença entre o burguês e o aristocrata é que o aristocrata nunca vende a casa. Esse enunciado convoca o bloco semântico que relaciona ser aristocrata / manter-se na casa, em suas formas recíprocas: É aristocrata DC não muda de casa e É burguês DC muda de casa. Na sequência do texto, o locutor comenta que burguês vive trocando de casa e apresenta exemplos que reiteram a argumentação expressa no encadeamento de que nobre, mesmo quando morre, permanece na propriedade da família. A seguir, o enunciado: Mas há os que, lúcidos, sabem que, depois de acumular riqueza, o passo seguinte é perseguir os atributos da aristocracia. Esse enunciado trata dos burgueses que, depois de ricos, querem ser reconhecidos como nobres. Continuando, o texto explicita por que o principal atributo da aristocracia é a casa (...) uma casa que não só se imponha pelo tamanho e pela elegância, mas que transmita a idéia de raízes, de permanência, de continuidade. O enunciado com mas convoca o aspecto transgressivo da forma recíproca negativa É burguês DC muda de casa, expresso pelo encadeamento argumentativo transgressivo É burguês PT não muda de casa. A partir daqui, todo o último parágrafo do texto é usado pelo locutor para mostrar que foi assim com Roberto Marinho, que sempre viveu na mesma casa, sendo nela até velado. 120 Carmem Luci da Costa Silva, et al.

122 Em síntese, Roberto Marinho era burguês, mesmo assim possuía atributos da aristocracia. 5 Apresentação e análise dos resultados Após trabalharem, em sala de aula, na síntese dos Textos 2 e 3, os alunos foram unânimes em afirmar que os resumos do Texto1 Qual a mais bela?, elaborados antes de conhecerem a Teoria dos Blocos Semânticos, eram muito ruins, especialmente em função de terem mantido as exemplificações, as quais reproduzem encadeamentos argumentativos. Verificou-se que esses resumos são, no geral, longos, tendo cinco deles entre 40 a 44 linhas; quatro, entre 31 a 35 linhas, havendo apenas um com 25 linhas, o que não o isenta do atributo longo, em vista de se conceber o resumo como uma paráfrase resumitiva que expressa o(s) encadeamento(s) argumentativo(s) com que o locutor concorda e /ou se identifica. Nessa direção de análise, é interessante que se leia o texto em foco, para que se possam considerar, posteriormente, as suas unidades semânticas básicas. Qual a mais bela? Dois concursos elegem misses com critérios opostos, uma delas com o peso de 117 quilos O padrão universal de beleza é o da mulher alta, magérrima, com seios e bumbum firmes e abundantes. Algo como Gisele Bündchen, certo? Nem sempre. Em alguns países, mulher bonita é aquela que não apenas exibe seios e bumbum fartos, mas também apresenta cintura larga, barriga exuberante, braços fortes e pernas bem grossas. Neste mês, dois concursos de beleza elegeram mulheres completamente distintas uma da outra. Um deles ocorreu em Burkina Fasso, na África. As participantes tinham entre 75 e 130 quilos e desfilaram em trajes de banho. A grande vencedora foi Carine Riragendanwa, de 27 anos, 1,80 metro de altura e 117 quilos. O outro foi na China e elegeu a miss Mundo A vencedora foi a irlandesa Rosanna Davison, de 19 anos, também de 1,80 metro de altura e dezenas de quilos mais magra. Para o concurso de miss Mundo, o pré-requisito é ter 90 centímetros de quadris, 60 de cintura e 90 de busto. O concurso de Burkina Fasso parte do pressuposto de que, quanto maiores forem as medidas das misses, melhor. Teorias do Discurso e Ensino 121

123 Apreciar formas arredondadas não é exclusividade de Burkina Fasso. Fugindo do padrão de beleza em voga no Ocidente, que prega a magreza absoluta, quem faz sucesso em várias sociedades da África e de algumas ilhas do Pacífico Sul são as gordinhas. Na Nigéria, há um festival todos os anos que também elege uma miss, geralmente a mais corpulenta. Antes de se casarem, muitas noivas nigerianas passam por um regime de engorda para agradar a seus pretendentes. No mundo ocidental, as formas arredondadas foram valorizadas até meados do século passado a musa dos anos 50 era Marilyn Monroe, com seus seios e quadris voluptuosos. Na Renascença, as mulheres roliças eram fonte de inspiração para os artistas consagrados da época. Elas simbolizavam status, conforto e boa saúde. A magreza estabeleceu-se como sinônimo de elegância no início dos anos 90, quando as supermodelos Cindy Crawford e Claudia Schiffer se transformaram no padrão de beleza na maior parte dos países. Sabe-se hoje que, além da questão cultural, há ainda fatores biológicos que contribuem para o conceito de beleza. Segundo os cientistas, a simetria facial, ou seja, a medida dos olhos, do nariz, da boca e das faces, é um item importante na escolha dos parceiros. É sinal de genes saudáveis, ausência de parasitas e sistema imunológico eficiente. A proporção entre cintura e quadris também é um indicador ancestral de saúde e fertilidade. Quadris mais largos costumam ser atraentes para a maioria dos homens. Talvez por esse motivo os corpos esqueléticos são admirados mais pelas mulheres que por eles. Ainda assim, casos como o de Burkina Fasso estão se tornando cada vez mais raros. Países que antes cultuavam as cheinhas passaram a admirar as mais magras por influência da indústria da moda. Há também a questão da saúde. Excesso de gordura tornou-se sinônimo de doenças cardiovasculares e diabetes e, pior ainda, a obesidade é vista como sinal de desleixo. No Arquipélago de Tonga, no Pacífico Sul, ser gordo foi privilégio reservado aos nobres durante séculos. Nas últimas décadas, a prosperidade permitiu que os pobres também engordassem. Em conseqüência, a obesidade e as doenças cardiovasculares tornaram-se endêmicas. Os gordos passaram de bonitos a feios O texto inicia, indagando se o padrão universal de beleza é o de mulher magérrima. E ele mesmo responde: Nem sempre. Têm-se, já aqui, dois blocos semânticos que relacionam peso e beleza, expressando padrões estéticos de culturas diferentes: numa, ser magro é belo; e noutra, ser gordo é belo, cujos encadeamentos argumentativos normativos poderiam, respectivamente, ser expressos como é magro DC é belo e é gordo DC é belo. Passa, então, a explicitar essa ideia, mencionando, com detalhes, dois concursos ocorridos simultaneamente um, na África, cuja vencedora pesava 117 quilos, e outro, na China, para eleger a miss Mundo, cuja vencedora era bem magra. 122 Carmem Luci da Costa Silva, et al.

124 No segundo parágrafo, são apresentados novos exemplos de que, em várias sociedades da África e de algumas ilhas do Pacífico Sul, são as gordinhas que fazem sucesso, diferentemente do que ocorre no Ocidente hoje, em que as magérrimas fazem sucesso. Como se pode perceber, o texto continua tratando dos dois blocos semânticos, que representam dois padrões de beleza opostos. A partir da metade do segundo parágrafo, passará a mostrar que ser gordo também foi critério de beleza no mundo ocidental, desde a Renascença até o século XIX, tendo sido substituído, somente no início dos anos 90, em virtude do aparecimento das super modelos, que eram altas e magras, o que significa associar ao padrão de beleza gordo DC belo o atributo de mais frequente. No terceiro parágrafo, o texto apresenta mais argumentos a favor da ideia gordo é belo, ao referir que, além dos fatores culturais, os biológicos também contribuem para definir o conceito de beleza, sendo a proporção entre cintura e quadril também um indicador ancestral de saúde e fertilidade. E, mais adiante, que quadris mais largos costumam ser atraentes para a maioria dos homens e que corpos esqueléticos são admirados mais pelas mulheres que por eles, o que reforçaria a ideia de prevalência do padrão gordo DC belo sobre o magro DC belo. É, então, que surge no texto um parágrafo iniciado por Ainda assim. Confira-se: Ainda assim, casos como o de Burkina Fasso estão se tornando cada vez mais raros, em que se explicita a relação de padrão estético e frequência no mundo, constituindo um novo bloco semântico, apreendido no aspecto transgressivo pelo enunciado em questão. Pelo que vinha sendo enunciado no texto sobre o padrão estético gordo é belo, se poderia concluir que ele suplantaria o outro (magro é belo). A orientação argumentativa desse parágrafo indicava para a universalização do padrão estético gordo é belo (padrão de beleza gordo DC mais frequente). Contudo, o Ainda assim expressa a seleção do aspecto transgressivo (padrão de beleza gordo PT mais raro). A seguir, já em seu final, lê-se no texto o enunciado Países que antes cultuavam as cheinhas, passaram a admirar as mais magras, que manifesta o encadeamento argumentativo normativo padrão de beleza magro DC mais frequente. Concorrem para a ampliação desse padrão no mundo, segundo o Teorias do Discurso e Ensino 123

125 texto, a expansão da indústria da moda, para a qual ser gordo é estar fora de moda, é ser desleixado, e questões ligadas à saúde, segundo as quais obesidade é fator de doença. Após apresentar exemplos da ocorrência dessa mudança de comportamento, o texto conclui com o enunciado Os gordos passaram de bonitos a feios, que expressa a tendência à universalização do padrão de beleza magro. Como já se referiu, os resumos feitos na sala de aula, antes de se praticar a metodologia baseada nas teorias dos Blocos Semânticos e da Polifonia, caracterizam-se por serem notoriamente longos, tendo muitas ideias repetidas. Em realidade, nota-se, em todos eles, que o texto foi copiado, com supressões da exemplificação ou, às vezes, apenas de detalhes existentes nas exemplificações. Prova disso é o mais sintético deles, que resultou num texto com 25 linhas, no manuscrito elaborado pelo chamado Aluno 8. Confiram-se os dois resumos feitos por esse aluno. Resumo 1. Texto 1. Qual é a mais bela? O padrão universal de beleza é o da mulher alta, magérrima, com seios e bumbum firmes e abundantes, mas em alguns países elegem misses com critérios opostos. No mês de dezembro de 2003, dois concursos de beleza elegeram mulheres completamente distintas uma da outra. Um deles ocorreu em Burkina Fasso, na África. As participantes tinham entre 75 e 130 quilos. O outro foi na China e elegeu a miss Mundo Para o concurso de miss Mundo, o prérequisito é ter 90 centímetros de quadris, 60 de cintura e 90 de busto. O concurso de Burkina Fasso parte do pressuposto de que, quanto maiores forem as medidas das misses, melhor. No mundo ocidental, as formas arredondadas foram valorizadas até meados do século passado. Na Renascença, as mulheres roliças simbolizavam status, conforto e boa saúde. A magreza estabeleceu-se como sinônimo de elegância no início dos anos 90. Sabe-se hoje que, além da questão cultural, há ainda fatores biológicos que contribuem para o conceito de beleza. Segundo os cientistas, a medida dos olhos, do nariz, da boca e das faces é sinal de genes saudáveis. A proporção entre cintura e quadris também é um indicador ancestral de saúde e fertilidade. Ainda assim, casos como o de Burkina Fasso estão se tornando cada vez mais raros. Países que antes cultuavam as cheinhas passaram a admirar as mais magras por influência da indústria da moda. Há também a questão da saúde. Excesso de gordura tornou-se sinônimo de doenças cardiovasculares e diabetes e, pior ainda, a obesidade é vista como sinal de desleixo. 124 Carmem Luci da Costa Silva, et al.

126 Resumo 2. Texto 1. Qual é a mais bela? O padrão universal de beleza é o da mulher alta, magérrima, com seios e bumbum firmes e abundantes. Nem sempre. Em alguns países da África, mulher bonita é aquela que não apenas exibe seios e bumbum fartos, mas também apresentar cintura larga, barriga exuberante, braços fortes e pernas bem grossas. Na Renascença, as mulheres roliças eram fontes de inspiração para os artistas consagrados da época. Elas simbolizavam status, conforto e boa saúde. A magreza estabeleceu-se como sinônimo de elegância no início dos anos 90. Sabe-se hoje que, além da questão cultural, há ainda fatores biológicos que contribuem para o conceito de beleza. A medida dos olhos, nariz, boca e das faces simetria facial, é sinal de genes saudáveis. Talvez por esse motivo os corpos esqueléticos são admirados mais pelas mulheres que por homens. Países que antes cultuavam as cheinhas passaram a admirar as mais magras por influência da indústria da moda e também de saúde. Excesso de gordura tornou-se sinônimo de doenças cardiovasculares e diabetes, e, pior ainda, a obesidade é vista como sinal de desleixo. Quando se comparam os dois resumos, percebe-se que, também na elaboração do segundo resumo, o aluno ficou preso ao texto-fonte. A diferença entre os dois textos produzidos é muito pequena, até no número de linhas de cada um. Fica muito evidente que o Aluno 8 não conseguiu identificar blocos e encadeamentos. Daí a dificuldade de suprimir exemplificações e paráfrases. Curiosamente, foi desse aluno o menor Resumo 1 do texto Qual a mais bela?, do que derivou a expectativa de que seu Resumo 2 fosse modelar. Diferentemente disso, todos os outros nove alunos, cujos resumos 1 eram bem maiores, chegando um deles a 44 linhas, o que significa maior presença de paráfrases e de exemplificações, produziram resumos 2 mais adequados, no ponto de vista do princípio da economia. Compare-se o número de linhas dos resumos 1 e 2 por aluno: Aluno Resumo 1 Resumo 2 Aluno Aluno Aluno Aluno Aluno Aluno Aluno Aluno Aluno Aluno Teorias do Discurso e Ensino 125

127 Analisando os resumos 2, no ponto de vista dos princípios de completude (expressão dos encadeamentos com que o locutor se identifica) e de fidelidade (o resumo deve ser uma paráfrase do original), constatou-se a sua não observância nos resumos produzidos pelos alunos 6 e 7, como se mostrará a seguir. Aluno 6 Resumo 2 O conceito universal da beleza atualmente é ser magérrimo, além de não correr riscos com doenças cardiovasculares. Já em Burkina Fasso, na África, este conceito foge às regras, pois mulheres gordas são vistas como as mais belas. Note-se que, nesse caso, não foi observada a ordem em que os blocos vão se constituindo no texto-fonte: (1) peso e beleza, (2) padrão de beleza e frequência no mundo. A ausência dessa hierarquia ocasionou tanto a incompletude quanto a infidelidade do resumo relativamente ao texto-fonte. Aluno 7 Resumo 2 Quando abordamos o assunto beleza, nos vêm à mente mulheres altas e magras. Porém isto não é regra em alguns países. Todos sabem que os ditames da beleza trazem como modelo pessoas extremamente elegantes, parecendo-nos o mais bonito, mas há lugares em que isto não é a regra, pois ser gordo nestes países, já há algum tempo, mostra que as gordinhas são muito apreciadas. Portanto, querendo ou não, dependendo do lugar, as opiniões são diferentes com relação aos padrões de beleza; mas uma coisa é certa: ser magro tem lá suas vantagens. Nesse resumo, há três parágrafos que se parafraseiam. É possível que tenha havido a intenção de elaborar um resumo com introdução, desenvolvimento e conclusão, o que poderia explicar a repetição. No terceiro parágrafo, verifica-se a infração ao princípio de fidelidade ao original, quando se lê (...) mas uma coisa é certa: ser magro tem lá suas vantagens. Note-se que não é o caso de ter lá suas vantagens, pois o texto Qual a mais bela? trata da universalização do padrão de beleza magro. Exceto esses três resumos comentados (Alunos 6, 7, 8), todos os outros (ver Anexo) indicam a produtividade da metodologia de resumo baseada nas 126 Carmem Luci da Costa Silva, et al.

128 Teorias da Polifonia e dos Blocos Semânticos. A propósito, comparem-se os resumos 1 e 2 do Aluno 1, que seguem. Resumo 1. do Texto 1. Qual a mais bela? No mês de dezembro (2003) ocorreram dois concursos de beleza, que elegeram mulheres completamente distintas uma da outra. Um deles ocorreu um Burkina Fasso, na África. As participantes tinham entre 75 e 130 quilos e desfilaram em trajes de banho. A grande vencedora foi Carine Riragendanwa, de 27 anos, 1,80 metros de altura e 117 quilos. O outro foi na China e elegeu a Miss Mundo A vencedora foi a irlandesa Rosanna Davison, de 19 anos, também de 1, 80 metros de altura e dezena de quilos mais magra. Para o concurso de miss Mundo, o pré-requisito é ter 90 centímetros de quadris, 60 de cintura e 90 de busto. O concurso de Burkina Fasso parte do pressuposto de que, quanto maiores forem as medidas das misses, melhor. Em várias sociedades da África e de algumas ilhas do Pacífico Sul, o padrão de beleza em voga são as formas arredondadas, valorizadas, no mundo ocidental, até meados do século passado. Na Renascença, as mulheres roliças inspiravam artistas e simbolizavam status, conforto e boa saúde. A magreza estabeleceu-se como sinônimo de elegância no início dos anos 90, transformando-se no padrão de beleza na maior parte dos países. Casos como o de Burkina Fasso estão se tornando cada vez mais raros, por influência da indústria da moda e por questões de saúde, uma vez que o excesso de gordura tornou-se sinônimo de doenças cardiovasculares e de diabetes. Para Piorar, a obesidade é vista como sinal de desleixo. Nas últimas décadas, a prosperidade, no Arquipélago de Tonga, no Pacífico Sul, permitiu que os pobres engordassem antes privilégio dos nobres. Em consequência, a obesidade e as doenças cardiovasculares tornaram-se endêmicas. Os gordos passaram de bonitos a feios. Resumo 2. do Texto 1. Qual a mais bela? Principalmente no Ocidente, o padrão de beleza em voga é a magreza absoluta. Já, em alguns países, mulher bonita é aquela que quanto maior, melhor. Porém, padrões de beleza que cultuam as cheinhas estão se tornando cada vez mais raros, por influência da indústria da moda e questões de saúde. Parece muito claro, nesse caso, que a diferença verificável entre os dois resumos advém da diferença de concepção de resumo que presidiu a elaboração de cada um. Enquanto o Resumo 1 contém as ideias básicas hierarquizadas, mas repetidas por paráfrases e exemplificações, o Resumo 2, reconhecendo a existência de unidades semânticas básicas na organização dos sentidos do texto, contém apenas o essencial, expressão dos encadeamentos argumentativos: magro DC belo; gordo DC belo; padrão de beleza magro DC mais frequente, que se sucedem no texto-fonte, constituindo seu sentido. Observações Teorias do Discurso e Ensino 127

129 semelhantes poderiam ser feitas a propósito dos resumos 1 e 2 de outros seis alunos, o que reitera a validade do procedimento proposto e, especialmente, da perspectiva teórica que o sustenta. 6 Considerações Finais A comparação dos resumos 1 e 2 do texto Qual a mais bela?, produzidos, respectivamente, antes e depois da interferência feita pelo professor em sala de aula, revela que conceitos da Teoria da Polifonia aliados aos conceitos de bloco semântico, de encadeamento argumentativo recíproco (positivo e negativo) e converso (normativo e transgressivo), aplicados à atividade de produção de resumos parafrásticos, ao mesmo tempo em que garante a presença das ideias essenciais, hierarquizadas, do texto-fonte, reduz significativamente a sua repetição. Além disso, a observação da facilidade com que a maioria dos alunos identificou as unidades semânticas básicas dos textos sintetizados em aula e, posteriormente, com que reformulou o Resumo 1 indicam que a abordagem de base semântico-argumentativa sintoniza com a competência dos usuários da língua, sendo capaz de ampliá-la. Nessa direção, é possível afirmar que essa competência linguística é argumentativa, visto que os alunos reconheceram, tanto na atividade de leitura do texto-fonte quanto na de produção do resumo, que o sentido é gerado no encadeamento argumentativo o qual, por sua vez, pode se manifestar por meio dos diferentes enunciados, que constituem o texto. Dito de outro modo, eles reconheceram a existência de enunciados que, embora não fossem materialmente aparentados, expressavam uma mesma ideia, isto é, um mesmo bloco e um mesmo aspecto transgressivo ou normativo com que foram apreendidos. Essas constatações comprovam o poder explicativo da Teoria da Argumentação na Língua e sua possibilidade de aplicação ao ensino, posto que se assiste, nesse caso específico, à ampliação do conceito de resumo subjacente à produção do Resumo 1, na medida em que a sua reformulação (Resumo 2) passa a ser presidida pelo entendimento de que se trata de uma prática 128 Carmem Luci da Costa Silva, et al.

130 discursiva que explicita a(s) unidade(s) semântica(s) básica(s) do texto-fonte, isto é, o(s) encadeamento(s) argumentativo(s) vinculado(s) ao(s) bloco(s) que o constituem, com os quais o locutor, responsável pelo texto, se identifica. REFERÊNCIAS CAREL, Marion. Argumentação interna aos enunciados. Letras de Hoje, Porto Alegre, EDIPUCRS, v.37, n.3, p.27-44, set Pourtant: argumentation for exception. Journal of Pragmatics, v.24, pp , L argumentation dans le discours: argumenter n est pas justifier. Letras de Hoje, PUCRS, v.32, n.1, p23-40, mar CHAROLLES, Michel. Marquages linguistiques et résumé de texte. In: CHAROLLES, Michel; PETITJEAN, André. (Orgs.). Le résumé de texte. Paris: Klincksieck, pp Le résumé de texte scolaire; fonctions et principes de l élaboration. Pratiques, Metz, n.72, pp.7-27, déc CHAROLLES,Michel; PETITJEAN, André.(Orgs.). Le Résumé de texte: aspects linguistiques, sémiotiques, psycholinguistiques et automatiques. Paris: Klincksiek, (Recherches Linguistiques, 17). DUCROT, Oswald. Os Internalizadores. Letras de Hoje, Porto Alegre, EDIPUCRS, v.37, n.3, p.7-26, set Les mots du discours. Paris: Minuit, Polifonía y argumentación. Cali: Universidad del Valle, Topoi na teoria da argumentação na língua. Revista Brasileira de Letras, São Carlos, UFSC, v.1, n.1, p.1-11, ERLICH, M.F. et al. La superstructure des textes expositifs est-elle prise en charge lors de la sélection des informations importantes? In: CHAROLLES, Michel; PETITJEAN, André (org.). Le résumé de texte. Paris: Klincksieck, p FLOTTUM, Kjersti. La hiérarchisation d information comme activité résumante. In: CHAROLLES, Michel; PETITJEAN, André (Orgs.). Le Résumé de texte. Paris: Klincksieck, p Teorias do Discurso e Ensino 129

131 GRAEFF, Telisa Furlanetto. Resumo de textos: em busca dos blocos semânticos e das unidades semânticas básicas. Passo Fundo: UPF Editora, GRIZE, Jean-Blaise. Résumer, mais pour qui? In: CHAROLLES, Michel; PETITJEAN, André. Le Résumé de texte. Paris: Klincksieck, p SILVA, Rebeca Peixoto da. Redação técnica. Porto Alegre: Ed. Formação, VAN DIJK, Teun A.; KINTSCH, W. Comment on se rappelle et on résume des histoires. Langages. Paris:Didier- Larousse, n.40, pp , Cognitive psychology and discourse: recalling and summarizing stories. In: DRESSLER, W. U. (Ed.). Current trends in text linguistics. Berlin: Gruyter,1978. pp Macro-structures. Hillsdale: Erlbaum, VIGNER, Gerard. Réduction de l information et généralisation: aspects cognitifs et linguistiques de l activité de résumé. Pratiques, n.72, p.33-54, déc Anexo: Resumo 2 do Texto 1 Qual a mais bela? Aluno 1 Principalmente no Ocidente, o padrão de beleza em voga é a magreza absoluta. Já, em alguns países, mulher bonita é aquela que quanto maior, melhor. Porém, padrões de beleza que cultuam as cheinhas estão se tornando cada vez mais raros, por influência da indústria da moda e questões de saúde. Aluno 2 O padrão universal de beleza feminina volta-se a corpos magérrimos, longilíneos e com seios e bumbum fartos. No entanto, há exceção para esse padrão, pois, na África, o sinônimo de beleza volta-se para, além de seios e bumbum fartos, também para cintura larga, barriga exuberante e braços e pernas grossas. Porém, alguns países que já cultuaram as cheinhas passaram a admirar as mais magras, talvez por influência da moda, ou também, pela associação da obesidade a doenças cardiovasculares, que vêm modificando o conceito de beleza, em que ser gordo está significando ser feio. Aluno 3 O padrão universal de beleza é o da mulher alta, magérrima com seios e bumbum firmes e abundantes, mas há alguns países em que as mulheres gordas são sinônimo de elegância e beleza. No Ocidente a beleza da mulher passou a ter destaque nos anos 90 quando se estabeleceu como sinônimo de elegância a mulher magra e alta. Em alguns países da África e em algumas ilhas do Pacífico Sul, beleza significa mulher forte com traços físicos exuberantes, passando, em alguns casos, por regime de engorda para melhor representar sua beleza. Contudo, pelo fato de a obesidade estar hoje associada a doenças cardiovasculares, ser gordo vem adquirindo significado de ser desleixado e feio. 130 Carmem Luci da Costa Silva, et al.

132 Aluno 4 O padrão de beleza, imposto às mulheres, não é o mesmo devido às diferenças culturais existentes entre os países do mundo. Se, ser magra para algumas mulheres é ser bela e elegante, para outras, o sinônimo de beleza está na sua gordura exuberante, de formas arredondadas. Não se pode esquecer, no entanto, que, em algumas culturas, a gordura está associada à prosperidade; mas, nos dias atuais, há uma grande preocupação com a questão da saúde. Ser gordo, em nossa sociedade, é sinônimo de doença além de ser um sinal de desleixo. Em vista disso, ser gordo está se tornando feio em todos os lugares do mundo. Aluno 5 No Ocidente ser magra é sinônimo de beleza, porém, na África, quanto mais gorda a mulher for, maior será a sua beleza. No entanto, com o passar do tempo, descobriu-se que o excesso de gordura estaria ligado ao surgimento de doenças e, a partir daí, os gordos passaram, então, de bonitos a feios. Aluno 6 O conceito universal da beleza atualmente é ser magérrimo, além de não correr riscos com doenças cardiovasculares. Já em Burkina Fasso, na África, este conceito foge às regras, pois mulheres gordas são vistas como as mais belas. Aluno 7 Quando abordamos o assunto beleza, nos vem à mente mulheres altas e magras. Porém isto não é regra em alguns países. Todos sabem que os ditames da beleza trazem como modelo pessoas extremamente elegantes, parecendo-nos o mais bonito, mas há lugares em que isto não é a regra, pois ser gordo nestes países, já há algum tempo, mostra que as gordinhas são muito apreciadas. Portanto, querendo ou não, dependendo do lugar, as opiniões são diferentes com relação aos padrões de beleza; mas uma coisa é certa: ser magro tem lá suas vantagens. Aluno 8 O padrão universal de beleza é o da mulher alta, magérrima, com seios e bumbum firmes e abundantes. Nem sempre. Em alguns países da África, mulher bonita é aquela que não apenas exibe seios e bumbum fartos, mas também apresentar cintura larga, barriga exuberante, braços fortes e pernas bem grossas. Na Renascença, as mulheres roliças eram fontes de inspiração para os artistas consagrados da época. Elas simbolizavam status, conforto e boa saúde. A magreza estabeleceu-se como sinônimo de elegância no início dos anos 90. Sabe-se hoje que, além da questão cultural, há ainda fatores biológicos que contribuem para o conceito de beleza. A medida dos olhos, nariz, boca e das faces simetria facial, é sinal de genes saudáveis. Talvez por esse motivo os corpos esqueléticos são admirados mais pelas mulheres que por homens. Países que antes cultuavam as cheinhas passaram a admirar as mais magras por influência da indústria da moda e também de saúde. Excesso de gordura tornou-se sinônimo de doenças cardiovasculares e diabetes, e, pior ainda, a obesidade é vista como sinal de desleixo. Teorias do Discurso e Ensino 131

133 Aluno 9 O padrão universal de beleza é o da mulher alta, magérrima, com seios e bumbum firmes e abundantes. Porém, em alguns países, esses padrões são substituídos e há escolha de mulheres mais belas, atendendo critérios bem diferenciados como das formas arredondadas e da gordura. O conceito de beleza associado à magreza ocorreu no início dos anos 90. Somados aos padrões culturais, os fatores biológicos também têm contribuído. Outro aspecto que influenciou foi a moda que colaborou com a denominação do belo. Aluno 10 Nem sempre o padrão de beleza foi o da mulher magérrima. Esse padrão estabeleceu-se no início dos anos 90, na maioria dos países. Contudo, em várias sociedades da África e em algumas ilhas do Pacífico Sul, o padrão de beleza é o da mulher gorda. Atualmente a influência da indústria da moda e a associação da obesidade a doenças cardiovasculares e a desleixo estão universalizando o conceito de beleza associado à magreza. 132 Carmem Luci da Costa Silva, et al.

134 GÊNEROS DISCURSIVOS NO ENSINO: O FOCO NA INTERAÇÃO VERBAL Neiva Maria Tebaldi Gomes* neivatebaldi@bol.com.br Uma concepção clara da natureza do enunciado em geral e dos vários tipos de enunciados em particular (primários e secundários), ou seja, dos diversos gêneros do discurso, é indispensável para qualquer estudo, seja qual for a orientação específica. Ignorar a natureza do enunciado e as particularidades de gênero que assinalam a variedade do discurso em qualquer área do estudo lingüístico leva ao formalismo e à abstração, desvirtua a historicidade do estudo, enfraquece o vínculo existente entre a língua e a vida 1 (grifo nosso). 1 Considerações iniciais No ensino de língua e suas literaturas, estamos há algum tempo buscando romper com uma tradição que prioriza questões sobre a língua e sobre a literatura para dar espaço a uma prática escolar que priorize a interação verbal, que se processa por meio de textos orais e escritos. A produção científica produzida com a finalidade de orientar o ensino, os documentos parametrizadores 2 e os próprios manuais didáticos apontam para essa prática. Entretanto, uma mudança, seja qual for, resulta sempre de um processo lento e gradual no modo de agir e de pensar, que vai além, portanto, de uma orientação teórica 3. No contato direto com a sala de aula 4, percebe-se que ainda não se explora devidamente a diversidade textual. O texto, com poucas exceções, * Professora de Língua Portuguesa, Linguística Aplicada ao Ensino, Prática de Ensino e Estágio Supervisionado, no UniRitter. 1 Bakhtin, 2000, p Referimo-nos, mais especificamente, aos PCNs. 3 Segundo FARIAS (2006, p. 43), uma mudança "reclama, também e principalmente, uma dimensão humana, política e ética por parte dos sujeitos nela envolvidos. Mudar pressupõe uma ruptura por dentro, para se libertar das amarras com o estabelecido e redefinir um outro modo de pensar e agir". 4 Contato que mantemos pelas visitas às escolas para orientação e supervisão do estágio curricular do curso e Letras e pelos encontros com professores de Ensino Básico que a prof. Leny Gomes e eu promovemos ao desenvolver a pesquisa docente A sala de aula e a pesquisa: intersecção de espaços, cujo objeto de estudo são as práticas escolares de ensino de língua e literatura.

135 continua sendo utilizado como pretexto para o ensino de questões gramaticais ou literárias, muitas vezes pouco relevantes. As discussões linguísticas que vêm se desenvolvendo sobre gêneros discursivos parecem contribuir para a redefinição de outro modo de conceber o produto da atividade verbal, uma vez que remetem às diferentes esferas dessa atividade, não apenas à produção literária. São reflexões que procedem, fundamentalmente, de textos de um pensador russo, Mikhail Bakhtin 5, embora estudos sobre gêneros textuais tenham se desenvolvido também a partir de outros quadros teóricos 6 da Linguística. Independentemente da perspectiva pela qual se desenvolvem tais estudos, falar de gêneros, hoje, na Linguística é ter como foco a interação pela linguagem 7, é tratar das formas de interação verbal 8 que se constroem nas práticas sociais, procurando entender melhor o que o homem faz com a linguagem. Levar para a escola a perspectiva dos gêneros discursivos significa compreender o espaço escolar como uma extensão do grande espaço das relações sociais em que se movem e se constituem os sujeitos o universo de textos orais e escritos. 5 Referimo-nos, aqui, mais especificamente, a Estética da Criação Verbal (Bakhtin, 2000), livro em que encontramos, no capítulo "Os gêneros do discurso", a distinção entre os gêneros do cotidiano e os literários. A base teórica dessa postulação, no entanto, aparece já em Marxismo e filosofia da Linguagem (1999). Ver, especialmente, p "tipos e formas do discurso"; cap. 5, Língua, fala e enunciação e cap. 6, A interação verbal. 6 No Brasil, além das inúmeras produções decorrentes da transposição dos PCN, outros estudos vêm contribuindo para a compreensão da diversidade de gêneros. MARCUSCHI (2004) apresenta uma categorização das diferentes formas de utilização da língua, considerando o continuum tipológico das práticas sociais de produção - da oralidade para a escrita e MARCUSCHI (2005) trata da funcionalidade dos gêneros e da diferenciação entre tipos e gêneros textuais. NEVES (2006) procura situar os estudos linguísticos mais recentes, recuperando o percurso literário dos gêneros. 7 NEVES (2006). Gêneros: ontem, hoje e sempre. Artigo a ser publicado em livro que está em fase final de organização. 8 O tema interação é complexo e sugere sempre uma pluralidade de estudos teóricos. A origem desses estudos na linguística, no entanto, parece ter, entre outras, duas vertentes bem definidas: uma que procede de estudos bakhtinianos (via França, mais especificamente) e outra, da pragmática, a vertente americana. A primeira (a bakhtiniana) enfatiza as relações sociais que acontecem inevitavelmente na interação e pela linguagem, entendendo-se, aqui, por interação uma ação - linguística ou não - que vai em direção ao outro, mas que tem uma implicação (eu/outro) mútua; a segunda (a pragmática) procura responder à pergunta o que fazemos com a linguagem. Neste artigo, focalizamos a interação a partir das práticas escolares de linguagem. 134 Carmem Luci da Costa Silva, et al.

136 2 Algumas considerações teóricas sobre os gêneros discursivos As teorias linguísticas, de modo geral, divergem entre si fundamentalmente quanto ao ponto de vista sobre a linguagem, mas representam, desde os estudos clássicos, uma tentativa de buscar a compreensão da própria natureza humana. Na abordagem dos gêneros discursivos, mais especificamente, o que está em jogo é a compreensão da linguagem como prática das inter-relações que se constroem predominantemente pela linguagem verbal. Na base das reflexões sobre essa prática, estão os enunciados 9 que põem um sujeito em contato com outro. Esses enunciados concretos que emanam dos integrantes de uma ou outra esfera da atividade humana, quando considerados isoladamente, constituem enunciados individuais. Contudo, quando são considerados por sua funcionalidade a de dar conta de diferentes necessidades de interação revelam formas relativamente estáveis que cada esfera de utilização da língua elabora. Esses tipos de enunciados mais ou menos estáveis, que se modificam para dar conta de novas necessidades de interação ou para adequar-se a novos suportes, são denominados, na Linguística, gêneros discursivos 10. Na percepção de Bakhtin 11, a riqueza e a variedade dos gêneros do discurso orais e escritos são infinitas, pois a variedade virtual da atividade humana é inesgotável, e cada esfera dessa atividade comporta um repertório de gêneros do discurso que vai se diferenciando e ampliando-se à medida que a própria esfera se desenvolve e fica mais complexa. Nessa complexidade devem 9 O termo de Bakhtin que aparece em Estética da Criação Verbal traduzido como enunciado designa uma unidade real de comunicação verbal (ou seja, uma unidade discursiva) que, criada num determinado momento, tem um autor e se destina a alguém. Por isso cada enunciado é, nesse sentido, único e não reiterável. 10 Em textos destinados à orientação do ensino de língua, percebe-se um uso indiscriminado dos sintagmas "gêneros discursivos" e gêneros textuais". Nas discussões linguísticas mais recentes, o primeiro é mais frequentemente atribuído a Bakhtin, uma vez que toda a fundamentação teórica aparece já em Marxismo e Filosofia da Linguagem e posteriormente em Estética da Criação Verbal. O segundo sintagma - gêneros textuais - parece ser mais frequente em textos que derivam da Linguística Textual. Como usuário deste último encontramos, entre tanto outros, Luiz Antônio Marcuschi, (In: DIONISIO, A. P., MACHADO, A. R. e BEZERRA, M. A., (Org.), Os PCN, conforme estudo de Brait (In: ROJO (Org.), 2000, p ), fazem um uso indiscriminado desses sintagmas, mesclando, além dos dois citados, "tipologia textual". Não entraremos na discussão do conceito de gênero que procede da tradição literária, tema de que se ocupa Neves, no artigo já referido. A nosso ver, faltam estudos mais específicos para tratar com mais propriedade desses dois modos de ser da linguagem - o literário e o não literário. 11 Bakhtin (2000), p Teorias do Discurso e Ensino 135

137 ser consideradas as tecnologias que engendram novas formas de interação a partir das já existentes. Como formas de interação verbal, os gêneros do discurso caracterizam-se por sua heterogeneidade, incluindo, indiferentemente, a curta réplica do diálogo cotidiano, o relato, a carta familiar (hoje praticamente substituída pelo e outras formas de correspondência eletrônica), toda sorte de formas de informação e de apelos verbais veiculados por suportes midiáticos e publicitários, o repertório dos documentos oficiais, o universo das declarações públicas, as variadas formas de exposição científica e todos os modos literários (do dito popular ao romance volumoso). Se não existissem os gêneros do discurso e se não os dominássemos, se tivéssemos de criá-los pela primeira vez no processo da fala, se tivéssemos de construir cada um de nossos enunciados, a comunicação verbal seria quase impossível (Bakhtin, 2000, p. 302). Essa afirmação enfatiza a origem e a constituição sociocultural dos gêneros que não devem, todavia, ser entendidos como formas rígidas, uma vez que são fruto de uma atividade humana tão natural, a linguagem verbal. Daí dizer-se, na Linguística, que são formas resultantes de situações de interação verbal e da reflexão do homem sobre essas formas de maior ou menor complexidade que vão se estabelecendo culturalmente. A diversidade de formas atende à diversidade de funções exercidas pela linguagem no universo sóciocultural. No dizer de François 12, A divisão dos gêneros depende, em particular, da oposição da fala de 'alguém', da fala do outro, daquela que eu reivindico como minha, daquela à qual estou habituado ou que me espanta, daquela que eu imito, aquela à qual eu respondo, aquela que eu comento, aquela à qual eu recuso responder ou aquela que me deixa sem voz [...]. (In: Brait, 1997, p. 201). Ao considerar os gêneros do ponto de vista da sua constituição e circulação, Bakhtin percebe uma diferença essencial entre o gênero de discurso primário (simples) e o gênero de discurso secundário (complexo). Os gêneros 12 Professor da Université "René Descartes" - Paris V/França. 136 Carmem Luci da Costa Silva, et al.

138 secundários do discurso o romance, o teatro, o discurso científico, o discurso ideológico, ou seja, os gêneros característicos da escrita aparecem em circunstâncias de uma comunicação cultural mais complexa e relativamente mais evoluída. Durante o processo de criação, segundo Bakhtin, esses gêneros secundários absorvem e transmutam gêneros primários (simples), gêneros que se constituíram em circunstâncias de uma comunicação verbal espontânea. Os gêneros primários do discurso o diálogo oral, o relato, a anedota e todas as demais formas da oralidade ao se tornarem componentes dos gêneros secundários, transformam-se dentro destes e adquirem uma característica particular: perdem sua relação imediata com a realidade existente e com a realidade dos enunciados alheios. Esse processo de absorção e transformação de gêneros primários (da oralidade) pode ser mais facilmente percebido na literatura. É no romance, em especial, por sua extensão e complexidade, que representações e ressonâncias do cotidiano discursivo podem ser mais facilmente identificadas. Os estudos linguísticos que se desenvolvem pela perspectiva dos gêneros discursivos fundamentam-se na compreensão dessas inter-relações que se constroem pela linguagem verbal. Para Bakhtin 13, ignorar a natureza do enunciado e as particularidades de gênero que assinalam a variedade do discurso leva ao formalismo e à abstração. Essa advertência revela uma clara recusa a estudos da língua voltados meramente para a forma, embora, em suas reflexões, ele não desconsidere o sistema linguístico. O estudo da natureza do enunciado e dos gêneros do discurso tem uma importância fundamental para superar as noções simplificadas acerca da vida verbal, a que chamam de o "fluxo verbal", a comunicação, etc, [...]. Irei mais longe: o estudo do enunciado, em sua qualidade de unidade real da comunicação verbal, também deve permitir compreender melhor a natureza das unidades da língua (da língua como sistema): as palavras e as orações (Bakhtin, 2000, p.287). Os gêneros, como formas culturalmente estabilizadas de organização da atividade verbal oral ou escrita, são passíveis de mudanças e adaptações. 13 Referência feita na epígrafe deste artigo. Teorias do Discurso e Ensino 137

139 Modificam-se no "fluxo verbal" para dar conta de novas necessidades comunicativas e/ou em função do surgimento de novos suportes 14. Podem, ainda, ser adaptados ou mesmo criados especialmente para certos eventos de letramento, ou mais especificamente para dar conta de situações de ensinoaprendizagem e de outras práticas de interação verbal na escola. No entanto, por serem concebidos como constitutivos das práticas sociais e culturais, os gêneros não podem ser pensados de modo independente dos contextos de produção e circulação. Por isso, estudar a língua pela perspectiva dos gêneros do discurso pode representar uma possibilidade de refletir sobre as ações humanas que estão ligadas ao uso da língua. 3 Gêneros discursivos e prática escolar de linguagem Nos últimos anos, na tentativa de fazer frente à fragmentação do conhecimento, têm-se desenvolvido teorias e estratégias interdisciplinares (muitas vezes reduzidas, estas últimas, a articulações artificiais de saberes, é verdade), mas separa-se, ainda, em disciplinas distintas 15 o que é constitutivo da própria existência social e subjetiva do indivíduo a linguagem. A compreensão de que literário e não literário mesclam-se e fundem-se na atividade verbal tanto interior (constitutiva da consciência individual) quanto exterior (constitutiva das relações sociais) é ponto de partida para um trabalho escolar com a linguagem menos compartimentado e mais comprometido com a prática da atividade verbal compreensão para a qual o referencial teórico dos gêneros discursivos aponta. A principal razão para qualquer ato de linguagem que parte de um eu e vai em direção a um tu é a produção de sentidos, sempre novos e sempre outros em cada ato enunciativo, porque participantes, intenções e contextos nunca serão exatamente os mesmos. Os sentidos e a linguagem se constituem na interação e se renovam pela capacidade criativa dos sujeitos. Para 14 Vejam-se as alterações ocorridas no processo de transformação de alguns gêneros: da carta ao e do diário manuscrito ao blog. 15 A dissociação entre ensino de língua e ensino de literatura, bem como outras dicotomias presentes na escola básica, é tema do artigo Literário e não literário: arte, vida e aprendizagem. (In: GOMES, Leny da Silva e GOMES, N. M. Tebaldi. (2006)). 138 Carmem Luci da Costa Silva, et al.

140 desenvolvê-la, o aluno precisa encontrar espaços para dialogar e interagir com os textos, reconstruir sentidos a partir das suas experiências e dos seus saberes, confrontar suas ideias e percepções de mundo com as que são apresentadas ou representadas nos textos que materializam discursos, entendidos aqui num sentido amplo de construção sócio-histórica de maneiras de pensar e agir. Nesse sentido, convivemos com uma pluralidade discursiva que se reproduz e se reconstrói nos processos de interação social. Os discursos se materializam linguisticamente e, ao mesmo tempo, impregnam ideologicamente a língua que os veicula. Desse processo decorre certa submissão discursiva, isto é, as palavras nos vêm já carregadas de sentidos. Todavia, sempre sobra espaço para a autoria e para a descoberta de outros significados e de outras formas de significar, ainda que o espaço de criatividade, muitas vezes, se restrinja na produção textual escrita ao modo de recortar e organizar fragmentos discursivos e na leitura ao modo de relacionar esses fragmentos para produzir outros sentidos. Em todo ato de interação verbal, oral ou escrito, pressupõe-se uma competência social de utilização da língua de acordo com as expectativas em jogo. A escola deve, pois, funcionar como um laboratório de práticas sociais de produção de linguagem oral e escrita, propiciando a percepção e o desenvolvimento das múltiplas possibilidades de sentidos e formas de expressão e de interação verbal. Do trabalho diversificado com textos representativos das relações sociais e culturais resulta a produção de formas textuais tipicamente escolares que compõem o que poderíamos denominar "gênero escolar". São textos (orais e escritos) como diálogos, discussões escolares, comentários, paráfrases, resumos, resenhas, enfim, toda espécie de produção textual resultante da inter-ação com os gêneros que circulam no social extra-escolar e são selecionados para desenvolver as habilidades que propiciam a inclusão e a atuação numa sociedade letrada. Em relação à leitura, o reconhecimento do gênero por sua função contribui para entendê-la como prática social responsiva uma reação-resposta do destinatário do enunciado, ou seja, como uma tomada de posição ativa a propósito do que é lido e compreendido. O leitor não é passivo em nenhum momento do processo de leitura, porque a compreensão resulta da atividade do Teorias do Discurso e Ensino 139

141 leitor: de embates entre formas linguísticas e sentidos possíveis, entre percepções, vivências e saberes do leitor com as representações textuais. É nesse sentido que a leitura produzida, de alguma forma, é sempre uma resposta. Ao considerar as formas de circulação dos gêneros nas instituições do mundo atual, Kleiman diz que não há por que não incluir a escola no 'circuito dos gêneros'. As ações nos eventos de diversas esferas de atividade do cotidiano não estão sedimentadas; elas não pertencem apenas a um tipo de evento social e os textos aí interpretados ou produzidos não pertencem apenas a um gênero, mas resultam de combinações de gêneros retirados das instituições [de]onde se originaram, pelos participantes do evento [...] (Kleiman, In: Bunzen E Mendonça (Org.), 2006, p.28). Por essa sua maleabilidade, segundo Kleiman, os gêneros podem servir de matriz social e histórica de atividades escolares. No entanto, para que o gênero selecionado para o trabalho escolar não fique dissociado de sua função, será preciso ter sempre presente a necessidade de contextualização da atividade verbal, tanto na leitura quanto na produção do texto. Para isso, imaginemos, por exemplo, o engajamento dos alunos de uma determinada série em um projeto que tenha como meta final uma campanha de doação de alimentos a creches assistenciais da comunidade. Os saberes a respeito dos textos que circulam na esfera publicitária poderiam ser explorados na produção de textos destinados a servir de mola propulsora da campanha e conseguir o envolvimento dos pais, de grupos sociais e pessoas da comunidade; os de texto jornalístico, para divulgá-la dentro e fora da escola; os de texto científico para dar suporte à produção de relatórios de atividades interdisciplinares paralelas, como pesquisa do valor de determinados alimentos ou as consequências advindas da falta de outros. Desse modo, a realização do projeto oportunizaria a inserção do aluno em diferentes esferas das práticas sociais letradas, tornando-o sujeito ativo de sua aprendizagem. A produção de faixas, cartazes, anúncios, notícias, reportagens, relatórios, entre outros, constituiria um exercício dos gêneros publicitário, jornalístico e científico, porém na condição de gêneros situados na escola. Na preparação e execução do projeto, além da leitura e produção textual, outras habilidades seriam exercitadas: discussão de grupo, relato oral, argumentação. 140 Carmem Luci da Costa Silva, et al.

142 Teríamos aqui um trabalho escolar fundamentando uma prática social da linguagem. Em relação à adoção da perspectiva dos gêneros discursivos na escola, Kleiman lembra que é a prática social que viabiliza a exploração do gênero, e não o contrário. Sem o embasamento dessa prática, em vez de resultar no acréscimo de uma matriz sócio-histórica que guie as ações dos jovens, a adoção dos gêneros pode resultar na sobreposição de mais um conjunto de descrições metalinguísticas. A pesquisadora destaca a necessidade de um enfoque que se afaste do ensino de objetos que podem ser reduzidos aos seus aspectos linguísticos formais. Dito de outra forma, são as habilidades de interagir pela linguagem compreendendo, interpretando, analisando, avaliando, argumentando e produzindo textos que dão conta de funções diversas que devem ser estabelecidas como metas a atingir com o trabalho escolar e não a identificação e descrição de características formais dos gêneros. O desenvolvimento dos estudos linguísticos tem contribuído para que essas outras esferas de uso da linguagem escrita, além da literária, passassem também a ser consideradas para efeito de estudos. Essa prática de modo algum diminui o valor do texto literário, muito menos desobriga a escola de dar-lhe o devido destaque no ensino. Ao contrário, a compreensão dos diferentes usos da linguagem certamente leva o aluno a perceber melhor nuanças próprias dos diferentes modos de existência da língua. Os próprios PCN orientam no sentido de que, no Ensino Fundamental, a escola deve abrir espaço para a diversidade discursiva e, no Ensino Médio, seja dada prioridade ao texto literário. Confrontando a concepção clássica de gênero com a atual, Neves afirma que, Falar de gêneros, hoje, na era da Lingüística, é ter como foco a interação pela linguagem, enquanto falar de gênero, em Aristóteles, era falar do objeto 'poética' ou do objeto 'retórica', tendo como foco o 'dizer bem' com a linguagem.[...] O fim último era obter que a linguagem, o instrumento para dizer a verdade, a dissesse bem segundo sua finalidade, com qualidade, com arte e estilo! (Neves, 2006). Teorias do Discurso e Ensino 141

143 Neves lembra ser o gênero literário uma convenção estética que dá forma à obra, um repertório de recursos expressivos que pode ser descrito por meio do exame dos discursos literários. A Linguística, certamente, não muda essa concepção literária, mas passa a considerar outras dimensões e outras esferas de uso da língua, incluindo os gêneros que ficavam à margem de qualquer estudo. A autora também lembra que foi a consideração da necessidade de adaptar o discurso ao auditório que levou ao estabelecimento dos gêneros. Assim, diz, no passado como no presente, é o foco no auditório a finalidade que orienta o surgimento e a flexibilização dessas formas. Desse modo, partindo da classificação dos gêneros poéticos de Aristóteles, Neves apresenta uma visão geral sobre o percurso e a evolução do que diz ser o gênero 'revisitado', sem descuidar de momentos significativos da ampliação da esfera social desse estudo, destacando Bakhtin com a reflexão sobre 'gêneros discursivos' noção que é retomada, segundo a autora, por outros linguistas modernos, como Schneuwly 16, porém neste já sem a especificação do discurso/discursivo. Neves enfatiza a relação forte que vê entre as propostas funcionalistas da linguagem e a dos gêneros, uma vez que ambos os enfoques se sustentam em princípios como finalidade, propósito, intenção de produção. Diz insistir nessa relação porque a teoria funcionalista se ocupa da língua 'em função'. Para Machado 17, o gênero, é antes de tudo, um conceito plural que se reporta às formulações combinatórias da linguagem em suas dimensões verbal e extra-verbal. O gênero articula formas discursivas criadoras da linguagem, de visões de mundo e de sistemas de valores configurados por pontos de vista determinados, constituindo-se, assim, como decorrência direta das formas representativas do mundo cotidiano e prosaico. Analisando os Parâmetros Curriculares Nacionais, percebe-se que a concepção de gênero está aí posta, uma vez que explicitam a relevância da exploração da linguagem por seu potencial constitutivo das relações sociais o 16 A autora faz referência a SCHNEUWLY, B. Genres et types de discours: considérations psychologiques et ontogénétiques. In: REUTER, Y. (Ed.) Actes du Colloque de l'université Charles-De Gaulle III. Les interactions Lecture-écriture. Neuchâtel: Peter Lang, p , p Carmem Luci da Costa Silva, et al.

144 caráter intersubjetivo (o "eu" na relação com o outro) e da consciência individual o intrasubjetivo (o "eu" diante de si mesmo, porém que se constitui como "eu" porque existe outro). Toda linguagem carrega dentro de si uma visão de mundo, prenha de significados e significações que vão muito além de seu aspecto formal. O estudo apenas do aspecto formal, desconsiderando a inter-relação contextual, semântica e gramatical própria da natureza e função da linguagem, desvincula o aluno do caráter intrasubjetivo, intersubjetivo e social da linguagem (PCN, 2002, p.126-7) A produção científica produzida e tomada como referência para o ensino não deixa dúvida: no trabalho escolar, a ênfase deve ser a interação verbal que se processa em diferentes formas e usos da língua e se materializa em textos orais ou escritos. 4 O texto na sala de aula: sugestão de atividades Apresentamos, em continuidade, dois textos que serão acompanhados de um roteiro de atividades. Embora mantenham alguma semelhança temática, diferenciam-se, inicialmente, pela esfera a que pertencem. O texto 1, Identidade, é um poema, pertence portanto à esfera literária (literatura infanto-juvenil) e como tal a significação é veiculada pela materialidade linguística. O texto 2, Eu sou Eu, integra o gênero canção, constituindo-se os sentidos pelo componente linguístico e pela música. Nesse gênero, o texto não pode, num primeiro momento, desatrelar-se da melodia, sob pena de transformar-se em outro gênero, certamente empobrecido. Como materializações de gêneros que facilitam a expressão de subjetividade poesia e canção e por trazerem à tona uma questão identitária, esses dois textos, juntamente com outros, poderiam integrar uma unidade ou projeto de trabalho que envolvesse uma reflexão sobre a própria identidade. Teorias do Discurso e Ensino 143

145 Texto 1 Identidade 18 Pedro Bandeira Às vezes nem eu mesmo sei quem sou. Às vezes sou "o meu queridinho". Às vezes sou malcriado. Para mim tem vezes que eu sou rei, herói voador, caubói lutador, jogador campeão. Às vezes sou pulga, sou mosca também, que voa e se esconde de medo e vergonha. Às vezes eu sou Hércules, Sansão vencedor, peito de aço, goleador. Mas que importa O que pensam de mim? Eu sou eu, sou assim, sou menino. 18 Disponível: Carmem Luci da Costa Silva, et al.

146 Sugestão de atividades Leitura individual. 2 - Espaço para a verbalização e socialização de sentidos e relações construídas pelos alunos a partir da primeira leitura. 3 - Leitura oral seguida de espaço para a discussão mediada pelo professor que orientará, se for preciso, o diálogo intertextual com a mitologia grega (Hércules) e com o episódio bíblico (Sansão) 20, a percepção da função desses elementos na (re)construção dos sentidos do texto; a identificação dos elementos que compõem as comparações, as antíteses e sua função na constituição dos sentidos; a alteração da estrutura textual com a introdução da pergunta Mas que importa / O que pensam de mim? e da resposta Eu sou eu / sou assim, / sou menino; a reflexão sobre essa estrutura quem pergunta, quem responde, quem é o "eu" do poema? 4 - Observação e análise da composição textual extensão dos versos, rimas e da relação dessa estrutura com os sentidos. 5 - Releitura do texto, agora para construir interpretações, tendo como núcleos significativos as comparações que permitem expressar as diferentes percepções subjetivas do "eu" poético. 6 - Diálogo com outros textos: sugerir a busca de outros textos que tratem da questão da identidade. O roteiro sugerido visa apenas à consideração de etapas que consideramos constitutivas do processo de leitura: num primeiro o contato com o texto, a construção de relações de sentido e associações se estabelecem a partir da experiência individual, embora suscitada pelo componente linguístico; na(s) releitura(s) a construção de interpretações deve ser orientada, mais especificamente, pela materialidade linguística. A socialização dos sentidos construídos individualmente, como foi sugerido por meio do roteiro, contribui para 19 Esse roteiro é apenas uma sugestão entre outras possíveis. São atividades, provavelmente, mais adequadas para alunos de quinta série. 20 Caso o aluno não tenha as informações necessárias para estabelecer essas relações intertextuais de sentido, o professor deverá fornecê-las. Atividades complementares de pesquisas poderão ser também desencadeadas, promovendo um trabalho interdisciplinar. Teorias do Discurso e Ensino 145

147 que o leitor em formação possa sentir-se participante ativo do processo de compreensão de um texto. A sua experiência, os seus conhecimentos linguísticos e extralinguísticos são acionados na recuperação dos sentidos potencialmente presentes na materialidade linguística. Dessa forma, o ato de leitura constitui um processo de diálogo entre leitor e texto, porém diálogo entendido como embate, como trabalho com essa materialidade. No poema "Identidade", por sua estrutura composicional, será preciso destacar a função das oposições que refletem conflitos na percepção da própria identidade. O menino, ora "queridinho" ora "malcriado", pode experimentar tanto a sensação de força e poder dos heróis míticos (um Hércules semideus da mitologia grega, célebre pela sua força ou um Sansão personagem bíblica também célebre por sua força, cuja história é contada entre os capítulos XIII e XVI do Livro dos Juízes) e outros heróis atuais, quanto a pequenez de um inseto. Todavia é pela identificação das duas personagens que se constroem as relações intertextuais, o diálogo que vai permitir as interpretações. Por isso, a recuperação da intertextualidade é imprescindível. Entre outras possibilidades, esse texto ainda poderia ser utilizado para desencadear uma unidade de trabalho em que cada estudante buscaria textos de diferentes gêneros para explicitar seu próprio percurso identitário: do registro oficial (certidão de nascimento, de batismo ou outra forma de filiação religiosa, carteira de sócio de clube, identidade escolar e outras identificações e filiações), do registro do cotidiano (participação de nascimento, convites para festas de aniversário e outros), do registro das relações interpessoais do dia a dia ( recebidos e enviados e outras formas de comunicação). Seguindo esse percurso, estaríamos explorando diferentes gêneros por sua função e tornando o trabalho de sala de aula mais próximo da vida do aluno. Certamente, esse percurso também levaria a uma reflexão sobre a própria identidade, o lugar social, as relações interpessoais, fortalecendo sentimentos de identificação e pertencimento a determinados grupos sociais. Ao final do projeto, os sujeitos envolvidos teriam subsídios para escrever sobre sua própria identidade. Como uma das etapas do processo de produção escrita, é importante levar o aluno a refletir sobre o contexto de produção: para quem vai dizer o que tem para dizer, de que modo, com que finalidade e em que gênero. 146 Carmem Luci da Costa Silva, et al.

148 Texto 2 EU SOU EU Luiz Tatit 21 Você reclama que eu estou tão diferente Você não sabe o que diz, é evidente Como é que pode de repente Alguém ficar tão diferente E diferente de quê? Como é que dá pra saber? Só eu que sei eu que vivo O tempo todo comigo O tempo todo não digo Mas o bastante Pra me reconhecer Eu estou aqui pra provar que eu sou eu Vim desfazer essa dúvida cruel Pois só de te mostrar que não sou outro Eu já me sinto outro, já valeu Você diz que eu já não sou mais aquele Passa por mim e pergunta quem é ele? Como é que pode alguém deixar De ser aquele que já foi Se quem já foi ainda é Enquanto vive ainda é Pode dizer o que quiser Mas se está aí porque é Não é preciso ter fé Pois se tem corpo, alma, Cheiro, voz, qual é! Eu estou aqui pra provar que eu sou eu Vim desfazer essa dúvida cruel 21 TATIT, Também disponível: Teorias do Discurso e Ensino 147

149 Pois só de te mostrar que eu não sou outro Eu já me sinto outro, já valeu Mas mesmo eu que sou eu tive receio Se não sou eu nem sou outro estou no meio Como é que fica a minha imagem Individual e social Apresentando-me assim Sou diferente de mim Mas sou eu mesmo no fim Isso não cola é ruim Quem é que crê nisso aí É preferível dizer Então esqueça-me! Eu estou aqui pra provar que eu sou eu Vim desfazer essa dúvida cruel Pois só de te mostrar que não sou outro Eu já me sinto outro, já valeu Sugestão de atividades Audição da canção. 2 - Espaço para a verbalização e socialização de sentidos e relações textuais construídas pelos alunos a partir da primeira audição, a relação desse ritmo de música com outros e dessa letra com outras. 3 - Segunda audição, agora lendo a letra da canção. 4 - Discussão mediada pelo professor, agora centrando a atenção na materialidade linguística e melódica: exploração dos efeitos rítmicos e poéticos estabelecidos pelo encadeamento das palavras, pela utilização de rimas, aliterações, assonâncias e repetições. (Observação da função desses recursos no texto e não sua classificação ou teorização sobre eles). 22 A canção de Tatit também poderia ser explorada a partir das últimas séries do ensino fundamental. Da mesma forma que o texto anterior, as atividades sugeridas poderiam integrar um projeto que tivesse por objetivo uma reflexão do adolescente sobre a própria identidade. 148 Carmem Luci da Costa Silva, et al.

150 5 - Atenção à estrutura composicional: a pressuposição de um "tu" com quem o "eu" dialoga (diálogo indireto em que se constitui a canção). 6 - Após a mobilização de saberes de diferentes áreas (musical, literária, linguística), oportunizar uma última audição para que a reconstrução de sentidos possa ser ampliada, agora construindo interpretações tendo como núcleos significantes os versos Estou aqui pra provar que eu sou eu / Vim desfazer essa dúvida cruel / Como é que fica a minha imagem / Individual e social. 7 - Diálogo com outros textos: incentivar a busca de outras canções ou poemas que tratam da questão da identidade. Como no texto anterior, é a questão da identidade que aflora. Mas neste há que se dar atenção ao gênero que, como já dissemos, se constitui de melodia e texto. O texto, sem a melodia, transforma-se noutro gênero. Daí a necessidade de apresentá-lo, num primeiro momento, em seu suporte original, a música. A canção, cuja função principal é a expressão de uma subjetividade, revela um movimento enunciativo que transforma a voz que fala em voz que canta 23. Da fala ao canto há um processo geral de corporificação: da forma fonológica passa-se à substância fonética. A primeira é cristalizada na segunda. As relações in absentia materializam-se in praesentia. A gramática lingüística cede espaço à gramática de recorrência musical. A voz articulada do intelecto converte-se em expressão do corpo que sente (Tati, 1996, p.15). 5 Considerações finais Entendemos que a prática linguística deve reproduzir, de alguma forma, o universo social mais amplo e promover atividades que visem ao desenvolvimento de habilidades de leitura e produção de textos (textos que articulam, reproduzem, criam ou recriam discursos), à promoção da interação, ao estabelecimento de confrontos de pontos de vista, à descoberta e promoção da autoria. Entendemos, também, que há uma estreita relação de complementaridade entre os processos de leitura e escrita. A leitura não é somente algo que precede a escritura, mas está implicada continuamente nesta última, constituindo-se num componente 23 Tatit, 1996, p.14. Teorias do Discurso e Ensino 149

151 essencial do processo de produção. Quem escreve, de fato, deve alternar o papel de escritor com o de leitor de si mesmo, avaliando quanto produziu, imaginando como será entendido, procurando assumir a perspectiva daquele(s) a quem a escrita se destina. Essa capacidade de ler-se é questão prévia para obter resultados adequados com a escrita e está na base, em particular, da habilidade de revisão do próprio texto, como o observa Della Casa 24. Também concordamos com Della Casa quando afirma que os textos que lemos podem constituir os referentes de uma comunicação dialógica Frequentemente escrevemos em relação a um outro texto, por exemplo, para confirmar, referir, refutar ideias, ou para introduzir novos pontos de vista. A escola deve constituir-se em um laboratório dessas vivências sócio-discursivas e explorar todas as possibilidades de "representação" do universo social. Em textos de gêneros das esferas do cotidiano, como no jornalístico, encontram-se, facilmente, exemplos da comunicação dialógica verbal: artigos que refutam pontos de vista anteriormente publicados, textos de opinião com posicionamentos divergentes, na mesma página, respostas a questionamentos. Todos exemplos de atividades que podem ser realizadas, desde cedo, no micro-universo da escola. Dessa forma, os textos lidos e produzidos reforçariam o vínculo existente entre a língua e a vida. A produção textual deixaria de ser um exercício, desprovido de sentido, de produção de descrição, narração ou dissertação, que como gêneros inexistem porque constituem apenas sequências com as quais se constroem os textos de diferentes gêneros, e se tornaria atividade discursiva. A atividade discursiva, segundo Bakhtin 26 25, é um jogo fundamentalmente dialógico, porque o discurso elabora-se no meio do já-dito dos outros discursos e, mais especificamente, do já-dito que se dá no espaço social compartilhado pela palavra. Mas esse espaço não está desabitado. Nele confrontam-se discursos diferentes, diferentes sentidos, e aquele que apreende a enunciação de outrem não é um ser mudo, privado da palavra, mas ao contrário um ser cheio de palavras interiores , p A caracterização "dialógica" remete à própria condição da atividade discursiva que se elabora no meio do já-dito dos outros discursos como resposta, pressupondo-se aí o confronto de ideias p Carmem Luci da Costa Silva, et al.

152 Ao longo deste texto, foram trazidas considerações sobre uma prática linguística mais próxima da realidade vivida pelo aluno em outros contextos sociais de interação verbal e menos voltada para a forma abstrata, porque A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de formas lingüísticas nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações. A interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua (Bakhtin,1999, p. 23). Essa compreensão é, certamente, fundamental para que o processo de ensino-aprendizagem da língua e suas literaturas possa ser focalizado por uma perspectiva menos teórica e mais centrada nas diferentes esferas de uso e modos de existência da língua. REFERÊNCIAS BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, BAKHTIN, Mikhail (Volochinov). Marxismo e filosofia da linguagem. 9ª ed. São Paulo: Hucitec, BANDEIRA, Pedro. Cavalgando o arco-íris. São Paulo: Moderna, BRAIT, Beth (Org.). Bakhtin, dialogismo e construção de sentido. Campinas, São Paulo: Ed. Unicamp, BRAIT, Beth (Org.) Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo: Contexto, BRASIL. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais: ensino médio. Brasília: MEC; SEMTEC, BUNZEN, Clécio; MENDONÇA, Márcia (Org.). Português no ensino médio e formação do professor. São Paulo: Parábola Editorial, Compact Disc. Felicidade. GRA Verde Edições Musicais / Warner Chappell. Voz e violão: Luiz Tatit. DELLA CASA, Maurizio. Scrivere testi: il processo, i problemi educativi, le tecniche. Milano: La Nuova Italia, settembre, Teorias do Discurso e Ensino 151

153 FARIAS, Isabel Maria Sabino de. Inovação, Mudança e Cultura Docente. Brasília: Liber Livro, MACHADO, Irene. Gêneros discursivos. In: BRAIT, Beth (Org.). Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo: Contexto, Os gêneros e a ciência dialógica do texto. In: FARACO, C. A. et.al. (Org.). Diálogos com Bakhtin. 3ªed. Curitiba: Editora da UFPR, Os gêneros e o corpo do acabamento estético. In: BRAIT, Beth (Org.). Bakhtin, dialogismo e construção do sentido. Campinas, São Paulo: Editora da Unicamp, MARCUSCHI, Luiz Antônio. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. 5ª ed. São Paulo: Cortez, MARCUSCHI, L. Antônio. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: DIONISIO A. P., MACHADO; A. R. e BEZERRA, M. A. (Org.). Gêneros textuais & Ensino. 3. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, NEVES (2006) Gêneros: ontem, hoje e sempre. In: GOMES, Leny da Silva e GOMES, Neiva M. Tebaldi (Org.). Gêneros discursivos na aprendizagem de língua e literatura: uma perspectiva dialógica. Porto Alegre: Editora UniRitter, Não paginado. (No prelo). ROJO, Roxane. A prática de linguagem em sala de aula: praticando os PCNs. São Paulo: EDUC, TATIT, Luiz. O cancionista: composição de canções no Brasil. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, Eu sou eu. In:. Felicidade. Rio de Janeiro: Verde Edições Musicais, CD- ROM. Faixa 1 (3 min 45s). 152 Carmem Luci da Costa Silva, et al.

154 O COMPORTAMENTO DOS DEMONSTRATIVOS NA ORGANIZAÇÃO DOS ENUNCIADOS Claudia Stumpf Toldo* Neusa Maria Henriques Rocha** 1 Introdução Ao iniciarmos essa reflexão, consideramos oportuno destacar que muitas das questões apresentadas neste trabalho se apoiam em discussões e estudos que dão sustentação a um projeto de pesquisa que desenvolvemos no curso de Letras, da Universidade de Passo Fundo. O principal propósito de nossa pesquisa é refletir acerca da construção dos sentidos no texto, evidenciando a importância das relações que se estabelecem, nesse processo, entre os componentes sintáticos, semântico-discursivos e pragmáticos. Com base nessa perspectiva, defendemos que nenhuma análise linguística pode ser feita isoladamente, posto que a própria linguagem é um sistema não autônomo. Assim, examinar um fenômeno linguístico exige ultrapassar o nível da palavra e da frase, ou seja, só é possível compreendermos determinado fato linguístico, se analisarmos o texto, o contexto comunicativo, incluindo-se aí o conjunto de enunciados dos envolvidos na comunicação e o próprio processo de enunciação. Cabe ressaltar que as análises que apresentamos ao final deste trabalho resultam de um processo de discussão, estudo e troca de experiências entre professores que atuam nas disciplinas de Prática de Ensino I e Prática de Ensino II, do curso de Graduação em Letras da UPF de cujo grupo fazemos parte e alunos que desenvolvem seus estágios curriculares em escolas do ensino fundamental e médio da região de abrangência da UPF. Muitas das reflexões * Professora do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade de Passo Fundo e Doutora em Linguística Aplicada pela PUCRS. ** Professora do Curso de Letras da Universidade de Passo Fundo e Mestre em Linguística Aplicada pela PUCRS.

155 apontadas aqui resultam de provocações de alunos dos cursos de Pós- Graduação Lato e Stricto Sensu do curso de Letras. Na verdade, temos ouvido, com frequência, os alunos afirmarem que estão seguros do que não devem fazer nas aulas de português, mas inseguros de como realizar práticas pedagógicas que conduzam o aluno a melhorar seu desempenho linguístico e a desenvolver sua competência comunicativa. Nosso propósito é, à luz da perspectiva funcionalista, evidenciar que a língua tem de ser tratada no seu contexto de uso e entendida na sua relação com as diversas possibilidades de interação. Se toda atividade verbal se dá através de textos, deve ele o texto ser o eixo principal do trabalho escolar. Para dar conta da investigação pretendida, fizemos um recorte e escolhemos, dentre diversas possibilidades de estudo, um fenômeno específico: o comportamento do pronome demonstrativo em enunciados escritos, valendo-nos, para tal, de textos de humor. Pretendemos, com este trabalho, contribuir para que se ampliem discussões acerca da necessidade de o professor redimensionar a sua prática pedagógica, desenvolvendo, por exemplo, um trabalho que permita ao aluno reconhecer a função referenciadora do demonstrativo e o papel que ele desempenha na construção dos sentidos do texto. Acreditamos que somente através de atividades reflexivas, com base na língua em uso, é que nossos alunos tornar-se-ão mais competentes linguística e textualmente. 2 Questões ligadas ao ensino da língua Para discutir o papel dos pronomes demonstrativos na construção dos sentidos de um texto escrito, acreditamos ser necessário fazer uma breve referência à concepção de língua que adotamos ao tecer essas considerações e a como entendemos que deva se dar esse ensino. Com relação a isso, usamos as palavras de Marcuschi (1996), que defende a posição de que a concepção de língua é que define a perspectiva de ensino a ser adotada. Assim, se a lingua é vista como um código transparente, cuja função é transmitir informação afastada, portanto, da vida dos falantes a ela é dado um tratamento também artificial, distante do contexto em que se realiza. Já, se a língua é concebida 154 Carmem Luci da Costa Silva, et al.

156 como um fenômeno natural e histórico, como uma atividade social e cognitiva que varia ao longo do tempo, de acordo com os falantes e com os seus propósitos, sua manifestação e tratamento se darão nessa mesma perspectiva. Esta, pois, é a posição que adotaremos no percurso que ora construímos. Entendemos que não há como a escola ver a língua afastada do falante e de seu uso. A língua concebida como enunciação, como discurso, inclui as relações da língua com aqueles que a utilizam e com o contexto de situação. Nessa perspectiva, tal como afirma o já referido autor, a língua se configura como uma atividade constitutiva que permite aos falantes a construção dos sentidos como uma atividade cognitiva por meio da qual os usuários expressam seus sentimentos e como uma atividade social por meio da qual os sujeitos interagem. Dik (apud Neves, 1997), em seu paradigma funcional, concebe a língua como instrumento de interação social, com vistas a estabelecer relações comunicativas entre os usuários. Nesse modelo, a interação verbal é construída pelo falante e pelo ouvinte. Neves, com relação a esse aspecto, destaca que tanto o falante quanto o ouvinte têm informação pragmática. Isso porque quem fala tem uma intenção, com base no conhecimento que tem do destinatário, e deseja obter uma determinada interpretação. O ouvinte, por sua vez, apoiado no conhecimento que tem do falante, busca recuperar a intenção produzida. Conforme a perspectiva funcionalista, o ensino da língua deve se dar de forma a integrar os diversos componentes da produção linguística, ou seja, a pragmática a situação de interação, que inclui os usuários da língua, suas intenções e todo o processo de interação, a semântica a busca dos efeitos de sentido e a sintaxe a escolha da estrutura do enunciado. Assim, só haverá comunicação se os interlocutores dialogarem entre si e se houver sucesso na interação. Nesse processo é determinante não só a situação comunicativa, como também, a organização, a estrutura do discurso, ou seja, as escolhas, os arranjos feitos pelos interlocutores. Isso reforça a ideia de que aspectos pragmáticos, semânticos e sintáticos não se sustentam de forma isolada e independente e não podem ser analisados de forma autônoma. Um está interligado a outro, estabelecendo entre eles uma interdependência que só o discurso pode fazer ver. Teorias do Discurso e Ensino 155

157 Diante disso, reafirmamos que o ensino da língua, como processo de interação verbal, concebe a língua como enunciação, incluindo, portanto, as relações da língua com aqueles que a utilizam, com a situação comunicativa e com as condições de produção em que ela ocorre. Essa perspectiva aponta para um trabalho centrado nas atividades de uso da língua, ou seja, nas atividades de produção oral, produção escrita, na leitura e na compreensão oral e escrita. Como já evidenciamos anteriormente, se é no texto e é através do texto que a linguagem se constrói, é no texto que devemos centrar o ensino da língua. Esse ensino só se dará se as atividades forem desenvolvidas tendo como ponto de partida a exposição a diversos tipos de texto, a observação de como o texto está organizado e estruturado, a percepção das razões que determinaram as escolhas, a escrita usual de textos não como atividades eventuais ou como produções que valem nota enfim, o ensino do português só se justifica pelo papel que as atividades realizadas desempenham na construção e na compreensão de textos. Assim, as aulas de português devem ser planejadas de tal modo que o aluno, com base nas possibilidades que lhe são oferecidas, seja capaz de julgar, avaliar, fazer escolhas, ajustar sua linguagem, enfim, empregar estratégias que garantam o êxito na interação. O que pretendemos, na verdade, é que o aluno esteja habilitado não só a construir textos com qualidade, mas a ter uma nova postura diante da leitura e da escrita, de modo que ele faça dessas práticas motivações para pensar o mundo e atuar socialmente na melhoria desse mundo, para construir um novo sujeito, uma nova sociedade. Com base nessas reflexões, vale observar que, ao trabalhar a língua, o professor não pode restringir esse estudo a atividades de análise de determinados itens gramaticais, de forma isolada. Se o que defendemos se ancora no pressuposto de que a língua tem de ser tratada no seu contexto de uso e entendida na sua relação com as diversas possibilidades de interação privilegiando a abordagem funcionalista é no texto que se poderá efetivar esse estudo. Tal como afirma Neves (2002, p. 226), saber expressar-se numa língua não é simplesmente dominar o modo de estruturação de suas frases, mas é saber combinar essas unidades sintáticas em peças comunicativas eficientes, o 156 Carmem Luci da Costa Silva, et al.

158 que envolve a capacidade de adequar os enunciados às situações, aos objetivos da comunicação e às condições de interlocução. Desse modo, cabe ao professor de língua oferecer situações para que o aluno, a partir da língua que usa, se aproprie de diversos mecanismos linguísticos, de forma a trabalhar modos de expressão e de organização do texto. 3 A gramática no ensino fundamental e médio Uma questão que tem suscitado inúmeras reflexões e tem sido motivo de muitas discussões entre os professores de língua materna diz respeito a como trabalhar a gramática no espaço escolar. Cabe destacarmos que é expressivo o número de estudos e investigações que circulam nos meios acadêmicos acerca do tratamento da gramática no ensino fundamental e médio e que vêm desafiando os professores a repensar a sua prática pedagógica. Ainda assim, estamos longe de acreditar que as escolas tenham clareza de como conduzir esse novo processo. Com referência à abordagem da gramática, convém ressaltar que, ao fazermos menção a essa questão, nos apoiamos na concepção de gramática como o próprio sistema de regras da língua em funcionamento. Tal como defende Neves (2002, p.226), a boa constituição de um texto passa pela gramática, ou seja, produção de texto e gramática não são atividades que se estranham; pelo contrário, as peças que se acomodam dentro de um texto cumprem funções que estão na natureza da própria gramática. Nessa perspectiva, tudo que é gramatical é textual, e tudo que é textual é gramatical. Com respeito a essa questão, afirma Travaglia (2003, p. 45): Todos os recursos da língua em todos os seus planos (fonológico, morfológico, sintático, semântico, pragmático) e níveis (lexical, frasal, textual-discursivo) em termos de unidades e estruturas (sejam elas fonológicas, morfológicas, sintáticas, textuais), funcionam como pistas e instruções de sentidos que são coadjuvados nesta função por mecanismos, fatores e princípios. Dessa ação conjunta surgem os efeitos de sentido possíveis para uma dada seqüência lingüística usada como texto numa dada situação de interação. Teorias do Discurso e Ensino 157

159 Ocorre que, embora essas concepções circulem entre os professores de língua portuguesa, o trabalho com a gramática continua se dando da forma mais tradicional, ou seja, aos alunos é oferecido um ensino em que a metalinguagem é privilegiada, em detrimento da própria linguagem; são propostas atividades que priorizam a simples rotulação, o reconhecimento, a categorização de entidades isoladas; são desenvolvidas atividades artificiais e mecânicas, distantes da língua em funcionamento e que prescindem de qualquer tipo de reflexão. Permanece, ainda, arraigada a ideia de que o domínio de definições de entidades e a memorização de paradigmas linguísticos são formas de garantir a boa linguagem. Consideremos o foco principal deste trabalho. Se fosse solicitado a um professor cuja prática ainda se sustenta no ensino tradicional de gramática que desenvolvesse o estudo do pronome demonstrativo, muito provavelmente o seu ponto de partida (tal como ocorre nas gramáticas pedagógicas e na maioria dos livros didáticos) seria a apresentação da definição, pretensamente absoluta, exata, transparente; posteriormente seriam propostos exemplos, também inequívocos, apresentados fora do discurso, que se encaixariam exatamente dentro da definição dada. Seguiriam atividades de reconhecimento, de subclassificação, de preenchimento de lacunas em frases artificiais (intencionalmente construídas para tal propósito) ou, talvez, exercícios mecânicos com base em textos-pretextos. Nenhum progresso linguístico se efetivará a partir de exercitações mecânicas. Nenhuma melhoria na competência comunicativa se dará se não se contemplar a língua em uso. Nenhuma ampliação da expressão verbal se desencadeará se não se observarem as possibilidades que determinam a construção dos sentidos. Não há, portanto, como analisar o comportamento do pronome demonstrativo sem se considerar o seu papel de referenciação textual ou situacional. Embora seja fundamental examinar a sua função interna na estrutura oracional, não podemos tratá-lo como uma unidade autossuficiente. 158 Carmem Luci da Costa Silva, et al.

160 4 Uma questão teórica: o processo de referenciação Como já afirmamos, o objetivo principal deste estudo é observar, analisar e discutir o movimento sintático-semântico do pronome demonstrativo em textos de humor, tendo presente o processo de construção dos sentidos desses textos. Para isso, faremos, agora, algumas reflexões mais específicas sobre referenciação. Temos como ponto de partida o pressuposto de que a referenciação constitui uma atividade discursiva, o que implica dizer que a língua e a linguagem não são referenciais, ou seja, não nos interessa interpretar as estruturas linguísticas sob o ponto de vista das estruturas objetivas da realidade. Essa ideia de ver a referência como atividade linguística é defendida por Mondada & Dubois (1995). Queremos pontuar que, num estudo de língua, o que deve ser posto em relevo não são as estruturas da realidade, mas as estruturações impostas pela interpretação humana à realidade. Isso lembra Ferdinand Saussure, no Curso de Linguística Geral, quando afirmava que o ponto de vista cria o objeto. Referência não é a representação de referentes do mundo, uma vez que acreditamos que a realidade é construída e alterada conforme interagimos com ela. Assim, podemos afirmar que a referência é o resultado de uma atividade que realizamos quando usamos uma expressão linguística para designar ou representar o mundo. Tal como defendem Marcuschi & Koch (1998), os referentes textuais não são objetos-de-mundo, mas sim objetos-de-discurso que podem ser modificados, reativados, (re) interpretados, transformados, pois, na medida em que usamos a língua, tudo é colocado a serviço da construção do discurso. Conforme os autores, não se pode negar que existe a realidade extramente, nem se pode definir a subjetividade como parâmetro do real. Segundo eles, o nosso cérebro não opera como um sistema fotográfico, que reflete o real. Ele reelabora os dados sensoriais para fins de apreensão e compreensão. E essa reelaboração se dá essencialmente no discurso. Também não se postula uma reelaboração subjetiva, individual: a reelaboração deve obedecer a restrições impostas pelas condições culturais, sociais, históricas e, finalmente, pelas condições de processamento decorrentes do uso da língua (Marcuschi & Koch, 1998, p.5). Teorias do Discurso e Ensino 159

161 Com base em estudos realizados por Denis Apothéloz e Reichler-Béguelin (1995), podemos dizer que a referência evidencia um processo construído por um sujeito em uma dada situação discursiva. Isso mostra que os referentes não são realidades do mundo, mas sim representações construídas pelo discurso, ou seja, são objetos-de-discurso. Essa reflexão revela que quem constrói a imagem daquilo a que remete é o próprio discurso. Relativamente a esse campo teórico, Lorenza Mondada (1994) (In: MARCUSCHI, 2000) acentua que as representações não têm uma estrutura fixa, posto que emergem e são construídas na dinâmica discursiva. Reafirmamos, portanto, que os objetos tratados no discurso, ou seja, aqueles elementos aos quais o discurso faz referência, são objetos constitutivamente discursivos e, como tal, objetos-de-discurso gerados na/pela enunciação. 4.1 O papel da anáfora na construção do discurso Dentro do universo linguístico da referenciação, destacamos, inicialmente, a anáfora. De acordo com o Dicionário de Análise do Discurso de Patrick Charaudeau e Dominique Maingueneau (2004) a origem da palavra anáfora vem do grego ana para o alto, para trás, e phorein levar. A origem do vocábulo anáfora lembra um movimento de referência a algo presente no texto. Ainda, segundo o Dicionário já mencionado, a anáfora pode ser definida como o relacionamento interpretativo, em um enunciado ou sequência de enunciados, de ao menos duas sequências, sendo que a primeira tem a função de guiar a interpretação da outra ou das outras (2004, p. 36). Assim, para nós, neste trabalho, o que importa é que esse fenômeno linguístico visa a retomar e/ou enfatizar um sintagma nominal anterior. Esse procedimento - característico da coesão textual acaba por manter sempre ativado o tópico textual, levando-o adiante no processo enunciativo do texto, na medida em que o discurso está sempre se fazendo. Conforme o Dicionário Enciclopédico das Ciências da Linguagem de Ducrot e Todorov (1972), etimologicamente, anáfórico é aquilo que remete para trás ou, ainda, um segmento de discurso é anafórico quando é necessário referir-se a outro elemento do mesmo discurso. Portanto, aqui os anafóricos são vistos como elementos que se referem a outros elementos 160 Carmem Luci da Costa Silva, et al.

162 (independentemente da linguagem usada) que estão na mesma situação enunciativa, no mesmo texto, no mesmo discurso. A anáfora auxilia a progressão referencial uma vez que diz respeito à introdução, identificação, preservação, continuidade e retomada de referentes textuais, (re)organizando a todo momento a cadeia referencial que se constrói no texto, quando este também se constrói. Estando diante de um elemento lexical que aponta para um referente, é impossível dizer algo sobre alguma coisa antes de identificar que referente é esse. Um dos pressupostos teóricos que assumimos neste estudo é o de que um enunciado é composto por palavras para as quais não é possível fixar nenhum valor intrínseco estável, pois seu valor não reside em si mesmo, mas na relação que estabelece com outras palavras no enunciado. Conforme Ducrot (1980), a significação de uma palavra contém, sobretudo, instruções dadas àqueles que deverão interpretar um enunciado, solicitar que procurem na situação de discurso este ou aquele tipo de informação, a fim de utilizá-la no intuito de (re)construir o sentido visado pelo locutor. Para que se possam procurar instruções na situação de discurso, um elemento linguístico deve permitir essa possibillidade. Aqui, o que nos interessa é o pronome demonstrativo. A seguir propomos uma reflexão acerca do comportamento do pronome demonstrativo, a fim de perceber como ele colabora na construção dos sentidos de um texto. Selecionamos, entre vários itens possíveis para este estudo, duas situações: o demonstrativo como dêitico e o demonstrativo como anafórico. Passamos, em seguida, a discutir tais possibilidades de ocorrência. 4.2 O demonstrativo dêitico e o anafórico O elemento dêitico é a entidade linguística responsável pela referência a um objeto do texto e/ou à situação de enunciação em que está inserido. O demonstrativo, enquanto forma pronominal, funciona aqui como o elemento responsável em localizar, no discurso, um aqui e agora, a partir de uma enunciação do sujeito. Conforme diz Benveniste (1995, p. 280), essas formas pronominais não remetem à realidade nem a posições objetivas no espaço ou no tempo, mas à enunciação, cada vez única, que as contém, e reflitam assim o seu próprio emprego. Teorias do Discurso e Ensino 161

163 Apothéloz (1995) afirma que dêiticos são expressões linguísticas cujas interpretações apoiam-se em parâmetros de lugar, de tempo, de pessoa, instituídos na situação de enunciação. O mesmo autor faz uma diferença entre dêixis textual e dêixis situacional. A primeira corresponde ao dêitico que se refere a outro elemento presente no texto. Ela pode ser vista como uma função metatextual, pois permite a organização do elemento referido, facilitando a orientação do leitor; a segunda refere-se a elementos da enunciação. A dêixis evidencia uma atividade de referência. Segundo estudos de Koch e Marcuschi (1998), referir não é um ato de ostensão direta entre linguagem e mundo, posto que grande parte dos referentes textuais se constitui em objetos-dediscurso e não em objetos-de-mundo. Mondada e Dubois (1995) destacam que os referentes textuais são construídos como objetos-de-discurso, porque os sentidos do texto são possíveis numa significação que diz respeito aos conhecimentos gerados na relação textual-discursiva, ou seja, na enunciação. Isso se torna significativo, neste momento, pois, quando se diz que o dêitico refere-se a algo, alguns estudos mais tradicionais consideram que ele pode referir-se ao que está fora do texto. Essa concepção é aqui contestada, pois, quando se observa o dêitico como textual ou situacional, é a cena enunciativa daquela realização textual que se observa. Portanto, o objeto da referência não estará fora do texto, mas em seu interior, constituindo-o. Ele é determinado pela enunciação. O demonstrativo com papel dêitico é tomado, neste estudo, como aquele que faz referência às categorias de pessoa, lugar e tempo, necessárias na constituição da cena enunciativa. Entendemos que o pronome demonstrativo em função anafórica deve resgatar uma âncora, ou seja, um termo do co-texto, que autorize um engatilhamento do referente em questão. Destacamos, nas palavras de Cavalcante (2005, p. 128), que numerosos estudos têm demonstrado que certas introduções de referentes encontram algum tipo de ancoragem no cotexto, o que lhes confere, em vista disso, um caráter anafórico. Sublinhamos que, na concepção que defendemos, a ocorrência da anáfora dá-se mesmo que elementos não retomem diretamente o mesmo objeto-de-discurso (anáforas diretas) e que, aparentemente, introduzam uma entidade nova, remetam a uma ou outra marca cotextual da qual elas se tornam não exatamente novas, mas 162 Carmem Luci da Costa Silva, et al.

164 inferíveis no discurso. Esse tipo de anáfora (anáfora indireta) ativa novos referentes com uma motivação ou ancoragem no universo textual. Concordamos com Schiffrin (apud: Marcuschi:2005, p. 59), que reconhece ser difícil traçar uma linha divisória e estabelecer relações entre o mundo criado por palavras ( o texto) e o mundo representado pelas palavras (o contexto), o que torna difícil uma distinção clara entre o que é um contexto textual e um contexto extratextual. Aponta, ainda, para a dificuldade de se distinguir clara e objetivamente anáfora e dêixis. Para tanto, a referida autora sugere que se veja a anáfora como um dependente da dêixis, tendo em vista que o próprio texto é essencialmente uma subespécie de um campo dêitico singular, uma vez que textos e contextos criam um campo dêitico singular quando da enunciação em que a anáfora acaba sendo um tipo de dêixis. Isso porque texto e contexto constituem um ao outro. Tal como postula Cavalcante (2005, p.144), não podemos negar a deiticidade de determinado elemento, em dadas situações discursivas, uma vez que é por esse processo que o leitor é conduzido pela mão até chegar bem próximo do ponto de origem do texto criado pelo eu que enuncia, e que o faz penetrar inteiramente no cenário que ele tenciona criar. 5 A função referenciadora dos demonstrativos em textos de humor Com o propósito de ilustrar as reflexões até aqui postas, apresentaremos, a seguir, a análise de seis textos, evidenciando o papel do demonstrativo na construção dos sentidos. Nessa atividade, procuramos mostrar que os demonstrativos assim como quaisquer unidades menores dentro da unidade maior de investigação da língua, ou seja, o texto não são usados sem qualquer critério. São, ao contrário, peças escolhidas pelo falante, com uma determinada intenção, e são essenciais para a construção do enunciado, para a organização do discurso. Daí porque concordarmos com Marcuschi (s.d.), quando defende que a referenciação não é um simples ato de representação ou de designação extensional, mas um ato de construção criativo e, por isso, uma atividade complexa. Os textos 1, 2 e 3, reproduzidos a seguir, fazem parte de um conjunto de textos propostos em livros didáticos, em lições sobre o estudo do pronome Teorias do Discurso e Ensino 163

165 demonstrativo, apresentados em Neves (2003). Os demais, foram publicados no jornal Zero Hora, de Porto Alegre RS. Na análise aqui desenvolvida, fazemos uma breve referência aos elementos do discurso que provocam o humor, ou seja, aos mecanismos acionados pelos falantes, responsáveis pela decorrência do riso. 5.1 Análise de textos Texto 1 O efeito humorístico, nesse texto, é resultado de uma falha na interação, em razão de um dos falantes (a galinha) não ter recuperado a intenção do interlocutor (cujo propósito é representado pela mensagem de alerta). Na verdade, a recuperação da mensagem só se dá no último quadrinho, após o encontrão. Nesse texto, fica evidente a importância de se reconhecer a função referenciadora dos demonstrativos e o papel que eles desempenham no enunciado. Como podemos observar, os efeitos produzidos pelos demonstrativos só se constroem à medida que o discurso se desenvolve. Ao analisarmos a frase Esta é a coisa mais estúpida que eu já vi, verificamos que o falante, ao empregar o demonstrativo esta, faz uma referência a algo presente no texto, mas não especificamente ao alerta constante na tabuleta. Remete, sim, a uma representação construída no e pelo discurso, ou seja, faz referência à falta de lógica de um aviso como aquele ou da própria instalação da placa. No contexto em que se encontra, o demonstrativo esta equivale ao demonstrativo isso, à expressão esse fato, esse tipo de recado. Já, no último quadrinho, o demonstrativo aquele remete ao aviso constante na pequena tabuleta referida no texto. É um demonstrativo referenciador textual 164 Carmem Luci da Costa Silva, et al.

166 anafórico, pois recupera algo que já foi dito no texto. O demonstrativo este, por sua vez, não só acentua a inclusão do falante na situação do discurso, como indica proximidade espacial do falante, ao deparar com o sinal. Essa ocorrência nos traz a instância enunciativa em que um sujeito se enuncia num aqui e num agora. Usamos as palavras de Benveniste (1995, p. 277) para pontuar algo importante sobre a natureza dos pronomes: Uns pertencem à sintaxe da língua, outros são característicos daquilo que chamaremos as instâncias de discurso, isto é, os atos discretos e cada vez únicos pelos quais a língua é atualizada em palavra por um locutor. Assim, o demonstrativo este tem uma função dêitica, localiza tempo e lugar em relação ao sujeito que fala. É interessante observar, também, a ideia de contraposição implícita no último quadrinho (aquele X este), o que reforça a concepção de que esses referenciadores são peças fundamentais para a organização do discurso e para a construção dos sentidos do texto. Texto 2 Nessa tira, o humor é causado por uma ideia implícita presente na fala de Helga. Ela, ao declarar Espero, deixa subentendida a afirmação de que Hagar sabe muito pouco sobre os fatos da vida. Tal como afirma Possenti (2001, p. 56), o efeito de humor é decorrente de que o enunciado do primeiro interlocutor tem um foco e a resposta é dada como se ele tivesse um outro. Ao leitor, cabe a tarefa de perceber a diferença entre a mais provável interpretação do texto e a esperta seleção alternativa do interlocutor. O uso do demonstrativo aquilo, constante no primeiro quadrinho, permite ao leitor inferir que anteriormente os interlocutores tenham comentado sobre a necessidade de um determinado tipo de conversa com o filho Hamlet. Portanto, remete a algo que é do domínio de ambos. O emprego das aspas no termo Teorias do Discurso e Ensino 165

167 aquilo sugere que o assunto esteja relacionado ao tema sexo. Cabe lembrarmos, com referência a essa afirmação, algumas expressões já cristalizadas, tais como Só pensa naquilo ou O presidente tinha aquilo roxo. Como podemos observar, o demonstrativo não pode ser interpretado semanticamente por si mesmo. Remete, sim, a outros itens do discurso necessários a sua interpretação. Para Cavalcante (2003), o uso do demonstrativo nessa situação, como a do texto em análise, evidencia um caso de recategorização, uma vez que ele foi empregado com um valor insinuador, acompanhado de traços prosódicos que o ratificam. Esse fato comprova que os pronomes demonstrativos como muitos estudos apontam não são neutros, na medida em que retomam e recategorizam elementos que se constituem no próprio discurso. Texto 3 Na tira analisada, podemos observar que o elemento responsável pelo humor é o emprego do demonstrativo este. É óbvio que, para melhor interpretar o texto, o leitor deve ativar seu conhecimento de mundo em relação a Hagar e Helga, ou seja, tem de saber que são casados e conhecer algumas características dos personagens, tais como os hábitos pouco higiênicos de Hagar. No entanto, temos de admitir que o leitor, mesmo não conhecendo as tiras de Dik Browne, pode inferir a ideia anteriormente posta, devido ao valor semântico expresso pelo demonstrativo. Através do uso de este, é feita uma referência a Hagar, que é um elemento que está dentro do texto. Embora o uso do demonstrativo na fala de Helga recupere a imagem do marido, o referenciador tem uma função dêitica, já que, como afirma Lyons (1980, p. 261), a dêixis identifica pessoas em relação ao contexto espaçotemporal mantido pelo ato de enunciação. Na situação de fala analisada, o demonstrativo este equivale à expressão este aqui. Mais uma vez, usando as 166 Carmem Luci da Costa Silva, et al.

168 palavras de Benveniste (1995, p. 279), queremos chamar a atenção para o fato de que os pronomes demonstrativos apontam para um traço distintivo: é a identificação do objeto por um indicador de ostensão concomitante com a instância de discurso. Vale ressaltar, também, a importância da linguagem não verbal nesse texto. Como podemos perceber, a alusão feita por Helga se efetiva como se ela estivesse se dirigindo ao leitor ou a outro interlocutor qualquer. Com referência, ainda, à fala de Helga, vemos que a frase interrogativa não requer resposta. Na verdade, a esposa diz uma coisa para significar outra, quer dizer, emprega a ironia, um mecanismo linguístico que pretende, ao invés de perguntar, negar o que foi dito. Texto 4 Teorias do Discurso e Ensino 167

169 Texto 5 Os textos 4 e 5, veiculados no jornal Zero Hora, praticamente na mesma semana, exploram o mesmo tema. Versam sobre os acontecimentos políticos da época, evidenciando a crise vivida pelo PT, as denúncias de corrupção e de pagamento de propina, bem como o processo de descrédito nos partidos e na classe dos políticos. Cabe aqui fazermos referência a Possenti (2001), quando afirma que o humor nem sempre é crítico, mas o humor político certamente o é. O mesmo autor destaca e isso é evidenciado nos textos sob análise - que a compreensão de piadas ou outros tipos de textos humorísticos, de conotação política, depende não só do funcionamento discursivo, como também de fatores pragmáticos. Como sabemos, toda crise política apresenta um bom motivo para o exercício do humor. Os dois textos não só abordam as falcatruas e as denúncias que integram o cenário político, como também fazem uma sátira à reação do cidadão comum. É exatamente desse desfecho inesperado que decorre o riso: no texto 4, o personagem Boca reitera a postura desonesta dos políticos e, no texto 5, um dos personagens aprova a prática inescrupulosa do PT, que, finalmente, se igualou aos demais partidos. Com referência ao emprego da forma preposicionada dessas (texto 4) e do demonstrativo estas (texto 5), constatamos o caráter de retomada de uma situação que é de domínio do leitor, sugerida no contexto. O emprego desses pronomes traz a síntese de uma ideia. Esta é uma informação conhecida do interlocutor, o que permite o emprego do demonstrativo sem prejuízo de sua compreensão. O demonstrativo exige, então, uma competência linguística mais apurada da qual depende o sucesso da construção do sentido do texto. Nesses casos, os demonstrativos não recuperam a informação do contexto à esquerda como normalmente ocorre. A expressão dessas notícias de falcatruas e milhões 168 Carmem Luci da Costa Silva, et al.

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