COMUNICAÇÃO E REPRESENTAÇÃO SOCIAL NOS VIDEOGAMES Em análise o jogo Grand Theft Auto San Andreas 17/07/2008. Daniel Neves Abath Luna* RESUMO
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- Adriana Braga Fonseca
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1 COMUNICAÇÃO E REPRESENTAÇÃO SOCIAL NOS VIDEOGAMES Em análise o jogo Grand Theft Auto San Andreas 17/07/2008 Daniel Neves Abath Luna* RESUMO O presente trabalho consiste numa tentativa de compreensão da relação entre videogames, comunicação e representação social, em específico do jogo GTA San Andreas, mostrando que os videojogos, através de suas narrativas virtuais, configuramse como produtores de representações sociais. O estudo dessa relação se faz importante, na medida em que as tecnologias audiovisuais carecem de análises voltadas ao viés da comunicação. O objetivo da pesquisa foi investigar as evidências comunicativas e representacionais presentes no jogo, observando os elementos da narrativa, tais como linguagem verbal e ambientação imagética. A análise demonstra que o jogo GTA San Andreas produz inúmeras representações sociais, dentre as quais destacamos o preconceito e o estereótipo. Os resultados apontam para a necessidade de análises e sistematizações de um campo ainda pouco estudado no Brasil, o da comunicação nos videogames, mostrando que além do entretenimento, os jogos se constituem em verdadeiros sistemas semióticos. Palavras-chave: Comunicação. Representação social. Videogames. INTRODUÇÃO Para muitas pessoas, o jogo é visto apenas como uma espécie de lazer. Contudo, além de ser um lazer, o jogo possui uma função significante, sendo um reflexo da cultura hodierna. Os jogos eletrônicos, ou videogames, em particular, estão cada vez mais carregados de sentido e representações. Em nosso estudo, vamos nos prender a um jogo em específico, justamente devido a suas peculiaridades narrativas, tais como forte teor de violência e associação direta com o mundo real: Grand Theft Auto San Andreas, conhecido pelos jogadores como GTA San Andreas. O estudo do jogo GTA San Andreas se faz importante na medida em que o campo das novas tecnologias carece de estudos e sistematizações acerca de suas características e formas de comunicação e representação, configurando-se um campo de estudos entre a comunicação e os jogos eletrônicos. Em face de pesquisas na área de comunicação que privilegiam as análises dos meios de comunicação de massa (rádio, televisão e jornal impresso), os artefatos culturais audiovisuais ficam aquém das discussões teóricas na área de comunicação em torno das significações e construções simbólico-cognitivas. O jogo Grand Theft Auto, que em português significa grande ladrão de carros, foi lançado em princípio para computador, sendo o primeiro traço característico a permissão dada ao jogador para roubar qualquer carro presente no jogo. É possível, em GTA, encarnarmos um fora da lei como personagem principal. Esse foi apenas o primeiro exemplar de uma série que ficaria conhecida no mundo inteiro. Em seguida foram lançados, para diferentes videogames, também chamados de plataformas ou consoles, os jogos: GTA London 1969; GTA London 1961; GTA 2; GTA III; GTA Vice City; GTA San Andreas e GTA IV. A versão que nos interessa neste trabalho, por ser a mais recente e por contar com um enredo muito mais complexo que as demais, o GTA San Andreas, foi lançada
2 em 2004 para o videogame Playstation 2 e em meados de 2005 para o console X-BOX e para os computadores. San Andreas é um estado fictício do jogo, sendo baseado nos estados reais da Califórnia e de Nevada, dos Estados Unidos. Intentamos elaborar um estudo acerca dos elementos comunicativos e representacionais do jogo GTA San Andreas, utilizando-se de abordagens da comunicação e da psicologia social. Além disso, observamos os elementos da narrativa do jogo, mapeando suas características de linguagem verbal e ambientação imagética, estudando como os elementos da narrativa hipermidiática representam o social e como o conjunto dessa narrativa se apresenta enquanto comunicação. A análise contribui para com os estudos interdisciplinares, tecendo uma ponte entre a grande área da comunicação e os jogos eletrônicos como elementos constituintes da cultura, campo ainda carente de estudos no Brasil. Para tanto, fizemos um apanhado histórico dos jogos, desde suas origens até o advento dos videogames. Situamos o jogo em análise dentro das classificações dos jogos eletrônicos, para em seguida abordarmos a cultura presente nesses artefatos. Inseridos neste capítulo, tratamos das características próprias ao mundo virtual dos games. Abordamos a teoria das representações sociais como elemento metodológico à análise empreendida. Assim fundamentado teoricamente, o trabalho parte para a análise propriamente dita do jogo, em seu funcionamento, espaço social-geográfico, trama e personagens. Por fim, tratamos das considerações analíticas, apresentando a relação entre as temáticas propostas pelo estudo, demonstrando a riqueza imagética da hipernarrativa e a necessidade de uma maior atenção a tais artefatos audiovisuais da comunicação contemporânea. 1. PREÂMBULO 1.1 Uma breve definição de jogo O jogo é uma função vital presente tanto nos seres humanos quanto nos outros animais. De acordo com Huizinga (1999, p. 1), o jogo está em tudo: Não vejo razão alguma para abandonar a noção de jogo como um fator distinto e fundamental, presente em tudo o que acontece no mundo. Alves (2005, p. 18) concorda com o autor e complementa a idéia afirmando que o jogo ajuda na relação social, na cognição e na subjetividade, podendo ser classificado, tomando de empréstimo o conceito de Lévy (1993), como uma tecnologia intelectual: No decorrer do tempo, os jogos passaram a ser compreendidos pelo senso comum apenas como atividades de entretenimento. Contudo, jogar vai além da distração. Por estar em tudo, desde os animais, como nas brincadeiras entre cães, por exemplo, pode-se dizer que o jogo, num conceito mais amplo, precede a cultura. E mesmo nas suas manifestações mais simplórias, ultrapassa uma função psico-fisiológica, pois exprime um sentido. O jogo se processa numa mescla de tensão, alegria e divertimento. Como está além da esfera humana, não se erige em fundamentos da racionalidade e, portanto, possui uma realidade própria. Em sua essência, o jogo não é material e consiste em uma imaginação, no sentido de tecer imagens acerca de determinada realidade. Freire (2005, p. 33) coloca a questão da imaginação como sendo uma dádiva humana: "Que prodígio representantes de uma espécie animal capazes de representar para si mesmos as experiências vividas de alguma forma nas suas realidades! Basta olhar à minha volta para constatar o poder dessa representação. Quase tudo que meu olhar registra é produto da imaginação humana". Huizinga afirma que nossa concepção de jogo o coloca completamente oposto à seriedade. Mas ele diz que se analisarmos bem essa oposição, veremos que ela não é decisiva. Podemos dizer que o jogo é a não-seriedade, contrário a dizer que ele não é sério. E o mais importante: o jogo não possui uma função moral. "O jogo não é compreendido pela antítese entre sabedoria e loucura, ou pelas que opõem a verdade e
3 a falsidade, ou o bem e o mal. Embora seja uma atividade não material, não desempenha uma função moral, sendo impossível aplicar-lhe as noções de vício e virtude". (HUIZINGA, 1999, p. 9) As características do jogo, apontadas por Huizinga, são: a liberdade, a evasão da vida real, o isolamento e a criação de uma ordem própria a cada jogo. Crianças e animais brincam por instinto, mas também, e aí temos a evidência de liberdade, brincam porque gostam de brincar. Para o adulto, o lúdico é supérfluo e só vira uma necessidade se o prazer o impuser, pois se pode pará-lo a qualquer momento, sendo posto em prática nas horas de ócio. O jogo não é a vida real e sim uma saída dessa realidade (evasiva), como atividade temporária. Contudo, esse faz de conta não impede que haja seriedade e, consequentemente, um grande arrebatamento e uma imersão. Possui também um tempo e um espaço determinados, havendo um isolamento. Joga-se até chegar ao fim. Essa limitação no tempo incorre num fenômeno cultural, pois quando acaba, o jogo é retido na memória, podendo ser repetido. Além disso, é limitado no espaço (real ou imaginário) como num campo fechado, onde se respeita a determinadas regras. Um lugar temporário. A questão da ordem nos faz pensar no elemento da tensão, que é intrínseco ao jogo. A tensão, proveniente da incerteza, é o que predomina nos jogos solitários. Correr riscos é o que dá sentido ao lúdico, fazendo com que o jogador esqueça que está jogando, além do que, nos dizeres de Freire (2005, p. 11), [...] é justamente aí que reside boa parte do prazer de jogar [...]. E é essa tensão que vai incutir no jogo uma espécie de ética. Embora o jogo enquanto tal esteja para além do domínio do bem e do mal, o elemento da tensão lhe confere um certo valor ético, na medida em que são postas à prova as qualidades do jogador, sua força e tenacidade, sua habilidade e coragem e, igualmente, suas capacidades espirituais, sua lealdade. (HUIZINGA, 1999, p. 14) O jogo é um mistério para quem joga. Huizinga (1999) afirma que as leis e costumes do cotidiano não valem dentro do espaço do jogo. Talvez numa época em que não se falava em realidade virtual e na qual eram considerados como jogos apenas as competições atléticas, os jogos de tabuleiro, os jogos de azar, etc. Porque na atualidade, alguns jogos eletrônicos simulam as leis do cotidiano, quer seja para deturpá-las, quer seja para fazê-las valer como regras. Doria (1999, p. 153) afirma que qualquer interação social é já um jogo e tangencia a reta transdisciplinar entre o lúdico e a comunicação: Jogos, enfim, são trocas simbólicas entre pessoas, entre grupos; entre jogadores. Donde seu interesse para a comunicação. Freire (2005) considera as principais contribuições acerca do jogo, ou seja, os estudos de Huizinga, Caillois e Brougère como relativistas, onde os autores utilizam o mesmo procedimento, fragmentando-se o estudo em partes, ao invés de analisar a complexidade do todo. Dessa forma, certas características enumeradas pelos estudiosos como sendo do jogo, também caracterizam outros fenômenos. Ordem, ritmo, harmonia, tensão, isolamento, movimento, progressão: tudo isso caracteriza o jogo. E para além do lúdico, nas sociedades modernas, o jogo está associado à expressão de algo, como poética. Uma criança, um músico, um atleta, um ator se deixam envolver e são tomados inteiramente pela realidade do jogo, mesmo sem perder a consciência das atividades que exercem. No espaço real, o jogo assim se mostra. Mas, e no espaço virtual? Que características poderíamos enumerar acerca do jogo de tipo eletrônico? Podemos definir os videogames apenas a partir das premissas tradicionais de estudos sobre jogos? Até onde vão as intenções e o que está por trás do lúdico no virtual?
4 1.2 Os jogos eletrônicos Percurso histórico dos jogos eletrônicos É difícil encontrar autores brasileiros que discutam sobre os jogos eletrônicos. Por isso, nossa visualização histórica dos games está fundamentada nas contribuições de Alves (2005) e em sítios da internet. A primeira intenção de criação de um videogame se deu em 1958, com um jogo de tênis criado por Willy Higinbotham, que subestimou o próprio invento e não o patenteou. Na década de 60, Ivan Sutherland defende tese onde mostra o primeiro sistema de gráficos computacionais que geraria, mais tarde, os videogames. Em 1962, o designer Stephen Russel cria o primeiro videogame, reconhecido como tal, o Space War. O primeiro protótipo de um console, que é justamente toda máquina feita exclusivamente para videojogos, com funcionamento através da TV, só aparece em 1966, através de Ralph Baer. A criação de Baer foi o que começou a dar forma a uma verdadeira revolução: uma máquina que rodaria jogos na TV, com um custo acessível e com disponibilidade para qualquer indivíduo. Space War continha elementos que seriam depois utilizados em famosos jogos da década de 70, como Asteroids e Pong. Já em 1970, estudiosos dos Estados Unidos como Steve Jobs, Steve Wozniac, Bill Gates e Nolan Bushnell criam o Personal Computer, conhecido pela sigla PC. Bushnell simplifica o Space War, chamando-o de Computer Space, com circuitos ligados à TV preto-e-branco, o que configurou o primeiro arcade da história. Quem conhece um pouco de videogame acredita que o primeiro console foi o Atari Todavia, em 1972 chegava ao mercado o Odyssey 100, o primogênito dos consoles caseiros, desenvolvido por Ralph Baer e fabricado pela Magnavox, subsidiária da Philips. O Odyssey era bastante obsoleto e a prova disso eram as folhas de papel que acompanhavam o console para anotar os placares, pois os chips de memória ainda demandavam muitos recursos. Para se ter uma idéia do obsoletismo gráfico do console, vale lembrar que ele não tinha poder suficiente para gerar todos os pontos necessários para dar realismo ao jogo. Por isso, os usuários eram obrigados a colocar cartões plásticos na tela da TV para simular o campo do jogo (em um jogo de tênis, por exemplo, colocava-se um cartão verde para parecer grama)[1]. De qualquer forma, podemos vislumbrar a partir do Odyssey um novo conceito em games. Do tradicional Pinball, passou-se a jogos de esporte (basquete, tiro ao alvo, corrida de cavalo, moto). Mas as vendas caem, o desinteresse do público é geral, devido justamente ao obsoletismo dos gráficos, e Nolan Bushnell contra-ataca, modificando completamente os conceitos até aqui vistos quando o assunto era videogame. Nolan decide criar no mesmo ano de 1972 uma firma exclusiva para desenvolvimento de jogos, que seria chamada Syzygy, mas como já havia uma construtora com esse nome, resolveu chamar de Atari, que significa no português o referente à expressão xeque-mate do jogo de xadrez. A companhia inicia os trabalhos com o jogo Pong, um ping-pong eletrônico que obteve grande êxito com o público. Tal jogo foi responsável pelo surgimento da indústria dos videogames, pois já que o sucesso foi um fato, pensou-se em criar a versão caseira do jogo, o Home Pong. Nolan Bushnell enriquece e a indústria dos consoles caseiros e dos jogos eletrônicos acabava de nascer. Em 1976 surgem os consoles programáveis, onde havia a possibilidade da troca de jogos contidos em cartuchos, vendidos em lojas especializadas, dos quais são exemplos o Channel F e o Studio II. O primeiro console que o Brasil conheceu foi o Tele-jogo, lançado pela Philco. Os primeiros jogos do Tele-jogo foram: paredão, futebol e tênis. Tal console fez sucesso no início da sua comercialização, mas logo foi esquecido, pois danificava os aparelhos de TV na época.
5 Em novembro de 1977 é lançado o Atari VCS (Video Computer System), o videogame mais conhecido da história. Houve várias conversões de jogos de arcade para o Atari, que incorporou a concepção dos cartuchos do Channel F e tornou isso uma característica da indústria de games. O Atari VCS, depois de lançado, mudou o nome para Atari E, então, as expectativas foram frustradas, pois houve uma crise no setor. A tática das produtoras foi pressionar os fabricantes a produzirem jogos em quantidade triplicada, o que funcionou e gerou um crescimento de vendas no início dos anos 80. Porém, em 1984, o Atari 2600 fracassa e traz consigo um momento conhecido como o crash dos videogames. Em 1978 ressurge o Odyssey em sua segunda versão, o Odyssey 2. O console não superava o Atari 2600, pois o processador de imagens era mais lento e os gráficos muito quadrados. Os criadores apostaram no apelo de marketing em torno do lançamento. Para o Odyssey 2 foram lançados apenas vinte e quatro títulos em quatro anos. Já em 1979, surgiu o primeiro videogame portátil da história: o Microvision. Os jogos eram em preto-e-branco e foram lançados apenas dez títulos, sendo alguns de esporte e outros de guerra intergaláctica. No ano de 1980 surge o Intellivision. Foi concorrente do Atari 2600 e apresentava melhores gráficos. O público gostou dos jogos, mas odiou o controle que era frágil e de péssima jogabilidade. Vários periféricos foram lançados para o console, que prometia se transformar, no futuro, em um completo computador pessoal. Foram produzidos cerca de cento e vinte e cinco jogos, bastante diversificados quanto às temáticas. A terceira geração dos videogames nasce em 1982, com a estréia do ColecoVision. O que acontece quando uma companhia que produzia couro - a Conneticut Leather Company - e que quase foi a falência nos anos 70, resolve produzir um videogame? Simples, ela lançou o primeiro console que conseguiu a façanha de derrubar o poderoso Atari 2600, e que tinha o melhor hardware em sua geração. Muitos atribuem o título de "melhor console de todos os tempos" ao ColecoVision, devido aos excelentes gráficos para a época, e à seleção de jogos de altíssima qualidade e jogabilidade[2]. A principal característica do ColecoVision eram as conversões fidedignas dos jogos de arcade para o console. Os jogos do ColecoVision também variavam em suas temáticas, desde o esporte a jogos de aventura. Muitos periféricos foram lançados para o videogame. A concorrência o exigiu e a Atari lançou o Atari O grande problema do videogame foi o estranho controle que apresentou inúmeros defeitos e quebras. O console possuía bons jogos, porém péssimos controles na opinião dos jogadores. E isso o levou à fraca popularidade. A partir de 1981 há um crescimento instável e oscilante na indústria dos videogames, pois a empresa IBM lança os computadores pessoais (PCs), o que leva a uma queda das empresas de consoles, pois os usuários dos computadores e editores de jogos podiam manipular a técnica, a narrativa e a estética dos jogos, como atenta Alves (2005, p. 42): Os computadores, além de surgirem com intenção de mediação das atividades profissionais, propunham-se a ocupar o espaço de entretenimento e desenvolvimento de atividades pedagógicas. Diante desse novo universo de alternativas, as empresas de games começaram a desaparecer do cenário. Decretou-se, portanto, a morte dos videogames.
6 A crise era flagrante. E foi nessa época que a Microsoft de Bill Gates assinou um contrato com a empresa japonesa Ascii e criaram o MSX. A Ascii queria um computador para entrar em concorrência com os PCs da IBM. O MSX, dessa forma, foi um computador pessoal que rodava jogos em cartuchos e em fitas cassete, ou seja, era um computador-console. Contra as previsões apocalípticas do fim dos games e da substituição destes pelos computadores pessoais, o Japão, com a Nintendo, ressuscita o mercado. Em 1983, a Nintendo lança o Famicom japonês e insere o console no mercado americano com o nome NES (Nintendo Entertainment System), justamente o grande mentor da recuperação do mercado de jogos eletrônicos da época. Os seus concorrentes eram o Sega Master System e o Atari 7800, que possuíam gráficos e sons mais sofisticados do que os do NES. Porém, o console da Nintendo conseguiu mais adeptos devido ao lançamento adiantado em relação aos concorrentes, às campanhas publicitárias mais sedutoras, aos inúmeros títulos e à equipe de designers da Nintendo. O NES dominou o mercado até o início dos anos 90, quando nasce a quinta geração de consoles, liderada pelo Mega Drive e o Super Nintendo. No ano de 1988, dois anos depois do fracasso do Master System no mercado dos videogames, a empresa Sega lança o Mega Drive, o primeiro console de 16 bits da história. A plataforma possuía gráficos muito sofisticados para a época e uma excelente qualidade gráfica dos jogos convertidos dos arcades. Nos EUA, assumiu o nome Genesis. O Mega Drive possuiu mais de mil títulos, dentre os mais variados gêneros, destacandose, inclusive, o jogo Road Rash, que misturava corrida de motos e luta, um modelo que serviu de exemplo para muitos outros jogos atuais, como o Grand Theft Auto San Andreas. Além disso, em 1989, foi lançado no Japão o GameBoy, o minigame da Nintendo, que em sua primeira versão tinha jogos preto-e-branco, evoluindo para o GameBoy Color, com jogos a cores. Em 1990 a empresa SNK lança o Neo Geo, um dos videogames mais caros da história, com cartuchos de muita memória e grandes controles no formato arcade. A característica marcante dos jogos do Neo Geo é a predominância das temáticas de luta e tiro. A mesma empresa lançou o Neo Geo CD em 1994, que era similar ao primeiro, acrescido de um drive de CD. A Sega ainda lança em 1991, no Japão, o Mega CD, um periférico que aumentava as potencialidades gráficas e sonoras do Mega Drive, trabalhando com maior capacidade de armazenamento de dados, através da mídia CD. Nos EUA, o Mega CD foi chamado de Sega CD. No mesmo ano de 1990 surge o Super Nintendo, em concorrência com o Mega Drive. A disputa aumenta e a Sony entra no mercado em 1991, propondo um CD-ROM, o Playstation, para o Super Nintendo. Seria uma parceria com o objetivo de melhorar os gráficos com o recurso do CD. Porém, finanças e política rompem a parceria, ficando o projeto do Playstation com a Sony, que lança o console com o mesmo nome no final de Alves (2005, p. 44) bem mostra que a história dos videogames constituiu-se de oscilações no mercado desses produtos, por ações na justiça envolvendo as corporações e pela eterna busca de superação dos concorrentes no desenvolvimento de novos produtos. Ainda surgiram: o Game Gear da Sega, concorrente com o GameBoy da Nintendo; o Amiga CD32; o 3DO; o Atari Jaguar; o Sega Saturn, concorrente do Playstation; o Nintendo 64; o Sega Dreamcast, que foi à falência; o Playstation 2; o X-Box; o Gamecube e os atuais Playstation 3, Nintendo Wii e X-Box 360. Hoje em dia, Nintendo, Sony e Microsoft dominam a indústria do entretenimento eletrônico, se bem que os jogos para computador e de rede cresceram bastante. Atualmente todas as empresas trabalham com jogos no formato de CD-ROM: X-Box 360 (Microsoft), Gamecube e Wii (Nintendo), Playstation 3 (Sony), e com ligação à internet. O jogo analisado neste trabalho é disponível para os consoles Playstation 2, X-Box e para os computadores pessoais.
7 O fato é que, hoje, os jogos eletrônicos possuem simulações cada vez mais próximas da realidade. As imagens realistas chegam a fazer com que o jogador sinta como se estivesse dentro do jogo; ativo na trama como se fosse o personagem. Os games têm hoje tanta qualidade que concorrem com o realismo dos filmes, mas têm algo mais: são interativos As classificações dos jogos eletrônicos E essa aproximação dos jogos com o cinema não se dá apenas pela qualidade das imagens. Percebe-se que, progressivamente, os games trabalham com narrativas mais complexas, que introduzem técnicas e modelos discursivos cinematográficos tipos de planos, enquadramentos, montagem, ritmo, foco narrativo, elaboração de personagens, narrativas em primeira pessoa etc., nos quais os jogos se transformam em histórias interativas, construídas pelos próprios usuários, obviamente dentro dos limites permitidos pelos dispositivos. (ALVES, 2005, p. 47) Existem seis categorias de classificação dos games, estipuladas pelos próprios jogadores e pelas revistas especializadas. Atualmente, são aceitas as seguintes categorias: jogos de aventura, de estratégia, jogos de arcade, simuladores, jogos de esporte e RPG (ALVES, 2005, p. 70). Tais classificações não podem ser consideradas de forma isolada, pois em alguns casos é difícil de apontar qual o gênero que predomina. A aventura, por exemplo, está presente em muitos títulos que não são propriamente de aventura. Já os jogos de estratégia se confundem com os de guerra e tabuleiro. Há autores, como Myers (apud ALVES, 2005) que propõem classificar os jogos através da análise da interação simbólica entre o jogador e o jogo. De acordo com Fragoso (apud ALVES, 2005, p. 71) os jogos eletrônicos exigem duas capacidades específicas: a reação física (viso-motora) e o planejamento estratégico. Os jogos de reação física objetivam fazer com que o jogador reaja, em um curto espaço de tempo, aos estímulos visuais, ou seja, às formas que vão surgindo na tela. Fazem parte desse grupo as seguintes subcategorias, derivadas das seis categorias embrionárias: jogos de tiro, como Doom; jogos de combate, como Street Fighter; jogos adaptados do cinema, como O Rei Leão; jogos de esporte e os jogos de corrida. Os games de estratégia são aqueles que desenvolvem a capacidade de administração de recursos e planejamento em longo prazo. Estão nesse grupo os jogos que se desenvolvem dentro de um enredo, como os RPGs, e os que se desenvolvem dentro de uma lógica abstrata, como os quebra-cabeças, os jogos de tabuleiro e os chamados God Games, como The Sims, onde o objetivo é administrar uma vida. Existem também os jogos híbridos, que exigem a reação física e o planejamento estratégico, como por exemplo, Warcraft. O jogo GTA San Andreas é um misto de vários tipos de games. Permite dirigir uma vasta gama de veículos, desde motos a aviões supersônicos; jogar, dentro do próprio jogo, clássicos dos antigos videogames; administrar a vida do personagem principal, o Carl Johnson; participar de corridas de carro, como nos jogos específicos de corrida, e, principalmente, matar e roubar. Dessa forma, podemos considerá-lo um jogo híbrido, dotado de uma narrativa aberta, não tanto quanto um RPG, mas que permite muitas combinações e possibilidades, alternando entre as funções de reação motora e de planejamento estratégico. E se quisermos destacar um elemento predominante, este se chama violência. Estamos analisando, portanto, um game que reflete, talvez, o próprio jogo da vida, visto pela ótica de um gângster dos subúrbios norte-americanos.
8 1.3 A cultura dos jogos eletrônicos Em linhas gerais, o enredo conta a ascensão de CJ, de como ele passou de líder de uma pequena gangue a uma poderosa personalidade. Para isso, o game propõe diversas missões a serem realizadas e o jogador terá a oportunidade de participar de assaltos, assassinatos e outros tipos de crimes nas mais diversas situações. Mas essa aventura principal do game é apenas 50% do todo. [...] Nesse sentido, o jogo pode ser colocado na mesma categoria que um "The Sims", tamanha a liberdade que o usuário possui[3]. Vivemos um tempo de incertezas. Da nova relação com a técnica temos novos estilos de vida e as mídias eletrônicas, como a informática, por exemplo, têm agido fortemente sobre esse tempo. O conhecimento e a apreensão do mundo estão intimamente relacionados às novas tecnologias. Castells (2004, p. 17), ao tratar da internet, mostra-nos que o estudo das novas mídias, [...] sua lógica, linguagem e limites não são totalmente entendidos para além dos aspectos tecnológicos. As técnicas atuais possuem o mesmo valor cultural que as técnicas antigas, ou seja, elas influem na maneira com a qual as pessoas se relacionam em sociedade, num dado momento histórico. O computador estrutura a nossa experiência, como afirma Lévy (1993, p. 16): os produtos da técnica moderna, longe de adequarem-se apenas a um uso instrumental e calculável, são importantes fontes de imaginário, entidades que participam plenamente da instituição de mundos percebidos. Negroponte (1995, p. 81) é da mesma opinião que Lévy, ao dizer que existe uma polaridade (por mais artificial que seja) entre a tecnologia e as humanidades, a ciência e a arte, os lados direito e esquerdo do cérebro. A técnica de cada tempo faz com que a sociedade viva uma nova história. Dentro do contexto contemporâneo, os videogames, em gradativa evolução histórica, sofreram profundas mudanças quanto às potencialidades gráficas, jogabilidade, formas narrativas e riquezas perceptivas e sensório-motoras. Os jogos eletrônicos traduzem hoje em dia uma cultura própria da realidade das redes informáticas: a cultura da simulação O mundo simulado A simulação é um tipo de realidade não-linear, negociável e de construção cognitiva. A interação com os jogos permite o exercício da bricolagem. A realidade virtual amplia a criação. A esse respeito, Pierre Lévy (1993, p. 122) afirma que fazemos mais do que uma leitura do mundo, ou seja, exploramo-no: [...] programas de inteligência artificial podem ser considerados como simuladores de capacidades cognitivas humanas: visão, audição, raciocino, etc. Quando o usuário manipula o programa (um game, por exemplo) adquire intuição sobre ação/ efeito, causa/ conseqüência, podendo tal intuição ser classificada como um conhecimento por simulação. Essa realidade, portanto, funciona como uma imaginação feita através de imagens, sons e textos na tela. Dessa forma, temos um complemento externo ao ato da imaginação que provém da mídia eletrônica. A simulação, portanto, é uma imaginação auxiliada pelas tecnologias e os meios eletrônicos, a saber, o computador, a internet, os videogames etc. Freire (2005, p. 67) mostra que o ponto de convergência entre o jogo e o mundo objetivo é exatamente a simulação: Se o mundo do jogo desenrola-se na invisibilidade da subjetividade humana, sua tradução para o exterior, por mais que isso seja sutil, deixa vestígios
9 e um deles, embora possa não ser visível em todos os tipos de jogos, é o caráter da simulação. Ao ver alguém ou um grupo jogando, sabemos que jogam, em parte, porque sabemos que estão fazendo-deconta, que estão representando, e mais, se autorepresentando, e essa pode vir a ser a mais completa tradução, para o mundo exterior, que o jogo fornece. Baudrillard (1999, p. 24) é um dos autores que assumem posição contrária em relação à simulação e às técnicas do virtual, apontando-as como uma espécie de esvaziamento de sentido: "[...] a extensão incondicional do virtual (que não inclui somente as novas imagens ou a simulação a distância, mas todo o cyberespaço da geofinança [...] e o da multimídia e das auto-estradas da informação) determina a desertificação sem precedentes do espaço real e de tudo o que nos cerca". O novo modelo comunicativo, a nova cultura surgida neste século é fruto de quatro etapas na concepção de Castells (2004, p. 238): da integração entre formas tecnológicas e artísticas; da interatividade, como sendo o poder de comando do usuário em relação aos media; dos hipermeios, que representam a interligação das mídias e da imersão, ou seja, da inserção do usuário na simulação dos mundos virtuais. Castells (ibid.) chega a afirmar que vivemos numa virtualidade real. Construímos nossas interpretações a partir dos media, sendo essas interpretações, significados individuais. É inegável que a sociedade virtual incita automaticamente ao individualismo, visto que as atividades que antes eram realizadas socialmente, hoje o são de forma solitária. Portanto, há impreterivelmente uma perda da construção comum do entendimento. Nessa cultura da realidade virtual, a comunicação precisa de convenções de significados, dos quais a arte é um exemplo. Da mesma forma poderíamos pensar nos videogames como um tipo de protocolo, em atividade há vários anos, como foi visto no histórico dos jogos eletrônicos. Mas, afinal: se estamos falando de uma cultura da simulação, como se caracteriza esse novo mundo do ciberespaço? A eminência do virtual O senso comum considera virtual como um sinônimo de ilusão. Autores como Negroponte (1995) chegam a tratar do virtual de forma análoga ao conceito de realidade virtual (RV), limitando-se a observar a antiga indumentária de óculos 3D, capacetes e luvas, que propunham uma imersão dependente de tais equipamentos. Mas a realidade que o virtual dispõe vai muito além de artigos periféricos. Lévy (1996, p. 15) explica que em termos rigorosamente filosóficos, o virtual não se opõe ao real, mas ao atual: virtualidade e atualidade são apenas duas maneiras de ser diferentes. Ou seja, o virtual é aquilo que é possível, só não é exercido em ato. O virtual, portanto, não é o oposto do real, mas do atual. A virtualização é uma mudança de identidade, não uma anulação do real. É independente do momento e do lugar imediato (do aqui e agora). É o virtual que faz ressurgir uma cultura do nomadismo e da interação social, numa espécie de desterritorialização. Disso podemos concluir que no virtual vários espaços estão em coexistência, multiplicando-se cada vez mais, de forma que há um movimento de imbricação entre universos antes dicotômicos: público/ privado; subjetivo/ objetivo; leitor/ autor. A tendência agora é a construção individual de significados, ainda mais forte do que quando da eminência da técnica da escrita. Os corpos também passam por uma realidade da virtualização. Enxertos, próteses e extensões, como os dispositivos tecnológicos, transformam o nosso corpo em artefato. Nossas percepções passam a ser externalizadas através dos sistemas de comunicação, portanto, o corpo sai de si mesmo, adquire novas velocidades, conquista novos espaços. Verte-se no
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