TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Transcrição

1 fls. 143 SENTENÇA CONCLUSÃO Em 20 de março de 2019, faço estes autos conclusos ao(à) Dr(a). Cláudia Longobardi Campana, Mm(a). Juiz(a) de Direito da 8ª Vara Cível do Foro Regional de Santo Amaro. Eu (Sabrina de Fátima Guimarães Treu), escrevente, subscrevi. Processo nº Vistos, Arthur Bragança de Vasconcellos Weintraub propôs este procedimento comum cível em face de Rodrigo de Freitas Raymundo. Trata-se de obrigação de fazer cumulada com danos morais. Alega, em síntese, ser professor de direito da Universidade Federal de São Paulo UNIFESP e, no ano de 2017, juntamente com seu irmão, Abraham Bragança de Vasconcellos Weintraub, foi apresentado pelo, na época, deputado Jair Bolsonaro como sendo seu colaborador cientifico. Também compõe uma equipe de aconselhamento técnico e cientifico e responde por seus comunicados. O autor não ocultou seu posicionamento e interesse politico, contudo, passou a enfrentar contendas que superam o limite do aceitável. O diretório acadêmico XIV de Março, de alunos da UNIFESP, publicou em sua página do Facebook um "manifesto de repúdio" ao fato do autor prestar assessoria técnica ao Jair Bolsonaro. Utilizando-se de seu direito de resposta, o autor publicou eletronicamente uma resposta em sua pagina do Facebook e passou a ser atacado por diversos alunos, entretanto, em meio aos comentários, passou a ser hostilizado pelo réu, que publicou comentários extremamente tendenciosos. Inclusive, apresentou uma queixa-crime em face do réu. Requer que o réu seja condenado a realizar uma retratação das ofensas proferidas a ser publicada também no Facebook, bem como, condenação ao pagamento de R$ 5.000,00, a titulo de danos morais. Juntou documentos às fls. 15/41. Contestação às fls. 81/94. Preliminarmente, sustentou incompetência do Juízo de Santo Amaro, visto que, a competência deverá ser a do local em que os fatos

2 fls. 144 ocorreram, ou seja, comarca de Osasco-SP. Alegou que o réu é pessoa publica, bem como, a equipe que faz parte e que a publicação realizada foi uma afronta, fazendo referência e analogia às frases do atual Presidente Jair Bolsonaro, tanto é que na mesma publicação, chegou a se retratar, afirmando que não iria agredir ninguém. Afirmou ainda o Deputado Estadual Eduardo Bolsonaro teria se utilizado na nota de repúdio para angariar apoio a sua campanha e que se trata de uma discussão no calor das eleições, portanto, não fazendo jus a indenização por danos morais. Sustentou que há proteção constitucional ao direito de manifestação e falta de interesse de agir, visto que, o pedido relativo a retratação do réu, já foi satisfeito no momento da publicação. Pleiteia a concessão da gratuidade. Juntou documentos às fls. 95/98. Réplica às fls. 101/111. Deferida a gratuidade ao réu, fl Instadas a produzir provas, fl. 128, pelas partes foi requerido a produção de prova oral, fls. 134/135 e 136/140. Embargos de declaração opostos às fls. 130/133, opostos pelo réu. Embargos conhecidos, porém, rejeitados, fl É o relatório. Fundamento e Decido O processo encontra-se em situação de julgamento. A matéria é de direito e os documentos essenciais estão nos autos, desnecessárias outras provas. Julgo antecipadamente a lide, na forma do art. 355, inciso I do Código de Processo Civil. Inicialmente, afasto a preliminar de incompetência suscitada em contestação.

3 fls. 145 Tratando-se de pretensão indenizatória por danos morais, a ação deve ser ajuizada no lugar do ato ou fato, nos termos do art. 53, IV, a, do CPC, entretanto, os atos que teriam ocasionado prejuízos cuja reparação se busca ocorreram virtualmente, através do "Facebook", entende-se, portanto, que a demanda deve ser proposta no domicilio da vitima. Esse é o entendimento do ETJSP: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. Ação de obrigação de fazer. Repartição de competência entre os Foros Regionais e o Foro Central da Comarca de São Paulo define-se pelo critério funcional, de natureza absoluta. Demanda proposta no Foro Central, e enviada ao Foro Regional da Lapa, foro do domicílio do autor. Ação de indenização por dano moral em decorrência de ofensas através de página eletrônica da ré. Aplicação do artigo 53, IV, a do Código de Processo Civil. Competência do local de ocorrência do dano. Dano que ocorreu em todo o território nacional, mas, para fins de fixação de competência, deve se considerar o local do dano como domicílio da vítima, ora autor, local de maior repercussão, nos casos de danos decorrentes de ofensas na internet. Conflito procedente. Competência do Juízo Suscitante (4ª Vara Cível do Foro Regional IV Lapa). (TJSP; Conflito de competência ; Des. Rel. Ana Lucia Romanhole Martucci; Órgão Julgador: Câmara Especial; Foro Regional IV - Lapa - 4ª Vara Cível; Julgado em 29/10/2018) Também afasto a preliminar de falta de interesse de agir, visto que, o autor comprova o binômio necessidade e utilidade. Trata-se de ação indenizatória em que o autor pretende a reparação dos danos morais suportados em razão de constrangimento sofrido em decorrência de comentários realizados em rede social Facebook. É incontroverso que o réu realizou os seguintes comentários em uma postagem feita pelo autor: "Acho que esse cara faltou apanhar na vida, um sono no boca aqui um chute ali, só pra deixar de ser babaca", "e gente mal caráter a natureza costuma cuidar",

4 fls. 146 "Ikaro, fatou finalizar seu comentário: "Pra aprenderem que ensinar na base da porrada não funciona, porque se não aprenderem dessa forma serão eles que nos violentarão" ou você nunca ouviu falar de grupos neofacistas?" (fl. 05), "desculpa mas não da pra passar pano cara, toda hostilidade é pouca contra fachos, agora ninguém aqui é bárbaro a ponto de bater no maluco né... Quem faz isso é neofacista, crente que bate em pessoas de religião afro, pessoas que taxam anarquistas de terroristas, e por aí vai.. Só ver a ordem do dia dos jornais" (fl. 06). Também há o seguinte comentário logo abaixo de "Acho que esse cara faltou apanhar na vida, um sono no boca aqui um chute ali, só pra deixar de ser babaca": "eu não vou agredir ngm viu kkk só reconheço mal caráter"(fl. 85). Ofendido, o autor busca que o réu se retrate também através da mesma rede social, bem como, a reparação por danos morais. O artigo 5º da Constituição tutela a livre manifestação do pensamento, entretanto, também assegura, em seu inciso X, o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente da violação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem. Há aqui um choque de direitos fundamentais: a liberdade de manifestação do pensamento e o direito à intimidade, à honra e à imagem. Não há direito absoluto; entre os dois, algum deve prevalecer, e isso deve ser aferido de acordo com o caso concreto. Embora as palavras utilizadas pelo réu sejam pouco educadas e certamente não aconselháveis, verifica-se que são comentários realizados em momento que o pais estava passando por uma série de debates politicos. Sendo assim, as afirmações do réu são intenções predominantemente políticas, como se colhe dos documentos juntados pelo próprio autor e também dos argumentos da contestação. O réu usou o exercício de sua livre manifestação de pensamento, direito fundamental a todos assegurado, não podendo ser responsabilizado civilmente por esse

5 fls. 147 exercício regular de um direito. Também não houve afronta a honra do autor na comunidade, vez que transmite opinião politica do réu, que realmente assume uma postura crítica à posição do autor. O autor afirma que teria sido apresentado publicamente pelo Presidente Jair Bolsonaro, também afirma que nunca escondeu sua opinião politica. As pessoas públicas estão sujeitas a críticas além do suportado pelas pessoas consideradas normais, embora tais criticas também devam ser realizadas com razoabilidade e proporcionabilidade. Ainda que os comentários tenham sido rudes, levando em conta as discussões politicas que ocorreram no pais nas ultimas eleições, o que o autor viveu não passa de um dissabor. Cumpra-se salientar que houve comentários rudes, entretanto, não foram capazes de ensejar reparação, portanto, sopesando os principios constitucionais da livre manifestação e a não violação da intimidade, honra e imagem, entende-se que, no caso em tela, prevalece o direito a livre manifestação. Ressalte-se que há uma linha muito tênue entre a crítica pessoal (ensejadora de reparação) da crítica política (admitida e até salutar à democracia), portanto, eventuais criticas que vieram a ser realizadas pelo réu devem levar em conta o bom senso, a razoabilidade e a proporcionalidade. Nesse sentido: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - VEICULAÇÃO DE FATOS SUPOSTAMENTE OFENSIVOS À HONRA DE VEREADOR - OFENSAS PROFERIDAS EM PROGRAMA DE RÁDIO - INTENÇÃO DE OFENDER NÃO CONFIGURADA - OPINIÃO PÚBLICA- EXPRESSÕES NÃO DIRECIONADAS À PESSOA FÍSICA - VEREADOR SUJEITO À CRÍTICAS POLÍTICAS - HOMEM PÚBLICO - NÃO

6 fls. 148 OCORRÊNCIA DE CALÚNIA, INJÚRIA OU DIFAMAÇÃO - NÃO CARACTERIZAÇÃO DE ABALO MORAL - PLEITO INDENIZATÓRIO AFASTADO - SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS REFORMADA- PEDIDOS JULGADOS IMPROCEDENTES - RECURSO PROVIDO. Extrai-se da analise dos autos que todo o conflito se iniciou através de divergências politicas, não devendo o réu se retratar, trata-se do exercício de sua livre manifestação. Posto isso, JULGO IMPROCEDENTE A AÇÃO e EXTINTO O PROCESSO COM ANÁLISE DO MÉRITO NA FORMA DO ARTIGO 487 INCISO I DO CPC. Sucumbente, arcará o autor com as custas e despesas processuais e honorários advocatícios que fixo no total de R$1.000,00, por equidade. Neste sentido já se decidiu: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO Nº / "O novo CPC silencia quanto ao valor elevado dos honorários pelo critério de fixação entre 10% e 20%. Se o Código permite a aplicação da equidade para fixação de honorários a fim de que não sejam insignificantes (art. 85, 2º do novo CPC), tem-se que o mesmo critério pode ser utilizado para que os honorários não se tornem exorbitantes e elevados em verdadeira incompatibilidade com a natureza da causa. Sendo assim, o critério adotado no v. acórdão se mostra correto. Cabe, todavia, reconsiderar o valor fixado para elevá-lo para

7 fls. 149 P.R.I. São Paulo, 20 de março de Cláudia Longobardi Campana Juiz(a) de Direito R$ 4.000,00 diante dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade..." ISRAEL GÓES DOS ANJOS RELATOR DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE NOS TERMOS DA LEI /2006, CONFORME IMPRESSÃO À MARGEM DIREITA