BIBLIOGRAFIA COMENTADA SOBRE ANÁLISE DO DISCURSO FRANCESA
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- Mario Lucca Ávila
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1 BIBLIOGRAFIA COMENTADA SOBRE ANÁLISE DO DISCURSO FRANCESA Vânia Maria Lescano Guerra (UFMS) Esta bibliografia comentada apresenta-se, antes de tudo, como um instrumento de trabalho para todos aqueles que, a cada dia mais numerosos, trabalham com as produções verbais de uma perspectiva da análise do discurso. Com ela queremos marcar de alguma forma o território de um campo de pesquisas que é cada vez mais visível na paisagem das ciências humanas e sociais. É importante dizer que, no interior das ciências da linguagem, a análise do discurso não nasceu de um ato fundador, mas como resultado da convergência progressiva de movimentos com pressupostos extremamente diferentes, surgidos nos anos 60 na Europa e nos Estados Unidos. Tais movimentos desenvolvem-se em torno do estudo de produções transfrásticas, orais ou escritas, nos quais se busca compreender a significação social. A partir dos anos 80, e isso se vai acentuar consideravelmente nos anos 90, produziuse uma descompartimentalização generalizada entre as diferentes correntes teóricas que tomaram o discurso como objeto. Sendo a França um dos maiores centros de desenvolvimento da análise do discurso, os trabalhos da chamada Escola francesa e as reflexões de Michel Foucault, em A Arqueologia do saber, produziram uma imagem muito forte das pesquisas francófonas voltadas para a confrontação de investigações que se baseiam em universos teóricos diversos. Enfatizamos que as pesquisas em análise do discurso não são frutos de alguns espíritos originais, elas derivam de uma transformação profunda da relação que nossa sociedade estabelece com seus enunciados, presentes ou passados. Que o homem é um ser de linguagem, eis algo que não nos cansamos de repetir há muito tempo; que ele seja um homem de discurso, eis uma inflexão cuja dimensão ainda é impossível mensurar, mas que toca em algo de essencial (CHAREAUDEAU & MAINGUENEAU, 2004, p.17). E sobre a relevância de se trazer tal bibliografia é suficiente observar que obras que provocam debates são tão úteis, ou mais, do que as que fixam teorias e metodologias. Vamos a elas. ARAÚJO, I. L. Foucault e a crítica do sujeito. Curitiba: Editora da UFPR, 2001, 220 p. A autora aborda o tema central de Foucault: a crítica do sujeito. Alvo e produto de saberes e poderes, o sujeito é classificado por estes como são ou louco, legalista ou delinqüente, adulto ou criança, heterossexual ou homossexual, normal ou anormal. A obra expõe ainda a proposta de Foucault de uma ética da liberdade e uma estilística da existência, 158
2 como alternativas à normalização do sujeito moderno. A modernidade e a pós-modernidade são os temas tratados na parte final do livro. Contrapondo as idéias de Habermas e Foucault, a autora proporciona uma visão clara da crítica do primeiro ao segundo pensador, a qual envolve linguagem, discurso, marxismo, poder, sociedade disciplinar e sociedade emancipada. AUTHIER-REVUZ, J. Heterogeneidade(s) Enunciativa (s). [Trad. Celene M. Cruz e João W. Geraldi]. Cadernos de Estudos Lingüísticos (19), Campinas, SP: Editora da UNICAMP,1990, p O artigo mostra um estudo da articulação de recursos lingüísticos com casos de heterogeneidade mostrada marcada, visível na materialidade lingüística, da ordem da enunciação, em que intervêm três campos de conhecimento: a Lingüística, a Psicanálise e a Análise do Discurso. A obra traz uma reflexão sobre o sujeito e o fato de linguagem que nos faz conhecer, propondo a heterogeneidade do sujeito e de seu discurso, apoiada no dialogismo bakhtiniano e numa abordagem do sujeito em sua relação com a linguagem, baseada numa leitura lacaniana de Freud. Nessa perspectiva, o sujeito dividido, descentrado, mas com a ilusão de sujeito autônomo, na impossibilidade de fugir da heterogeneidade constitutiva de todo discurso, procura negociar a presença do outro por meio das marcas da heterogeneidade mostrada, expressando, dessa maneira sua ilusão de unidade, de dominância. BAKHTIN, M. Marxismo e Filosofia da Linguagem. [Trad. Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira] São Paulo: Editora Hucitec, 1995, 203 p. Publicado na Rússia em 1929, esse livro tornou-se um clássico. Nele, Bakhtin desenvolveu uma filosofia da linguagem de fundamento marxista, mas sem as limitações das ortodoxias oficiais da época. A natureza ideológica do signo lingüístico, o dinamismo próprio de suas significações, a alteridade que lhe é constitutiva, o signo como arena da luta de classes, as críticas ao conservadorismo das posições formalistas; as críticas a Saussure e, lidas hoje, sua adequação ao estruturalismo, os fenômenos de enunciação que a semântica moderna tanto preza, as análises dos diferentes tipos de discurso (direto, indireto, indireto livre, etc.) são alguns dos temas que o leitor encontrará neste livro. BRAIT, B. (Org.) Bakhtin, dialogismo e construção do sentido. Campinas: Editora da UNICAMP, 1997, 386 p. Importante contribuição para o conhecimento da obra de Mikhail Bakhtin. Mostra o percurso de sua reflexão sobre a linguagem, desde os círculos de estudos na União Soviética, na primeira metade do século XX, até sua introdução e divulgação no Brasil, a partir da década de Trata-se de um livro que reúne artigos de especialistas brasileiros e franceses diretamente envolvidos com as questões debatidas no Colóquio Internacional R G L, n. 5, jun
3 Dialogismo, cem anos de Bakhtin, ocorrido no Departamento de Lingüística da USP em 1995 e que, a partir dele, elaboraram os textos da coletânea. Como forma de homenagear o pensador russo, o livro traz reflexões sobre a linguagem que têm marcado diferentes áreas do conhecimento, e também vem mostrar e problematizar as diferentes maneiras como as teorias bakhtinianas vêm sendo trabalhadas atualmente. BRANDÃO, H. H. N. Introdução à Análise do Discurso. 2. edição Campinas: Editora da UNICAMP, 1995, 124 p. Percorrendo a trilha aberta por Saussure, a autora discute a dicotomia existente entre língua e fala e usa o discurso como ponto de articulação dos processos ideológicos e dos fenômenos lingüísticos. Para ela, qualquer estudo da linguagem é hoje tributário de Saussure, quer tomando-o como ponto de partida, assumindo suas postulações teóricas, quer rejeitando-as. E dentre os que rejeitam tais postulações está Bakhtin que, com seus estudos, antecipa de muito as orientações da lingüística moderna. O teórico russo parte do princípio de que a língua é um fato social cuja existência funda-se nas necessidades de comunicação. No entanto, afasta-se do mestre genebrino na visão da língua como algo concreto, fruto da manifestação individual de cada falante, valorizando dessa forma a fala. A obra pretende ser uma teoria crítica da linguagem, evidenciando que a Análise do Discurso de orientação francesa surge como uma luta contra qualquer forma de cristalização do conhecimento, daí o fato de suas fronteiras se confinarem com as determinadas áreas das ciências humanas, como a História, a Psicanálise, a Sociologia. CHARAUDEAU, P. e MAINGUENEAU, D. (Orgs.) Dicionário de análise do discurso. [Trad. Fabiana Komesu et al.] São Paulo: Editora Contexto, 2005, 555 p. Neste livro, Patrick Charaudeau e Dominique Maingueneau, duas das maiores autoridades mundiais no assunto, fazem um mapeamento completo dos principais conceitos da Análise do Discurso, por meio de mais de quatrocentos verbetes, escritos com a colaboração de cerca de trinta dos mais conceituados especialistas internacionais da área. A edição brasileira fruto de uma caprichada e criteriosa tradução, confiada a um seleto grupo de estudiosos e pesquisadores do assunto no Brasil é uma obra de referência pioneira, até aqui única no gênero, indispensável a todos os que se dedicam a analisar a construção e a desconstrução de sentidos presentes na fala e no texto. CORACINI, M. J. R. F. Análise do Discurso: em busca de uma metodologia. D.E.L.T.A. São Paulo, v. 7, n.1, fev.1991, p Neste clássico artigo, Coracini mostra como a escolha da orientação metodológica determina os resultados e pressupõe uma teoria do significado. Para isso, traz exemplos 160
4 extraídos de artigos científicos primários do português e do francês (relatos de experiências) com o objetivo de mostrar as semelhanças e diferenças no funcionamento dos textos nas duas línguas quando elas se mostrarem relevantes. Com isso, o artigo deixa transparecer que a metodologia de Análise de Discurso, que privilegia as condições de produção como norteadoras de sua análise, na medida em que não fecha a questão, pré-derminando formas lingüísticas capazes de veicular subjetividade ou objetividade, denotação ou conotação, está mais apta a assimilar uma visão pós-modernista de ciência que, apesar de reconhecer no peso da instituições que impõem limites aos jogos de linguagem e assim restringem a inventividade dos parceiros em matéria de lances, entende que é possível romper com as regras pré-estabelecidas se os limites da antiga instituição forem ultrapassados. FIORIN, J.L. As astúcias da enunciação: as categorias de pessoa, espaço e tempo. São Paulo: Editora Ática, 1996, 318 p. Conciliando os postulados teóricos da análise do discurso e da enunciação, o livro faz uma ampla descrição das categorias de pessoa, espaço e tempo em língua portuguesa com ampla exemplificação. Na esteira dos trabalhos dos fundadores do que se poderia chamar uma Lingüística da Enunciação, Fiorin estuda minuciosamente tais categorias, examinando como nossa língua as organiza e as manifesta. Trata-se de um trabalho inovador, porque, de um lado, o autor analisa, de um modo diferente, certos fatos da língua, como descrever o sistema temporal não a partir das formas existentes para expressar o tempo, mas de um conjunto de relações semânticas manifestadas pelas formas temporais; de outro, porque examina tópicos que, embora de capital importância no português, são pura e simplesmente ignorados pela quase totalidade de nossos gramáticos, como, por exemplo, a concordância dos tempos. FOUCAULT, M. A ordem do discurso. [Trad. Laura F. A. Sampaio]. 12. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2005, 80 p. Nesta obra, o autor desvenda a relação entre as práticas discursivas e os poderes que as permeiam. Ao percorrer os diversos procedimentos que cerceiam e controlam os discursos na sociedade, o autor comprova que o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo pelo que se luta, o poder de que queremos nos apoderar. Foucault anuncia a direção em que prosseguirá suas investigações no decorrer dos cursos no Collège de France, apontando para o que denomina o conjunto crítico e o conjunto genealógico. R G L, n. 5, jun
5 GREGOLIN, M. R. V. Foucault e Pêcheux na Análise do Discurso: diálogos e duelos. São Carlos: Editora Claraluz, 2004, 220 p. Este livro apresenta um retorno à história da constituição da Análise do Discurso, acompanhando os diálogos / duelos teóricos entre Michel Foucault e Michel Pêcheux, por meio dos quais se tramaram os fios de uma teoria do discurso que propôs um novo olhar para o sentido, o sujeito e a História. Essa proposta epistemológica leva-nos a acompanhar uma trajetória que se inicia na França, nos anos 1960 e que se insere nas discussões sobre o estruturalismo e o marxismo, numa teia de diálogos que se estabeleceu com Saussure, Freud, Marx e Nietzsche, a partir de releituras feitas por Althusser, Lacan, Barthes e vários outros pensadores que compartilharam esse momento histórico de intensa produção de espirais de conhecimentos. Ao vasculhar esses textos fundadores e enxergar a historicidade da constituição de um campo do saber, o objetivo deste livro é ressaltar a espessura histórica dos conceitos que sustentam os trabalhos brasileiros de análise do discurso. MAINGUENEAU, D. Novas tendências em Análise do Discurso. [Trad. Freda Indursky]. Campinas: Editora Pontes, 1993, 198 p. Esta tradução do francês coloca o leitor em contato com os novos pontos de referência para a reflexão acerca da Análise do Discurso de uma ótica interdisciplinar. Segundo o autor, o objetivo crucial é o de construir interpretações sem jamais neutralizá-las, seja por meio de uma minúcia qualquer de um discurso sobre o discurso, seja no espaço lógico estabilizado com pretensão universal. Assim, a obra propõe que a análise do discurso dependa sempre das ciências sociais e de seu aparelho assujeitado à dialética da evolução científica que domina esse campo. Com isso, o analista do discurso vem trazer sua contribuição às hermenêuticas contemporâneas. Como todo hermeneuta, ele supõe que um sentido oculto deve ser captado, o qual, sem uma técnica apropriada, permanece inacessível. ORLANDI, E.P. Análise do discurso. Princípios e procedimentos. 5. ed. Editora Pontes, p. Uma proposta de reflexão sobre a linguagem, sobre o sujeito, sobre a história, sobre a ideologia para os interessados no estudo do funcionamento da linguagem. A autora problematiza as maneiras de ler, leva o sujeito falante ou o leitor a se colocarem questões sobre o que produzem e o que ouvem nas diferentes manifestações da linguagem; saber que não há neutralidade nem mesmo no uso mais aparentemente cotidiano dos signos incorre na percepção de que não podemos não estar sujeitos à linguagem, a seus equívocos, sua opacidade. Segundo a obra, essa contribuição da análise do discurso coloca-nos em estado de reflexão e, sem cairmos na ilusão de sermos conscientes de tudo, permite-nos ao menos sermos capazes de uma relação menos ingênua com a linguagem. Assim, o discurso é entendido como movimento dos sentidos, errância dos sujeitos, lugares provisórios de 162
6 conjunção e dispersão, de unidade e de diversidade, de indistinção, de incerteza, de trajetos, de ancoragem e de vestígios, isto é, o ritual da palavra. PÊCHEUX, M. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. [Trad. Eni Orlandi]. Campinas: Editora da UNICAMP, 1975, 318 p. Para o autor, a semântica é o ponto nodal em que a lingüística tem a ver com a filosofia e a ciência das formações sociais. A partir dessa concepção discursiva da semântica, o autor desenvolve uma reflexão crítica sobre a produção de conhecimentos científicos e a questão da prática política. Sendo Pêcheux o iniciador da Escola Francesa de Análise do Discurso, que hoje se desenvolve sob várias perspectivas nos trabalhos de um conjunto de autores bastante diferenciado entre si, este livro representa um momento de sua reflexão (1975), num percurso em que ele mesmo se defrontou com questionamentos, limites e reavaliações que o levaram, com seus escritos posteriores, a precisar certos conceitos, aprofundar alguns e abandonar, provisoriamente, outros. Movimento natural em uma forma de reflexão que não se pretende fixista mas, ao contrário, teoricamente crítica. REVEL, Judith. Foucault: Conceitos essenciais. [Trad. Maria do Rosário Gregolin et al]. São Carlos: Editora Claraluz, 2005, p.96. Esse livro apresenta conceitos essenciais por meio dos quais se exprime o pensamento teórico e filosófico de Michel Foucault. A apresentação das principais noções foucaultianas na forma de um vocabulário tem como princípio a idéia de que um filósofo só pode ser compreendido por meio de sua língua, de seu vocabulário próprio. Por sua abrangência e consistência na reunião de 33 conceitos essenciais, esse livro constitui uma privilegiada via de acesso à leitura e à compreensão da obra de Foucault. Ao apresentar conceitos essenciais, o livro leva em consideração toda a complexidade da obra do filósofo francês. Ao mesmo tempo, a autora procura preservar o movimento das conceituações e tornar compreensível a coerência fundamental da reflexão foucaultiana. Assim, ao operar escolhas e eleger conceitos essenciais, a autora torna visíveis certas passagens da contínua problematização foucaultiana, e, por meio de um jogo de remissões, tece sistematicamente a trama a partir da qual é tecido o percurso filosófico de Foucault. R G L, n. 5, jun
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