BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 577

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1 BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 577 (ano VIII) (02/04/2016) ISSN - - Boletim Conteúdo Jurídico - ISSN BRASÍLIA

2 Conselho Editorial COORDENADOR GERAL (DF/GO/ESP) - VALDINEI CORDEIRO COIMBRA: Fundador do Conteúdo Jurídico. Mestre em Direito Penal Internacional Universidade Granda/Espanha. Coordenador do Direito Internacional (AM/Montreal/Canadá): SERGIMAR MARTINS DE ARAÚJO - Advogado com mais de 10 anos de experiência. Especialista em Direito Processual Civil Internacional. Professor universitário Coordenador de Dir. 55 Administrativo: FRANCISCO DE SALLES ALMEIDA MAFRA FILHO (MT): Doutor em Direito Administrativo pela UFMG. Coordenador de Direito Tributário e Financeiro - KIYOSHI HARADA (SP): Advogado em São Paulo (SP). Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP. Coordenador de Direito Penal - RODRIGO LARIZZATTI (DF/Argentina): Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino - UMSA. País: Brasil. Cidade: Brasília DF. Contato: editorial@conteudojuridico.com.br Disponível em: Boletim Conteu do Jurı dico Publicação diária Circulação: Acesso aberto e gratuito 1

3 SUMÁRIO COLUNISTA DO DIA 02/04/2016 Eduardo Luiz Santos Cabette» STF declara o trânsito em julgado da pena de morte aplicada à Constituição brasileira ARTIGOS 02/04/2016 Bianca Dutra Batista» Tutelas jurisdicionais de urgência e evidência à luz do Código de Processo Civil 02/04/2016 Rafaela Alban» Sexo e gênero: breve análise do sujeito passivo da lei Maria da Penha à luz dos estudos Queer 02/04/2016 Carlos Eduardo Lamboglia Cavalcanti Filho» O prazo prescricional das ações de responsabilidade civil em face do poder público 02/04/2016 Lara Caxico Martins Miranda» Trabalho escravo contemporâneo urbano 02/04/2016 Lucas Silveira Pordeus» Direito, ciência e norma jurídica: breves considerações à luz do construtivismo lógico semântico e da teoria sistêmica de Luhmann 02/04/2016 Fernanda Isabela de Figueiredo» Da captação ilícita de sufrágio: principais aspectos materiais e processuais 02/04/2016 Tauã Lima Verdan Rangel» O Comentário Geral nº 22 ao Pacto Internacional de Direito Civis e Políticos: Ponderações aos Direitos de Liberdade de Pensamento, de Consciência e de Religião MONOGRAFIA 02/04/2016 Vitor Carvalho Curvina Costa de Araujo» O pedágio e a sua natureza jurídica 2

4 STF DECLARA O TRÂNSITO EM JULGADO DA PENA DE MORTE APLICADA À CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA EDUARDO LUIZ SANTOS CABETTE: Delegado de Polícia, Mestre em Direito Social, Pós graduado com especialização em Direito Penal e Criminologia, Professor de Direito Penal, Processo Penal, Criminologia e Legislação Penal e Processual Penal Especial na graduação e na pós graduação da Unisal e Membro do Grupo de Pesquisa de Ética e Direitos Fundamentais do Programa de Mestrado da Unisal. Em recente decisão (HC /SP, Rel. Min. Teori Zavaski) o Supremo Tribunal Federal, suposto Guardião da Constituição, alterou entendimento daquela própria corte superior sobre a questão do trânsito em julgado de decisões condenatórias criminais sobre as quais pendem recursos na via extraordinária (recursos extraordinário ou especial). 55 O entendimento anterior, em acordo com a Constituição Federal no que tange ao Devido Processo Legal e seus princípios constituintes, tais como o da Presunção de Inocência, Duplo Grau de Jurisdição, Regra da Liberdade Provisória etc., era o de que, pendente recurso na via extraordinária, não se poderia falar em trânsito em julgado e, portanto, o réu somente ficaria preso, aguardando esses julgamentos nos casos em que se justificasse a Prisão Preventiva (artigo 312, CPP). Eis que a Corte Suprema dá uma guinada total no entendimento e passa a afirmar que o Duplo Grau de jurisdição deve ser interpretado ao pé da letra, que a Presunção de Inocência somente tem validade até o julgamento do primeiro recurso na via ordinária e que o trânsito em julgado já ocorre no momento em que essa decisão e segunda instância é proferida. Como bem afirma Sannini Neto, trata-se de uma decisão política (no pior sentido da palavra) do STF, visando posar bem perante a chamada opinião pública, [1]esse ente abstrato e Disponível em: 3

5 amorfo. Deformar a Presunção de Inocência não vai resolver a mora no julgamento dos recursos, não vai agilizar a justiça e, muito menos, vai ensejar uma prestação jurisdicional melhor. Decisão transitada em julgado, por obviedade, não pode jamais ser aquela sobre a qual ainda pende recurso, mesmo que seja em via extraordinária. Não adianta fazer contorcionismos jurídicos e expor erudição. Isso é só uma capa de falsa legitimação para um decisório que perverte todo o sistema de garantias, tão somente para aderir a uma atividade judicante simbólica e demagógica. Muitas vezes ocorre o que Aires afirma: o que a ciência nos traz é sabermos errar com método ou legitimar o erro. [2] A decisão do STF procura colocar a culpa na falta de celeridade da Justiça brasileira nos advogados que simplesmente usam dos recursos disponíveis na legislação. Ora, o advogado recorre, o Judiciário não julga em tempo, o Ministério Público não cumpre prazos à risca e a culpa é do advogado e do indivíduo submetido à jurisdição? Qual a lógica disso a não ser uma lógica pervertida, uma lógica do bode expiatório eleito arbitrariamente para desviar o foco dos verdadeiros problemas? Tratando das famigeradas propostas do Ministério Público Federal para suposto combate eficaz (sic) à corrupção (propostas estas também meramente simbólicas e midiáticas), assim se manifesta Dotti a respeito da prescrição, com plena aplicabilidade ao que ocorre com o decisum atabalhoado do STF sob comento: Fica muito claro, na própria definição do instituto, que a causa determinante da prescrição é oimobilismo do Estado e não a atuação da defesa na interposição de recursos cabíveis, cuja demora para julgá-los 4

6 não pode ser atribuída ao cidadão, mas deve ser debitada ao Judiciário. Em outras palavras: a responsabilidade é de natureza pública. E ainda quando a chicana vencer os limites éticos impostos ao advogado para alcançar o benefício da prescrição, valendo-se da omissão do juiz tardinheiro ou prevaricador, a teoria do domínio do fato deve ser utilizada por analogia, porque ao magistrado incumbe prover à regularidade do processo (CPP, art. 251). Ele tem o poder de controlar a continuidade ou a paralisação da ação tipicamente ilícita (violação de normas éticas legalmente estabelecidas). Com efeito, o partícipe, ou seja, o advogado da parte, não domina, por si só, a reprovável estratégia cujo bom êxito depende da nociva contribuição causal por omissão ou ação do Ministério Público e/ou do Juiz (grifos nossos). [3] 55 A responsabilidade estatal não pode ser jogada nas costas dos advogados e muito menos dos cidadãos. A celeridade do processo é obrigação do Estado que não pode simplesmente se desincumbir nomeando um bode expiatório e adotando uma postura populista, desprovida de qualquer rigor científico, jurídico e mesmo ético. A verdade é que o Judiciário e o Ministério Público vão se alinhando a uma postura altamente reprovável de adesão irresponsável ao mais rasteiro populismo penal. Nesse quadro: Disponível em: 5

7 Os direitos fundamentais, antes entendidos como trunfos civilizatórios contra maiorias de ocasião e limites intransponíveis às perversões inquisitoriais, passaram a ser percebidos pela população em geral, e pelos atores jurídicos em particular, como obstáculos à eficiência repressiva do Estado.[4] Não é possível fazer justiça somente com o desejo de aparentar estar fazendo justiça. A Justiça não é uma aparência, uma formalidade, uma bravata, ela tem de ser substancial, concreta e real. Não pode haver justiça quando esta se exercita por algum fim que não seja por ela só; nem pode ser justo nunca quem tem por objeto principal a glória de o parecer. [5]Parecer justo não é ser justo. Querer aparecer como justo perante a chamada opinião pública, na mídia fluida das redes, das conversas, das opiniões descompromissadas, é algo inclusive que se pode classificar de leviano. Ademais, se trata de aderir a uma guerra estúpida, aquela denominada por Delmas Marty de guerra aos direitos humanos. [6] Realmente é lamentável que o STF tenha se submetido a uma perversão tamanha a ponto de deixar seu posto de Guardião da Constituição para se tornar seu carrasco e coveiro. E tudo em nome de uma posição confortável, de uma acomodação e blindagem a críticas de setores que sequer têm a menor noção do que sejam as garantias individuais e sua importância. REFERÊNCIAS AIRES, Mathias. Reflexões sobre a vaidade dos homens. São Paulo: Escala,

8 CASSARA, Rubens R. R. A ampliação das hipóteses de prisão preventiva: uma corrupção das conquistas civilizatórias. Boletim IBCCrim. n. 277, p , dez., DELMAS MARTY, Meirelle. The paradigma of the war on crime. Legitimating inhuman treatment? Journal of International Criminal Justice. Vol. 5, p , jul., DOTTI, René Ariel. Prescrição e impunidade: responsabilidade pública. Boletim IBCCrim. n. 277, p , dez., SANNINI NETO, Francisco. STF e o Novo Paradigma da Presunção de Inocência. Disponível emwww.jusbrasil.com.br, acesso em NOTAS: 55 [1] SANNINI NETO, Francisco. STF e o Novo Paradigma da Presunção de Inocência. Disponível emwww.jusbrasil.com.br, acesso em [2] AIRES, Mathias. Reflexões sobre a vaidade dos homens. São Paulo: Escala, 2005, p. 106 e 115. [3] DOTTI, René Ariel. Prescrição e impunidade: responsabilidade pública. Boletim IBCCrim. n. 277, dez., 2015, p. 15. [4] CASSARA, Rubens R. R. A ampliação das hipóteses de prisão preventiva: uma corrupção das conquistas civilizatórias. Boletim IBCCrim. n. 277, dez., 2015, p. 21. [5] AIRES, Mathias. Op. Cit., p [6] DELMAS MARTY, Meirelle. The paradigma of the war on crime. Legitimating inhuman treatment?journal of International Criminal Justice. Vol. 5, jul., 2007, p Disponível em: 7

9 TUTELAS JURISDICIONAIS DE URGÊNCIA E EVIDÊNCIA À LUZ DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL BIANCA DUTRA BATISTA: Acadêmica do 9º Semestre do Curso de Direito da Universidade Camilo Castelo Branco - Fernandópolis-SP. AILTON NOSSA MENDONÇA[1] RESUMO: Pela proposição da analisada legislação pertinente e no entendimento doutrinário sobre as tutelas jurisdicionais, pode-se verificar que as tutelas provisórias se subdividem em tutela de urgência e tutela de evidência. Porquanto, a tutela de urgência é gênero e possui como espécies a tutela antecipada e a cautelar. Os dispositivos legais das referidas tutelas estão dispostos na Lei nº , de 16 de março de 2015, Código de Processo Civil, especificamente no Livro V. Serão abordadas as descrições de cada tipo de tutela, bem como o procedimento jurisdicional, realçando a importância de cada uma e aproximando todas as medidas quanto ao seu objetivo em comum que através da moderna Lei Processual Civil visa a um processo efetivo, justo, tempestivo e adequado para que a nova concepção processual transforme o mecanismo do Poder Judiciário em uma prestação jurisdicional de forma mais simples e eficiente. Palavras chave: Tutelas provisórias. Tutela de urgência. Tutela antecipada e cautelar. Tutela de evidência. Procedimentos. ABSTRACT: The proposition analyzed relevant legislation and doctrinaire understanding ofjurisdictional guardianships, it can be seen that the provisional guardianships are divided into emergency trusteeship and guardianship of evidence. Because theemergency protection is gender and species has as injunctive relief and injunctive. Thelegal provisions of these guardianships are of Law No. 13,105, of March 16, 2015, CivilProcedure Code, specifically in Book V will address the descriptions of each type ofguardianship and 8

10 the court procedure, stressing the importance of each andapproaching all measures as to their common goal that through modern Civil procedural Law aims at an effective process, fair, timely and appropriate to the newprocedural design transform the mechanism of the judiciary on a judicial assistanceform over simple and efficient. Key - words: Temporary Guardianship. Emergency Protection. Early and Injunctive Relief. Trusteeship Evidence. Procedures. INTRODUÇÃO Em busca de uma melhor convivência social foram criadas as normas para que o comportamento humano seja restrito à legalidade. Desta forma, surgiram as leis que disciplinam o ramo do Direito. 55 O Direito Processual Civil Brasileiro busca uma efetiva pacificação de conflitos com justiça para que a sociedade possa viver em harmonia. Quando nos deparamos com a demora na entrega da prestação jurisdicional, estamos diante de inúmeros prejuízos, não só para as partes do litígio, como também para a sociedade em geral. Nada adianta se o Judiciário não conseguir garantir uma efetiva relação processual, tornando-se ineficientes as medidas judiciais, por tal motivo é que a justiça deve, em tempo razoável, garantir o devido processo legal. Nesse sentido leciona FILHO (2015, p. 08): Na dinâmica forense, verificamos que a entrega da prestação jurisdicional é retardada não apenas pela complexidade procedimental da demanda, como também pelo volume dos serviços judiciais, o que impede o magistrado de Disponível em: 9

11 pacificar o conflito de interesse no espaço de tempo esperado. A situação examinada nos faz concluir pela necessidade de que o processo seja desburocratizado, que a forma exacerbada seja desprestigiada, que o fim prevaleça em relação ao meio. Afinal, o Direito não é apenas baseado na aplicação das leis, visto que os homens são de suma importância para a devida aplicação prática, buscando a eliminação dos conflitos de interesses. A nova sistemática processual civil brasileira busca a efetivação do alcance dos princípios, direitos e garantias fundamentais expressamente já previstos na Constituição Federal Brasileira, visando à pacificação de conflitos sociais, com a real aplicação dos princípios da celeridade processual, instrumentalidade das formas, devido processo legal e economia processual. Especificamente, o artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, dispõe que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito, demonstrando a importância da aplicabilidade da tutela preventiva e da apreciação jurisdicional, garantindo assim a segurança jurídica e a efetividade da jurisdição. Assim, visando a todas estas garantias é que a lei processual, através da tutela provisória, que é gênero, pode fundamentar-se nas espécies de urgência e evidência, sendo a primeira dividida em acautelatórias ou satisfativas, proporcionando uma nova sistemática protetiva, em um tempo justo, àqueles que necessitam, em garantia do não perecimento do Direito. A tutela de urgência busca primeiramente afastar o periculum in mora, evitando assim um prejuízo grave ou de difícil 10

12 reparação, possuindo como espécies as medidas da antecipação de tutela, de forma satisfativa, e as medidas cautelares, para afastar o risco de inutilidade do processo, ao passo que a tutela de evidência é deferida desde que fique demonstrada a certeza de um direito. 1- TUTELA DE URGÊNCIA A tutela de urgência possui como fundamento principal a existência concreta de uma emergência a ser analisada, desde que demonstrada na relação processual a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo, conforme a norma processual civil estabelece em seu artigo 300, buscando, assim, a proteção de um direito material. Nesse sentido, ressalta-se 55 o entendimento de FILHO (2015, p. 09): (...) o autor não pode conviver com a demora do processo, sob pena de suportar prejuízo grave ou de difícil reparação, o que justifica o posicionamento do magistrado a respeito de determinada questão do processo antes da sentença. A decisão crítica deve estar devidamente comprovada, bem como o risco de que a decisão final possa ser ineficaz, alterada ou agravada, portanto, é de suma importância a presença dos requisitos do periculum in mora[2] e do fumus boni iuris[3], tanto para a concessão da tutela satisfativa quanto a cautelar, devendo estar presentes ambos os requisitos no mesmo caso a ser analisado. Assim, poderá o magistrado decidir algo imprescindível antes da sentença, ou seja, no curso do processo. Importante ressalvar que a tutela de urgência possui caráter provisório, podendo o magistrado, de acordo com o seu livre convencimento e as provas produzidas no curso da instrução processual, modificar a tutela deferida anteriormente ao prolatar a sentença judicial. Disponível em: 11

13 Para melhor análise do juízo, a referida tutela apenas deve ser deferida após se ter a convicção da necessidade de sua urgência, por tal motivo a concessão pode ser dada em caráter liminar, quando for certa a sua necessidade, ou após justificação prévia, quando a parte requerente comprovar em audiência a efetiva emergência. Deverá o requerente beneficiado com a tutela de urgência em determinados casos indenizar a parte contrária, devendo o procedimento de indenização ocorrer nos mesmos autos, caso ocorram prejuízos com a efetivação da tutela, estabelecendo a norma processual civil casos específicos em seu artigo 302 que dispõe: Independentemente da reparação por dano processual, a parte responde pelo prejuízo que a efetivação da tutela de urgência causar à parte adversa, se: I - a sentença lhe for desfavorável; II - obtida liminarmente a tutela em caráter antecedente, não fornecer os meios necessários para a citação do requerido no prazo de 5 (cinco) dias; III - ocorrer a cessação da eficácia da medida em qualquer hipótese legal; IV - o juiz acolher a alegação de decadência ou prescrição da pretensão do autor. Parágrafo único. A indenização será liquidada nos autos em que a medida tiver sido concedida, sempre que possível. Portanto, o juiz concederá a tutela provisória de urgência após a análise do caso concreto e verificada a presença dos requisitos necessários à sua concessão. 1.1 TUTELA ANTECIPADA 12

14 A tutela antecipatória, que é uma espécie da tutela de urgência, possui natureza satisfativa. Por meio dela, o juiz profere decisão interlocutória no curso do processo, buscando a antecipação dos efeitos que só seriam alcançados com a sentença. Disciplina DIDIER (2015, p. 567): A tutela provisória satisfativa antecipa os efeitos da tutela definitiva satisfativa, conferindo eficácia imediata ao direito afirmado. Adianta-se, assim, a satisfação do direito, com a atribuição do bem da vida. No mesmo sentido também ficou estabelecido no Enunciado nº 28 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: Tutela antecipada é uma técnica de julgamento que serve para adiantar efeitos de qualquer tipo de provimento, de natureza cautelar ou satisfativa, de conhecimento ou executiva. 55 Pode-se afirmar que a tutela antecipada é a satisfação daquilo que seria concedido definitivamente ao final do processo, portanto, é uma medida que busca satisfazer um direito já demonstrado até que se chegue à tutela definitiva. Cabe ao juiz decidir quanto à concessão, revogação ou modificação desta tutela, de acordo com os termos estabelecidos na lei processual civil. Outrossim, quando os efeitos da concessão da tutela antecipada forem irrecuperáveis, esta não poderá ser deferida. Porém, uma tutela jurisdicional indeferida pode causar danos enormes, mesmo que o efeito da decisão seja irreversível, como por exemplo, no caso em que precisa ser feita uma transfusão de sangue em uma criança menor de idade, mas um dos pais não autoriza, assim, mesmo diante da irreversibilidade, a tutela de urgência deverá ser concedida. Disponível em: 13

15 Destarte, de acordo com os enunciados aprovados no Seminário da Escola Nacional de Formação de Aperfeiçoamento de Magistrados, diz o Enunciado nº 25: A vedação da concessão de tutela de urgência cujos efeitos possam ser irreversíveis (art. 300, 3º, do CPC/2015) pode ser afastada no caso concreto com base na garantia do acesso à Justiça (art. 5º, XXXV, da CF). Quanto à decisão final de improcedência da ação, diz o Enunciado nº 140 do Fórum Permanente de Processualistas Civis que: A decisão que julga improcedente o pedido final gera a perda de eficácia da tutela antecipada. Por fim, não se deve confundir tutela antecipada com o julgamento antecipado da lide, pois este se destina a acelerar o resultado do processo e está ligado à suficiência do conjunto probatório que possibilita o julgamento definitivo do litígio, seja pela desnecessidade de prova oral em audiência ou porque a controvérsia envolve apenas matéria de direito ou em razão da revelia. Portanto, a tutela antecipada não interfere no julgamento definitivo da lide, apenas permite a antecipação imediata dos efeitos da sentença TUTELA CAUTELAR A tutela cautelar não possui cunho satisfativo, sendo apenas utilizada para assegurar provisoriamente aquilo que se buscar efetivar, portanto, possui cunho preventivo, ou seja, busca a segurança final do provimento definitivo. Importante ressaltar que os requisitos para a concessão da tutela antecipada e cautelar são os mesmos. Segundo DIDIER (2015, p. 562), a tutela cautelar pode ser conceituada como a que: não visa à satisfação de um direito (ressalvada, obviamente, o próprio direito à cautela), mas, sim, a assegurar a sua futura satisfação, protegendo-o. 14

16 Porquanto, a tutela de urgência de natureza cautelar pode ser efetivada, desde que presentes os requisitos de periculum in mora e fumus boni iuris, mediante o rol exemplificativo a seguir, o qual está disposto no artigo 301 do Código de Processo Civil: (...) arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto contra alienação de bem e qualquer outra medida idônea para asseguração do direito. Para definirmos tais medidas, podemos afirmar que o arresto é a apreensão judicial de bens para garantir uma futura execução por quantia, ao passo que o sequestro trata-se da apreensão de coisa individualizada e determinada, sobre a qual pende um litígio, visando assegurar sua entrega ao vencedor, portanto, é uma execução de entrega de coisa. 55 Já o arrolamento consiste na descrição e indicação de bens, buscando evitar sua dissipação durante o processo. E, por fim, o protesto contra alienação de bens que visa tornar inequívoco que o autor esteja em desacordo com a alienação de bens de outrem, alegando ter algum tipo de direito ou preferência. Por fim, complementa FILHO (2016, p. 315/316): (...) É importante destacar que, em qualquer caso, o que fundamenta a concessão da tutela provisória que analisamos é o poder geral de cautela, não mais se exigindo o preenchimento de requisitos específicos, como a prova literal da dívida líquida e certa, como condição para o deferimento da medida liminar de arresto, a demonstração do fundado receio de extravio ou de dissipação de bens, como condição para a concessão da medida liminar de arrolamento de bens, apenas para exemplificar. Disponível em: 15

17 2 TUTELA DE EVIDÊNCIA A tutela de evidência será concedida provisoriamente desde que esteja manifestamente óbvio e aparente o conflito em questão, pelas provas apresentadas em juízo, não exigindo a presença do periculum in mora e fumus boni iuris, pois neste caso o direito da parte autora está realmente demonstrado pela sua existência, sendo injusto proteger a parte requerida em seu detrimento, tendo em vista a morosidade de um processo. Nos dizeres de DIDIER (2015, p. 617): uma técnica processual, que diferencia o procedimento em razão da evidência com que determinadas alegações se apresentam em juízo. Dispõe o artigo 301 do Código de Processo Civil: A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando: I - ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte; II - as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante; III - se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa; IV - a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável. Parágrafo 16

18 único. Nas hipóteses dos incisos II e III, o juiz poderá decidir liminarmente. No caso do inciso I do referido artigo em tela podemos exemplificar quando o réu usa de meios para atrasar os atos processuais, configurando-se uma defesa abusiva e inadequada, o que de fato prejudicará a própria parte requerida caso fique realmente demonstrado o abuso em questão, porém a concessão da tutela de evidência no presente caso só poderá ser dada após a apresentação de defesa do réu. Já nos incisos II, poderá o juiz decidir liminarmente, ou seja, no início do processo, antes da contestação apresentada pelo réu. Do mesmo modo discorre o enunciado aprovado nº 30 no Seminário da Escola Nacional de Formação de Aperfeiçoamento de 55 Magistrados: É possível a concessão da tutela de evidência prevista no art. 311, II, do CPC/2015 quando a pretensão autoral estiver de acordo com orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle abstrato de constitucionalidade ou com tese prevista em súmula dos tribunais, independentemente de caráter vinculante. Bem assim o enunciado aprovado nº 31: A concessão da tutela de evidência prevista no art. 311, II, do CPC/2015 independe do trânsito em julgado da decisão paradigma. Poderá o juiz também decidir liminarmente na ocasião do inciso III, conforme está expresso no enunciado aprovado nº 29 no Seminário da Escola Nacional de Formação de Aperfeiçoamento de Magistrados: Para a concessão da tutela de evidência prevista no art. 311, III, do CPC/2015, o pedido reipersecutório deve ser Disponível em: 17

19 fundado em prova documental do contrato de depósito e também da mora. Em relação ao inciso IV, deverá a parte autora apresentar prova idônea dos fatos alegados, bem comoim que o réu não apresente prova capaz de gerar dúvida. Neste caso, a concessão da tutela apenas poderá ser deferida após a apresentação da defesa pelo réu. Importante ressaltar que não se deve confundir a concessão da tutela de evidência com o julgamento antecipado da lide, pois aquela possui uma decisão revogável e provisória, diferente deste em que será feito o julgamento antecipado definitivo em razão de as provas dos autos serem suficientes para a prolação da sentença ou no caso da revelia. Por fim, o recurso adequado quando ocorrer a concessão ou o indeferimento da tutela de evidência é o agravo de instrumento, visto que se trata de uma decisão de natureza interlocutória, devendo o recurso ser interposto no prazo de 15 (quinze) dias, nos termos do artigo 1015, inciso I, do Código de Processo Civil[4]. 3 PROCEDIMENTO GERAL DAS TUTELAS PROVISÓRIAS As tutelas provisórias em geral poderão ser concedidas em caráter antecedente ou incidental, observando-se que a tutela provisória concedida em caráter incidental, ou seja, no próprio curso do processo, não necessita do recolhimento das custas processuais. Assim dispõe o Enunciado nº 29 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: A decisão que condicionar a apreciação da tutela antecipada incidental ao recolhimento de custas ou a outra 18

20 exigência não prevista em lei equivale a negá-la, sendo impugnável por agravo de instrumento. Diz provisória, pois as decisões, tanto antecipada quanto acautelatória, podem ser revogadas ou modificadas após o aprofundamento cognitivo do magistrado, porém, após ser deferida sua eficácia, será conservada em todo curso processual. Destarte, a decisão de deferimento da tutela antecipada ou cautelar possui natureza de decisão interlocutória, cabendo recurso desta decisão na modalidade de agravo de instrumento, que por sinal não possui efeito suspensivo, desta forma, enquanto não houver o julgamento do referido recurso, ou não lhe for concedido o efeito suspensivo, a tutela concedida continuará produzindo seus efeitos. 55 Em caso de sentença procedente, havendo a concessão da tutela provisória no curso do processo, enquanto não for julgado o recurso cabível de apelação, os efeitos da tutela ainda continuarão a produzir seus efeitos, visto que o recurso de apelação não possui efeito suspensivo como o do agravo de instrumento. Ao passo que, se a sentença for improcedente e houver sido concedida a tutela provisória no curso do processo, baseando-se também na não concessão do efeito suspensivo no caso de recurso de apelação, aquilo que se foi provisoriamente deferido deixará de produzir seus efeitos, visto que a decisão final do magistrado foi pela improcedência do pedido, ou seja, em sentido contrário ao concedido na tutela provisória, devendo o juiz constar expressamente na sentença caso queira manter aquilo que se foi tutelado mesmo que a sentença seja prolatada em sentido diverso. É de suma importância que em todas as decisões do magistrado referente a tutela provisória sejam devidamente Disponível em: 19

21 fundamentadas de acordo com o convencimento do juiz, nos casos em que conceder, negar, modificar ou revogar a tutela apreciada. Assim também prevê a Constituição Federal em seu artigo 93, inciso IX: Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir, limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes. Em caso de suspensão do processo, a tutela provisória terá sua eficácia conservada, salvo se houver decisão judicial em contrário. Apresenta no mesmo sentido o enunciado aprovado nº 26 no Seminário da Escola Nacional de Formação de Aperfeiçoamento de Magistrados: Caso a demanda destinada a rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada seja ajuizada tempestivamente, poderá ser deferida em caráter liminar a antecipação dos efeitos da revisão, reforma ou invalidação pretendida, na forma do art. 296, parágrafo único, do CPC/2015, desde que demonstrada a existência de outros elementos que ilidam os fundamentos da decisão anterior. Quanto à execução das tutelas provisórias, poderá o juiz determinar as medidas que entender necessárias, observando-se, no que couber, as normas referentes ao cumprimento provisório de sentença. 20

22 Importante ressaltar que o título da execução é provisório, podendo ser modificado, porém a execução será processada como se definitiva fosse, além disso, a forma a ser procedida na execução dependerá da natureza da obrigação, como, por exemplo, a obrigação de pagar, de fazer ou não fazer, devendo a aplicabilidade do cumprimento provisório ser nos moldes estabelecidos pelo magistrado, de acordo com os meios necessários para garantir a efetividade da tutela jurisdicional. Assim, será o juiz responsável pela devida aplicabilidade da tutela provisória concedida. Caso a tutela seja de urgência, poderá o juiz, de acordo com o caso concreto, exigir caução real ou fidejussória[5]idônea em razão de possíveis danos que poderão acarretar a parte contrária, ao passo que a caução também poderá ser dispensada se ficar comprovado que a parte é economicamente 55 hipossuficiente e não poderá oferecê-la. Portanto, nesta hipótese, busca-se a melhor forma para se proceder à execução da tutela provisória sem que ocasione alguma perda ou dano para a parte requerida. Estamos diante de uma contracautela, de modo que sempre que houver risco poderá ser determinada a exigência de caução. Em relação à competência do juízo para se decidir a tutela provisória incidental, tanto para a tutela de urgência (satisfativa ou cautelar) quanto para a de evidência, deverá ser requerida ao juízo da causa. No tocante as ações de competência originária de tribunal e nos recursos, as espécies de tutelas provisórias deverão ser requeridas ao órgão que possuir competência para a apreciação do mérito da causa, exceto em caso de disposição especial. 3.1 TUTELA ANTECIPADA CONCEDIDA EM CARÁTER ANTECEDENTE Disponível em: 21

23 Trata-se de um procedimento para requerer a tutela satisfativa em caráter antecedente. A petição inicial para o requerimento de ambas as tutelas, antecipada e cautelar, deverá ser de forma simplificada, limitandose nos termos do artigo 303 do Código de Processo Civil: (...) a petição inicial pode limitar-se ao requerimento da tutela antecipada e à indicação do pedido de tutela final, com a exposição da lide, do direito que se busca realizar e do perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo, devendo estar devidamente demonstrados os requisitos do periculum in mora e o fumus boni iuris. Ainda, deverá constar na petição o valor da causa, baseando-se no pedido da tutela final pretendida e, assim, não sendo o autor beneficiário da justiça gratuita, imediatamente deve recolher as custas processuais. Importante que o autor na petição inicial expresse claramente a urgência de seu pedido, ou seja, o motivo pelo qual requer a tutela antecipada. A petição inicial antecedente poderá ser emendada, caso o juiz entenda que não há elementos suficientes para a concessão da tutela antecipada, estabelecendo o prazo de 05 (cinco) dias para o autor providenciar a emenda, corrigindo eventual defeito na petição ou providenciar a juntada de um documento essencial para o deferimento da tutela. Porém, se o autor não providenciar a emenda no prazo estabelecido, a petição inicial será indeferida, com a consequente extinção do processo sem o julgamento do mérito. Após o pedido constante na petição inicial ser deferido, deverá o autor, no prazo de 15 (quinze) dias ou em outro prazo maior, aditá-la, complementando sua argumentação, bem como 22

24 realizar a juntada de novos documentos e a confirmação do pedido de tutela final. No aditamento da petição inicial não poderá o autor modificar seu pedido, possibilitando a lei apenas a sua confirmação, sendo os novos documentos juntados também para confirmar a importância e urgência de seu pedido, além de o autor poder indicar novas provas que pretende produzir futuramente. O aditamento ocorrerá nos mesmos autos em que foi proposto o pedido antecedente, não necessitando do recolhimento de custas processuais, visto que já foram recolhidas anteriormente tendo como base o valor do pedido final. Em seguida, será providenciada a citação e intimação do réu para comparecer à audiência 55 de conciliação ou mediação, bem como na citação tomará conhecimento da tutela antecipada em caráter antecedente que foi deferida em benefício do autor e, se não houver conciliação, será iniciado o prazo de 15 (quinze) dias para o réu apresentar sua contestação a partir da audiência. Da decisão que deferiu o pedido de tutela antecipada em caráter antecedente, por se tratar de natureza de decisão interlocutória, caberá recurso de agravo de instrumento. Após ser deferida a tutela antecipada e o autor providenciar seu aditamento, a ação seguirá pelo procedimento comum e, caso o autor não providenciar o aditamento, o processo será extinto sem resolução de mérito, sendo encerrada a eficácia da tutela concedida. Ainda se tratando da tutela antecipada, sendo esta concedida em caráter antecedente e da decisão não sendo interposto o recurso cabível, a tutela antecipada será estabilizada. Assim, ficando demonstrado que as partes concordam com a Disponível em: 23

25 decisão da tutela, não haverá necessidade de continuação, sendo extinto o processo. Contudo, importante salientar que tal dispositivo faz menção apenas à tutela antecipada, não mencionando a estabilização para a tutela cautelar, podendo-se concluir que a tutela cautelar é a adoção de uma providência temporária, sendo eficaz apenas até o momento em que a parte tenha satisfeito seu pedido principal, assim, não poderão os efeitos cautelares ser estabilizados. Também no mesmo dispositivo, entende-se que a tutela de evidência, mesmo que não expressamente definida em lei a sua estabilização, será possível essa possibilidade, bem como se entende possível a estabilização de tutela antecipada requerida incidentalmente. Em relação à possibilidade da interposição de recurso, ficou convencionado no enunciado aprovado nº 28 no Seminário da Escola Nacional de Formação de Aperfeiçoamento de Magistrados que: Admitido o recurso interposto na forma do art. 304 do CPC/2015, converte-se o rito antecedente em principal para apreciação definitiva do mérito da causa, independentemente do provimento ou não do referido recurso. Assim, a ausência de recurso contra a decisão que antecipou a tutela satisfativa em favor do autor terá como consequência a estabilização da tutela antecipada, bem como a extinção do processo. No entanto, a lei permite que qualquer das partes pode propor nova ação com o intuito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada, na qual caberá ao autor da ação anterior, mesmo que seja o réu da nova ação, provar aquilo que foi alegado para a concessão da tutela antecipada em caráter antecedente. 24

26 Porém, uma vez estabilizada, serão conservados os efeitos da tutela antecipada enquanto a mesma não for revista, reformada ou invalidada, através de decisão de mérito em nova ação proposta. Pode ainda o autor da nova ação requerer a tutela antecipada para a suspensão dos efeitos da ação anterior. Qualquer uma das partes poderá requerer o desarquivamento dos autos em que houve a estabilização, para que possa instruir a petição inicial da nova ação, sendo prevento o juiz que concedeu a estabilização da tutela antecipada anteriormente deferida. Contudo, o prazo decadencial para a propositura da nova ação que pretende rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada é de 02 (dois) 55 anos, contados a partir da ciência da decisão que extinguiu o processo. Quanto à estabilização, diz o enunciado aprovado nº 27 no Seminário da Escola Nacional de Formação de Aperfeiçoamento de Magistrados: Não é cabível ação rescisória contra decisão estabilizada na forma do art. 304 do CPC/2015. Do mesmo modo também ficou decidido no Enunciado nº 33 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: Não cabe ação rescisória nos casos de estabilização da tutela antecipada de urgência, assim, após o prazo estabelecido em lei não será possível a discussão entre as partes quantos aos efeitos da estabilização. Ocorre que, em sua doutrina, Misael Montenegro Filho menciona posicionamento divergente em relação à possibilidade de ajuizamento da ação rescisória, FILHO (2016, p. 321): Contudo, ultrapassado o prazo sem que o direito de ação seja exercitado, a relação de Disponível em: 25

27 direito material é acobertada pelo manto da coisa julgada, sem que possa ser (re)discutida, ressalvada a possibilidade do ajuizamento da ação rescisória, fundada em uma das hipóteses listadas no artigo 966. Desta forma, nada impede que qualquer das partes ingressem com uma nova demanda, discutindo o mesmo bem, porém sem vínculo nenhum com a ação anterior. Portanto, a concessão da tutela antecipada em caráter antecedente irá proporcionar ao autor o adiantamento de efeitos do futuro provimento de mérito, possibilitando que o mesmo possa usufruir daquilo que só iria gozar ao final, desde que o pedido seja deferido e sejam esgotados os recursos com efeito suspensivo. 3.2 TUTELA CAUTELAR CONCEDIDA EM CARÁTER ANTECEDENTE Em se tratado do procedimento da tutela cautelar (conservativa), concedida em caráter antecedente, observa-se que há uma diferenciação deste procedimento com a tutela satisfativa concedida nos mesmos moldes. A petição inicial deverá indicar, nos termos do artigo 305 do Código de Processo Civil: a lide e seu fundamento, a exposição sumária do direito que se objetiva assegurar e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo, além da presença dos requisitos de fumus boni iuris e periculum in mora. Ainda, deverá o juiz observar se o pedido possui natureza antecipada e não cautelar, pois neste caso o procedimento a ser adotado será o da tutela antecipada requerida em caráter antecedente, qual seja, o artigo 303, do Código de Processo Civil, já abordado anteriormente. 26

28 Nesse sentido leciona FILHO (2016, p. 321): Em atenção aos princípios de instrumentalidade das formas e da fungibilidade, se o autor equivocadamente formula pedido de tutela provisória cautelar, quando deveria ter formulado pedido de tutela provisória antecipada (leia-se: por pretender obter providência satisfativa), o juiz recebe um como se o outro houvesse sido formulado, advertindo o autor a este respeito, sobretudo para que adite a petição inicial no prazo de 15 (quinze) dias, complementando a sua argumentação, juntando novos documentos e para que formule o pedido de tutela final. 55 Em seguida, o réu será citado para em 05 (cinco) dias, contestar o pedido de tutela cautelar e indicar as provas que pretende produzir. Neste caso, tanto faz se a liminar foi deferida ou indeferida, porém, se a liminar for deferida, o réu receberá o mandado de citação e de intimação desta decisão. Se o pedido for contestado pelo réu no prazo legal de 15 (quinze) dias, seguirá o processo de acordo com o procedimento comum, porém, se o pedido não for contestado, os fatos alegados pelo autor serão aceitos como verdadeiros, ou seja, será decretada a revelia do requerido e, após, o juiz decidirá no prazo de 05 (cinco) dias de acordo com o seu convencimento, uma vez que a revelia não indica o julgamento procedente da ação. No tocante à não apresentação de defesa pelo réu, menciona FILHO (2016, p. 322): a presunção de veracidade dos fatos afirmados pelo autor, decorrente da não apresentação da defesa pelo réu, é relativa e limitada à tutela provisória cautelar, não produzindo efeitos em relação ao pedido de tutela final. Disponível em: 27

29 Da decisão interlocutória do magistrado caberá recurso na modalidade de agravo de instrumento, salvo se ficar reconhecida a prescrição ou decadência do direito do autor, sujeitando a sentença. Sendo executada a medida cautelar requerida pelo autor, deverá o mesmo dar sequência com o pedido principal no prazo de 30 (trinta) dias, a partir do momento em que a tutela for efetivada, porém, se a cautelar for indeferida, nada impede que o autor postule o seu pedido principal, decidindo o magistrado da mesma forma, salvo se for reconhecida a decadência ou prescrição do pedido, pois aqui a decisão será de mérito e faz coisa julgada. Contudo, o pedido principal ocorrerá nos mesmos autos, sendo desnecessário o recolhimento de novas custas processuais, portanto, não há mais o que se falar em processo autônomo para a tutela cautelar, podendo ainda o autor, junto com o pedido principal, aditar a causa de pedir. Nos dizeres de FILHO (2016, p. 323): a permissibilidade para o aditamento da causa de pedir é justificada pelo fato de o réu não ter sido ainda citado, não tendo ocorrido a estabilização da lide. Outrossim, pode a parte requerida apresentar duas contestações, sendo uma do pedido cautelar e a outra do pedido principal. Porém, a atual sistemática permite a faculdade da parte em requerer o pedido principal junto ao pedido cautelar antecedente, assim, deferida a tutela cautelar, não será mais necessário o aditamento da petição inicial. Se o pedido principal for apresentado posteriormente ao pedido da tutela cautelar, as partes deverão ser intimadas, através de seu advogado ou pessoalmente, da designação de audiência de 28

30 conciliação ou de mediação e, não havendo autocomposição, terá início o prazo para apresentar a contestação. Uma vez decidido o pedido cautelar, esta decisão não fará coisa julgada material, visto que tal tutela não possui autonomia. O artigo 309, do Código de Processo Civil, menciona as formas de cessação da eficácia da tutela concedida em caráter antecedente: Cessa a eficácia da tutela concedida em caráter antecedente, se: I - o autor não deduzir o pedido principal no prazo legal; II - não for efetivada dentro de 30 (trinta) dias; III - o juiz julgar improcedente o pedido principal formulado pelo autor 55 ou extinguir o processo sem resolução de mérito. Na hipótese mencionada no inciso I do referido artigo, caso o autor não conclua o pedido, não haverá a extinção do processo principal, devendo este prosseguir para a análise de seu pedido. Entretanto se o autor não providenciar o disposto no inciso II, não será cessada a eficácia se ficar comprovada que a execução da medida não ocorreu por fatos alheios a vontade do autor. Já no inciso III, o pedido principal será julgado improcedente, pois não terá mais sentido a eficácia da tutela concedida em caráter antecedente. Ocorrendo alguma das hipóteses do artigo 309 do Código de Processo Civil, a parte não poderá renovar o pedido, apenas em caso de novo fundamento, ou seja, nova causa de pedir. Importante mencionar que a cessação da eficácia se dá nas tutelas cautelares e antecipadas, e em ambas o autor deverá responder pelo dano processual e pelos prejuízos causados à parte adversa. Disponível em: 29

31 Por fim, a tutela cautelar possui como característica essencial a sua instrumentalidade em relação ao pedido principal, desde que demonstrada a urgência da concessão de sua medida. CONCLUSÃO Com a nova dinâmica do Código de Processo Civil, estamos diante da unificação das tutelas provisórias, trazendo, assim, vários benefícios que irão certamente contribuir para a celeridade processual, bem como o acesso universal à justiça, economia processual e a instrumentalidade das formas. Como exemplo, pode-se mencionar a tutela de urgência cautelar que não possui mais a necessidade de um processo anterior e autônomo para a concessão da liminar, o que é vantajoso, visto que simplifica e muito a dinâmica processual, principalmente em se tratando de tempo e da celeridade, que é de suma importância para a parte que pretende ter o seu direito resguardado. Outro aspecto que merece enfoque é quanto à possibilidade de estabilização da tutela antecipada satisfativa concedida em caráter antecedente caso a decisão que a concedeu não seja recorrida. Ressalta-se, assim, a importância do novo parâmetro processual civil, que através da aplicação instantânea do Direito busca de uma melhor forma a resolução de conflitos, bem como a aplicação dos princípios constitucionais de forma mais efetiva com o escopo de concretizar a garantia dos direitos humanos e fundamentais. Deste modo, em razão do princípio da eficiência, o Estado está mais empenhado em aplicar a concessão das medidas preventivas e satisfativas com a finalidade de uma prestação 30

32 jurisdicional célere, superando a limitação do aspecto temporal do procedimento. Durante o discorrer do presente artigo, as diferenças e igualdades de cada tipo de tutela foram devidamente explicadas, pois cada medida, seja ela antecipatória, cautelar ou de evidência, possui suas peculiaridades, mesmo que ainda a doutrina e jurisprudência deve apresentar esclarecimentos sobre alguns aspectos relevantes. Por fim, espera-se ter alcançado o objetivo pretendido deste artigo, qual seja, a definição das tutelas de urgência, antecipada e cautelar, e a tutela de evidência, bem assim o procedimento específico para cada medida, com enfoque nas tutelas antecipadas e cautelares concedidas em caráter antecedente, sendo ambas 55 uma inovação a Lei Processual Civil. Portanto, busca-se um resultado prático útil (assecuratório), quando se tratar da espécie de tutela cautelar ou até mesmo a antecipação dos efeitos do bem da vida, com a satisfação de seu objetivo, quando da espécie da tutela antecipada, e ao se tratar da espécie de tutela de evidência, quando o requerente tem seguramente razão em sua pretensão, enfim, possibilitando a garantia de resguardar um direito que poderia ser lesionado, caso não houvesse a possibilidade de obtenção de uma resposta célere do Poder Judiciário. REFERÊNCIAS encia/revistajuri2014/9%20tutela%20de%20urg%c3%8 ANCIA%20E%20TUTELA%20DE%20EVID%C3%8ANCIA%20NO %20PROJETO%20DO%20NOVO%20C%C3%93DIGO%20DE%2 0PROCESSO%20CIVIL.pdf Acesso em 13/09/2015 Disponível em: 31

33 - Acesso em 13/09/ civil_procedimentos_ pdf - Acesso em 19/09/2015 file:///c:/users/diogo/downloads/tutelas-de-urgencia-tutelaantecipada-e-cautelar-e-da-evidencia-no-novo-cpc.pdf Acesso em 20/09/2015 Enunciados aprovados no Seminário da Escola Nacional de Formação de Aperfeiçoamento de Magistrados. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogério Licastro Torres. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil: artigo por artigo 1ª ed. Revista dos Tribunais. São Paulo: Ed. Afiliada, FILHO, Misael Montenegro. Curso de Direito Processual Civil: medidas de urgência, tutela antecipada e ação cautelar, procedimentos especiais 11 ed. São Paulo: Ed. Atlas, 2015, v.3. DIDIER Jr., Fredie. Curso de Direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela 10 ed. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2015, v.2. FILHO, Misael Montenegro. Novo Código de Processo Civil Comentado 1ed. São Paulo: Ed. Atlas, BRASIL, Códigos de Processo Civil Comparados: ª ed. São Paulo: Ed. Saraiva,

34 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil Comentado. 1ª ed. São Paulo: Ed. Afiliada, NERY Jr., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil: Novo CPC Lei /15. 1ª ed. São Paulo: Ed. Afiliada, BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil Anotado. 1ª ed. São Paulo: Ed. Saraiva, NOTAS: [1] Graduado em Direito pelo Centro Universitário de Rio Preto, Graduado em Ciências Físicas e Biológicas com Habilitação em Matemática pela Fundação Educacional de Votuporanga, Especialização em Direito Processual 55 Civil pelo Centro Universitário de Rio Preto, Mestrado em Direito Público pela Universidade de Franca, Doutorado em Direito Empresarial pela Universidade da Estremadura, Cidade de Cáceres - Espanha. [2] Periculum in mora (perigo da demora): expressão latina que define o risco da demora, assim, deverá o magistrado conceder o pedido, mesmo que em caráter provisório, visto que a decisão tardia pode gerar um prejuízo irreparável para a parte. [3] Fumus boni iuris (fumaça do bom direito): expressão latina que trata da concessão do pedido requerido, ainda que em caráter provisório, desde que o magistrado verifique que o requerente possui aparentemente o direito daquilo que está postulando. [4]Artigo 1.015, CPC: Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre: I - tutelas provisórias. [5] Caução Real ou Fidejussória: a primeira será quando a garantia dada para assegurar uma obrigação se tratar de um bem móvel ou imóvel, ao passo que a segunda será quando a garantia dada for pessoal. Disponível em: 33

35 SEXO E GÊNERO: BREVE ANÁLISE DO SUJEITO PASSIVO DA LEI MARIA DA PENHA À LUZ DOS ESTUDOS QUEER RAFAELA ALBAN: Mestra em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia. Especialista em Ciências Criminais pela Universidade da Bahia. Especialista em Direito Penal Econômico pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais e Instituto de Direito Penal Econômico e Europeu da Universidade de Coimbra. Professora e Advogada criminalista. No mês de homenagem às mulheres, do ano em que a Lei Maria da Penha (Lei nº , de 07 de agosto de 2006) completa 10 anos desde a sua publicação, retoma-se uma pergunta que já foi alvo de debates nesse período: uma lei que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher e que, ao mesmo tempo, foi editada para atender um compromisso constitucional de efetivar Convenções Internacionais, protege apenas a mulher? Quem é essa mulher? Como cediço, foi a repercussão da história da cearense Maria da Penha Maia Fernandes, narrada no livro Sobrevivi, posso contar, que fez com que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos (OEA), acatasse uma denúncia referente ao silêncio processual do Estado Brasileiro e condenasse, em 2001, o Governo do Ceará a pagar indenização de 20 mil dólares em favor da vítima, recomendando ainda a adoção de diversas medidas relativas à violência doméstica contra mulheres no Brasil, dentre elas a de simplificar os procedimentos judiciais penais a fim de que possa ser reduzido o tempo processual [i]. A efetivação desta recomendação culminou, após longo período de aprovação, na edição da Lei Maria da Penha, em cuja ementa fica claro o seu escopo: criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Todavia, apesar 34

36 das cautelas conceituais do legislador, em momento algum, a lei define quem deve ser considerada mulher, o que denota a presunção que o sistema jurídico faz de que esse é um conceito incontroverso, discursivamente já definido através de leituras essencialistas. Contudo, o enfrentamento desta questão exige um exame cauteloso de dois argumentos fortes e igualmente coerentes. De um lado, se verificado o fundamento histórico da sua edição, é possível concluir que a Lei Maria da Penha destina-se apenas às pessoas do sexo biológico feminino, já que se ampara no princípio da isonomia no qual se preconiza o dever de tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades e nas cicatrizes da desigualdade entre os sexos, que implica na relação de dependência entre muitas mulheres e 55 seus companheiros. Por outro lado, se observado que, dentre as diversas ciências, há uma variação do conceito mulher, é possível afirmar que, tratando-se de norma penal em branco, à luz da sociologia, mulher seria todo aquele que se concebe desta forma socialmente. Isso porque, o conceito de gênero deve ser apreendido a partir dos papéis assumidos por cada um na sociedade, podendo abarcar lésbicas, transexuais, travestis e transgêneros que detenham identidade social com o sexo feminino[ii]. Analisando-se a jurisprudência dos nossos Tribunais, nota-se que, de forma excessivamente perfunctória e literal, são reiteradas as decisões no sentido de que não haveria cabimento a aplicação da Lei Maria da Penha quando a vítima for homem ante a explícita utilização do termo mulher [iii]. No entanto, em face da evolução social e necessidade de constante adequação legislativa à realidade e novos valores socioculturais, resta forçosa uma reflexão acerca da literalidade da questão, notadamente com o escopo de conferir efetividade ao princípio da isonomia e da dignidade da Disponível em: 35

37 pessoa humana, estabelecidos no bojo de uma Constituição que buscou constituir uma sociedade livre de preconceito e de discriminação. Nesse sentido, é possível afirmar que a discussão acerca do sujeito passivo da Lei Maria da Penha deve recair sobre uma história distinção entre sexo e gênero, que encontra solo fértil nos Estudos Queer e na chamada Terceira Onda do Feminismo. No embrião das mobilizações políticas do movimento feminista, nas quais a protagonista era claramente a mulher branca e de classe média, estavam os direitos civis e as pautas liberais, em especial o direito ao voto. As primeiras teorias que decidiram estudar a situação social da mulher ainda não concebiam o conceito de gênero, sendo o sexo o único marcador utilizado para diferenciar homens e mulheres, o que acabava, mesmo que não intencionalmente, trazendo para essas discussões sociais uma excessiva ênfase em aspectos biológicos. Autoras notórias, como Simone de Beauvoir, tratavam do feminino ainda como sendo um segundo sexo, apesar de já estar presente ali uma oposição discursiva ao determinismo biológico e à leitura do feminino como aspecto diametralmente oposto e derivado da natureza masculina. Foi a partir dessas discussões acadêmicas, introduzidas na Segunda Onda do Feminismo, que se estabeleceu o gênero como o termo usado para falar de aspectos culturais, estando a ideia de sexo mais restrita a disposições anatômicas e biológicas. Essa mudança é fundamental para que se começasse a superar a ideia de que o feminino e o masculino eram conceitos ontológicos, previamente dados pela natureza. Enquanto o que marca a passagem da Primeira para a Segunda Onda é a dissociação entre os termos sexo e gênero, o marco divisor dos Estudos Queer é a ideia de que tanto o que chamamos de sexo, como de gênero, são atravessados pelo crivo da linguagem. Nessa afirmação, é presente a ideia de que não 36

38 existe nenhum fato biológico ou anatômico que não seja antes percebido e compreendido através de um exercício de leitura e interpretação, o que traz à tona ideias como a de subjetividade e vivência. Na raiz dos Estudos Queer, encontra-se a mobilização política de sujeitos que não se sentiam incluídos nas pautas das políticas públicas, o que abarca transexuais e intersexos. Ao falar de subjetividades e vivências, o queer explicita a importância de considerar opressões de gênero para além de um determinismo biológico, já que a ideia do feminino como o polo frágil e inferior vai muito além dos aspectos físicos, estando, no fim, ligada ao desempenho de um papel social que foi estabelecido e impondo uma nova interpretação acerca do termo mulher. O intuito de expoentes queer como Judith Butler em se opor a clássica divisão entre sexo e gênero não é voltar às amarras 55 biológicas[iv]. É, ao contrário, afirmar que, mesmo na ideia de sexo, há uma interferência da cultura e da linguagem, que, aliás, são objeto de questionamento pelas famosas Teorias da Argumentação[v]. O objetivo é tratar o sexo e o gênero como marcadores existentes para além de uma divisão binária, que considera apenas a existência de homens e mulheres, o que acaba por excluir, por exemplo, os indivíduos que nascem com disposições anatômicas que não o classificam em nenhuma das duas categorias. A proposta das questões de gênero inaugurada pelos Estudos Queer é tratar das opressões sofridas pelos sujeitos a partir da forma individualizada em que ocorre a sua vivência e de como estão estabelecidas as suas relações sociais. Mesmo em relações de dois homens homossexuais, há a possibilidade de estarmos diante de uma situação em que os papeis sociais de homem e mulher estão claramente definidos e em que, por decorrência, se reflita naquela situação uma violência motivada por gênero. Disponível em: 37

39 Em outras palavras, de acordo com os EstudosQueer, não existem papéis sexuais biologicamente inscritos na natureza humana, mas sim formas sociais e, portanto, variáveis de desempenhar um ou mais papéis sexuais. A orientação e identidade sexual das pessoas resultam de uma construção social e não de um dado biológico preexistente (nascer com órgão genital masculino ou feminino). Com efeito, a partir dos Estudos Queer, defende-se que o maior papel da Lei Maria da Penha, em um ideal de isonomia, é proteger pessoas que sofrem formas de violência em razão dos aspectos ligados ao gênero, seja porque nasceram com aspectos biológicos que prontamente as classifique como mulheres, seja devido a vivências, intervenções corporais ou papéis sociais que as torne assim tratadas socialmente. Isso significa que o biologicamente homem pode ser vítima de violência doméstica e encontrar amparo em todos os institutos e vedações abarcadas pela Lei Maria da Penha, desde que esteja presente a relação de gênero e o estado de vulnerabilidade caracterizado por uma relação de poder e submissão. Portanto, as conclusões dos Estudos Queerconferem fundamento científico ao entendimento de que a Lei Maria da Penha não pode amparar, restritivamente, pessoas do sexo biológico feminino, concedendo-lhe um argumento sólido quanto a sua legitimidade e coerência constitucional. Nada obstante, é importante observar que, na realidade, com a mera adoção de um método interpretativo sistemático na própria Lei Maria da Penha, já deve ser atribuída uma interpretação sociológica ao termo mulher, tendo em vista que a legislação em referência atribuiu às uniões homoafetivas o caráter de entidade familiar, ao prever, no seu artigo 5º, parágrafo único, que as relações pessoais mencionadas naquele dispositivo independem de orientação sexual [vi]. Nesse sentido, seria um contra senso afirmar que apenas não estariam tuteladas 38

40 uniões homoafetivas entre homens em face da impossibilidade de considerar um homem como sujeito passivo da relação de violência especialmente coibida. NOTAS: [i] Relatório n 54/01, Caso , Maria da Penha Maia Fernandes, Brasil. [ii] DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetividade da Lei /2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. 3.ed. São Paulo: RT, [iii] Cf. TJ/RS - Conflito de Jurisdição nº ; STJ - CC / MG; etc. [iv] SALIH, Sara. Judith Butler e a Teoria Queer. Tradução de Guacira Lopes Louro. Belo Horizonte: Autêntica, 2012; BUTLER, 55 Judith. Gender Trouble:Feminism and the Subversion of Identity. New York: Routledge, [v] Cite-se como principais expoentes Robert Alexy, Ronald Dworkin, Klaus Günther e Manuel Atienza. [vi] STJ - HC /MG. Disponível em: 39

41 O PRAZO PRESCRICIONAL DAS AÇÕES DE RESPONSABILIDADE CIVIL EM FACE DO PODER PÚBLICO CARLOS EDUARDO LAMBOGLIA CAVALCANTI FILHO: Advogado da União, membro da Advocacia-Geral da União (AGU). Foi Procurador Autárquico do Estado do Pará. Também aprovado no concurso público para Procurador do Estado do Rio Grande do Norte - PGE/RN. Bacharel em Direito pela Universidade de Fortaleza (Unifor). Pós-Graduado em Direito Administrativo pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Pós-Graduando em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Resumo: O STJ firmou o entendimento de que o prazo prescricional de cinco anos previsto no art. 1o. do Decreto /32 deve ser ser aplicado à ação indenizatória ajuizada contra a Fazenda Pública, em razão do princípio da especialidade. Palavras chave: Prescrição. Responsabilidade Civil. Fazenda Pública em Juízo. STJ. Decreto /32. Prazo Prescricional QuinquenaI. 1 Introdução O presente trabalho tem como finalidade analisar a definição do prazo de prescrição das demandas ressarcitórias contra a Fazenda Pública, examinando a divergência entre as previsões contidas no Decreto n /32 e no art. 206, 3º, inciso V do Código Civil de 2002, os quais fixam o prazo de prescrição em 5 (cinco) e 3 (três) anos, respectivamente, observando o entendimento da melhor doutrina e analisando a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. A relevância do tema escolhido reside no intenso debate verificado na doutrina e nos tribunais pátrios acerca da divergência da definição do prazo de prescrição das ações de Responsabilidade Civil em face da Fazenda Pública, sendo, até mesmo, definida a questão através de recente decisão do Superior Tribunal de Justiça STJ, consolidada sob o regime de recursos repetitivos firmada no 40

42 julgamento do Recurso Especial (Resp) /PR, colaborando o tribunal da cidadania com o princípio da Segurança Jurídica ao uniformizar sua jurisprudência. Em razão disso, exploramos o tema objetivando responder ao seguinte questionamento: a) qual o prazo prescricional aplicável às demandas de responsabilidade civil ajuizadas em face da Fazenda Pública. 2 Prescrição. Noções Introdutórias O presente trabalho pretende examinar o instituto da prescrição observado sob a ótica do Estado em juízo e tentar distinguir, nesse passo, em que situações os prazos prescricionais contra a Fazenda Pública variam de 05 (cinco) para 03 (três) anos. Urge, portanto, antes de averiguarmos o cerne da questão sob análise, expor breves comentários sobre o instituto da prescrição. 55 Outrora, a doutrina pátria brasileira compreendia a prescrição como sendo a perda ou extinção do direito de ação. No entanto, o atual Código Civil adotou a tese da prescrição como perda da pretensão, divergente do entendimento antigo de que tratava o instituto como um direito público subjetivo abstrato de ação. Sobre a referida distinção tratada pelas doutrinas antiga e moderna no que tange a pretensão e a ação, ensina o professor Leonardo José Carneiro da Cunha (2010, p. 71): O direito subjetivo, a partir de quando passa a ser exigível, dá origem à pretensão. De fato, a partir da exigibilidade do direito, surge ao seu titular o poder de exigir do obrigado a realização do direito, caracterizando a pretensão. Tal exigência, contudo, não comporta qualquer ação, de modo que o ao exercer pretensão o sujeito não age contra ninguém; apenas exige a realização do direto, limitando-se a aguardar a satisfaça por parte do destinatário. Disponível em: 41

43 Enquanto exercício da pretensão faz supor que o devedor, premido, atenda ao seu dever jurídico, a ação, uma vez exercida, consiste na prática de atos materiais voltados contra o sujeito passivo, independentemente do seu comportamento. Em outras palavras, no exercício da pretensão, o titular do direito apenas exige seu cumprimento, aguardando o correlato atendimento pelo obrigado. Já na ação, não há tal atitude passiva de espera do cumprimento, despontando, isto sim, a prática de atos conducentes à realização ou concretização do direito. Nesse sentido, infringido um direito, nasce para o seu titular uma pretensão, que pode ser extinta pela prescrição, consoante dispõe o art. 189 do Código Civil de 2002, in verbis: Art Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206. A prescrição, segundo Bevilaqua (2007, p ), tem como finalidade a necessidade de estabilidade das relações jurídicas, considerando-se uma pena ao titular do direito que permanecer inerte: A prescrição é uma regra de ordem, de harmonia e de paz, imposta pela necessidade de certeza nas relações jurídicas: finis solicitudinis ac periculi litium, exclamou Cícero. Tolhe o impulso intempestivo do direito negligente, para permitir que se expandam as forças sociais, que lhe vieram a ocupar o lugar vago. E nem se pode alegar que há nisso uma injustiça contra o titular do direito, porque, em primeiro lugar, ele teve tempo de fazer efetivo o seu direito, e, por outro, 42

44 é natural que o seu interesse, que ele foi o primeiro a desprezar, sucumba diante do interesse mais forte da paz social. Conceituando com extrema qualidade o instituto da prescrição, colacionamos as lições de Flávio Tartuce (2011, p ): Desse modo, se o titular permanecer inerte, tem como pena a perda da pretensão que teria por via judicial. Repise-se que a prescrição constitui um benefício a favor do devedor, pela aplicação da regra de que o direito não socorre aqueles que dormem, diante da necessidade do mínimo de segurança jurídica nas relações negociais. Por fim, importa esclarecer 55 que Prescrição e Decadência não se confundem. Primeiramente, porque a decadência consiste na perda de um direito em decorrência da ausência do seu exercício. Segundo, os prazos decadenciais têm vínculo com os direitos potestativos, ao passo que os lapsos prescricionais decorrem de direitos subjetivos patrimoniais e relativos. 2.1 O Prazo Prescricional das Ações de Responsabilidade Civil em face do Poder Público. Breves Considerações Pretende-se debater a respeito da reparação civil nas quais a parte demanda contra o ente fazendário, com vistas a obter alguma espécie de ressarcimento por um dano ocasionalmente sucedido. O trabalho proposto tem como finalidade expor o entendimento da doutrina e da jurisprudência acerca do prazo prescricional das Ações de Responsabilidade Civil em face do Poder Público. Nessa seara, portanto, o objeto da celeuma consiste em saber qual o prazo de prescrição aplicável às ações que veiculem pretensões ressarcitórias. Disponível em: 43

45 A questão relativa ao prazo prescricional em face da Administração Pública nas demandas indenizatórias merece extremos cuidados. Senão, vejamos. O artigo 1º do Decreto n , de 06 de janeiro de 1932, delibera que as dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda Pública, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originaram: Art. 1º As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem. Percebe-se que o decreto estabelece o prazo de 5 (cinco) anos para qualquer ação contra a Fazenda Pública, federal, estadual ou municipal, qualquer que seja a sua natureza, dentre elas a ação condenatória em face do Estado. Em meio às ações condenatórias, despontam aquelas em que se pleiteia a condenação da Administração ao pagamento de indenização em decorrência de sua responsabilidade pelo fato danoso. Entretanto, o mesmo Decreto n /1932 ordena a aplicação de prazos menores acaso existentes no ordenamento jurídico, com fulcro no art. 10, abaixo destacado: Art. 10. O disposto nos artigos anteriores não altera as prescrições de menor prazo, constantes das leis e regulamentos, as quais ficam subordinadas às mesmas regras. A demanda de reparação civil contra a Fazenda Pública subordinava-se ao prazo prescricional qüinqüenal. Ocorre, todavia, que o Código Civil de 2002 fixou que o prazo prescricional das pretensões reparatórias, que na vigência do CC-1916 era de 20 44

46 anos, passa a ser de apenas 3 (três) anos. Vejamos como dispõe o art. 206, parágrafo 3º, inc. V: Art Prescreve: 3º Em três anos: V - a pretensão de reparação civil; Logo, a questão central cinge-se em saber se, para os casos em que pleiteada reparação civil em face da Fazenda Pública, deve ser aplicado o prazo prescricional previsto no Decreto nº /32, ou seja, de cinco anos, ou se o prazo previsto no art. 206, 3º, do CC/2002, isto é, de três anos. 2.2 A tese doutrinária do prazo prescricional trienal nas demandas de reparação civil em face da Fazenda Pública A tese do prazo de prescrição trienal nas ações ajuizadas em face da Fazenda Pública 55 é defendida no âmbito doutrinário, dentre outros renomados doutrinadores, por José dos Santos Carvalho Filho e Leonardo José Carneiro da Cunha. Doutrina favorável à tese sustenta que, com a promulgação do Código Civil de 2002, o prazo prescricional aplicável nas demandas de ressarcimento manifestadas contra a Fazenda Pública deixava de ser de 5 (cinco) anos, para ser de 3 (três) anos, prevalecendo a legislação posterior em face do Decreto /32. Enquanto o art. 206, parágrafo 3º, inciso V do Código Civil enaltece que prescreve em três anos a pretensão da reparação civil, ao passo que o art. 1º do Decreto nº /32 dispõe as dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, seja qual for a sua natureza [...] prescrevem em cinco anos. Mesmo que, a priori, os princípios básicos da hermenêutica guiem para a conclusão de que prevalece, no caso, a aplicação da lei especial sobre a lei geral, tem-se, entrementes, que o conflito das normas encontra expressa solução diante do art. 10 Disponível em: 45

47 do Decreto /32, cujo estabelece que o disposto nos artigos anteriores não altera as prescrições de menor prazo, constantes das leis e regulamentos, as quais ficam subordinadas às mesmas regras. Como se observa, o legislador estatuiu a prescrição de cinco anos em benefício das Pessoas Jurídicas de Direito Público e, com o manifesto objetivo de favorecer os entes públicos, estipulou que, no caso da eventual existência de prazo prescricional menor a incidir em situações específicas, o prazo quinquenal seria afastado neste particular. É exatamente essa a situação em apreço, daí porque se revela legítima a incidência na espécie do prazo prescricional de três anos, fruto do advento do Código Civil de A tese ora tratada utiliza o argumento através de interpretação teleológica do ato normativo consubstanciado no Decreto nº /1932. Para a referida doutrina, o prazo quinquenal do decreto supracitado emanou com a finalidade de beneficiar a Fazenda Pública, estipulando que, no caso da eventual existência de prazo prescricional menor a incidir em situações específicas, o prazo quinquenal seria afastado nesse particular, conforme inteligência do art. 10 do referido decreto. Nesse sentido, em que pese a existência do princípio da especialidade, o próprio legislador no Decreto n /32 previu, de maneira expressa, o afastamento do prazo de prescrição de cinco anos no caso da existência de prazo prescricional inferior. A situação em apreço se encaixa exatamente nesse contexto, razão pela qual revela-se legítima a incidência na espécie do prazo prescricional de três anos, corolário do Código Civil de Diante da maestria do ensinamento, trago à baila a lição de Leonardo Carneiro da Cunha (2010, p ): Significa que a prescrição das pretensões formuladas contra a Fazenda Pública é quinquenal, ressalvados os casos em que a lei estabeleça prazos menores. Na verdade, os 46

48 prazos prescricionais inferiores a 5 (cinco) anos beneficiam a Fazenda Pública. Diante disso, a pretensão de reparação civil contra a Fazenda Pública submete-se ao prazo prescricional de 3 (três) anos, e não à prescrição quinquenal. Aplica-se, no particular, o disposto no art. 206, parágrafo 3º, V, do Código Civil de 2002, não somente em razão do que estabelece o art. 10 do Decreto nº /32, mas também por se tratar de norma posterior. E, como se sabe, a norma posterior, no assunto tratado, revoga a anterior. O que se percebe, em verdade, é um nítido objetivo de beneficiar a Fazenda Pública. A legislação 55 especial conferiu-lhe um prazo diferenciado de prescrição em seu favor. Enquanto a legislação geral (Código Civil de 1916) estabelecia um prazo de prescrição de 20 (vinte) anos, a legislação específica (Decreto nº /32) previa um prazo de prescrição próprio de 5 (cinco) anos para as pretensões contra a Fazenda Pública. Nesse intuito de beneficiá-la, o próprio Decreto nº /32, em seu art. 10, dispõe que os prazos menores devem favorecê-la. A legislação geral atual (Código Civil de 2002) passou a prever um prazo de prescrição de 3 (três) anos para as pretensões de reparação civil. Ora, se a finalidade das normas contidas no ordenamento jurídico é conferir um prazo menor à Fazenda Pública, não há razão para o prazo geral - aplicável a todos, indistintamente - ser inferior àquele outorgado às pessoas jurídicas de direito público. A estas deve Disponível em: 47

49 ser aplicado, ao menos, o mesmo prazo, e não um superior, até mesmo em observância ao disposto no art. 10 do Decreto nº /32. Enfim, a pretensão de reparação civil contra a Fazenda Pública sujeita-se ao prazo prescricional de 3 (três) anos, e não à prescrição quinquenal (op cit, p. 85). Na mesma esteira de entendimento, segue a doutrina de Carvalho Filho (2007, p ): O vigente Código Civil, no entanto, introduziu várias alterações na disciplina da prescrição, algumas de inegável importância. Uma delas diz respeito ao prazo genérico da prescrição que passou de vinte (específica para direitos pessoais) para dez anos (art. 205). Outra é a que fixa o prazo de três anos para a prescrição da pretensão de reparação civil. Vale dizer: se alguém sofre dano por ato ilícito de terceiro, deve exercer a pretensão reparatória (ou indenizatória) no prazo de três anos, pena de ficar prescrita e não poder mais ser deflagrada. Como o texto se refere à reparação civil de forma genérica, será forçoso reconhecer que a redução do prazo beneficiará tanto as pessoas públicas como as de direito privado prestadoras de serviços públicos. Desse modo, ficarão derrogados os diplomas acima no que concerne à reparação civil. Cumpre nessa matéria recorrer à interpretação normativo-sistemática. Se a ordem jurídica sempre privilegiou a Fazenda Pública, estabelecendo prazo menor de prescrição da pretensão de terceiros contra ela, prazo esse fixado em cinco anos pelo Decreto /32, 48

50 raia ao absurdo admitir a manutenção desse mesmo prazo quando a lei civil, que outrora apontava prazo bem superior àquele, reduz significativamente o período prescricional, no caso para três anos (pretensão à reparação civil). Desse modo, se é verdade, de um lado, que não se pode admitir prazo inferior a três anos para a prescrição da pretensão à reparação civil contra a Fazenda, em virtude de inexistência de lei especial em tal direção, não é menos verdadeiro, de outro, que tal prazo não pode ser superior, pena de total inversão do sistema lógico-normativo; no mínimo, é de aplicar-se o novo prazo fixado agora pelo Código Civil. Interpretação 55 lógica não admite a aplicação, na hipótese, das regras de direito intertemporal sobre lei especial e lei geral, em que aquela prevalece a despeito do advento desta. A prescrição da citada pretensão de terceiros contra as pessoas públicas e as de direito privado prestadoras de serviços públicos passou de quinquenal para trienal. Doutrina reconhecida no âmbito do direito privado também foi favorável à tese da prescrição trienal. Assim, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2012, p. 747) são firmes no sentido de que: (...) a ação promovida pelo particular contra a Administração Pública deverá ser ajuizada dentro do prazo previsto na norma jurídica. A matéria está regulada pelo Decreto nº /32, que fixou um prazo quinquenal menor para a propositura das ações contra as Fazendas federal, estadual e municipal. Em seguida, o Decreto-lei nº 4.597/42 elasteceu a regra para Disponível em: 49

51 alcançar, também, as autarquias. Não alcançava, contudo, as pessoas jurídicas de direito privado componentes da Administração Pública indireta. A regra da prescrição quinquenal da pretensão contrária ao Estado foi esquadrinhada quando se encontrava em vigor o Código Civil de 1916, que, por sua vez, estabelecia o prazo de vinte anos para a ação reparatória de danos no direito privado. Com o advento da Lei Civil de 2002, porém, o prazo da pretensão reparatória de danos foi diminuído para três anos, aplicandose, por igual, às pretensões dirigidas à Fazenda Pública. É que não há justificativa para um tratamento diverso para regulamentar as pretensões reparatórias contra o Estado, devendo se submeter ao prazo trienal - que foi estabelecido em razão da especificidade da pretensão de direito material subjacente. Considere-se, inclusive, que na vigência do Código Civil de 1916 o Estado mereceu prazo diferenciado, não podendo se submeter a um prazo tão elástico (que era de vinte anos). Ora, se, hodiernamente, nem mesmo os particulares podem se submeter a prazos tão alongados, merecendo diminuição para três anos, esta redução haverá de atingir, também, as pretensões ressarcitórias dirigidas à Fazenda Pública. Demais disso, mesmo que não seja aplicado o entendimento com base na interpretação normativo-sistemática do Decreto /32, diante de seu art. 10, como o artigo 206, 3º, inciso V atual Código Civil estatui ser tão somente de 03 (três) anos o prazo prescricional para as pretensões relativas à reparação civil, 50

52 fugiria à lógica que a prescrição contra a Administração possuísse prazo superior a este, penade afronta ao interesse público de proteção ao erário, em aplicação ao Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Privado. Doutrina respeitável segue tal entendimento, conforme as lições de Hely Lopes (2004, p ): Também chamado de princípio da supremacia do interesse público ou da finalidade pública, com o nome de interesse público a Lei 9.784/99 coloca-o como um dos princípios de observância obrigatória pela Administração Pública (cf. art. 2º, caput), correspondendo ao atendimento a fins de interesse geral, vedada a renúncia total ou parcial de poderes ou competência, salvo autorização em lei (art. 2º, parágrafo 55 único, II). O princípio do interesse público está intimamente ligado ao da finalidade. A primazia do interesse público sobre o privado é inerente à atuação estatal e domina-a, na medida em que a existência do Estado justifica-se pela busca do interesse geral. Em razão dessa inerência, deve ser observado mesmo quando as atividades ou serviços públicos forem delegados aos particulares. (...) Como bem ensina Celso Antônio Bandeira de Mello, o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado é princípio geral de Direito inerente a qualquer sociedade. É a própria condição de sua existência. Assim, não se radica em dispositivo específico algum da Constituição, ainda que inúmeros aludam ou impliquem manifestações concretas dele, como, por exemplo, os princípios da função social da Disponível em: 51

53 propriedade, da defesa do consumidos ou do meio ambiente (art. 170, III, V e VI), ou tantos outros, Afinal, o princípio em causa é um pressuposto lógico do convívio social. A administrativista Odete Medauar (2009, 133) segue o mesmo posicionamento: A expressão interesse público pode ser associada a bem de toda a coletividade, à percepção geral das exigências da vida na sociedade. Esse princípio vem apresentado tradicionalmente como o fundamento de vários institutos e normas do direito administrativo e, também, de prerrogativas e decisões, por vezes arbitrárias, da Administração Pública. Mas vem sendo matizado pela ideia de que à Administração cabe realizar a ponderação dos interesses presentes numa determinada circunstância, para que não ocorra sacrifício a priori de nenhum interesse; o objetivo dessa função está na busca de compatibilidade ou conciliação dos interesses, com a minimização de sacrifícios. Nessa toada, o Superior Tribunal de Justiça, através de suas turmas de Direito Público, chegou ao entendimento no sentido da aplicação do prazo prescricional trienal previsto no Código Civil de 2002 nas ações indenizatórias ajuizadas contra a Fazenda Pública, conforme julgados a seguir: ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRESCRIÇÃO. DECRETO Nº /32. ADVENTO DO CÓDIGO CIVIL DE REDUÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL PARA TRÊS ANOS. 1. O legislador estatuiu a prescrição de cinco anos em benefício do Fisco e, com o manifesto 52

54 objetivo de favorecer ainda mais os entes públicos, estipulou que, no caso da eventual existência de prazo prescricional menor a incidir em situações específicas, o prazo quinquenal seria afastado nesse particular. Inteligência do art. 10 do Decreto nº / O prazo prescricional de três anos relativo à pretensão de reparação civil art. 206, 3º, V, do Código Civil de 2002 prevalece sobre o quinquênio previsto no art. 1º do Decreto nº / Recurso especial provido. (REsp /RJ, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 08/09/2009, DJe 18/09/2009) 55 PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. PRETENSÃO INDENIZATÓRIA. PRAZO PRESCRICIONAL. INCIDÊNCIA, NA ESPÉCIE, DO ART. 206, 3º, INC. V, DO NOVO CÓDIGO, EM DETRIMENTO DO DECRETO N / No âmbito desta Corte Superior, pacificouse o entendimento no sentido de que aplica-se o prazo prescricional de três anos previsto no art. 206, 3º, inc. V, do Código Civil de 2002, em detrimento ao de cinco anos do art. 1º do Decreto n /32, em relação às pretensões de reparação civil contra os entes públicos sempre que assim determinarem a regra de transição e/ou a data da ocorrência do fato danoso. Precedentes. 2. Na hipótese dos autos, o Tribunal de origem consignou que a data do evento danos ocorreu em Assim sendo, ocorreu o Disponível em: 53

55 transcurso do prazo trienal, pois a presente demanda foi proposta em , o que caracteriza a consumação da prescrição. 3. Recurso especial não provido. (REsp /PB, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 26/04/2011, DJe 05/05/2011) ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRESCRIÇÃO. DECRETO /1932. ADVENTO DO CÓDIGO CIVIL DE REDUÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL PARA TRÊS ANOS. 1. O legislador estatuiu a prescrição qüinqüenal em benefício do Fisco e, com manifesto objetivo de favorecer ainda mais os entes públicos, estipulou que, no caso de eventual existência de prazo prescricional menor a incidir em situações específicas, o de cinco anos seria afastado nesse particular. Inteligência do art. 10 do Decreto / O prazo prescricional de três anos relativo à pretensão de reparação civil - art. 206, 3º, V, do Código Civil de prevalece sobre o qüinqüênio previsto no art. 1º do Decreto /32. Precedentes do STJ. 3. Recurso Especial provido. (STJ, REsp /RS, Segunda Turma, Min. Herman Benjamin, j. 22/03/2011, p. DJe 25/04/2011). [destaque nosso] Registre-se, entretanto, que no âmbito do STJ também havia decisões divergentes da tese acima debatida, com decisões da corte superior acolhendo o prazo de cinco anos: ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRESCRIÇÃO. PRAZO. 54

56 ARTIGO 206, 3º, V, DO CÓDIGO CIVIL. INAPLICABILIDADE. ARTIGO 1º DO DECRETO Nº /32. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. 1. O prazo prescricional da pretensão reparatória contra o Estado, seja federal, estadual ou municipal é de cinco anos, nos termos do artigo 1º do Decreto nº /32. Precedentes, entre eles: EREsp /RR, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, Primeira Seção, julgado em 13/12/2010, DJe 01/02/ Recurso especial provido. (STJ, REsp /RR, Segunda Turma, Rel. Min. Castro Meira, j. 08/05/2012, p. DJe 21/05/2012).[destacado] Mesmo com o forte 55 posicionamento doutrinário, a tese do prazo prescricional de 3 (três) anos em relação às demandas de ressarcimento ajuizadas em face da Fazenda Pública não prevaleceu no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, sendo a controvérsia definida mediante recente decisão do Tribunal da Cidadania, no final do ano de 2012, consolidada sob o regime de recursos repetitivos firmada no julgamento do Recurso Especial (Resp) /PR, preponderando o prazo prescricional de 5 anos, preceituado no Decreto /32, segundo analisaremos em seguinte. 2.3 A Tese do Prazo Prescricional Quinquenal nas demandas de reparação civil em face da Fazenda Pública. Entendimento Prevalente no âmbito do Superior Tribunal de Justiça O tema analisado no presente trabalho não estava pacificado, visto que o prazo prescricional nas ações indenizatórias contra a Fazenda Pública é defendido de maneira antagônica nos âmbitos doutrinário e jurisprudencial. De fato, as Turmas de Direito Público do Superior Tribunal de Justiça divergiam sobre a matéria, porquanto existem julgados de ambos os órgãos julgadores no Disponível em: 55

57 sentido da aplicação do prazo prescricional quinquenal ou trienal - previsto no Código Civil de 2002, nas ações indenizatórias ajuizadas contra a Fazenda Pública. Em razão disso, a controvérsia foi submetida à Primeira Seção do STJ para ser julgada de acordo com a sistemática do art. 543-C Código de Processo Civil, regulamentada pela Resolução STJ n. 8/2008, qual seja o rito dos Recursos Repetitivos. Nesse sentido, instado a se manifestar sobre a divergência, o Superior Tribunal de Justiça definiu seu entendimento no sentido de que incide o Decreto n /32 no tocante a prescrição nas demandas de reparação civil formuladas em face da Fazenda Pública, configurando-se o prazo prescricional quinquenal. O principal fundamento para a estabilização da tese residiu no entendimento de que o prazo prescricional em tal hipótese regula-se pela natureza especial (Princípio da Especialidade) do Decreto /32, que regula a prescrição, seja qual for a sua natureza, das pretensões formuladas contra a Fazenda Pública, ao contrário da disposição prevista no Código Civil, norma geral que regula o tema de maneira genérica, a qual não altera o caráter especial da norma, muito menos tendo a possibilidade de determinar a sua revogação. Registre-se o entendimento do Ministro Relator Mauro Campbell Martins, seguido por unanimidade, de que quando o Código Civil pretende abordar temas de direito público, o mesmo é expresso em seus dispositivos, como no caso do seu art. 43 ( as pessoas jurídicas de direito público), na disposição dos "bens públicos" no art. 99 e a expressão "Fazenda Pública" contida no art. 965, inciso VI do CC/02), além de outros exemplos. No caso do art. 206, 3º, V, do CC, que trata da prescrição trienal nas ações de responsabilidade civil, inexistiu a previsão expressa de aplicação à Fazenda Pública. Nesse passo, exibimos a lição de Rui Stoco (2007, p ): 56

58 Segundo dispunha o art. 178, 10, VI, do CC/16, prescrevia em cinco anos qualquer direito contra a Fazenda Pública. O atual Código Civil em vigor não repetiu essa disposição, restando a indagação acerca do prazo prescricional para o Poder Público. A omissão foi intencional, pois o Código Civil não rege as relações informadas pelo direito público, entre o administrador e o administrando. Ademais, ainda que assim não fosse, cabe obtemperar que a lei geral não revoga a legislação especial. Portanto, a ação de reparação do dano contra a Fazenda Pública, seja a que título for, prescreve 55 em cinco anos. Esse também o entendimento esposado por Misael Montenegro Filho em artigo de doutrina acerca do novo Código Penal (Responsabilidade civil no novo Código Civil brasileiro. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Renovar, v. 229, p. 122, jul.-set./2002). E para não deixar qualquer dúvida a respeito, o Dec , de , preceitua que as ações contra as pessoas jurídicas de direito público prescrevem em cinco anos. Pôs a lume, assim, o princípio da actio nata. Não se pode mesmo admitir que os direitos defendidos por particulares sejam imprescritíveis, mormente quando se tem em vista o claro propósito do legislador de editar o Dec , de , que foi o de conceder estabilidade às relações entre a Administração e seus administrados e servidores, em prol, inclusive, dos interesses maiores da própria Disponível em: 57

59 coletividade, independentemente de considerações ligadas a noções de injustiça ou iniquidade da solução legal. Cabe anotar que o DL 4.597, de , dispõe em seu art. 2º que O Dec /32, que regula a prescrição quinquenal, abrange as dívidas passivas das autarquias, ou entidades e órgãos paraestatais, criados por lei e mantidos mediante impostos, taxas ou qualquer contribuições exigidas em virtude de lei federal, estadual ou municipal, bem como a todo e qualquer direito e ação contra os mesmos. Portanto, mesmo com relação à administração indireta do Estado, a prescrição obedece o prazo de cinco anos previsto no Dec /32. Não obstante a previsão específica de prescrição quinquenal para as pessoas jurídicas de direito público constante do vetusto Dec. 20/910/32, estendida para as autarquias e entidades paraestatais pelo DL 4.597/42, o art. 1º-C da Lei 9.494, de , incluído pela MP , de , assim estabelece: Art. 1º-C. Prescreverá em cinco anos o direito de obter indenização dos danos causados por agentes de pessoas jurídicas de direito público e de pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos. Resulta claro o objetivo de conceder prazo menor para as pessoas jurídicas de direito privado, quando prestadoras de serviços públicos, de modo a manter simetria com o prazo prescricional previsto para o Poder Público. Essa afirmação é feita considerando que a referida MP 58

60 /2001 foi editada e convertida em lei quando ainda vigia o Código Civil de 1916, que previa o prazo bem mais alongado no art. 177, ou seja, de 10 anos para as ações pessoais. Felizmente, contudo, o dinamismo da criação legislativa restou por favorecer as vítimas, nas hipóteses de danos causados por agentes de pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos, pois, assim não fosse, o prazo seria de apenas três anos, conforme dispõe p art. 206, 3º, V, do CC/2002. Como a Lei 9.494/97 equiparou as pessoas de serviços públicos, ás pessoas jurídicas de direito privado, desde que prestadoras de serviços públicos, 55 às pessoas jurídicas de direito público para efeito de reparação de danos, prevalece para ambas a prescrição quinquenal. Ademais e como não se desconhece, a lei geral posterior não revoga a legislação especial que lhe seja anterior. O Direito, como se sabe, é um sistema de normas harmonicamente articuladas. Uma situação não pode ser regida simultaneamente por duas disposições legais que se contraponham. Para solucionar essas hipóteses de conflito de leis, o ordenamento jurídico se serve de três critérios tradicionais: o da hierarquia pelo qual a lei superior prevalece sobre a inferior -, o cronológico onde a lei posterior prevalece sobre a anterior e o da especialização em que a lei específica prevalece sobre a lei geral. A doutrina de Lucas Rocha Furtado (2010, p. 1042) segue a mesma trilha de entendimento, abaixo exposta: Disponível em: 59

61 O prazo prescricional previsto no Código Civil, art. 206, 3, para as ações de reparação é de três anos. Essa regra genérica contida no Código não se aplica, todavia, às ações de indenização propostas contra o poder público em razão da vigência de regras especiais sobre o tema. Nos termos do art. 1 -C, da Lei n 9.494, de 1997, com a redação dada pela MP n 2.180, de 2001, o prazo prescricional para a propositura das ações de indenização por danos causados por agentes de pessoas jurídicas de direito público e de pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos é de cinco anos. A redação do dispositivo acima reitera a regra da prescrição quinquenal fixada pelo Decreto n , de Nos termos deste decreto, as ações judiciais propostas contra o poder público prescrevem em cinco anos. Por força do Decreto n 4.597, de 1942, esse prazo de cinco anos é aplicável a todas as ações propostas contra as pessoas jurídicas de Direito Público. A redação do citado art. 1º-C da Lei n 9.494, de 19997, inova em relação à sistemática fixada pelo decreto de 1932 em razão da extensão dada, fazendo compreender no âmbito da aplicação do prazo prescricional de cinco não apenas a Fazenda Pública (pessoas jurídicas de Direito Público), as quais se submetiam a esse prazo por força dos Decretos nºs , de 1932, e 4.597, de 1942, mas igualmente as 60

62 pessoas jurídicas de Direito Privado prestadoras de serviço público. Por esse lado, prevalece o entendimento majoritário na doutrina no sentido do prazo de prescrição quinquenal para as ações reparatórias contra o Poder Público. Nos dizeres da ilustríssima Maria Sylvia Di Pietro (2011, p. 769) o Decreto /32 não afeta o CC/2002, pois este disciplina a prescrição incidente nas relações entre particulares, enquanto naquele nas relações que envolvem o Poder Público. No mesmo sentido, a orientação de Marçal Justen Filho (2010, p ): A questão da ação de reparação de danos Como já referido, o art. 206, 3, V, do Código Civil fixa em três anos o prazo da prescrição 55 da ação versando pretensão de reparação civil. Essa regra não se aplica às ações que envolvam pretensão de reparação civil dirigida contra a Fazenda Pública. Assim se passa porque a regra do Código Civil é genérica. A prescrição da ação versando pretensão contra a Fazenda Pública está disciplinada de modo especial no Decreto n /32. O argumento de que o Código Civil disciplina de modo genérico a todas as ações, inclusive aquelas contra a Fazenda Pública, foi rejeitado já na vigência do Código anterior. O Código de 1916 estabelecia que as ações pessoais prescreviam em 20 anos. Lembre-se que essa disposição constava do art. 177, cuja redação foi determinada pela Lei n /55. Essa regra geral em nada afetou a disciplina especial que já estava prevista no Decreto n /32. Disponível em: 61

63 Ou seja, consagrou-se a orientação de que prevalecia a lei anterior especial sobre prescrição em face da Fazenda Pública, a qual determinava o prazo de cinco anos para prescrição das ações. A lei posterior, que fixara o prazo de prescrição de vinte anos para as ações pessoais, foi reputada como norma geral, não apta a afetar a disciplina constante da norma especial. (...) Nesse último julgado, o voto do Relator invocou um princípio de proteção à Fazenda Pública, que teria conduzido, no passado, à redução dos prazos prescricionais de ações exercitadas perante ela. Ademais, aludiu ao art. 10 do Decreto n /32, que previu que o disposto nos artigos anteriores não altera as prescrições de menor prazo, constantes das leis e regulamentos, as quais ficam subordinadas Pás mesmas regras. Com o maior respeito, os dois argumentos são improcedentes. Em primeiro lugar, as orientações políticas norteadas à proteção da Fazenda Pública em face dos cidadãos deixaram de ser recepcionadas pela Constituição de A dita Constituição Cidadã é impregnada pelo reconhecimento e proteção aos direitos fundamentais dos cidadãos, inclusive perante o Estado. Justamente por isso, a CF/88 na esteira de uma longa tradição constitucional impõe a responsabilidade objetiva da Administração Pública por ações e omissões aptas a acarretar danos a particulares. Em suma, a ordem constitucional brasileira adota 62

64 principiologia oposta àquela referida no v. acórdão. O regime da responsabilização civil da Administração Pública é muito mais severo do que o reservado para os particulares. Tanto bastaria para afastar a invocação ao art. 10 do Decreto n /32, o qual demanda uma interpretação conforme. Mas há outro argumento, igualmente robusto. O art. 1 do Decreto n veiculou regra especial para a prescrição em face da Fazenda Pública. O art. 10 restringiu-se a determinar que o referido dispositivo não se aplicaria em caso de existência à época de outros prazos mais reduzidos. Ora, 55 a superveniência do Código Civil não alterou a natureza especial da regra do art. 1º do Dec. N Logo, esse dispositivo continua em vigor. Mas, aplicando a interpretação adotada pelo v. acórdão do STJ para o art. 10 do mesmo diploma, o dito art. 1º perderia a vigência. Assim se passaria porque o art. 1º do Decreto n não seria aplicável em hipóteses alguma. Esse resultado hermenêutico é descabido. Tem de reputar-se que a regra especial do art. 1º do Decreto n apenas perderá a sua vigência em virtude da edição superveniente de uma norma especial que assim o determine expressa ou implicitamente. Ademais, a consagração da prescrição trienal para as dívidas da Fazenda Pública acabaria gerando efeitos desastrosos, eis que idêntico prazo teria de ser adotado para os seus créditos. Seria um despropósito a existência de prazos distintos para as dívidas e para os Disponível em: 63

65 créditos da Fazenda. Portanto, a interpretação questionada acabaria conduzindo à redução do prazo prescricional para os créditos fazendários. O STJ ao firmar a tese diante do regime do art. 543-C do CPC apenas corroborou o posicionamento majoritário perante suas Turmas de direito público: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. INDENIZAÇÃO POR DESVIO DE FUNÇÃO. PRESCRIÇÃO. PRAZO QUINQUENAL. DECRETO N /1932. ART. 206, 3º, DO CÓDIGO CIVIL. INAPLICABILIDADE. 1. Caso em que se discute se o prazo prescricional para o pagamento da indenização por desvio de função seria o trienal previsto no art. 206, 3º, incisos IV e V, do Código Civil, ou o quinquenal estabelecido no Decreto / A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça firmou-se no sentido de que é quinquenal o prazo prescricional para propositura da ação de qualquer natureza contra a Fazenda Pública, a teor do art. 1 do Decreto n /32, afastada a aplicação do Código Civil. Precedentes: AgRg no REsp n /AC, Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, DJe 17/11/2008; AgRg no REsp n /RJ, Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 1/7/2009; AgRg no Ag /RJ, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 24/5/

66 3. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp /SE, 1ª Turma, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe de ) PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. PRAZO PRESCRICIONAL. DECRETO /32. QUINQUENAL. ACÓRDÃO EMBARGADO EM HARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO. DIVERGÊNCIA SUPERADA. SÚMULA 168/STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. A Primeira 55 Seção do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o EREsp /RR, consolidou o entendimento no sentido de que o prazo prescricional aplicável às ações de indenização contra a Fazenda Pública é de cinco anos, previsto no Decreto /32, e não de três anos, por se tratar de norma especial que prevalece sobre a geral. 2. "Não cabem embargos de divergência, quando a jurisprudência do tribunal se firmou no mesmo sentido do acórdão embargado" (Súmula 168/STJ). 3. Agravo regimental não provido. (AgRg nos EREsp /AC, 1ª Seção, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe de ) ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRESCRIÇÃO. PRAZO. ARTIGO 206, 3º, V, DO CÓDIGO CIVIL. INAPLICABILIDADE. ARTIGO 1º DO DECRETO Nº /32. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. Disponível em: 65

67 1. O prazo prescricional da pretensão reparatória contra o Estado, seja federal, estadual ou municipal é de cinco anos, nos termos do artigo 1º do Decreto nº /32. Precedentes, entre eles: EREsp /RR, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, Primeira Seção, julgado em 13/12/2010, DJe 01/02/ Recurso especial provido. (REsp /RR, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJe de ) Como se vê, o Superior Tribunal de Justiça consolidou seu entendimento, através de sua Primeira Seção, de maneira unânime, diante do REsp /PR, submetido ao regime dos recursos repetitivos, de que o prazo prescricional de 5 (cinco) anos previsto no art. 1o. do Decreto /32 deve ser aplicado à ação indenizatória ajuizada contra a Fazenda Pública seja ela federal, estadual ou municipal, cuja ementa extremamente didática segue abaixo: ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA (ARTIGO 543-C DO CPC). RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. PRESCRIÇÃO. PRAZO QUINQUENAL (ART. 1º DO DECRETO /32) X PRAZO TRIENAL (ART. 206, 3º, V, DO CC). PREVALÊNCIA DA LEI ESPECIAL. ORIENTAÇÃO PACIFICADA NO ÂMBITO DO STJ. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO. 1. A controvérsia do presente recurso especial, submetido à sistemática do art. 543-C do CPC e da Res. STJ n 8/2008, está limitada ao prazo prescricional em ação indenizatória ajuizada contra a Fazenda Pública, em face da aparente antinomia do prazo trienal (art. 206, 66

68 3º, V, do Código Civil) e o prazo quinquenal (art. 1º do Decreto /32). 2. O tema analisado no presente caso não estava pacificado, visto que o prazo prescricional nas ações indenizatórias contra a Fazenda Pública era defendido de maneira antagônica nos âmbitos doutrinário e jurisprudencial. Efetivamente, as Turmas de Direito Público desta Corte Superior divergiam sobre o tema, pois existem julgados de ambos os órgãos julgadores no sentido da aplicação do prazo prescricional trienal previsto no Código Civil de 2002 nas ações indenizatórias ajuizadas contra a Fazenda Pública. Nesse sentido, os seguintes 55 precedentes: REsp /PB, 2ª Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe de ; REsp /RS, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de ; REsp /PR, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJe de ; REsp /RS, 1ª Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, DJe de ; EREsp /RS, 1ª Seção, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 22/10/2009). A tese do prazo prescricional trienal também é defendida no âmbito doutrinário, dentre outros renomados doutrinadores: José dos Santos Carvalho Filho ("Manual de Direito Administrativo", 24ª Ed., Rio de Janeiro: Editora Lumen Júris, 2011, págs. 529/530) e Leonardo José Carneiro da Cunha ("A Fazenda Pública em Juízo", 8ª ed, São Paulo: Dialética, 2010, págs. 88/90). 3. Entretanto, não obstante os judiciosos entendimentos apontados, o atual e consolidado Disponível em: 67

69 entendimento deste Tribunal Superior sobre o tema é no sentido da aplicação do prazo prescricional quinquenal - previsto do Decreto /32 - nas ações indenizatórias ajuizadas contra a Fazenda Pública, em detrimento do prazo trienal contido do Código Civil de O principal fundamento que autoriza tal afirmação decorre da natureza especial do Decreto /32, que regula a prescrição, seja qual for a sua natureza, das pretensões formuladas contra a Fazenda Pública, ao contrário da disposição prevista no Código Civil, norma geral que regula o tema de maneira genérica, a qual não altera o caráter especial da legislação, muito menos é capaz de determinar a sua revogação. Sobre o tema: Rui Stoco ("Tratado de Responsabilidade Civil". Editora Revista dos Tribunais, 7ª Ed. - São Paulo, 2007; págs. 207/208) e Lucas Rocha Furtado ("Curso de Direito Administrativo". Editora Fórum, 2ª Ed. - Belo Horizonte, 2010; pág. 1042). 5. A previsão contida no art. 10 do Decreto /32, por si só, não autoriza a afirmação de que o prazo prescricional nas ações indenizatórias contra a Fazenda Pública foi reduzido pelo Código Civil de 2002, a qual deve ser interpretada pelos critérios histórico e hermenêutico. Nesse sentido: Marçal Justen Filho ("Curso de Direito Administrativo". Editora Saraiva, 5ª Ed. - São Paulo, 2010; págs /1.299). 6. Sobre o tema, os recentes julgados desta Corte Superior: AgRg no AREsp /SE, 1ª Turma, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe de 68

70 ; AgRg nos EREsp /AC, 1ª Seção, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe de ; AgRg no REsp /AP, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe de ; REsp /RR, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJe de ; AgRg no AREsp /GO, 2ª Turma, Rel. Min. Humberto Martins, DJe de ; AgRg no AREsp /RS, 1ª Turma, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe de ; AgRg no AREsp /RJ, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de ; EREsp /RR, 1ª Seção, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJe de 1º No 55 caso concreto, a Corte a quo, ao julgar recurso contra sentença que reconheceu prazo trienal em ação indenizatória ajuizada por particular em face do Município, corretamente reformou a sentença para aplicar a prescrição quinquenal prevista no Decreto /32, em manifesta sintonia com o entendimento desta Corte Superior sobre o tema. 8. Recurso especial não provido. Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C, do CPC, e da Resolução STJ 08/2008. (REsp /PR, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/12/2012, DJe 19/12/2012) Dessa maneira, o STJ rejeitou a tese de prescrição trienal do CC/02 propagada pela Fazenda Pública, consolidando-se definitivamente em favor da prevalência do prazo quinquenal previsto no Decreto nº /32 nas ações indenizatórias ajuizadas em face do Poder Público, pela preponderância do critério Disponível em: 69

71 da especialidade do Decreto /32 sobre a norma geral do Código Civil. 3 Conclusão Considerando-se a divergência doutrinária e jurisprudencial, o Superior Tribunal de Justiça, instado a se manifestar sobre a divergência, definiu sua posição no sentido de que incide o Decreto n /32 no tocante a prescrição nas demandas de reparação civil formuladas em face da Fazenda Pública, configurando-se o prazo prescricional quinquenal, com base, precipuamente, no entendimento de que o prazo prescricional em tal hipótese regula-se pela natureza especial - Princípio da Especialidade do Decreto /32, que regula a prescrição, seja qual for a sua natureza, das pretensões formuladas contra a Fazenda Pública, ao contrário da disposição prevista no Código Civil, norma geral que regula o tema de maneira genérica, a qual não altera o caráter especial da norma, muito menos tendo a possibilidade de determinar a sua revogação. Registre-se que a tese firmada pela Primeira Seção do STJ passa a orientar as demais instâncias da Justiça brasileira em ações que discutem a mesma questão, tendo em vista o julgamento do RESP /PR estar submetido à sistemática dos recursos repetitivos (art. 543-C do CPC), por se tratar de recurso representativo da controvérsia, colaborando o tribunal da cidadania com o princípio da Segurança Jurídica ao uniformizar sua jurisprudência. 4 Referências BEVILÁQUA, Clóvis. Teoria Geral do Direito Civil. Campinas: Servanda, BRASIL. Lei nº , de 10 de Janeiro de Código Civil (2002). 15. ed. São Paulo: Rideel, Decreto nº , de 06 de Janeiro de Regula a prescrição quinquenal. 15. ed. São Paulo: Rideel, Superior Tribunal de Justiça (STJ). Acórdão. REsp /RJ. Relator Min. Castro Meira, Segunda 70

72 Turma, DJ 18/09/2009. Disponível em: < Acesso em: 22 novembro Superior Tribunal de Justiça (STJ). Acórdão. REsp /PB. Relator Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJ 25/04/2011. Disponível em: < Acesso em: 22 novembro Superior Tribunal de Justiça (STJ). Acórdão. REsp /RS. Relator Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJ 25/04/2011. Disponível em: < Acesso em: 22 novembro Superior Tribunal de Justiça (STJ). Acórdão. REsp /RR. Relator Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJ 21/05/2012. Disponível em: < Acesso em: 22 novembro Superior Tribunal 55 de Justiça (STJ). Acórdão. AgRg no AREsp /SE. Relator Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJ 21/08/2012. Disponível em: < Acesso em: 22 novembro Superior Tribunal de Justiça (STJ). Acórdão. AgRg nos EREsp /AC. Relator Min. Arnaldo Esteves Lima, Primeira Seção, DJ 06/06/2012. Disponível em: < Acesso em: 22 novembro Superior Tribunal de Justiça (STJ). Acórdão. REsp /RR. Relator Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJ 21/05/2012. Disponível em: < Acesso em: 22 novembro Superior Tribunal de Justiça (STJ). Acórdão. REsp /PR. Relator Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, DJ 12/12/2012. Disponível em: < Acesso em: 22 novembro CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 17. Ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Júris, CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 8. ed. São Paulo: Dialética, Disponível em: 71

73 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: parte geral e LINDB, vol ª ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPODIVM, FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Direito Administrativo. 2. ed. Belo Horizonte: Editora Fórum, Justen Filho, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 13. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 29. ed. São Paulo: Malheiros, PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. São Paulo: Método, STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

74 TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO URBANO LARA CAXICO MARTINS MIRANDA: Advogada. Graduação pela Universidade Estadual de Londrina. Pós Graduanda em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade Damásio de Jesus e em Direito Constitucional pela LFG. RESUMO: A Constituição Federal Brasileira de 1988 prevê, em seu Art.1º, III, a dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil. Infelizmente, hoje no Brasil há inúmeros casos de cidadãos reduzidos à condição análoga a de escravo no grandes centros urbanos. A fiscalização do Ministério do Trabalho e relatórios da OIT denunciam que diversos trabalhadores são submetidos a baixíssimos salários, locais insalubres de trabalho, péssimas condições de higiene e moradia. Estas condições são afronta ao 55 conceito de trabalho decente previsto como direito pela legislação trabalhista brasileira, Convenção 29 da OIT, em seu Art. 2º (1930) e função social da propriedade empresarial (Art. 170, III CF/88). Palavras-chave: escravidão, trabalho escravo urbano, trabalho decente. INTRODUÇÃO A Constituição Brasileira de 1988 é, sem duvida, a mais democrática de todas as cartas que até então vigoravam no país. No âmbito dos direitos trabalhistas, observa-se o resultado de anos de luta de trabalhadores para garantir a tutela de condições mínimas e essenciais para a realização de qualquer trabalho digno. Por ter como essência os princípios do Estado Constitucional moderno e os direitos e garantias fundamentais, a atual Carta Magna Brasileira foi apelidada de Constituição Cidadã. Disponível em: 73

75 O conceito de direitos e garantias fundamentais está intimamente ligado à ideia de dignidade da pessoa humana e de limitação do poder do Estado. Em razão da importância axiológica desses princípios, foram positivados no plano constitucional e passaram a fundamentar e legitimar todo ordenamento jurídico. Neste estudo cabe ainda mencionar o compromisso do Estado brasileiro com os indivíduos nacionais e estrangeiros, previsto no art. 5º da CF/88. Ao tratar dos direitos fundamentais individuais e coletivos o legislador primário instituiu que: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes... ; Diante do arcabouço constitucional de direitos humanos classificados como constitucionais, estranho é imaginar a ainda existência de trabalhos análogos ao de escravo. Observa-se que o presente estudo se justifica claramente por ser inaceitável, após a Abolição da Escravatura e a promulgação da Emenda Constitucional 81/2014, a existência de focos de trabalho escravo nos grandes centros urbanos do país. Em se tratando de um país onde já se elevou ao status constitucional a liberdade e os direitos trabalhistas, é incabível a existência de indivíduos ainda submetidos a trabalhos desumanos. 1. TRABALHO DIGNO Para que se comprove a coexistência atual de trabalhadores supostamente livres com a submissão à escravidão, necessário se faz definir o que vem a ser a escravidão contemporânea. Esta possui, sem hesitação, limiares que a diferem da escravidão abolida no Brasil, no plano jurídico, pela Lei Áurea[1]. Para definir escravidão moderna é importante buscar o atual 74

76 conceito de trabalho decente tanto no âmbito interno quanto internacional. 1.1 Trabalho decente O conceito de trabalho descente está intimamente ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana, estabelecido no artigo 1º, inciso III da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988[2], como fundamento do país que se constitui em Estado Democrático de Direito. Segundo Silva: Dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida. (...) 55 Daí decorre que a ordem econômica há de ter por fim assegurar a todos existência digna (art. 170), a ordem social visará a realização da justiça social (art. 193), a educação, o desenvolvimento da pessoa e seu preparo para o exercício da cidadania (art. 205) etc., não como meros enunciados formais, mas como indicadores do conteúdo normativo eficaz da dignidade da pessoa humana[3]. Para o jurista Zulmar Fachin, trata-se do valor fundante do Estado brasileiro (artigo 1º, inciso III) e inspirador da atuação de todos os poderes do Estado e do agir de cada pessoa.[4] Segundo Lenza, a dignidade da pessoa humana é a regra matriz dos direitos fundamentais e núcleo essencial do constitucionalismo moderno. Para o autor, diante de conflitos, o princípio da dignidade da pessoa humana deve ser utilizado para orientar suas soluções[5]. Disponível em: 75

77 Conclui-se que a dignidade da pessoa humana é a máxima que reúne todos os direitos e garantias concernentes a um indivíduo, constantes da Carta Magna. Esta deve ser usada como leme em todas as condutas sociais, não apenas em se tratando de relações levadas ao judiciário. Nesse sentido, as relações de trabalho também devem estar pautadas na dignidade da pessoa humana. Quando da constituição de um vínculo trabalhista, cabe a ambas as partes manterem assegurados todos os direitos e garantias fundamentais. Trata-se, em suma, da valorização do trabalho humano sob a ótica dos direitos fundamentais. Diante de um mundo globalizado onde se exige redução de custos e aumento de produtividade, se valorize o trabalho humano, sugere o professor Oliveira que: a) o trabalho seja livre, liberdade aqui no sentido de o ser humano ter várias oportunidades e possibilidades de trabalho; b) que o trabalho seja de qualidade, entendendo-se como tal aquele em que o ser trabalhador possa se expressar através dele. Trata-se de um trabalho que mostra a importância do seu agente trabalhador perante a sociedade[6]. Em seu estudo, o autor destaca a necessidade de políticas públicas efetivas para que haja a real valorização do trabalho. Cita que o trabalho humano será efetivamente valorizado quando houver a criação de mais postos de labor e quando este trabalho for desenvolvido com mais satisfação, mais criatividade, mais participação do trabalhador no gerenciamento da empresa e menos riscos e discriminações[7]. Haverá o trabalho valorizado, digno e consequentemente decente quando houver nas relações empregatícias efetivação dos direitos sociais. 76

78 Assim, o conceito de trabalho decente está estreitamente vinculado a dignidade da pessoa humana e a valorização do trabalho. Há de se falar em um trabalho decente quando o indivíduo tiver assegurados, em seu dia a dia laboral, os direitos e garantias individuais e sociais previstos na Constituição da República Federativa do Brasil de Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT) o Trabalho Decente é o ponto de convergência dos quatro objetivos estratégicos da OIT: o respeito aos direitos no trabalho (em especial aqueles definidos como fundamentais pela Declaração Relativa aos Direitos e Princípios Fundamentais no Trabalho 55 e seu seguimento adotada em 1998: (i) liberdade sindical e reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva; (ii)eliminação de todas as formas de trabalho forçado; (iii) abolição efetiva do trabalho infantil; (iv) eliminação de todas as formas de discriminação em matéria de emprego e ocupação), a promoção do emprego produtivo e de qualidade, a extensão da proteção social e o fortalecimento do diálogo social[8]. Em vistas de alcançar aplicabilidade do Trabalho Decente no Brasil, em 2006 foi lançada, em Brasília-DF, pelo Ministério do Trabalho e do emprego, a Agenda Nacional de Trabalho Decente. Esta rememorou o conceito abordado pela OIT e definiu para aplicação perante o ordenamento jurídico brasileiro o trabalho decente como sendo (...) uma condição fundamental para a superação da pobreza, a redução das Disponível em: 77

79 desigualdades sociais, a garantia da governabilidade democrática e o desenvolvimento sustentável. Entende-se por Trabalho Decente um trabalho adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, eqüidade e segurança, capaz de garantir uma vida digna[9]. Na esteira desse conhecimento define Brito Filho: Trabalho Decente, então, é um conjunto mínimo de direitos do trabalhador que corresponde: à existência de trabalho; à liberdade de trabalho; à igualdade no trabalho; ao trabalho com condições justas, incluindo a remuneração, e que preservem sua saúde e segurança; à proibição do trabalho infantil; à liberdade sindical; e à proteção contra os riscos sociais[10]. A partir dos conceitos abordados destaca-se que trabalho decente é aquele que garante não apenas o mínimo existencial para a sobrevivência do trabalhador e de sua família, mas, principalmente, aquele que lhe permite qualidade de vida. Há muito não se fala da necessidade apenas de trabalho, tal visão foi superada por uma concepção de que é possível a conciliação do trabalho com a racionalidade de uma econômica mais humanitária. Para tanto se defende a necessidade de efetivação de políticas públicas (Estado) e empresariais (mercado) que garantam ao indivíduo um trabalho digno. Em outras palavras, um trabalho produtivo e com remuneração equitativa; com segurança no local de trabalho e proteção para as famílias; com meio ambiente material e imaterial sadios; com liberdade de expressão e igualdade de oportunidades para homens e mulheres. 78

80 Defende Brito Filho que não há trabalho decente sem que se tenha em concomitância condições adequadas à preservação da vida e da saúde do trabalhador. Continua afirmando que só existirá trabalho decente quando este vier atrelado a justas condições para o trabalho, principalmente no que toca às horas de trabalho e aos períodos de repouso. Ou seja, não haverá possibilidade de se falar em um trabalho decente enquanto a remuneração não for justa e equivalente ao esforço despendido, nem mesmo se o Estado não tomar todas as medidas necessárias para a criação e para a manutenção dos postos de trabalho. Conclui que não haverá trabalho decente se o trabalhador não estiver protegido dos riscos sociais, parte deles originados do próprio trabalho humano[11]. As interpretações dadas a respeito da valorização do trabalho humano bem como do trabalho decente estão conforme o 55 compromisso do Estado brasileiro com nacionais e estrangeiros. Nos termos do artigo 5º da CF/188, que estabelece direitos fundamentais individuais e coletivos, bem como artigo 7º, que estabelece direitos sociais, temos a consonância entre trabalho decente os direitos estabelecidos na Carta Magna: Art. 5º, caput, CF/88: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes (...); Art. 7, caput, CF/88º: São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...)[12]. Disponível em: 79

81 Observa-se que os parâmetros jurídicos brasileiros para avaliar a condição decente do trabalho humano estão positivados, sendo possível julgar em que condições um ser humano poderá ser considerado trabalhador em condições inaceitáveis de trabalho, ou seja, em situação de trabalho análogo ao de escravo. Pode-se afirmar que trabalho decente é aquele que se desenvolve sob a égide da dignidade da pessoa humana e dá amplas condições para o exercício dos direitos e garantias fundamentais. O trabalho decente é, sem questionamentos, via para a diminuição da pobreza e das desigualdades sociais presentes no Brasil. 2. A ESCRAVIDÃO CONTEMPORÂNEA No âmbito jurídico brasileiro a escravidão já foi extinta, mas, a realidade permite constatar que ainda no Brasil e em vários países, especialmente, os subdesenvolvidos e os em desenvolvimento, diversos trabalhadores são encontrados em condições análogas a de escravos. A antiga compra e venda de pessoas foi substituída por uma escravidão moderna que, de modo semelhante, oprime e molesta os trabalhadores. Sobre o tema se posiciona a autora Miraglia: Ainda que tal situação seja vedada pelo ordenamento jurídico brasileiro, encontrando-se seus proibitivos em diversos artigos da Carta Magna (ver arts. 1º, caput, e incisos III e IV; 3º; 4º; 5º, caput, e incisos III, X, XIII, XV, LXVII e parágrafo 2º; 170) e em inúmeros tratados e convenções internacionais (Ex: Convenções29, ratificada em 1930, e 105, ratificada em 1957, ambas da OIT), sendo tipificada como crime pelo art. 149 do Código Penal, empregadores 80

82 obstinados pelo lucro insistem em dar sobrevida à prática do trabalho escravo no país[13]. As práticas escravagistas remontam às civilizações antigas, mas se manifestavam das mais diferentes formas ao longo dos séculos. Apesar das diferenças, tem em comum a exploração econômica do trabalhador com o fito de obter vantagens financeiras. Usa-se o trabalho sem que se preveja um equilíbrio socioeconômico e de liberdade entre as partes. Não há, por exemplo, efetivação do princípio da proteção do trabalhador, solidificado pela doutrina e jurisprudência trabalhistas e utilizado para equivaler dois indivíduos díspares em uma relação claramente desigual. Nesse sentido se posiciona Nina: Embora 55 tão antiga quanto o homem, a escravidão nem sempre teve significados, formas e objetivos iguais, mas decerto sempre apresentou algo em comum no decorrer da sua historia: a motivação econômica, com ou sem respaldo legal[14]. A escravidão é vista pelo suposto homem civilizado, aquele pertencente ao século XXI, como uma aberração, algo que existia em um passado longínquo. É associada ainda a civilizações antigas, compostas por indivíduos irracionais, praticada entre os bárbaros ou sociedades não civilizadas. Tal concepção é completamente equivocada. A escravidão se disseminou através dos séculos e permanece no século XXI, ainda que mascarada[15]. É notório que a antiga concepção de homem escravizado, aquele que vinha para o Brasil nos porões dos navios negreiros, dormia em senzalas e recebia chibatas amarrado ao tronco, não mais existe. Em razão dessa imagem ter sido construída e Disponível em: 81

83 solidificada por séculos, atualmente, difícil é a caracterização do trabalho escravo por parte do Estado. Comete anacronismo quem se refere à escravidão como algo de outros tempos. Ela é atual. Quando ela se tornou uma forma econômica antiquada, ressurgiu repaginada e se desenvolveu nos países de civilização capitalista. Os que vivem em países e tempos em que a escravidão constituía um instrumento natural admitiam a sua necessidade econômica, com base jurídica no direito civil[16]. Hoje a escravidão não mais possui respaldo legal, entretanto, isso não tem intimidado os escravagistas contemporâneos. Estes, ocultamente, desenvolvem a prática e a negam por pagarem salários e por, na maioria das vezes, não restringirem a liberdade de locomoção do trabalhador. Na contemporaneidade a escravidão está, bem inserida no mercado pós-moderno e global e inteiramente criada e reproduzida pelas atuais condições da economia desemprego tecnológico, desarticulação das sociedades précapitalistas e do antigo bloco soviético pela integração ao mercado mundial, crescimento das migrações e redução ao absurdo, devido ao acirramento da concorrência pela globalização, da remuneração de atividades tradicionais, geralmente tecnologicamente atrasadas[17]. Enquanto as formas tradicionais de escravidão se fundamentam, em sua maioria, na herança do colonialismo e na discriminação contra grupos vulneráveis, as formas modernas possuem estreita ligação com a globalização e as tendências 82

84 migratórias. Não há limites nem regiões específicas para a escravidão moderna, ela se encontra em todos os continentes, inclusive em países industrializados. Nestes, a servidão por dívida ainda é constatada, só que agora em setores como construção, confecção, embalagem e processamento de alimentos[18]. Destaca-se a constatação feita pela Organização Internacional do Trabalho, de que a confecção se constitui como um dos setores que recebe mão de obra escrava. Segundo a OIT a imigração é ponte para a chegada de trabalhadores estrangeiros em busca de trabalho. Ou seja, bolivianos compõem grande parte dos imigrantes que buscam trabalho no setor de costura brasileiro. Apesar da escravidão permanecer na atualidade, ela não é, como já afirmado, igual a escravidão do período colonial 55 brasileiro. Novas formas de escravidão se apresentam, tal como afirmam Cristova e Goldschmidt: A escravidão contemporânea é marcada por fatores como: falsas promessas feitas pelo aliciador, falta de informações e desconhecimento dos direitos pelos trabalhadores e ausência de emprego e condições mínimas para manter a família na região de origem, o que faz com que o trabalhador aceite com mais facilidade a migração para outras regiões distantes em que será explorado[19]. Os autores afirmam ainda em seu estudo que os trabalhadores escravizados são recrutados em municípios muito carentes, de baixíssimos IDH, e caracterizam-se por serem pessoas de pouco ou nenhum estudo[20]. O empregador aproveita-se das desvantajosas condições do empregado. O indivíduo, na maioria das vezes, encontra-se em situação de desemprego, em penúria, Disponível em: 83

85 ávido por uma fonte de renda. Já foram frustradas suas expectativas, sonhos e metas. Ao deparar-se com uma proposta de trabalho, seja ela qual for, vê-se diante de uma chance irrecusável de melhoria de vida. Muito similar é a situação de estrangeiros em busca de oportunidades em outros países. Além de enfrentarem a situação de permanência irregular, com possibilidade de deportação, desconhecem garantias legais para reivindicar seus direitos. Os empregadores, de certa forma, preferem a condição de irregularidade de seus empregados, pois sabem que o receio da deportação normalmente os mantém sem realizar manifestações de desgosto com o trabalho. Assim diminuem-se os riscos de condenações judiciais, uma vez que os imigrantes ilegais não procuram a tutela estatal. Cristova e Goldschmidt definem ainda a característica principal do escravocrata contemporâneo: a propriedade de latifúndios e a posse de modernos e avançados recursos de produção[21]. Ou seja, são eles que detêm o controle sobre aquilo que mais anseia o trabalhador: a oportunidade de um trabalho. Quando se trata da escravidão contemporânea temos o escravocrata como aquele que suprime, segundo Fávero[22], o status libertatis da pessoa, aquele que sujeita de modo completo o trabalhador ao seu poder discricionário. Tal fato é também conhecido como plagium. Fávero conceituaplagium como: O exercício ilícito, sobre o trabalhador, de poderes similares àqueles inerentes ao direito de propriedade, restringindo-lhe a liberdade de locomoção através do uso da violência, grave ameaça ou fraude, bem como mediante a retenção de documentos pessoais ou contratuais ou em razão de dívida contraída com 84

86 o empregador,com frustração de direitos trabalhistas e imposição de trabalhos forçados e em condições degradantes[23]. Tendo conhecimento sobre a figura do trabalhador escravizado e do escravocrata, bem como depois de constatada a escravidão moderna, pode-se, de modo mais contundente, analisar propriamente o conceito de trabalho escravo contemporâneo. 2.1 O conceito de escravidão contemporânea Cumpre destacar, primeiramente, que a doutrina brasileira não é unânime quando a conceituação do trabalho escravo contemporâneo, nem mesmo quanto a sua nomenclatura. Nesta senda salienta-se: 55 Neo-escravidão, escravidão branca, trabalho forçado, trabalho escravo ; semi escravidão, super exploração do trabalho ; forma degradante de trabalho, trabalho escravo contemporâneo ; trabalho em condições análogas à de escravo, além de outras, são expressões utilizadas para fazer referência àquela modalidade de exploração da força de trabalho humana ocorrente na atualidade, na qual a sua prestação se dá de forma involuntária, e que é advinda de coerção amparada em pretensa existência de dívida, predominantemente ocorrente no âmbito do trabalho rural[24]. Brito Filho explica que a denominação usada no direito penal brasileiro é trabalho em condições análogas à de escravo, embora pelo uso costumeiro haja menção apenas ao trabalho escravo. O autor explica que se deve ter em mente o efetivo sentido Disponível em: 85

87 da expressão, porque a escravidão não é admitida no ordenamento jurídico do país, então uma pessoa não pode ser considerada escrava, no máximo ela estará em condições análogas à de escravo[25]. Conforme exposto, o trabalho escravo tutelado pela lei não mais existe. A Lei Áurea de 1888[26] aboliu a escravidão no Brasil, de modo que não é juridicamente correto nomear as formas vistas atualmente e que se assemelham a escravidão antiga também como escravidão. Entretanto, como se observa, a nomenclatura mais usual, inclusive devido a sua grande veiculação pela mídia, é trabalho escravo. É claro que quando pessoas tratam do assunto não devem remeter as formas antigas de escravidão, mas sim tratar das formas atualmente constantes na sociedade. Neste estudo, por questões de estruturação, deparar-se-á com as expressões citadas pelo professor Fávero. Todas, contudo, rememorando ao mesmo significado: escravidão contemporânea. De acordo com o artigo 2º da Convenção 29 da Organização Internacional do Trabalho (1930), internalizado no Brasil nos termos do Decreto nº , de 25 de junho de 1957, trabalho forçado ou obrigatório é o serviço exigido de um indivíduo mediante ameaças ou pena qualquer e para o qual o indivíduo não se oferece voluntariamente[27]. No Relatório do seguimento da Declaração da OIT sobre princípios e direitos do trabalho, se posicionou a OIT no sentido de que o trabalho forçado não pode ser associado àqueles que são remunerados irrisoriamente ou que estão ligados à penúria econômica do trabalhador. Exemplifica tal situação com o caso de um trabalhador não poder deixar seu local de trabalho em razão da escassez de empregos. A Organização defende ainda a tese que trabalhos forçados estão ligados a restrição da liberdade humana, 86

88 práticas análogas à escravidão, servidão por dívida ou condição servil[28]. Nesse sentido, dispõe o referido relatório que a definição da OIT de trabalho forçado tem dois elementos básicos: trabalho ou serviço imposto sob ameaça de punição e aquele executado involuntariamente [29]. Defende ainda que: Situações de trabalho forçado podem estar generalizadas em algumas atividades econômicas ou industriais que se prestam a práticas abusivas de contratação e emprego. Uma situação, porém, de trabalho forçado é determinada 55 pela natureza da relação entre uma pessoa e um empregador e não pelo tipo da atividade desenvolvida, por mais duras ou perigosas que possam ser as condições de trabalho. Nem é a legalidade ou ilegalidade da atividade, segundo leis nacionais, que determina se o trabalho é ou não forçado[30]. Discorda-se do conceito de trabalho forçado tratado pela OIT. Entende-se que, a restrição do conceito leva muitos trabalhadores a desenvolverem seus serviços em condições degradantes e exaustivas sem que isso seja considerado trabalho análogo ao de escravo. Assim, centenas de empregadores continuam privando indivíduos dos direitos fundamentais, sociais e trabalhistas em seu cotidiano de trabalho sem que haja punição para isso. O Código de Penal Brasileiro[31], ainda que também de forma restrita, define de modo um pouco mais amplo o trabalho escravo. Em seu artigo 149, descreve-o como sendo aquele que: Disponível em: 87

89 Redução a condição análoga à de escravo Art Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência. 1 o Nas mesmas penas incorre quem: I cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; II mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho. 2 o A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido: I contra criança ou adolescente; II por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem. Sobre o texto legal conclui Belisário: Deste modo, trabalho forçado é aquele realizado sob ameaça, justificando porque o legislador inclui a vigilância ostensiva e o apoderamento de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-los no local de trabalho, com condutas incriminadoras, bem como o cerceamento do 88

90 uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, para retê-lo no local de trabalho. Com efeito as condutas elencadas nos incisos I e II do parágrafo 1º do art. 149 do CP são figuras típicas assemelhadas ao trabalho forçado[32]. Ao comparar o texto normativo da OIT e do Código Penal, nota-se que a norma brasileira é mais abrangente quanto à definição de trabalho escravo. Na criação do Código Penal brasileiro, o legislador entendeu que havia outras formas e condutas que impunham ao indivíduo a condição de escravidão além daquela que enfatiza a imposição de condições de trabalho sem a concordância do trabalhador. Rememora-se que o texto do artigo data da Reforma do 55 Código Penal em Percebe-se que o texto é amplo quanto às formas de trabalho análogo ao de escravo, entretanto defende-se que, o que falta é uma visão ampliativa do artigo por parte dos julgadores e não uma ligada ao texto antigo do artigo. Exemplo claro é o trabalho com remuneração muito aquém do salário mínino nacional e também em locais extremamente insalubres e perigosos. Quanto à definição internacional acerca do que seria trabalho escravo contemporâneo, observa-se que ela se limita ao contexto jurídico que tutela a autonomia de vontade das partes nas relações jurídicas. Não leva em consideração, por sua vez, as condições de desequilíbrio social e econômico entre o trabalhador e o empregador. Para o doutrinador trabalhista Sento-Sé (...) trabalho escravo é aquele em que o empregador sujeita o empregado a condições de trabalho degradantes, inclusive quanto ao meio Disponível em: 89

91 ambiente em que irá realizar sua atividade laboral, submetendo-o, em geral, a constrangimento físico e moral que vai desde a deformação do seu consentimento ao celebrar o vínculo empregatício, passando pela proibição imposta ao obreiro de resilir o vínculo quando bem entender, tudo motivado pelo interesse mesquinho de ampliar os lucros às custas da exploração do trabalhador[33]. Na esteira desse conhecimento se posiciona Miraglia: (...) pode-se inferir que o trabalho escravo contemporâneo é aquele que se realiza mediante a redução do trabalhador a simples objeto de lucro do empregador. O obreiro é subjugado, humilhado e submetido a condições degradantes de trabalho e, em regra, embora não seja elemento essencial do tipo,sem o direito de rescindir o contrato ou de deixar o local de labor a qualquer tempo[34]. Fávero[35] aponta como característica marcante do trabalho escravo contemporâneo o fato de o empregador sujeitar o empregado a condições de trabalho degradantes, constrangendo-o fisicamente e moralmente, de maneira que consiga viciar o seu consentimento na celebração do contrato empregatício e proibi-lo de rescindir voluntariamente o vínculo. Tudo isso faz o empregador com o único objetivo de ampliar seus lucros à custa da exploração do trabalhador. Observa-se que a doutrina tem tratado o trabalho análogo ao de escravo de modo bem mais abrangente do que a própria OIT, órgão que, em tese, é o de proteção máxima do trabalhador. 90

92 Dando sentido também mais abrangente às condutas que podem ser tipificadas como redução do indivíduo à condição análoga a de escravo se posiciona o Subprocurador-Geral do Trabalho, professor Melo: O trabalho forçado é aquela situação em que o trabalhador é levado, mediante falsas promessas, de um município para outro, de um Estado para outro da federação, porque naqueles municípios onde ele se encontra não tem condições de desenvolvimento, de sobrevivência. Enfim, são municípios de extrema miséria. Nós temos municípios no Piauí e no Maranhão, mas especialmente no Estado do Piauí, diversos municípios já perfeitamente identificados 55 como grandes fornecedores de mão-de-obra para o trabalho forçado, porque são municípios onde as pessoas não têm trabalho, não tem emprego[36]. Com a mesma abordagem e ainda vinculando a escravidão contemporânea ao desenvolvimento da economia, a autora Legellé-Tardy se posiciona elencando três critérios para defini-la: el sucuestro, la confiscación de papeles y la ausencia de remuneración legal. Nuestra tesis es que los critérios de la esclavitud moderna son extremadamente amplios y que los lazos entre amos y esclavos de desarrolan de manera incoercible, o em otras palabras, que la esclavitud siempre ha sido y siempre será inherente al progreso económico... al menos tal como la especie humana lo ha puesto em prática hasta hoy [37]. Disponível em: 91

93 Conclui-se que, nos termos jurídicos, é certo defender que o trabalho escravo é marcado por uma dominação velada do empregador sobre o empregado. Este possui sua liberdade física e moral suprimida. Avaliando o contexto histórico da Lei Áurea brasileira[38] hoje, a escravidão não advém simplesmente de um contrato de compra e venda de seres humanos, da limitação do direito de ir e vir ou da ausência de manifestação da vontade. Constata-se a escravidão pelas falsas promessas feitas pelo empregador que resultam de ilegais e inconstitucionais subordinações à condições pessoais, de ambiente de trabalho, de isolamento geográfico, de dependência econômica e moral. A escravidão atual é marcada pelos trabalhadores submetidos a irrisórios salários, incompatíveis com o trabalho exercido, condições degradantes, insalubres e perigosas de trabalho, jornadas exaustivas, supressão dos direitos trabalhistas, sociais e fundamentais. Ademais, constata-se, a partir do estudo dos autores citados que a escravidão contemporânea está intimamente vinculada ao progresso econômico e ao exacerbado interesse por lucros abusivos. A escravidão contemporânea é constatada ainda nos casos de proibição de locomoção do trabalhador, seja ela explícita ou velada, como é o caso da servidão por dívida. Muitas vezes os trabalhadores são obrigados a pagar pelos instrumentos utilizados no ambiente laboral, bem como vestimenta, moradia e alimentos. Os valores cobrados por essas mercadorias muitas vezes são muito superiores ao de mercado, o que acaba colocando o trabalhador em uma dívida com seu empregador, na maioria das vezes maiores do que seu próprio salário. Os trabalhadores escravizados ainda são tratados como mercadorias e em muitas situações são efetivamente vendidos para realização de trabalhos forçados como: prostituição, mendicância, tráfico de órgãos humanos, pedofilia, servidão doméstica. Os novos 92

94 escravos estão expostos no mercado para direta aquisição e muitas vezes disponíveis em altas quantidades[39]. A escravidão contemporânea no Brasil faz, sem dúvida, mais vítimas no meio rural. Isso se dá pelo fato de que, longe dos holofotes das grandes cidades, a prática se torna velada e desconhecida pelas autoridades. Em meio às fazendas distantes de grandes centros urbanos, mais fácil torna-se esconder o trabalhador em condição análoga a de escravo e também mais persuasiva se torna a coação. Muitas vezes, quando se trata de trabalhadores estrangeiros a maioria deles não sabem nem em qual localidade geográfica se encontram, o que dificulta a fuga e a delação do trabalho análogo ao de escravo. 3. A ESCRAVIDÃO URBANA CONTEMPORÂNEA 55 Com relação ao trabalho escravo urbano, Ramos Filho, afirma em seu estudo que este se divide em duas espécies: a) aquele prestado nas cidades em condições análogas à de escravo sem suporte contratual válido; e, b) outro com suporte contratual válido, também denominado neo-escravidão. A primeira hipótese, tem-se como exemplo os trabalhadores imigrantes nas grandes metrópoles que por reconhecerem sua condição de clandestinos ou ilegais se sujeitam à exploração, muitas vezes abdicando do direito inalienável de ir e vir. A segunda hipótese geralmente não implica restrição do direito de ir e vir, mas se impõe ao indivíduo o trabalho degradante ou o trabalho prestado em jornadas exaustivas[40]. O tema também foi objeto de estudo de Coppini: Quanto ao trabalho escravo urbano, as grandes empresas varejistas estão presentes nessa corrente de exploração, para produzir o ritmo alucinante da moda para consumo rápido; terceirizar a produção é também uma forma de Disponível em: 93

95 fugir das responsabilidades trabalhistas. Geralmente o sweat system se aproveita da condição de imigrante ilegal do cativo. A escravidão contemporânea torna-se mais fácil de ser praticada, pois não mais se restringe às etnias, mas à força de trabalho disponível, se atém à brevidade da relação uma vez que a propriedade não é aceita no ordenamento jurídico e o valor da mão de obra é baixíssimo[41]. A realidade é que o trabalho urbano e o rural possuem uma vinculação. Isso porque a penúria do campo, que expulsa trabalhadores de suas terras, é um dos maiores fatores do crescimento desordenado das cidades. Estes se deslocam dos interiores do Brasil, ou até mesmo atravessam fronteiras, para se alocarem nos grandes centros urbanos. Meses depois, os mesmos trabalhadores são submetidos a condições análogas a de escravos. Carlos mostra como se dá o processo de submissão do trabalhador no meio urbano: Nos grandes centros urbanos, a violação da dignidade da pessoa humana e a prestação de serviços em condições análogas à de escravo também se faz presente, trata-se da exploração da mão-de-obra dos trabalhadores latinos, geralmente bolivianos e paraguaios que são aliciados em seus países de origem e ingressam irregularmente no Brasil com promessas de bom salário e passam a trabalhar, sem qualquer reconhecimento do seu trabalho, para proprietários de oficinas de costuras onde residem em condições degradantes, recebendo alimentação insuficiente e ao final do mês, após o pagamento das despesas que lhes são 94

96 apresentadas pela moradia e alimentação, nada lhes resta, a não ser continuar a trabalhar sob a ameaça de expulsão do país, por meio de denúncias às autoridades competentes[42]. Trabalho semelhante é desenvolvido nas confecções de roupas na cidade de São Paulo. A imigração de bolivianos forma uma massa populacional farta para o setor da costura. Conforme analisa Azevedo a grande maioria chega ao território com um contrato de trabalho verbal, onde foi prometido trabalho com moradia e alimentação. Outras vezes, que os gastos da viagem forma garantidos pelo empregador, iniciando-se assim um processo 55 de endividamento e dependência do empregador, muito semelhante ao que ocorre no âmbito rural, que cobriu os custos da viagem e da documentação; forneceu trabalho; moradia; e alimentação. Destarte, verifica-se uma relação de fidelidade e de dependência do empregado ao empregador muito forte, que perdura muitas vezes por meses a fio ou até mesmo anos. Neste contexto, de fidelidade, de dependência e quiçá de "servidão" é que se estabelecem às relações de emprego da comunidade boliviana na cidade de São Paulo[43]. Sendo assim é possível afirmar que o trabalho escravo urbano em análise é aquele realizado em meio a condições degradantes de trabalho, com jornadas exaustivas e em desrespeito a condições mínimas que garantam um ambiente se trabalho sadio. Normalmente não está vinculada a restrição de liberdade (ir e vir), pois o trabalhador vai até a sua casa ou pensão cedida pelo próprio empregador para passar o curto período de descanso noturno. Além Disponível em: 95

97 disso, muitas vezes está ligado a dívidas contraídas com o empregador ou aliciador, que limitam a sua desvinculação do trabalho. 4. POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL O que tem prevalecido nos Tribunais Regionais Federais é uma interpretação restritiva do artigo 149 do Código Penal Brasileiro e do artigo 2º da Convenção 29 da OIT. Na maioria das vezes a tipificação deste trabalho vem associada à restrição de liberdade do trabalhador: ANÁLOGA À DE ESCRAVO (ART. 149/CP). INEXISTÊNCIA DE PROVA DA MATERIALIDADE OU DA AUTORIA. REJEITADA A PRELIMINAR DE INÉPCIA DA DENÚNCIA. APELO DA DEFESA PROVIDO. 1. A denúncia, a teor do art. 41 do Código de Processo Penal, descreve de forma satisfatória e individualizada os fatos imputados aos acusados. Preliminar de inépcia que se rejeita. 2. Para a configuração de redução de trabalhador à condição análoga à de escravo faz-se necessária a completa sujeição da pessoa que tenha relação de trabalho ao poder do sujeito ativo do crime, não bastando a submissão do trabalhador a condições precárias de acomodações. Tal situação é censurável, mas não configura o crime do art. 149 do Código Penal. 3. Recurso provido (grifo nosso)[44] PENAL E PROCESSO PENAL. CRIME PREVISTO NO ART. 149 DO CP NÃO CONFIGURADO. INEXISTÊNCIA DE 96

98 RESTRIÇÃO À LIBERDADE DOS EMPREGADOS. CRIME PREVISTO NO 4º DO ART. 297 DO CP IGUALMENTE NÃO CONFIGURADO. AUSÊNCIA DE DESCRIÇÃO ADEQUADA DA CONDUTA DA DENÚNCIA E DE DOLO ESPECÍFICO DO AGENTE PARA O CRIME DE FALSO. I O fato do salário dos empregados ser pagos na forma de crédito no comércio local, não tem, por si só, o condão de transformar essa situação em condição análoga à de escravo, sendo imprescindível que essa característica funcione como fator de restrição à liberdade deles. Condição não provada. IIA permanência de duas pessoas em situação 55 de miséria em área pertencente à fazenda do acusado não decorre de qualquer tipo de relação de emprego, mas de mero ato de liberalidade com intuito caritativo, relacionado à situação econômica e socialmente precária dos mesmos, não podendo ser atribuída àquele a responsabilidade pela respectiva manutenção. III A denúncia não especifica os empregados em relação aos quais teria havido omissão do acusado em inserir informações obrigatórias nas respectivas CTPS, nem tampouco descreve adequadamente a conduta dolosa do agente. IV A conduta de quem simplesmente deixa de assinar a CTPS do empregado não configura a prática do crime previsto no 4º do art. 297 do CP, sendo indispensável a demonstração do dolo do agente para a prática do crime de falso, o que não restou configurado no presente caso. V Recurso do Disponível em: 97

99 MPF não provido. Recurso da defesa provido para absolver o acusado da prática do tipo previsto no 4º do art. 297 do CP (grifo nosso)[45]. PENAL. PROCESSO PENAL. ART. 149 DO CP. REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. SUPRESSÃO DA VONTADE DA VÍTIMA NÃO COMPROVADA. I - O art. 149 do CP enumera condutas alternativas e não cumulativas. Para que se configure o referido tipo penal, "é imprescindível a supressão da vontade da vítima". II - Não havendo provas suficientes para condenação, mantém-se a sentença absolutória. II - Apelação desprovida (grifo nosso)[46]. Diferentemente do que se defende neste trabalho, os Tribunais Federais Pátrios tem se posicionado no sentido de que haveria o crime previsto no artigo 149 do Código Penal apenas quando verificada a supressão da liberdade do trabalhador ou da sua vontade. Neste contexto não são consideradas as circunstâncias de trabalhos degradantes, jornadas exaustivas ou mesmo situações de extrema penúria no ambiente de trabalho. Observa-se que tal entendimento se coaduna com o artigo 2º da Convenção 29 da OIT, mas não com a atual tendência doutrinária acerca do tema. Hoje a expressão trabalho escravo deve ser interpretada de modo amplo porque a partir de uma construção social fundamentada em fatos concretos concluiu-se que não são dois ou três requisitos que podem tipificar a conduta do artigo 149 do Código Penal. O trabalho escravo contemporâneo urbano, tais quais aqueles relembrados pela literatura, ofende princípio da dignidade 98

100 da pessoa humana. Isso se dá não apenas quando o trabalhador se vincula ao empregador sem a sua vontade real ou quando não deixa o seu local de trabalho, mas também, e em especial, quando o trabalhador é submetido a jornadas exaustivas, diárias de trabalho além do legalmente permitido e ambiente de trabalho sem condições mínimas de higiene. Além das implicações de reparações materiais e morais no âmbito trabalhista, em situações tais, é possível a qualificação da conduta do agente coator como sujeito ativo do crime previsto no artigo 149 do Código Penal Brasileiro. Posicionamento diferente daqueles emanados pelos Tribunais Regionais Federais teve o Supremo Tribunal Federal (STF) em 2012, no inquérito nº 3412/AL, quando recebeu a 55 denúncia, declarando a existência de todos os requisitos legais para qualificação do crime do artigo 149 do Código Penal Brasileiro. EMENTA PENAL. REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA A DE ESCRAVO. ESCRAVIDÃO MODERNA. DESNECESSIDADE DE COAÇÃO DIRETA CONTRA A LIBERDADE DE IR E VIR. DENÚNCIA RECEBIDA. Para configuração do crime do art. 149 do Código Penal, não é necessário que se prove a coação física da liberdade de ir e vir ou mesmo o cerceamento da liberdade de locomoção, bastando a submissão da vítima a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva ou a condições degradantes de trabalho, condutas alternativas previstas no tipo penal. A escravidão moderna é mais sutil do que a do século XIX e o cerceamento da liberdade pode decorrer de diversos constrangimentos econômicos e não necessariamente físicos. Priva-se alguém de sua liberdade e de sua Disponível em: 99

101 dignidade tratando-o como coisa e não como pessoa humana, o que pode ser feito não só mediante coação, mas também pela violação intensa e persistente de seus direitos básicos, inclusive do direito ao trabalho digno. A violação do direito ao trabalho digno impacta a capacidade da vítima de realizar escolhas segundo a sua livre determinação. Isso também significa reduzir alguém a condição análoga à de escravo. Não é qualquer violação dos direitos trabalhistas que configura trabalho escravo. Se a violação aos direitos do trabalho é intensa e persistente, se atinge níveis gritantes e se os trabalhadores são submetidos a trabalhos forçados, jornadas exaustivas ou a condições degradantes de trabalho, é possível, em tese, o enquadramento no crime do art. 149 do Código Penal, pois os trabalhadores estão recebendo o tratamento análogo ao de escravos, sendo privados de sua liberdade e de sua dignidade. Denúncia recebida pela presença dos requisitos legais[47]. Primeiramente, destaca-se que o voto do ministro Marco Aurélio foi vencido, prevalecendo o voto da ministra Rosa Weber, redatora do Acórdão. Apesar de se tratar apenas de um posicionamento, em meio a tantos outros contrários, tal entendimento revela que a concepção atual relativa à matéria está sendo objeto de discussão no órgão máximo do judiciário. A relevância disso é imensurável tendo em vista a força normativa que possui os enunciados proferidos pelo STF. 100

102 O Subprocurador-Geral do Trabalho e professor de Direito do Trabalho do Instituto de Ensino Superior de Brasília, Camargo de Melo, sobre o tema já se posicionou claramente: Uma certeza: há uma resistência muito grande em relação a essas condições degradantes, eu não tenho dúvida. Se há trabalho forçado, se há condição degradante, se há jornada exaustiva, se há servidão por dívida, então nós estamos diante do crime capitulado no art. 149 do Código Penal, que é o crime de reduzir alguém à condição análoga à de escravo[48]. O autor prossegue declarando o seu descontentamento quanto à interpretação restrita 55 do artigo 2º da Convenção 29 da OIT, ao considerar que apenas se trata de trabalho forçado àquele que advém de um não consentimento em realizar determinadas funções. Para ele, afirmar que a configuração do trabalho análogo ao de escravo está vinculada a não concordância do trabalhador é excluir o indivíduo que consentiu com o trabalho em virtude de não ter conhecimento de que se tratava, em verdade, de um trabalho em condições degradantes[49]. Em um primeiro momento, a leitura, especialmente da parte final do artigo 2º da Convenção 29, pode trazer uma idéia equivocada de que aquele trabalhador que se ofereceu espontaneamente para a prestação de serviço e, ao final, acabou explorado, não estaria protegido. Ledo engano. O próprio Comitê de Peritos - está aqui o Ministro Lélio, um dos integrantes do Comitê de Peritos da OIT - já sinalizou, já apontou no sentido de que, quando o trabalhador, ainda que ele vá de espontânea Disponível em: 101

103 vontade, mas quando ele é vítima de uma fraude, é vítima de um engano, quando ele é enganado, e isso é comum, é cotidiano no Brasil, nos casos em que nós observamos do chamado trabalho escravo contemporâneo, ainda assim a Convenção 29 é o marco legal internacional para a proteção desse trabalhador, ou seja, se o trabalhador se oferece de livre e espontânea vontade, mas a oferta de trabalho, na verdade, é uma fraude, esse trabalhador está sendo enganado, incide, como item de proteção, a Convenção 29 da Organização Internacional do Trabalho[50]. É preciso buscar outras interpretações em face da sociedade complexa que atualmente se apresenta. Há novos riscos dos quais o trabalho precisa ser protegido, especialmente, quando for demonstrada a boa-fé e as condições de desigualdade em face das dificuldades sociais e econômicas do país ou do Estado de origem destes trabalhadores. A interpretação restritiva dada pelos Tribunais demonstra descaso para com o trabalhador brasileiro e estrangeiro, seus direitos e sua vida. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao analisar o conceito de trabalho decente definido pela Organização Internacional do Trabalho (1932), da Declaração Relativa aos Direitos e Princípios Fundamentais no Trabalho (1998) e da atual legislação brasileira tuteladora das relações do trabalho, pode-se afirmar que o Brasil está conforme as diretrizes internacionais. Ou seja, há condições jurídicas para este trabalho, pois há normas que tratam de direitos no trabalho, da promoção do emprego produtivo e de qualidade, da proteção social e o fortalecimento do diálogo social, da liberdade sindical, do direito de negociação coletiva; da eliminação de todas as formas de trabalho 102

104 forçado; da abolição efetiva do trabalho infantil e da eliminação de todas as formas de discriminação em matéria de emprego e ocupação. Estas conquistas jurídicas permitem estabelecer paradigma para julgar, em face de uma realidade, o quão distante está o mundo do Direito do mundo das relações humanas. É preciso uma ação conjunta para enfrentar esta dívida social. Porque apesar de todas as normas jurídicas nacionais e internacionais estas condutas escravagistas, condenáveis sob qualquer critério de análise, persistem. REFERÊNCIAS BRASIL. Código Penal. Decreto-lei nº 2.848, 07 de dezembro de Institui o Código 55 Penal, Rio de Janeiro, 07 dez Disponível em: < Acesso em: 17 abr BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: < >. Acesso em: 17 abr BRASIL. Lei Imperial nº 3.353, de 13 de maio de Declara extinta a escravidão no Brasil. Palácio do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 13 maio Disponível em: < Acesso em: 17 abr BRASIL, Ministério do Trabalho e Emprego. Gerar Trabalho Decente para Combater a Pobreza e as Desigualdades Sociais. In: Agenda Nacional de Trabalho Decente. Brasília: Disponível em: 103

105 BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Trabalho decente: Análise jurídica da exploração do trabalho trabalho forçado e outras formas de trabalho indigno. São Paulo: LTr, CAMARGO DE MELO, Luís Antônio. Trabalho escravo contemporâneo. Revista do TST, Brasília, v. 75, n. 1, p.01-06, jan/mar Disponível em: < o+escravo+contempor%c3%a2neo>. Acesso em: 19 fev CRISTOVA, Karine Gleice; GOLDSCHMIDT, Rodrigo. O Trabalho Escravo Contemporâneo no Brasil. In: Simpósio Internacional de Direito: dimensões materiais e eficácias dos direitos fundamentais, n. III, 2012, Chapecó. Anais Eletrônicos. Chapecó: Unioesc, p Disponível em: < eito/article/ view/2255>. Acesso em: 18 fev p COPPINI, Maristela. Ações legais no combate ao Trabalho Escravo e seus reflexos jurídicos e sociais. Revista do Curso de Direito da Faculdade de Humanidades e Direito, São Paulo, v. 9, n. 9, p Disponível em: < Acesso em: 19 fev FACHIN, Zulmar. Curso de Direito Constitucional. 3. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Método, FÁVERO. Nicanor, Filho. Trabalho escravo:vilipêndio à dignidade humana. In: PIOVESAN, Flávia. CARVALHO, Luciana Paula Vaz. (Cord). Direitos humanos e direito do trabalho. São Paulo: Atlas,

106 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 17. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, MIRAGLIA, Lívia Mendes Moreira. Trabalho Escravo Contemporâneo: Conceituação à luz do princípio da dignidade da pessoa humana fls. Dissertação (Mestrado) Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte Disponível em: < >. Acesso em: 17 fev NINA, Carlos Homero Vieira. Escravidão, ontem e hoje: aspectos jurídicos e econômicos de uma atividade indelegável sem fronteira. Brasília: [s.n.], OLIVEIRA, Lourival José 55 de. Direito do Trabalho segundo o Princípio da Valorização do Trabalho Humano: estudos dirigidos para alunos de graduação. São Paulo: LTr, Organização Internacional do Trabalho - OIT.Convenção (29) sobre trabalho forçado ou obrigatório. Genebra: OIT, Organização Internacional do Trabalho - OIT. O que é trabalho decente. Brasília: OIT. Disponível em: < Acesso em: 15 fev Organização Internacional do Trabalho - OIT. Uma aliança global contra o trabalho forçado Relatório do seguimento da Declaração da OIT sobre princípios e direitos do trabalho Brasil: OIT, RAMOS FILHO, Wilson. Trabalho degradante e jornadas exaustivas: crime e castigo nas relações de trabalho neoescravistas. Direitos Fundamentais e Democracia, Curitiba, v. 04, p. Disponível em: 105

107 01-25, jul./dez Disponível em: < iew/213>. Acesso em: 19 fev SENTO-SÉ. Jairo Lins de Albuquerque. Trabalho escravo no Brasil. São Paulo: LTr, SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 32. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, NOTAS: 1 Brasil. Lei Imperial nº 3.353, de 13 de maio de Declara extinta a escravidão no Brasil. Palácio do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 13 maio Disponível em: < Acesso em: 17 abr BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: < >. Acesso em: 17 abr SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 32. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, p FACHIN, Zulmar. Curso de Direito Constitucional. 3. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Método, p LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 17. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, p OLIVEIRA, Lourival José de. Direito do Trabalho segundo o Princípio da Valorização do Trabalho Humano: estudos dirigidos para alunos de graduação. São Paulo: LTr, p Ibidem. p Organização Internacional do Trabalho - OIT. O que é trabalho decente. Brasília: OIT. Disponível em: < Acesso em: 15 fev BRASIL, Ministério do Trabalho e Emprego. Gerar Trabalho Decente para Combater a Pobreza e as Desigualdades Sociais. In: Agenda Nacional de Trabalho Decente. Brasília:

108 Disponível em: < /pub_Agenda_Nacional_Trabalho.pdf >. Acesso em: 17 fev p BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Trabalho decente: Análise jurídica da exploração do trabalho trabalho forçado e outras formas de trabalho indigno. São Paulo: LTr, p Idem. 12 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: < >. Acesso em: 17 abr MIRAGLIA, Lívia Mendes Moreira. Trabalho Escravo Contemporâneo: Conceituação à luz do princípio da dignidade da 55 pessoa humana fls. Dissertação (Mestrado) Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte Disponível em: < f>. Acesso em: 17 fev p NINA, Carlos Homero Vieira. Escravidão, ontem e hoje: aspectos jurídicos e econômicos de uma atividade indelegável sem fronteira. Brasília: [s.n.], p FINLEY apud NINA, op., cit. p CICCOTI apud NINA, op., cit. p COSTA apud NINA, op., cit. p Organização Internacional do Trabalho - OIT. Uma aliança global contra o trabalho forçado Relatório do seguimento da Declaração da OIT sobre princípios e direitos do trabalho Brasil: OIT, p CRISTOVA, Karine Gleice; GOLDSCHMIDT, Rodrigo. O Trabalho Escravo Contemporâneo no Brasil. In: Simpósio Internacional de Direito: dimensões materiais e eficácias dos direitos fundamentais, n. III, 2012, Chapecó. Anais Eletrônicos. Chapecó: Unioesc, p Disponível em: Disponível em: 107

109 < reito/article/ view/2255>. Acesso em: 18 fev p Ibidem. p Idem. 22 FÁVERO. Nicanor, Filho. Trabalho escravo:vilipêndio à dignidade humana. In: PIOVESAN, Flávia. CARVALHO, Luciana Paula Vaz. (Cord). Direitos humanos e direito do trabalho. São Paulo: Atlas, p Idem. 24 FÁVERO. Nicanor, Filho. Trabalho escravo:vilipêndio à dignidade humana. In: PIOVESAN, Flávia. CARVALHO, Luciana Paula Vaz. (Cord). Direitos humanos e direito do trabalho. São Paulo: Atlas, 2010, p FILHO, Franco apud BRITO FILHO, op., cit. p BRASIL. Lei Imperial nº 3.353, de 13 de maio de Declara extinta a escravidão no Brasil. Palácio do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 13 maio Disponível em: < Acesso em: 17 abr Organização Internacional do Trabalho - OIT.Convenção (29) sobre trabalho forçado ou obrigatório. Genebra: OIT, p Organização Internacional do Trabalho - OIT. Uma aliança global contra o trabalho forçado. Relatório do seguimento da Declaração da OIT sobre princípios e direitos do trabalho Brasil: OIT, p Idem. 30 Ibidem. p BRASIL. Código Penal. Decreto-lei nº 2.848, 07 de dezembro de Institui o Código Penal, Rio de Janeiro, 07 dez Disponível em: < Acesso em: 17 abr BELISÁRIO apud NINA, op., cit. p

110 33 SENTO-SÉ. Jairo Lins de Albuquerque. Trabalho escravo no Brasil. São Paulo: LTr, p MIRAGLIA, op., cit. p FÁVERO, op., cit. p CAMARGO DE MELO, Luís Antônio. Trabalho escravo contemporâneo. Revista do TST, Brasília, v. 75, n. 1, p.01-06, jan/mar Disponível em: < ho+escravo+contempor%c3%a2neo>. Acesso em: 19 fev p O sequestro, o confisco de papeis e a ausência de remuneração legal. Nossa tese é que os critérios da escravidão moderna são extremamente amplos e que os laços entre os patrões e os escravos acontecem de maneiras inconcebíveis, em outras palavras, que a escravidão sempre tem sido e sempre será inerente a um progresso econômico, ao menos tal como a espécie humana a coloca em 55 prática até hoje. (tradução nossa) LENGELLÉ-TARDY apud NINA, op., cit. p BRASIL. Lei Imperial nº 3.353, de 13 de maio de Declara extinta a escravidão no Brasil. Palácio do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 13 maio Disponível em: < Acesso em: 17 abr CICONTE; ROMANI apud NINA, op., cit. p RAMOS FILHO, Wilson. Trabalho degradante e jornadas exaustivas: crime e castigo nas relações de trabalho neoescravistas. Direitos Fundamentais e Democracia, Curitiba, v. 04, p , jul./dez Disponível em: < view/213>. Acesso em: 19 fev p COPPINI, Maristela. Ações legais no combate ao Trabalho Escravo e seus reflexos jurídicos e sociais. Revista do Curso de Direito da Faculdade de Humanidades e Direito, São Paulo, v. 9, n. 9, p Disponível em: < Disponível em: 109

111 ims/index.php/rfd/article/viewfile/3557/3206>. Acesso em: 19 fev p CARLOS, Vera Lúcia. Estratégia de atuação do Ministério Público do Trabalho no combate ao trabalho escravo urbano. In: VELLOSO, Gabriel; FAVA, Marcos Neves (Org.). Trabalho escravo contemporâneo: o desafio de superar a negação. São Paulo: LTr, p AZEVEDO, op., cit. p BRASIL. Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Apelação nº 10340/PA. Relator: Des. MARCUS VINICIUS REIS BASTOS, - Quarta Turma - Data de Julgamento: 02/08/2011. Data de Publicação: e-djf1 de 16/09/2011. p BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2º Região. Apelação nº /RJ. Relator: Des. GOMES ABEL, - Primeira Turma Especializada - Data de Julgamento: 10/02/2010. Data de Publicação: E-DJF2R de 27/04/2010. p BRASIL. Tribunal Regional Federal da 1º Região.Apelação nº 2456/TO. Relator: Des. CÂNDIDO RIBEIRO, - Terceira Turma - Data de Julgamento: 18/02/2013. Data de Publicação: e-djf1 de 08/03/2013. p BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Inquério nº 3412/AL. Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno - Data de Julgamento: 29/03/2012. Data de Publicação 12/11/ CAMARGO DE MELO, op., cit. p Ibidem. p Idem. 110

112 DIREITO, CIÊNCIA E NORMA JURÍDICA: BREVES CONSIDERAÇÕES À LUZ DO CONSTRUTIVISMO LÓGICO SEMÂNTICO E DA TEORIA SISTÊMICA DE LUHMANN LUCAS SILVEIRA PORDEUS: Advogado, graduado na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), pós-graduado em direito tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET). RESUMO: o direito e a Ciência do Direito ocupam diferentes planos linguísticos. Aquele é constituído por um conjunto de proposições prescritivas; esta, por um conjunto de proposições descritivas. A teoria sistêmica luhmanniana, privilegia a diferenciação entre sistema e ambiente; a sociedade é um sistema autopoiético. O direito é um subsistema autopoiético que faz parte da sociedade, realiza operações de comunicação que utilizam o código binário lícito/ilícito. A ciência é outro subsistema autopoiético da sociedade, que produz operações 55 de comunicação que utilizam o código binário verdadeiro/falso. A norma jurídica é formada por uma proposição antecedente, que descreve determinado fato passível de ocorrência, bem como um dever-ser de modalização neutra, que associa a ocorrência desse fato a uma determinada consequência, descrita em uma segunda proposição. Esta relaciona dois sujeitos em torno de uma determinada prestação, relação essa modalizada segundo umas das formas seguintes: proibido, permitido e obrigatório. No âmbito da teoria sistêmica, a norma jurídica consiste no programa que determinará a aplicação do valor lícito ou ilícito a cada operação de comunicação realizado no sistema jurídico. A sanção é o que diferencia o direito de outros sistemas normativos. Os conceitos de documento normativo, enunciado prescritivo, proposição e norma jurídica não se confundem. PALAVRAS-CHAVE: direito, ciência do direito, sistema jurídico, norma jurídica, documento normativo, enunciado prescritivo, proposição normativa. Disponível em: 111

113 1. INTRODUÇÃO O presente artigo objetiva tecer breves considerações a respeito de algumas importantíssimas categorias da teoria geral do direito. Adotar-se-á, para tanto, os referenciais teóricos do construtivismo lógico semântico escola epistemológica do direito cujos principais expoentes são Paulo de Barros Carvalho e Lourival Vilanova e da teoria sistêmica do alemão Niklas Luhmann. Primeiramente, realizar-se-á uma distinção entre direito positivo e ciência do direito. Primeiramente, sob a perspectiva do construtivismo lógico semântico, a qual será, posteriormente, complementada pela teoria sistêmica luhmanniana. Para que tal trabalho possa ser empreendido, algumas premissas teóricas da teoria de Luhmann serão explicadas. Adiante, debruçar-se-á sobre a problemática em torno do tema norma jurídica, trazendo-se o conceito doutrinário analítico de Paulo de Barros Carvalho, bem como o da teoria sistêmica. Verificar-se-á, também, o papel desempenhado pela sanção na teoria da norma jurídica. Por fim, delimitar-se-á os conceitos de documento normativo, enunciado prescritivo, proposição e norma jurídica. Tais conceitos, embora muito utilizados por operadores e doutrinadores, não costumam ser objeto de diferenciação rigorosa, o que, por vezes, ocasiona confusões entre os usuários da linguagem jurídica. 2. DESENVOLVIMENTO 2.1. Que é Direito? A diferença entre direito positivo e Ciência do Direito 112

114 Paulo de Barros Carvalho, que, ao lado de Lourival Vilanova, é um dos autores da escola epistemológica do direito conhecida como Construtivismo Lógico Semântico, diferencia o direito positivo da ciência do direito. Para ele, ambos são distintos planos linguísticos, in verbis: Reside exatamente aqui uma diferença substancial: o direito posto é uma linguagem prescritiva (prescreve comportamentos), enquanto a Ciência do Direito é um discurso descritivo (descreve normas jurídicas). [1] Dessa circunstância, segundo esse mesmo autor, resultam inúmeras características particulares a cada um desses dois corpos linguísticos. A linguagem da ciência do direito é uma metalinguagem em relação à linguagem do direito positivo, pois sobre ela se debruça com o intuito de descrevê-la; à linguagem do direito 55 positivo, corresponde a lógica deôntica, à da Ciência do Direito, a lógica alética; desse modo, as proposições prescritivas do direito positivo podem ser válidas ou inválidas, ao passo que as proposições descritivas da Ciência do Direito submetem-se às valências verdadeiro ou falso.[2] Tal acepção, vinculada ao Construtivismo Lógico Semântico, a nosso ver, complementa-se com aquela postulada pelo teórico dos sistemas sociais, o alemão Niklas Luhmann. A teoria desenvolvida por ele possui elevado teor de abstração, o que, por vezes, dificulta a sua apreensão. Por isso, faz-se mister nos deter em alguns pontos do seu pensamento, desenvolvendo-os, para que possamos chegar a conclusões adequadas aos objetivos deste artigo. Luhmann incorporou propostas teóricas de diversas ciências ao desenvolvimento de sua teoria dos sistemas sociais. A começar pelo cálculo diferencial também chamado de cálculo proposicional do matemático britânico George Spencer Brown, descrito em seu célebre livro Laws of forms. Seus teoremas foram Disponível em: 113

115 aplicados por Luhmann para dar uma abordagem dita diferencial à teoria dos sistemas. Com isso, ele pretendia diferenciar o sistema de seu entorno, donde acaba por chegar à conclusão de que um sistema é a diferença entre o sistema e o ambiente.[3] Embora essa simples proposição soe tautológica, ao ser aplicada, ela é de fácil compreensão, como será visto mais adiante. Luhmann, como se percebe, não se utilizou das abordagens comuns ao elaborar sua teoria sistêmica. Conforme ensina Losano: A visão do sistema fundada sobre a relação entre partes e todo é típica da noção clássica de sistema e irá durar até fim do século XX, quando a relação entre as partes e o todo será substituída pela relação entre sistema e ambiente.[4]foi precisamente esta a perspectiva sistêmica adotada por Luhmann. Essa premissa nos permite chegar a uma primeira conclusão parcial: tudo aquilo que não pertencer ao sistema fará parte de seu ambiente e vice-versa. Uma segunda característica importante dos sistemas sociais na teoria luhmanniana diz respeito à sua autopoiese. A noção de autopoiese foi incorporada do trabalho dos biólogos evolucionistas Francisco Maturana e Humberto Varela. Na explicação de Fabiana del Padre Tomé: autopoiético é o sistema que reproduz seus elementos valendo-se de seus próprios componentes, por meio de operações internas.[5] A inspiração da biologia advém da noção de autopoiese dos seres vivos, segundo a qual os sistemas biológicos geram seus próprios componentes em operações próprias. A autopoiese, portanto, consiste no fechamento operacional do sistema. Segundo Luhmann: (...) Speaking generally, we can divide the development of the systems theory into three stages: (i) the theory of closed systems; (ii) the theory of open systems; and (iii) the theory of observing or self-referential systems (cf. 114

116 Luhmann, 1995: 5-11). My considerations derive especially from the third and last stage of the development of systems theory.[6] Os sistemas pertencentes ao terceiro estágio de desenvolvimento da teoria dos sistemas citado pelo autor, os denominados sistemas que observam ou autorreferentes, são os sistemas autopoiéticos. Fabiana del Padre Tomé aponta ainda algumas características inerentes a um sistema autopoiético, a saber: ele é autônomo em relação a seu ambiente, sendo capaz de subordinar quaisquer mudanças de modo a manter sua autoorganização; ele é capaz de manter sua identidade, sabendo diferenciar-se do seu ambiente (o sistema autopoiético é capaz de observar a si mesmo e seu ambiente e distinguir uma coisa da outra); por fim, não recebe inputs ou enviaoutputs trocas diretas 55, ou seja, as irritações provocadas pelo ambiente não são capazes de modificá-lo imediatamente, pois o sistema autopoiético as processa de acordo com seus próprios critérios, realizando eventuais mudanças nos termos determinados por suas estruturas internas, por meio de mecanismos de filtragem a elas inerentes.[7] Em função dessa capacidade de receber estímulos externos e processá-los conforme seus próprios critérios, diz-se que os sistemas autopoiéticos são operacionalmente fechados e cognitivamente abertos. Prosseguindo com o pensamento do autor: In other words, we must come to terms with the notion that it is actually a type of operation that produces the system, provided that there is time. ( ) The system creates itself as a chain of operations. The difference between system and environment arises merely because an operation produces a subsequent operation of the same type.[8] Disponível em: 115

117 Portanto, os sistemas autopoiéticos são formados por um conjunto de operações que se reproduzem. São operações únicas que o diferenciam do seu ambiente, daí a afirmação anterior de que o sistema é a diferença entre o sistema e o ambiente. O sistema, portanto, é formado pelas suas operações, as quais são singulares, encontradas apenas nele. Luhmann, então, aplica tais premissas à sociedade, concluindo que o tipo de operação que tal sistema produz (sistema social), diferenciando-o dos demais sistemas, são as comunicações. In verbis: The previous thoughts can be applied to social systems if we succeed in identifying an operation that meets the following condition: it must be one single operation; it must always be the same; and it must possess connectivity. It is this operation that either ceases or continues as the same operation. I think that we do not have many potential operations to choose from. In fact, communication is the only type of operation that meets these conditions. A social system emerges when communication develops from communication. There is no need to discuss the problem of the first communication, for the question What was the first communication? Is already a question within a communicating system.[9] Portanto, a comunicação é a operação realizada pelo sistema social que o diferencia de seu ambiente. A asserção faz bastante sentido, pois ela [comunicação] não pode ser realizada por um indivíduo isolado, necessitando sempre de, ao menos, uma segunda pessoa. Ademais, ela possui o atributo de conectividade necessário à operacionalização do sistema. Com efeito, um evento comunicacional é capaz de gerar mais comunicações em um 116

118 contínuo compondo uma cadeia. Eis a autopoiese do sistema social, a comunicação criando comunicação, os elementos do sistema, em um processo auto referencial, produzindo mais elementos. O sistema social pode ser divido em subsistemas, entre os quais se encontra o direito. O direito, portanto, é também um sistema autopoiético da sociedade, comportando todas as características acima apontadas para esse tipo de sistema. As operações do sistema social, as comunicações, são realizadas conforme um código binário que permite distinguir o sistema do seu ambiente, um código-diferença orientador de suas operações: trata-se do código comunicação/não-comunicação. O mesmo se passa com os subsistemas, que possuem um código binário próprio, que os permitem distingui-los dos outros subsistemas da sociedade. Cada subsistema social observa os 55 outros subsistemas como o seu ambiente lembremos da assertiva de que o sistema é a diferença entre o sistema e o ambiente, assim, para o subsistema direito, tudo o que não for parte dele será seu ambiente. É por meio do seu código binário que o subsistema jurídico diferencia as comunicações jurídicas das não jurídicas.[10] O código binário do sistema jurídico é o lícito/ilícito; do político, governo/oposição; do econômico, ter/não ter; da ciência, verdadeiro/falso etc. Sozinho, entretanto, o código binário revela-se insuficiente para que o sistema realize a operação que lhe seja característica. Surgi aqui o programa. A situação foi tratada muito bem por Fabiana del Padre Tomé: Os valores lícito e ilícito não são, propriamente, critérios para a determinação do direito ou não-direito, sendo necessários outros elementos que indiquem como os valores do código lícito/ilícito se aplicam. Essa semântica adicional é chamada de programa.[11] Disponível em: 117

119 No que tange especificamente aos programas jurídicos, a autora assevera que eles, diferentemente dos programas de outros subsistemas sociais, possuem o formato condicional se isto/então aquilo, conferindo o conteúdo necessário à adjudicação do código binário lícito/ilícito às comunicações produzidas no interior do sistema jurídico.[12] Os programas do sistema jurídico, a nosso ver, podem ser entendidos como sendo as normas jurídicas, situação que pormenorizaremos adiante. Assim, retomando o raciocínio inicial, direito e direito positivo são sinônimos que designam a camada uma camada de linguagem prescritiva constante nos textos legais, a qual se submete à lógica deôntica e, por consequência, às valências de validade ou invalidade. A Ciência do Direito, por seu turno, procura descrever o direito positivo, sendo uma camada metalinguística em relação àquele. Sua lógica não é a deôntica, mas a alética, daí decorrendo que suas proposições submetem-se a juízos de verdade ou falsidade. Já que são linguagens, tanto o direito positivo quanto a Ciência do Direito submetem-se às diretrizes da teoria dos sistemas sociais de Niklas Luhmann. Ambos são subsistemas que integram o macrossistema comunicacional da sociedade, realizando suas comunicações conforme um código-binário diferença próprio a cada um nos termos de seus programas. No sistema científico, onde encontramos a Ciência do Direito, as comunicações realizam-se conforme o código binário verdadeiro/falso. No sistema jurídico, por sua vez, onde se encontra o corpo linguístico do direito positivo, as comunicações são orientadas pela diferença lícito/ilícito A norma jurídica e seus elementos A definição de norma jurídica e as elaborações teóricas em torno desse assunto são um dos temas centrais da teoria geral do direito. Parece-nos que a definição mais analítica de 118

120 norma jurídica é aquela elaborada por Paulo de Barros Carvalho, para quem: A derradeira síntese das articulações que se processam entre as duas peças daquele juízo, postulando uma mensagem deôntica portadora de sentido completo, pressupõe, desse modo, uma proposição-antecedente, descritiva de possível evento do mundo social, na condição de suposto normativo, implicando uma proposiçãotese, de caráter relacional, no tópico do consequente. A regra assume, portanto, uma feição dual, estando as proposições implicante e implicada unidas por um ato de vontade da autoridade que legisla. E esse ato de vontade, de 55 quem detém o poder jurídico de criar normas, expressa-se por um "dever-ser" neutro, no sentido de que não aparece modalizado nas formas "proibido", "permitido" e "obrigatório". "Se o antecedente, então deve ser o consequente". Assim diz toda e qualquer norma jurídicopositiva.[13] Desdobrando a esquematização acima apontada, teremos que a norma jurídica é formada por uma proposição antecedente, que descreve determinado fato passível de ocorrência, bem como um dever-ser de modalização neutra, que associa a ocorrência desse fato a uma determinada consequência, descrita em uma segunda proposição. Esta relaciona dois sujeitos em torno de uma determinada prestação, relação essa modalizada não por um funtor neutro, mas segundo umas das três formas seguintes: proibido, permitido e obrigatório. Retomando a teoria sistêmica luhmanniana anteriormente referida, temos que a esse juízo hipotético condicional corresponde a programação do sistema Disponível em: 119

121 jurídico, ou seja, as normas/programas do sistema é que atuarão na operacionalização do seu código binário adjudicando os valores lícito/ilícitos conforme o processamento de cada comunicação jurídica. No tocante à possibilidade de existência de norma jurídica sem sanção, Paulo de Barros Carvalho é categórico ao negá-la, pois, caso contrário, estar-se-ia diante de outro sistema normativo (v.g. a moral, religião etc.), não de um sistema jurídico propriamente dito, opinião da qual partilhamos.[14] Em sentido semelhante, Geraldo Ataliba, ao descrever a estrutura de uma norma jurídica, afirma que "Toda norma jurídica tem hipótese, mandamento e sanção".[15] Nota-se, contudo, uma ligeira distinção entre o pensamento dos dois autores. Para Ataliba, a sanção necessariamente comporá a estrutura da norma jurídica, ao passo que para Barros Carvalho, a sanção corresponde a uma segunda norma, havendo, segundo ele, para cada norma uma sancionatória correspondente. À primeira, atribui a nomenclatura de norma primária; à segunda, de secundária.[16] Os efeitos práticos de tal divergência são mínimos, sendo possível, também, falar-se em norma jurídica em sentido estrito, que seria a estrutura inicialmente descrita na resposta desta questão, composta por um antecedente e consequente normativos; em norma jurídica em sentido completo, que seria a conjugação da norma primária, prescritora da conduta lícita, com a secundária, prescritora de sanção por descumprimento da primeira, como faz Tácio Lacerda Gama.[17] 2.3. Documento normativo, enunciado prescritivo, proposição e norma jurídica Os conceitos de documento normativo, enunciado prescritivo, proposição e norma jurídica devem ser delimitados para que sejam evitadas as confusões tão comuns entre doutrinadores e 120

122 operadores do direito. Nesse sentido, acolhemos novamente as lições de Paulo de Barros Carvalho, para quem documento normativo pode ser entendido como um suporte físico textual no qual estão inscritos os grafemas formadores de enunciados prescritivos. Enunciados, por sua vez, são o resultado da atividade psicofísica de enunciação, sendo formados por um conjunto de fonemas ou grafemas estes no caso de enunciação escrita, aqueles no caso de enunciação falada que expressam a mensagem emitida no processo comunicacional. Desse modo, enunciados prescritivos nada mais são do que mensagens de teor prescritivo. Por fim, os enunciados não se confundem com as proposições, que são a dimensão semântica dos enunciados, sua porção significativa é possível, aduz o autor, que a vários enunciados corresponda uma única proposição e vice-versa.[18] 55 No tocante às normas jurídicas, remetemos às considerações já realizadas no item anterior. Apenas rememorando, temos que elas são juízos hipotéticos condicionais formados por duas proposições, uma anterior que descreve determinado acontecimento passível de concretização unida a uma posterior por meio de um dever-ser neutro. Essa proposição posterior relacionará dois sujeitos em torno de uma certa prestação, sendo modalizada por meio do functor "proibido", "permitido" ou "obrigatório". Elas são resultado do trabalho do intérprete, que constrói as proposições que as compõem por meio da análise dos enunciados prescritivos contidos em documentos normativos. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao longo do presente trabalho, viu-se que, nos termos do Construtivismo Lógico Semântico, o direito e a Ciência do Direito ocupam diferentes planos linguísticos. Aquele é constituído por um conjunto de proposições prescritivas (deôntica) que constitui o ordenamento jurídico; esta, por um conjunto de proposições descritivas que objetivam descrevê-lo. Disponível em: 121

123 Foi descrita a teoria sistêmica luhmanniana, explicandose que tal perspectiva privilegia a diferenciação entre sistema e ambiente; que a sociedade é um sistema autopoiético, ou seja, operacionalmente fechado. O direito é um subsistema autopoiético que faz parte da sociedade, ele realiza operações de comunicação que utilizam o código binário lícito/ilícito. Do mesmo modo, a ciência é outro subsistema autopoiético da sociedade, que produz operações de comunicação que utilizam o código binário verdadeiro/falso. Adiante, tratou-se da problemática da norma jurídica e do papel desempenhado pela sanção. Utilizou-se o conceito analítico de Paulo de Barros Carvalho. Foi visto que a norma jurídica é formada por uma proposição antecedente, que descreve determinado fato passível de ocorrência, bem como um dever-ser de modalização neutra, que associa a ocorrência desse fato a uma determinada consequência, descrita em uma segunda proposição. Esta relaciona dois sujeitos em torno de uma determinada prestação, relação essa modalizada não por um funtor neutro, mas segundo umas das três formas seguintes: proibido, permitido e obrigatório. No âmbito da teoria sistêmica, viu-se que a norma jurídica consiste no programa que determinará a aplicação do valor lícito ou ilícito a cada operação de comunicação realizado no sistema jurídico. Viu-se também que a norma jurídica não pode ser despida de sanção pelo seu descumprimento, sendo precisamente a sanção que diferencia o sistema jurídico de outros sistemas normativos, como a moral e a religião. Alguns autores afirmam que a sanção faria parte da estrutura da norma jurídica, enquanto outros dizem que ela consistiria em uma segunda norma jurídica que teria como hipótese de incidência o descumprimento de uma outra norma. 122

124 Por fim, foi feita uma delimitação dos conceitos de documento normativo, enunciado prescritivo, proposição e norma jurídica. Documento normativo pode ser entendido como um suporte físico textual no qual estão inscritos os grafemas formadores de enunciados prescritivos. Enunciados, por sua vez, são o resultado da atividade psicofísica de enunciação, sendo formados por um conjunto de fonemas ou grafemas estes no caso de enunciação escrita, aqueles no caso de enunciação falada que expressam a mensagem emitida no processo comunicacional. Desse modo, enunciados prescritivos nada mais são do que mensagens de teor prescritivo. Por fim, os enunciados não se confundem com as proposições, que são a dimensão semântica dos enunciados, sua porção significativa. As normas jurídicas, por sua vez, foram conceituadas anteriormente REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6. ed. São Paulo: Malheiros, CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 23. ed. São Paulo: Saraiva, Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2010,. GAMA, Tácio Lacerda. Competência tributária: fundamentos jurídicos para uma teoria da nulidade. 2. ed. São Paulo: Noeses, LOSANO, Mario G. Sistema e estrutura no direito, v. I. São Paulo: WMF Martins Fontes, LUHMANN, Niklas. System as a difference.organization. London, Thousand Oaks, CA e New Delhi, v. 13, n. 1, p , jan TOMÉ, Fabiana del Padre. A prova no direito tributário. 3. ed. São Paulo: Noeses, Disponível em: 123

125 NOTAS: [1] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 35. [2] Idem. Ibidem, p [3] LUHMANN, Niklas. System as a difference.organization. London, Thousand Oaks, CA e New Delhi, v. 13, n. 1, p , jan. 2006, p. 38. [4] LOSANO, Mario G. Sistema e estrutura no direito, v. I. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2008, p [5] TOMÉ, Fabiana del Padre. A prova no direito tributário. 3. ed. São Paulo: Noeses, 2012, p. 50. [6] LUHMANN, Niklas. Ibidem, p. 37. [7] TOMÉ, Fabiana del Padre. Ibidem, p. 50. [8] LUHMANN, Niklas. Ibidem, p. 46. [9] Idem. Ibidem, p. 47. [10] TOMÉ, Fabiana del Padre. Ibidem, p. 52. [11] Idem. Ibidem, p [12] Idem. Ibidem, p. 61. [13] CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p.46. [14] Idem. Ibidem, p. 43. [15] ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p

126 [16] CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 54. [17] GAMA, Tácio Lacerda. Competência tributária: fundamentos jurídicos para uma teoria da nulidade. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2011, p. LIII. [18] CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p Disponível em: 125

127 DA CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO: PRINCIPAIS ASPECTOS MATERIAIS E PROCESSUAIS FERNANDA ISABELA DE FIGUEIREDO: servidora pública municipal. RESUMO: A presente dissertação tem como objeto de estudo a atuação da Justiça Eleitoral nos casos de cassação de registros de candidaturas e mandatos eletivos em decorrência da aplicação do art. 41-A da Lei nº 9.504/97, que alçou a captação ilícita de sufrágio à categoria de infração cível-eleitoral. INTRODUÇÃO A compra de votos, como é popularmente conhecida, sempre foi prática corrente em nosso país. Um dos episódios mais singulares da história brasileira remonta aos anos iniciais da República. Nesse período, era comum que os proprietários de latifúndios, apelidados de coronéis, utilizassem do poder econômico que detinham para obrigar, até mesmo por meio da violência, que os eleitores do seu curral eleitoral votassem nos candidatos apoiados por eles. Era o chamado voto de cabresto. Qualquer semelhança com o contexto atual talvez não seja mera coincidência. Foi-se a figura do coronel, mas a herança política deixada ainda se faz presente a cada nova eleição. Em pleno Estado Democrático de Direito, no qual, em tese, os representantes políticos devem ser escolhidos por meio de uma eleição idônea, que realmente represente a manifestação de vontade da maioria, é cada vez mais frequente o uso da máquina pública e do poder econômico para desvirtuar e corromper o resultado das urnas. Atualmente, embora a compra de votos seja vista como um mal pela maioria da sociedade, muitos eleitores ainda 126

128 comercializam seus votos na falsa ideia de que tal conduta não irá influir no resultado do pleito. Todavia, é nítido que essa prática somente fragiliza a democracia representativa e mantém no poder candidatos interessados apenas em perpetuar a pobreza e a miséria, pois é da exploração das carências sociais que resultam seus mandatos eletivos. Foi nesse contexto de indignação e luta por um processo eleitoral mais justo, pautado na moralidade e lisura, que surgiu o art. 41-A da Lei nº 9.504/97, que instituiu no ordenamento jurídico pátrio a denominada captação ilícita de sufrágio como uma infração cível-eleitoral. Referido texto normativo foi resultado de um esforço da sociedade brasileira na arregimentação de quase um milhão de assinaturas, a fim de que o projeto fosse levado ao Congresso Nacional. 55 Todavia, se a priori essa conquista parecia um sopro de esperança na tão fatigada política brasileira, a atuação cada vez mais incisiva do Poder Judiciário, através de decisões que anulam a vontade popular manifestada nas urnas e determinam a saída imediata do titular do cargo, acabou por suscitar inúmeros debates acerca da legitimidade desse instrumento normativo. Nessa esteira, o presente trabalho tem por escopo a delimitação material e processual do instituto. Por meio de uma abordagem legislativa, doutrinária e jurisprudencial, os principais aspectos materiais e processuais do art. 41-A da Lei 9.504/97 serão examinados, como sua natureza jurídica, os requisitos para caracterização, o sujeito ativo, penalidades, procedimento, dentre outros. 1 REQUISITOS DE CONFIGURAÇÃO Nos termos do art. 41-A da Lei nº 9.504/97, constitui captação ilícita de sufrágio o candidato doar, oferecer, prometer ou Disponível em: 127

129 entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar 64, de Certo é que a captação de votos constitui o objetivo precípuo de toda e qualquer campanha eleitoral, de modo a permitir que o candidato conquiste o mandato eletivo em disputa. Porém, o convencimento dos eleitores deve ser feito dentro dos limites traçados pela legislação eleitoral. Adriano Soares da Costa afirma que, quando o aspirante a um cargo público afasta-se dos métodos permitidos pelo ordenamento jurídico e busca angariar o voto do eleitor através de meios escusos, tem-se caracterizada a captação ilícita de sufrágio[1]. Assim, captação ilícita de sufrágio é a corrupção eleitoral realizada mediante a doação, oferta, promessa ou entrega de qualquer vantagem ao eleitor com a finalidade de obter-lhe o voto. Para sua caracterização, o Tribunal Superior Eleitoral tem exigido a presença de três elementos, quais sejam: a) a prática de uma ação (doar, ofertar, prometer ou entregar); b) a existência de uma pessoa física (um eleitor) e; c) o resultado a que se propõe o agente, que é a obtenção do voto.[2] Nesse contexto, depreende-se que a conduta ilícita de compra de votos pode ser praticada mediante as seguintes ações: doação, oferta, promessa ou entrega de bem ou dádiva, inclusive emprego ou função pública. Logo, evidencia-se que a simples oferta ou promessa de qualquer bem ou vantagem ao eleitor basta para a subsunção à norma em análise. A respeito, leciona Adriano Soares da Costa[3]: 128

130 À incidência da norma basta a promessa ou o oferecimento de vantagem de qualquer natureza. A entrega ou a consumação do benefício prometido apenas qualifica o fato ilícito, vez que a prova da sua ocorrência fica mais facilitada. Todavia, o simples aliciamento da vontade do eleitor através de promessa de futura vantagem, em troca de votos, já é ato ilícito punível. Tal ocorre porque a infração eleitoral em comento é de natureza formal e independe de resultado naturalístico para sua consumação. Segundo o magistério de José Jairo Gomes, a entrega concreta, efetiva, real, configura mero exaurimento da ação ilícita anteriormente consumada [4]. 55 A segunda consequência advinda da natureza formal da infração diz respeito à manifestação positiva de aceite por parte do eleitor, que se torna irrelevante. E mais, não se faz necessária a comprovação de que o eleitor agraciado pela vantagem tenha realmente votado no candidato. Como segundo requisito apontado pelo Tribunal Superior Eleitoral, tem-se a necessidade de existência da pessoa física do eleitor. Por eleitor entende-se aquele que possui alistamento eleitoral em um determinado município. Conforme ensina Carlos Eduardo de Oliveira Lula, o fundamento dessa exigência respaldase no próprio bem jurídico tutelado pela norma, que é a liberdade de voto do eleitor[5]. Por tal razão, o Tribunal Superior Eleitoral já se manifestou no sentido da não configuração da captação ilícita de sufrágio na hipótese de um candidato oferecer vantagem a outro, para que este desista de sua candidatura, consoante aresto a seguir ementado: Disponível em: 129

131 Recurso especial. Investigação judicial eleitoral. Abuso de poder econômico. Captação de votos entre candidatos. Atipicidade. Lei 9504/97, art. 41-A. 1. O artigo 41- A da Lei 9.504/97 só tipifica a captação ilícita de votos entre candidato e eleitor, não a configurando a vantagem dada ou prometida por um candidato a outro, visando a obter-lhe a desistência.[6] Igualmente, não caracteriza captação ilícita de sufrágio a oferta ou promessa de bens ou valores: a) a menores de dezoito anos que ainda não estão inscritos eleitores; b) ao eleitor que esteja com seu título cancelado; c) ao eleitor que vota em circunscrição diversa daquela a que pertence o candidato corruptor. Isto porque em nenhuma dessas hipóteses haveria perigo ou ameaça ao bem jurídico tutelado, que é a liberdade de voto. Ainda quanto ao segundo requisito - existência da pessoa física do eleitor -, o Tribunal Superior Eleitoral firmou entendimento no sentido da desnecessidade de sua identificação nominal, consoante jurisprudência a seguir colacionada: Investigação judicial - Representação - Art. 41-A da Lei nº 9.504/97 - Multa - Inelegibilidade - Art. 22 da LC nº 64/90. Não identificação dos nomes dos eleitores corrompidos - Desnecessidade. 1. Estando comprovada a prática de captação ilegal de votos, não é imprescindível que sejam identificados os eleitores que receberam benesses em troca de voto. 130

132 2. Em representação para apurar captação vedada de sufrágio, não é cabível a decretação de inelegibilidade, mas apenas multa e cassação de registro ou de diploma, como previsto no art. 41-A da Lei nº 9.504/97.[7] Por derradeiro, o último requisito apontado por aquela Corte Eleitoral é a exigência de que a ação ilícita tenha sido praticada com a finalidade de obtenção de voto. Nos dizeres de Antônio Peleja Junior e Fabrício Batista, exige-se a intenção dolosa, consubstanciada na vontade deliberada de cooptação de voto por meio de oferta de qualquer bem ou vantagem ao eleitor[8]. A respeito, o Superior Tribunal Eleitoral passou a entender ser desnecessário o pedido explícito ou direto de voto para a 55 caracterização da conduta ilícita[9]. O julgamento de casos concretos pelos órgãos jurisdicionais demonstrou que, no mais das vezes, os candidatos tentavam de toda maneira mascarar tal pedido, a fim de evitar uma eventual punição. Destarte, atualmente, presume-se a finalidade eleitoral. A verbalização da intenção de cooptação é dispensável. O mero assédio ao eleitor durante o período eleitoral sensível, mediante oferta de vantagem, basta para evidenciar o fim especial de agir. Qual finalidade teria, por exemplo, um candidato que doa uma cesta básica a determinado eleitor, contendo seu nome e número, no auge da campanha, senão eleitoral? O pedido de voto está implícito em sua ação. Neste sentido: Captação ilícita de sufrágio. Configuração - Artigo 41-A da Lei no 9.504/97. Verificado um dos núcleos do artigo 41-A da Lei no 9.504/97 - doar, oferecer, prometer ou entregar ao eleitor bem ou vantagem pessoal de Disponível em: 131

133 qualquer natureza - no período crítico compreendido do registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, presume-se o objetivo de obter voto, sendo desnecessária a prova visando a demonstrar tal resultado. Presume-se o que normalmente ocorre, sendo excepcional a solidariedade no campo econômico, a filantropia.[10] (...) a caracterização da captação ilícita de sufrágio prescinde de expresso pedido de voto, sendo suficientes a participação do candidato e a evidência do especial fim de agir.[11] Aliás, visando tornar expresso tal entendimento jurisprudencial, a Lei nº /99 acrescentou o 1º ao art. 41-A, o qual reza que para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de voto, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir. A par desses três requisitos anteriormente analisados (prática de uma ação, existência da pessoa física do eleitor e finalidade eleitoral), imprescindível que outros apontamentos sejam feitos para a perfeita compreensão da infração insculpida no art. 41- A da Lei nº 9.504/97. Em primeiro, tem-se que a vantagem oferecida ao eleitor pode ser de qualquer natureza: dinheiro, cesta básica de alimentos, lotes de terreno, medicamentos, vales-combustível, dentadura, sapato, material escolar, etc. E, segundo Marino Pazzaglini Filho, o mesmo se diga das condutas de prestação ou de oferecimento de serviços médicos, odontológicos ou jurídicos [12]. Além de bens materiais, vantagens como cargo ou emprego, público ou privado, ensejam a subsunção à norma em análise. 132

134 Com efeito, a criatividade dos candidatos nesse campo é realmente inimaginável. As vantagens ofertadas vão desde serviços advocatícios a pagamento de benefícios previdenciários, conforme se verifica dos julgados a seguir transcritos: Vereador - Reeleição - Doação de fardamento de time de futebol, realização de torneio e churrasco - Configuração do previsto no art. 41-A, Lei nº 9504/97.[13] Captação de sufrágio. Para ser enquadrado no art. 41-A, da Lei nº 9.504/97 basta a oferta do candidato ao eleitor. E o candidato ofereceu serviços advocatícios pelas ondas do rádio. Delito formal que não se vincula com o 55 resultado.[14] Constitui captação de sufrágio a prestação gratuita de serviços médicos por candidato médico, em residência particular, bem como a promessa de medicamentos gratuitos, com a entrega de material publicitário de campanha política.[15] Representação. Promessa de doação de casa e fechamento de empresa caso não eleitos. Pagamento de bônus a empregados. Conduta ilícita. Captação de sufrágio.[16] Promessa de continuação do pagamento do beneficio previdenciário, em caso de eleição do candidato majoritário da coligação da representada. (...) Incide no que dispõe o art. 41- A, da Lei n /97, a promessa de o eleitor continuar a receber o beneficio social, caso o Disponível em: 133

135 candidato da coligação da representada venha a ser eleito.[17] Outrossim, a benesse oferecida deve significar um benefício ao eleitor. Por tal motivo, o Tribunal Superior Eleitoral já entendeu em vários casos que a distribuição de camiseta de campanha a cabos eleitorais não caracteriza concessão de vantagem ao eleitor. Seria mero mecanismo de organização da campanha, tendo em vista que as camisetas normalmente não passam a integrar a esfera de bens dos prestadores de serviços, pois são devolvidas para o coordenador de campanha ao final de cada dia[18]. Ainda, para a configuração do ilícito, a vantagem oferecida deve ser específica e concreta. Significa dizer que o benefício outorgado deve ser destinado a um eleitor individualizado, até mesmo para que se estabeleça um nexo de cumplicidade entre o candidato e o eleitor corrompido. Nada obstante essa exigência, segundo José Jairo Gomes, se o candidato fizer promessa em troca de voto de fornecer material de construção a parente ou familiar de alguém, estará configurada a situação fática prevista no artigo 41-A da LE [19]. O benefício, neste caso, seria indireto. Outrossim, a pluralidade de eleitores não desfigura a prática da ilicitude, quando a vantagem outorgada for individualmente usufruída por cada um deles, consoante manifestou-se o Tribunal Superior Eleitoral no seguinte julgado: Apanhados os fatos tais como descritos pela decisão recorrida, resta configurada a infração prevista no art. 41-A da Lei n /97, uma vez evidenciado que a candidata ofereceu ou prometeu dinheiro a determinado grupo de eleitores em troca de voto.[20] 134

136 Esse o quadro, evidencia-se que não caracteriza captação ilícita de sufrágio as promessas comumente proferidas em palanques de campanha pelos candidatos, como construção de escolas, postos de saúde, creches, etc., pois feitas de forma geral e indiscriminada, sem aptidão para corromper ou vincular os destinatários. Tais promessas constituem elemento próprio do debate político. Em suma, o que se exige é que a vantagem seja ofertada a eleitor determinado ou determinável. Como bem leciona Marcos Ramayana[21]: O que a lei pune é a artimanha, o aspecto ilícito, o toma lá da cá, a vantagem pessoal de obter o voto. O pedido certo, determinado e específico faz parte da petição inicial e deve ser cotejado sob a ótica da pessoalidade, do 55 clientelismo e do amesquinhamento do voto. 2 DA NATUREZA JURÍDICA E DA DISTINÇÃO COM O ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL Investigar a natureza jurídica de determinado instituto consiste em demonstrar a sua essência, de modo a permitir classificá-lo dentro do universo de categorias jurídicas existentes no âmbito da ciência do Direito. No tocante ao instituto da captação ilícita de sufrágio, introduzido pelo art. 41-A na Lei nº 9.504/97, Marcos Souto Maior Filho relembra que havia interpretações distintas acerca da natureza jurídica quando de sua criação: se infração penal-eleitoral, infração civil-eleitoral, mero ilícito administrativo ou mesmo uma nova hipótese de inelegibilidade sancionatória[22]. Atualmente, porém, já não existe mais tanta divergência entre os doutrinadores eleitoristas. Em sua maioria, entendem Disponível em: 135

137 tratar-se de ilícito civil-eleitoral, sendo distinto do delito penal previsto no art. 299 do Código Eleitoral. À par da similitude dos textos legais, imperioso reconhecer que o art. 41-A da Lei nº 9.504/97 não revogou o crime de corrupção eleitoral previsto no art. 299 do Código Eleitoral, que permanece com sua vigência e eficácia incólume. Em síntese, a figura insculpida no art. 41-A da Lei nº 9.504/97 penaliza política e administrativamente, com a perda do registro de candidatura ou do diploma e multa, o candidato que oferece qualquer bem ou vantagem ao eleitor, em troca de seu voto. Por outro lado, o art. 299 do Código Eleitoral, pela mesma prática, penaliza criminalmente, com pena de reclusão e multa, tanto o aliciador, quanto o eleitor corrompido. Segundo o escólio de Tito Costa: Este preceito legal, que tem estreita aproximação com o ilícito criminal do art. 299 do Código Eleitoral, ora comentado, não contém norma penal. Suas conseqüências, na área civil e especialmente política, dizem diretamente com o registro e/ou diploma do candidato, sujeitos à cassação pela Justiça Eleitoral, que poderá impor-lhe, ainda, a multa ali prevista que não deixa de ser uma pena no sentido lato, mas sem conotação criminal.[23] Além de sanções diversas, o delito penal, segundo Joel J. Cândido, possui um espectro de aplicação mais amplo, pois visa punir tanto o corruptor (corrupção eleitoral ativa), como o eleitor corrompido (corrupção eleitoral passiva), enquanto que o ilícito civileleitoral previsto no art. 41-A aplica-se apenas ao candidato infrator[24]. 136

138 Outrossim, diferentemente do que ocorre no plano cíveleleitoral, em que basta a anuência tácita do candidato, na seara criminal a punição desse mesmo candidato depende de sua colaboração ativa e eficaz para a consumação do delito. Assim, não basta a sua conivência, é necessário o seu concurso, ou seja, que ele tenha contribuído, com eficácia causal, para a consumação do ato. Nesse contexto, caso o candidato tenha praticado diretamente a compra de votos, sua responsabilidade será aferida concomitantemente na seara criminal e extrapenal, haja vista a inexistência de prejudicialidade entre o crime de corrupção eleitoral e o ilícito civil-eleitoral do art. 41-A. Por outro lado, caso não haja comprovação de sua contribuição ativa na consumação do ato, não poderá ser demandado penalmente, pelos motivos anteriormente 55 expostos. Cabe ressaltar ainda, conforme ensina Marcos Souto Maior Filho, que o delito do art. 299 do Código Eleitoral não exige que o sujeito ativo ostente a condição de candidato. Assim, qualquer pessoa pode cometer crime de corrupção eleitoral, sujeitando-se às consequências previstas no tipo penal. Trata-se, portanto, de crime comum[25]. Além disso, os ritos processuais são diversos. O crime de corrupção eleitoral é apurado pelo rito ordinário da Justiça Eleitoral, enquanto o ilícito civil-eleitoral do art. 41-A observa o procedimento previsto no art. 22 da Lei complementar nº 64/ DO SUJEITO ATIVO E A PROBLEMÁTICA DA APLICAÇÃO AO NÃO CANDIDATO Uma primeira leitura do art. 41-A da Lei nº 9.504/97 pode levar à conclusão de que o sujeito ativo da conduta de captação vedada de votos é somente o próprio candidato, entendido como Disponível em: 137

139 aquele devidamente registrado na Justiça Eleitoral, tendo em vista a expressa referência à terminologia candidato no corpo da norma legal. O entendimento inicial do Tribunal Superior Eleitoral, inclusive, trilhou-se nessa direção, com a exigência da participação direta do candidato na conduta, pois, em tese, mencionado ilícito teria característica personalíssima e guardaria similitude com o crime do art. 299 do Código Eleitoral. Nada obstante, com o decurso do tempo, a exegese da norma evoluiu e aquela Corte Eleitoral modificou seu entendimento, passando a decidir que o ilícito se perfaz mesmo pela explícita anuência do candidato à conduta ilícita praticada por terceiro. Já no ano de 2001, o TSE sentenciou da seguinte forma: (...) tem-se por caracterizada a captação de sufrágios com a participação do candidato ou mesmo por sua explícita anuência às práticas ilícitas capituladas naquele artigo. Não fosse isso, em face da costumeira criatividade dos candidatos e dos seus colaboradores, correr-seia o risco de tornar inócua a citada norma, mantendo impunes e até mesmo estimulando os candidatos na prática de abusos e ilícitos que a sociedade, notadamente a mais próxima dos fatos, repudia com justificada veemência.[26] Com efeito, entendimento diverso implicaria no esvaziamento da norma em testilha, pois é notório que infrações desta estirpe, via de regra, são realizadas por cabo eleitoral, secretário, ministro, parente ou correligionário do candidato, de modo a ocultar o real corruptor. 138

140 Nada obstante, alguns eleitoristas posicionam-se contrários a essa tese. Marcos Souto Maior Filho sustenta ser muito perigosa essa dilatação dos efeitos do art. 41-A da Lei 9.504/97, se verdadeiramente não está expresso na norma de regência [27]. De igual modo, Adriano Soares da Costa aduz que, não sendo possível emprestar interpretação elástica às normas que prescrevem sanções, apenas o candidato poderá realizar a conduta descrita no suporte fáctico (sic) da norma [28]. De outro norte, a possibilidade de punição do candidato pela conduta praticada por terceiro suscita uma relevante problemática acerca da aplicação da penalidade descrita no dispositivo legal. A respeito, Rodrigo López Zilio defende uma dupla punição: do candidato, mero partícipe indireto, e do terceiro, praticante da conduta principal, in verbis: 55 Ora, ao se admitir - além da participação direta - a forma indireta de participação do candidato na conduta reprovável, estar-se-á admitindo, de modo implícito, que a conduta principal foi praticada por outrem. E, em sendo punível a participação indireta do candidato, é de ser admitida, também como punível, a conduta do agente principal que não é candidato. Implausível, raciocínio diverso.[29] Em que pese tal entendimento, os demais doutrinadores entendem passível de punição pela violação ao art. 41-A apenas o candidato, vez tratar-se de sanção político-administrativa. Nos dizeres de Marcos Souto Maior Filho, não é possível a aplicação teleológica e sistêmica para imprimir punição que a lei não especificou [30]. Ademais, nada obsta que o terceiro seja responsabilizado penalmente pelo crime de corrupção eleitoral previsto no art. 299 do Disponível em: 139

141 Código Eleitoral. Assim, caso verificada a participação de terceiro em sede de representação com base no art. 41-A, o juiz ou relator do processo deverá encaminhar cópia dos autos ao Ministério Público para fins de oferecimento de denúncia, tendo em vista que o delito tipificado no art. 299 do Código Eleitoral é de ação pública incondicionada. Em suma, a captação ilícita de sufrágio prevista no art. 41-A da Lei nº 9.504/97 é inaplicável para quem não tenha o requisito de ser candidato. 4. PENALIDADES O art. 41-A da Lei nº 9.504/97 prevê como penalidades decorrentes da prática de captação ilícita de votos a cassação do registro ou do diploma do candidato, bem como a aplicação de multa no valor de mil a cinquenta mil UFIR. Nessa esteira, se a representação com base no art. 41-A for julgada procedente pela Justiça Eleitoral até o dia da diplomação dos eleitos, referida decisão cassará o registro do candidato e lhe aplicará sanção pecuniária. Conforme ensina Marcos Souto Maior Filho, a cassação do registro obsta a expedição do diploma ao candidato, uma vez que os efeitos da decisão são imediatos[31]. Por outro lado, se o julgamento da representação ocorrer após a diplomação, o juiz ou Tribunal cassará o diploma do candidato, bem como lhe aplicará multa no valor de mil a cinquenta mil UFIR. Vale lembrar, ainda, que após o advento da Lei Complementar 135/2010 (Lei da Ficha Limpa), que alterou significativamente a Lei Complementar 64/90, instituindo novas hipóteses de inelegibilidades, a sentença procedente em representação com base no art. 41-A passou a ter como efeito 140

142 secundário a inelegibilidade do candidato pelo prazo de 08 (oito) anos, a contar da eleição em que se deram os fatos, nos termos do art. 1º, I, j, da Lei Complementar 64/90. Consoante leciona Antônio Veloso Peleja Junior, referida inelegibilidade só produzirá efeitos caso a sentença condenatória se amolde em uma das seguintes hipóteses: a) tenha sido proferida por juízo de primeiro grau e referendada por órgão colegiado da Justiça Eleitoral; b) tenha sido proferida por órgão colegiado da Justiça Eleitoral ou; c) tenha transitado em julgado[32]. 5. DA DESNECESSIDADE DE AFERIÇÃO DA POTENCIALIDADE LESIVA DA CONDUTA Como se nota, diferentemente de outras leis eleitorais, o art. 41-A da Lei nº 9.504/97 visa 55 proteger, de forma direta, a vontade do eleitor. O bem jurídico tutelado pelo referido dispositivo legal não é mais propriamente a normalidade e legitimidade das eleições, mas sim a vontade soberana do eleitor, consubstanciada na escolha livre, espontânea e consciente de seus representantes políticos. A consequência desse novo enfoque protetivo reside no fato de não ser necessário, em sede de representação com base no art. 41-A da Lei nº 9.504/97, a aferição da potencialidade lesiva da conduta de influir na disputa eleitoral. Em outros termos, não é necessário demonstrar que o agente deu, ofereceu, prometeu ou entregou bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza a um número expressivo de eleitores. Pelo contrário, a compra de um único voto basta para que se tenha caracterizada a violação ao art. 41-A. Conforme ensina Edson de Resende Castro, mesmo que o candidato tenha logrado vitória nas urnas por ampla maioria de votos, terá seu diploma cassado pela Justiça Eleitoral caso fique comprovado que, no curso da disputa eleitoral, tentou corromper um único eleitor que seja[33]. Disponível em: 141

143 Aliás, essa é uma das principais distinções entre as figuras do abuso de poder econômico e da captação ilícita de sufrágio. No abuso de poder, é imprescindível que se comprove a potencialidade da conduta ilícita de influir na legitimidade e normalidade das eleições. 6. PROCEDIMENTO, LEGITIMIDADE E LITISCONSÓRCIO PASSIVO De acordo com a Lei nº 9.504/97, a ação cabível no caso de descumprimento de suas disposições, dentre elas o art. 41-A, é a representação eleitoral. Ainda, dispõe que referida representação deverá seguir o rito previsto no art. 22 da Lei Complementar 64/90, observadas, no mais, as instruções normativas expedidas pelo Tribunal Superior Eleitoral. O rito do art. 22 da Lei Complementar 64/90 é reputado sumaríssimo. Logo, a representação por captação ilícita de sufrágio é submetida a um procedimento célere, com vistas a uma rápida punição do candidato infrator. Nessa toada, para imprimir ainda mais rapidez aos feitos eleitorais, e em consonância com o princípio constitucional da razoável duração do processo, o legislador infraconstitucional estabeleceu, através da Lei nº /09, o prazo máximo de 01 (um) ano para as ações que ensejam a perda do mandato eletivo, contado da data de sua propositura (art. 97-A da Lei nº 9.504/97). Assim, nos dizeres de Antônio Veloso Peleja Júnior, a representação por captação ilícita de votos também deverá observar referido lapso temporal, o qual compreende o trâmite em todas as instâncias da Justiça Eleitoral[34]. Por seu turno, a legitimidade ativa para ajuizamento de representação com base no art. 41-A vem prevista no art. 96 da Lei nº 9.504/97. Podem propor a ação candidato, partido político ou 142

144 coligação, bem como o Ministério Público Eleitoral, que tem participação obrigatória em todas as fases e instâncias do processo eleitoral. Quanto aos legitimados passivos, entende Carlos Eduardo de Oliveira Lula que legitimado passivamente é o candidato que comete a ação típica do art. 41-A [35]. Para Antônio Veloso Peleja Júnior, tal rol é mais amplo. Sustenta referido doutrinador que: Considerando as sanções previstas no artigo 41- A, acrescidas da hipótese prevista no artigo 1º, I, j, da LC 64/90 (com redação dada pela LC 135/2010), são legitimados passivos o candidato (cassação + multa + inelegibilidade), pessoa física (multa + inelegibilidade), pessoa jurídica 55 (multa) e partido ou coligação (multa).[36] Um ponto importante acerca da legitimidade ad causum diz respeito à existência ou não de litisconsórcio passivo necessário entre o candidato titular e seu vice ou suplente nas representações com base no art. 41-A da Lei 9.504/97. Imperioso destacar, de plano, que no caso de eleição proporcional (cargos de vereador e deputado), na qual inexistem as figuras de vice e suplente, não há tal discussão. Poder-se-ia, no máximo, cogitar da necessidade de litisconsórcio passivo entre o candidato e terceiro que tenha contribuído para a prática do ato ilícito. Porém, neste caso, não há divergência de que o litisconsórcio será facultativo e simples. Isto porque, conforme leciona Antônio Veloso Peleja Junior, o art. 22 da Lei Complementar 64/90, que regula o rito a ser observado nas representações com base no art. 41-A da Lei 9.504/97, não exige a formação de litisconsórcio passivo necessário entre tais pessoas.[37] Disponível em: 143

145 No caso de eleições majoritárias (cargos do Poder Executivo e do Senado), o tema passou por significativa mudança de entendimento por parte do Tribunal Superior Eleitoral. Em um primeiro momento, aquela Corte Eleitoral entendeu ser desnecessário que candidatos a vice ou suplente figurassem no polo passivo da demanda. Segundo ensinamento de Marcos Souto Maior Filho, nada obstante as críticas recebidas da doutrina, o Tribunal Superior Eleitoral manteve sua jurisprudência pacífica sobre o tema até o julgamento do Recurso Contra a Expedição de Diploma - RCED nº 703, de relatoria do Ministro Félix Fischer, no qual passou a entender que o vice deve ser necessariamente citado para integrar todas as ações ou recursos, cujas decisões possam acarretar a perda de seu mandato[38]. Entendeu-se que, em razão do princípio da indivisibilidade ou unidade da chapa majoritária, não há separarem-se as situações jurídicas do titular e do vice, já que a eleição deste último ocorre por arrastamento. Assim, como eventual procedência da representação atinge não apenas a órbita jurídica do titular, mas também do vice, imperioso que este seja citado para se defender do ato impugnado[39]. Com efeito, o atual entendimento do Tribunal Superior Eleitoral é o que mais se coaduna com os princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, vez que, em virtude da unidade monolítica da chapa, os vices e suplentes têm interesse direto e inafastável em caso de uma eventual representação com base no art. 41-A da Lei 9.504/ PRAZO PARA AJUIZAMENTO DA REPRESENTAÇÃO ELEITORAL E COMPETÊNCIA 144

146 O prazo para a propositura da representação por captação ilícita de sufrágio vem previsto no próprio art. 41-A da Lei nº 9.504/97. O termo a quo é data da formalização (ou seja, protocolo) do requerimento de registro de candidatura junto à Justiça Eleitoral. Por outro lado, o termo ad quem é o dia da diplomação dos eleitos, consoante o 3º do art. 41-A, introduzido pela Lei /2009. Após referido prazo, abre-se a possibilidade de discussão da captação ilícita de votos por meio de RCED (Recurso contra a expedição de diploma) ou AIME (Ação de impugnação de mandato eletivo), a serem propostos, respectivamente, nos 3 ou 15 dias posteriores à diplomação. Por fim, a competência para conhecimento da dita representação está expressamente prevista no art. 96 da Lei /97. Segundo mencionado dispositivo legal, em caso de eleições municipais (candidatos a prefeito, vice-prefeito e vereador), a competência será dos juízes eleitorais. Em se tratando de eleições federais, estaduais e distritais (candidatos a senador, governador e vice-governador de Estado e do Distrito Federal, deputado federal, deputado estadual e deputado distrital), a competência é atribuída aos Tribunais Regionais Eleitorais. Por fim, em caso de eleição presidencial (candidatos a Presidente da República e vicepresidente), cabe ao Tribunal Superior Eleitoral a análise do feito[40]. 8. EXECUÇÃO IMEDIATA DA DECISÃO A sentença que julga procedente representação com base no art. 41-A da Lei 9.504/97 tem dupla natureza: sancionatória (aplicação de multa) e desconstitutiva (cassação do registro ou do diploma do candidato infrator). Para o Tribunal Superior Eleitoral, como a cassação do registro ou do diploma não constitui nova espécie de inelegibilidade, Disponível em: 145

147 a decisão procedente deve ter imediato cumprimento, mesmo quando o representado interpõe recurso. Aplica-se, neste caso, a regra geral do Código Eleitoral (art. 257), segundo a qual os recursos eleitorais não têm efeito suspensivo[41]. A atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso visa conferir eficácia a referida decisão, vez que o instituto do art. 41-A foi criado com o escopo de afastar imediatamente da disputa aquele que, no curso da campanha eleitoral, praticou a denominada compra de votos. Todavia, conforme leciona Edson de Resende Castro, a executividade imediata da decisão não impede que o recorrente busque junto ao respectivo Tribunal a atribuição de efeito suspensivo ao recurso, por meio de ação cautelar ou, ainda, via petição autônoma de atribuição de efeito suspensivo direcionada ao relator do recurso[42]. Nessa esteira, para evitar prejuízos irreparáveis aos candidatos, a Lei nº /2009 acrescentou o art. 16-A à Lei nº 9.504/97, criando um efeito suspensivo ao recurso daquele que tiver seu registro cassado antes das eleições. Referido dispositivo legal prevê que os candidatos que tenham seus registros cassados por captação ilícita de sufrágio ainda durante a campanha eleitoral e recorram de tal decisão, devem continuar praticando os atos de campanha, por sua conta e risco. Eles devem, inclusive, participar do horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão[43]. Caso o candidato fosse imediatamente excluído da campanha eleitoral, mesmo obtendo posterior êxito no recurso interposto, não conseguiria recuperar o precioso tempo de propaganda eleitoral perdido entre a cassação do registro e o provimento do apelo. O dano a sua candidatura seria irreparável. E nem se diga de uma eventual reforma da decisão após as eleições. 146

148 Neste caso, o provimento do recurso não teria sentido prático algum. Assim, em virtude da inovação trazida pela Lei /2009, se no dia do pleito eleitoral o recurso do candidato ainda estiver pendente de julgamento, o resultado das eleições será revelado, mas desconsiderando sua candidatura. Conforme ensina Edson de Resende Castro, os votos a ele dados ficam armazenados no sistema. Em caso de provimento do recurso interposto, os votos serão considerados válidos e os cálculos serão refeitos, a fim de se determinar o resultado final da disputa eleitoral[44]. Por seu turno, os recursos contra decisões proferidas após as eleições continuam tendo apenas efeito devolutivo, o que não impede, no entanto, que o recorrente busque a atribuição de tal 55 efeito pelos instrumentos anteriormente mencionados. Por fim, vale frisar que no tocante à declaração de inelegibilidade pelo prazo de 08 (oito) anos, efeito secundário introduzido pela Lei Complementar 135/2010, somente produzirá efeitos se referendada ou proferida por órgão colegiado da Justiça Eleitoral, ou após o trânsito em julgado da decisão. 9. INVALIDADE DAS ELEIÇÕES E ELEIÇÕES INDIRETAS O Código Eleitoral, em seu capítulo VI, dispõe sobre o rol de hipóteses em que se consideram nulas e anuláveis as votações. Dentre elas, o art. 222 prevê a possibilidade de anulação da eleição em caso de captação ilícita de votos[45]. Por seu turno, o art. 224 do mesmo diploma legal declara que se a nulidade atingir mais da metade dos votos em caso de eleições majoritárias, julgar-se-á prejudicado o pleito, marcando-se nova eleição dentro do prazo de 20 (vinte) a 40 (quarenta) dias[46]. Disponível em: 147

149 Logo, certo é que em todas as representações com base no art. 41-A da Lei 9.504/97 não é apenas possível, mas obrigatória a aplicação do art. 224 do Código Eleitoral, nos casos envolvendo os cargos do Poder Executivo. Nos dizeres de Marcos Souto Maior Filho, anulando-se os votos do candidato infrator que tenha seu diploma cassado, impõe-se a realização de novas eleições caso o percentual de votos dados a ele ultrapasse 50% (cinqüenta por cento) do total.[47]neste sentido: Prevendo o art. 222 do Código Eleitoral a captação de sufrágio como fator de nulidade da votação, aplica-se o art. 224 do mesmo diploma no caso em que houver a incidência do art. 41-A da Lei nº 9.504/97, se a nulidade atingir mais de metade dos votos.[48] Por outro lado, se a nulidade não atingir mais da metade dos votos nas eleições majoritárias, Antônio Veloso Peleja Junior assevera que é dispensável a realização de novas eleições, assumindo o mandato o candidato que obteve o segundo lugar[49]. Vale notar que, para fins de renovação do pleito, são desconsiderados os votos nulos e em branco, por se tratar de manifestação apolítica de eleitores. Outrossim, o Tribunal Superior Eleitoral já firmou o entendimento de que o candidato que deu causa à nulidade da votação não poderá participar da renovação do pleito. Segue aresto que evidencia tal posicionamento: O ordenamento jurídico eleitoral positivo e jurisprudencial brasileiro, impondo a carga axiológica que o compõe, especialmente a inspirada no princípio ético, não agasalha a possibilidade de candidato que deu causa à 148

150 nulidade das eleições participar na renovação do pleito. Interpretação do art. 219, parágrafo único, do Código Eleitoral.[50] Ademais, devido à alteração introduzida pela Lei Complementar 135/2010, a condenação pela prática da captação ilícita de votos passou a ter como efeito secundário a inelegibilidade do candidato. Logo, aquele que deu causa à nulidade da votação ficará, de todo modo, impossibilitado de participar das eleições suplementares, quando for o caso. Uma das questões mais relevantes acerca da renovação do pleito diz respeito à aplicabilidade ou não do art. 81, 1º, da Constituição Federal quando a anulação da votação ocorrer nos dois últimos anos do mandato do candidato condenado pela prática 55 de captação ilícita de votos. No âmbito do Tribunal Superior Eleitoral havia duas posições divergentes. Porém, a partir do ano de 2008, aquela Corte Eleitoral, em diversos julgados, passou a posicionar-se pela aplicação do art. 81, 1º, da Constituição Federal, ressaltando, sobretudo, a inconveniência da realização de eleição direta para um breve mandato. Além disso, entendeu-se que a modalidade de eleição direta representaria um dispêndio financeiro vultoso para um curto período de exercício, o que seria contrário aos princípios da razoabilidade e da economicidade[51]. Assim, existem duas situações possíveis, a depender do momento da vacância do cargo nas eleições majoritárias. Se a vacância ocorrer nos dois primeiros anos do mandato e a nulidade da votação não atingir mais da metade dos votos, assume o cargo o segundo colocado; se a nulidade atingir mais da metade dos votos, realizam-se eleições diretas no prazo de 20 (vinte) a 40 (quarenta) dias. Disponível em: 149

151 Por outro lado, conforme ensina Antônio Veloso Peleja Junior, caso a vacância do cargo ocorrer nos dois últimos anos do mandato e a nulidade não atingir mais da metade dos votos, assume o cargo o segundo colocado; se a nulidade atingir mais da metade dos votos, realizam-se eleições indiretas, nos termos do art. 81, 1º, da Constituição Federal[52]. Vale notar, contudo, que a questão não é tão simples no âmbito dos estados-membros e municípios. Isto porque, no julgamento de Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4298, o Supremo Tribunal Federal decidiu que não há obrigatoriedade dos Estados e municípios reproduzirem o disposto no art. 81, 1º, da Constituição Federal e que tais entes federativos possuem autonomia para dispor acerca do modo de escolha do substituto, quando ocorrida a dupla vacância dos cargos do Executivo. Assim, em tese, seria plenamente possível existir previsão expressa na Constituição Estadual ou na lei orgânica municipal de determinado estado ou município de realização de eleição direta em caso de vacância do cargo a ser efetivada no segundo biênio do mandato político. No julgamento da AIJE nº , o magistrado Marcelo Carvalho Cavalcante de Oliveira, em voto vencido, expôs com muita clareza as possíveis consequências práticas resultantes da adoção desse entendimento: (...) imaginemos um país como o Brasil, com mais de (cinco) mil municípios, em que cada um passe a ditar as normas de como será realizada a eleição, em caso de dupla vacância dos cargos do Poder Executivo Municipal. Como explicar para o homem comum do povo que, na cidade vizinha, os munícipes poderão votar, em 150

152 um pleito para mandato tampão, e no seu, se eventualmente ocorrer a dupla vacância, não poderão? Como justificar essa diversidade de tratamento? Deveras, respeitados os posicionamentos em sentido contrário, considero que o princípio da simetria deve ser obedecido, haja vista que a Lei Fundamental da República estabeleceu um padrão normativo a ser seguido. Igualmente, como conviver com a instabilidade na vida de um município com eleições diretas tão próximas? Suponhamos a situação de um prefeito que venha a ser cassado no início de 2012, por exemplo. De que maneira 55 ficaria essa conjuntura: duas eleições diretas em períodos contíguos? Isso somente por que a lei orgânica do município tem um disciplinamento diferente? Definitivamente, isso não me parece razoável.[53] Certo é que o tema ainda é polêmico e deverá ser melhor analisado pelo Tribunal Superior Eleitoral e pelo próprio Supremo Tribunal Federal, a fim de que se chegue a uma resposta uníssona sobre a questão. CONCLUSÃO A introdução do art. 41-A da Lei nº 9.504/97 no ordenamento jurídico brasileiro fez nascer um importante instrumento de combate à corrupção eleitoral, o qual busca resgatar a lisura do processo eleitoral por meio de uma efetiva proteção à vontade do eleitor, penalizando a compra de votos com a cassação do registro ou do diploma e aplicação de multa, além do efeito secundário criado pela Disponível em: 151

153 Lei Complementar 135/2010 consistente na declaração de inelegibilidade do candidato pelo prazo de 08 (oito) anos. É comum que candidatos gastem milhões com o aliciamento de eleitores, pois sabem que, uma vez investidos do múnus público, todo o dinheiro gasto poderá ser reembolsado através de corrupção, desvio de dinheiro, conchavos, tráfico de influência e outras práticas ilícitas. Atualmente, a participação na política representa uma forma de enriquecimento fácil, voltada aos próprios interesses e conveniências, muitas vezes de não realização dos compromissos feitos durante as campanhas eleitorais. Em meio a esse caos, o art. 41-A surgiu como verdadeira luz no fim do túnel, fruto de um esforço da sociedade brasileira na arregimentação de quase um milhão de assinaturas, a fim de que o projeto de lei fosse levado à apreciação do Congresso Nacional. A celeridade do processo, somada à execução imediata da decisão, tornam o art. 41-A da Lei nº 9.504/97 um símbolo de combate à nefasta prática da corrupção eleitoral. Porém, para além de sua simples existência, é necessário conferir real efetividade a esse instrumento. Primeiro, por meio de um Poder Judiciário preparado e alerta para responder as demandas postas em juízo. Muitas vezes, a falta de recursos materiais e humanos dificulta o trabalho da Justiça Eleitoral. O aparelhamento dessa instituição é um passo essencial. Outrossim, efetividade abrange conhecimento e acesso a esse instrumento, por meio de uma concreta participação do verdadeiro protagonista dessa história: a sociedade brasileira. Muito além da punição, busca-se mais consciência e responsabilidade social, a fim de que a corrupção eleitoral, que também é um problema cultural, seja minimizada e, quiçá um dia, extirpada de nosso sistema político. 152

154 REFERÊNCIAS BRASIL. Resolução nº 17, de Aprova o Regimento Interno da Câmara dos Deputados. Disponível em: < Acesso em: 02 agosto CÂNDIDO, Joel J. Direito Eleitoral brasileiro. 14ª ed. São Paulo: EDIPRO, CASTRO, Edson de Resende. Teoria e prática do Direito Eleitoral. 5ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010 Combatendo a corrupção eleitoral: tramitação do primeiro projeto de lei de iniciativa popular aprovado pelo Congresso Nacional. Disponível em: < Acesso em: 23 jul COSTA, Adriano Soares da. Instituições de Direito Eleitoral. 6ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, Captação Ilícita de Sufrágio - Novas Reflexões em Decalque. Disponível em:. Acesso em: 12 ago Democracia, judicialização das eleições e terceiro turno. Disponível em:. Acesso em: 20 mai COSTA, Tito. Crimes eleitorais e processo penal eleitoral. São Paulo: Juarez de Oliveira, FREITAS, Marcio Luiz Coelho de. Soberania popular, democracia e jurisdição eleitoral: reflexões acerca da legitimidade democrática da cassação de mandatos pela Justiça Eleitoral. Disponível em: << Disponível em: 153

155 da-cassacao-de-mandatos-pela-justica-eleitoral>>. Acesso em: 20 maio GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. Belo Horizonte: Del Rey, LULA, Carlos Eduardo de Oliveira. Direito Eleitoral. São Paulo: Imperium Editora, O Projeto Combatendo a corrupção eleitoral. Disponível em: < Acesso em: 20 jul PAZZAGLINI FILHO, Marino. Eleições gerais São Paulo: Editora Atlas, 2010, p PELEJA JUNIOR, Antônio Veloso; TEIXEIRA BATISTA, Fabrício Napoleão. Direito Eleitoral: aspectos processuais ações e recursos. Curitiba: Juruá, 2010, RAMAYANA, Marcos. Comentários Sobre a Reforma Eleitoral. Niterói/RJ: Impetus, SOUTO MAIOR FILHO, Marcos. Direito eleitoral: lei da compra de votos. Curitiba: Juruá, ZILIO, Rodrigo López. Do terceiro não candidato e da aplicação das sanções pela captação ilícita de sufrágio. Disponível em: < Acesso em: 20 ago NOTAS: [1] COSTA, Adriano Soares da. Captação Ilícita de Sufrágio - Novas Reflexões em Decalque. Disponível em:. Acesso em: 17 abr

156 [2] BRASIL, Tribunal Superior Eleitoral. Acórdão nº Rel. Min. Carlos Velloso - DJ [3] COSTA, Adriano Soares da. Instituições de Direito Eleitoral. 6ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 316 [4] GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p [5] LULA, Carlos Eduardo de Oliveira. Direito Eleitoral. São Paulo: Imperium Editora, 2008, p [6] BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral, Acórdão nº , Rel. Min. José Paulo Sepúlveda Pertence DJ [7] BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Acórdão nº Rel. Min. Fernando Neves da Silva DJ , p [8] PELEJA JUNIOR, Antônio Veloso; TEIXEIRA BATISTA, Fabrício Napoleão. Direito Eleitoral: aspectos processuais ações e recursos. Curitiba: Juruá, 2010, p. 248 [9] BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Recurso Ordinário 2373, Rel. Min. Arnaldo Versiani Leite Soares - DJ [10] BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Acórdão nº Rel. Min. Marco Aurélio - DJ [11] BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. AAG nº 6335/RS. Rel. Min. Joaquim Barbosa - DJ [12] PAZZAGLINI FILHO, Marino. Eleições gerais São Paulo: Editora Atlas, 2010, p [13] PARANÁ. Tribunal Regional Eleitoral. Acórdão nº Rel. Min. Gil Trotta Telles - DJ [14] CEARÁ. Tribunal Regional Eleitoral. Acórdão nº Rel. José Mauri Moura Rocha - DJ Disponível em: 155

157 [15] MATO GROSSO DO SUL. Tribunal Regional Eleitoral. Acórdão nº Rel. Carlos Alberto Pedrosa de Souza - DJ [16] MATO GROSSO DO SUL. Tribunal Regional Eleitoral. Acórdão nº Rel. Janete Lima Miguel - DJ [17] SÃO PAULO. Tribunal Regional Eleitoral. Acórdão nº Rel. Souza Pires - DJ [18] BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. RO nº Rel. Min. Enrique Ricardo Lewandowski - DJ [19] GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p [20] BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Acórdão nº Rel. Min. Raphael de Barros Monteiro Filho - DJ [21] RAMAYANA, Marcos. Comentários Sobre a Reforma Eleitoral. Niterói/RJ: Impetus, 2010, p.85. [22] SOUTO MAIOR FILHO, Marcos. Direito eleitoral: lei da compra de votos. Curitiba: Juruá, 2006, p. 80. [23] COSTA, Tito. Crimes eleitorais e processo penal eleitoral. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 55. [24] CÂNDIDO, Joel J. Direito eleitoral brasileiro. 14ª ed. São Paulo: EDIPRO, 2010, p [25] SOUTO MAIOR FILHO, op. cit., p. 86. [26] BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Acórdão nº /MG. Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira - DJ , p. 13. [27] SOUTO MAIOR FILHO, op cit., p [28] COSTA, Adriano Soares da. Instituições de Direito Eleitoral, op. cit., p

158 [29] ZILIO, Rodrigo López. Do terceiro não candidato e da aplicação das sanções pela captação ilícita de sufrágio. Disponível em: < Acesso em: 20 abr [30] SOUTO MAIOR FILHO, op cit., p [31] SOUTO MAIOR FILHO, op. cit., p [32] PELEJA JÚNIOR, op. cit., p [33] CASTRO, Edson de Resende. Teoria e prática do direito eleitoral. 5ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p [34] PELEJA JUNIOR, Antônio Veloso; TEIXEIRA BATISTA, Fabrício Napoleão. Direito Eleitoral: aspectos processuais ações e recursos. Curitiba: Juruá, 2010, p [35] LULA, Carlos Eduardo de Oliveira, op. cit., p [36] PELEJA JUNIOR, op. cit.,p [37] PELEJA JUNIOR, op. cit., p [38] SOUTO MAIOR FILHO, Marcos. Direito eleitoral: lei da compra de votos. Curitiba: Juruá, 2006, p [39] BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. RCED nº 703. Rel. Min. Felix Fischer DJ [40] Art. 96. Salvo disposições específicas em contrário desta Lei, as reclamações ou representações relativas ao seu descumprimento podem ser feitas por qualquer partido político, coligação ou candidato, e devem dirigir-se: I - aos Juízes Eleitorais, nas eleições municipais; II - aos Tribunais Regionais Eleitorais, nas eleições federais, estaduais e distritais; III - ao Tribunal Superior Eleitoral, na eleição presidencial. Disponível em: 157

159 [41] BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Respe Itau de Minas/MG. Rel. Min. Luiz Carlos Lopes Madeira DJ [42] CASTRO, op. cit., p [43] Art. 16-A. O candidato cujo registro esteja sub judice poderá efetuar todos os atos relativos à campanha eleitoral, inclusive utilizar o horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão e ter seu nome mantido na urna eletrônica enquanto estiver sob essa condição, ficando a validade dos votos a ele atribuídos condicionada ao deferimento de seu registro por instância superior. [44] CASTRO, op. cit., p [45] Art É também anulável a votação, quando viciada de falsidade, fraude, coação, uso de meios de que trata o Art. 237, ou emprego de processo de propaganda ou captação de sufrágios vedado por lei. [46] Art Se a nulidade atingir a mais de metade dos votos do país nas eleições presidenciais, do Estado nas eleições federais e estaduais ou do município nas eleições municipais, julgar-se-ão prejudicadas as demais votações e o Tribunal marcará dia para nova eleição dentro do prazo de 20 (vinte) a 40 (quarenta) dias. [47] SOUTO MAIOR FILHO, op. cit., p [48] BRASIL, Tribunal Superior Eleitoral. Acórdão nº Rel. Min. Luiz Carlos Lopes Madeira DJ [49] PELEJA JUNIOR, op. cit., p 239. [50] BRASIL, Tribunal Superior Eleitoral. Recurso Especial Eleitoral nº Rel. Min. José Augusto Delgado DJ [51] Neste sentido: Acórdão n /BA, DJ de ; Acórdão nº 3.643/PE, DJ de ; Acórdão n /SP, DJ de ; Acórdão n /PI, DJ de [52] PELEJA JUNIOR, op. cit., p

160 [53] PIAUÍ. Tribunal Regional Eleitoral. Acórdão nº DJ Disponível em: 159

161 O COMENTÁRIO GERAL Nº 22 AO PACTO INTERNACIONAL DE DIREITO CIVIS E POLÍTICOS: PONDERAÇÕES AOS DIREITOS DE LIBERDADE DE PENSAMENTO, DE CONSCIÊNCIA E DE RELIGIÃO TAUÃ LIMA VERDAN RANGEL: Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Especializando em Práticas Processuais - Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo- ES. Produziu diversos artigos, voltados principalmente para o Direito Penal, Direito Constitucional, Direito Civil, Direito do Consumidor, Direito Administrativo e Direito Ambiental. Resumo: Imperioso se faz versar, de maneira maciça, acerca da evolução dos direitos humanos, os quais deram azo ao manancial de direitos e garantias fundamentais. Sobreleva salientar que os direitos humanos decorrem de uma construção paulatina, consistindo em uma afirmação e consolidação em determinado período histórico da humanidade. Quadra evidenciar que sobredita construção não se encontra finalizada, ao avesso, a marcha evolutiva rumo à conquista de direitos está em pleno desenvolvimento, fomentado, de maneira substancial, pela difusão das informações propiciada pelos atuais meios de tecnologia, os quais permitem o florescimento de novos direitos, alargando, com bastante substância a rubrica dos temas associados aos direitos humanos. Os direitos de primeira geração ou direitos de liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam subjetividade. Os direitos de segunda dimensão são os direitos sociais, culturais e econômicos bem como os direitos coletivos ou de coletividades, introduzidos no constitucionalismo das distintas formas do Estado social, depois que germinaram por ora de ideologia e da reflexão antiliberal. Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos de terceira geração tendem a cristalizar- 160

162 se no fim do século XX enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou mesmo de um Ente Estatal especificamente. Palavras-chaves: Direitos Humanos. Direitos Civis e Políticos. Liberdade de Pensamento. Sumário: 1 Comentários Introdutórios: Ponderações ao Característico de Mutabilidade da Ciência Jurídica; 2 Prelúdio dos Direitos Humanos: Breve Retrospecto da Idade Antiga à Idade Moderna; 3 Direitos Humanos de Primeira Dimensão: A Consolidação dos Direitos de Liberdade; 4 Direitos Humanos de Segunda Dimensão: Os Anseios Sociais como substrato de edificação dos Direitos de Igualdade; 5 Direitos Humanos de Terceira Dimensão: A valoração dos aspectos transindividuais dos 55 Direitos de Solidariedade; 6 O Comentário Geral nº 22 ao Pacto Internacional de Direito Civis e Políticos: Ponderações aos Direitos de Liberdade de Pensamento, de Consciência e de Religião. 1 Comentários Introdutórios: Ponderações ao Característico de Mutabilidade da Ciência Jurídica Em sede de comentários inaugurais, ao se dispensar uma análise robusta sobre o tema colocado em debate, mister se faz evidenciar que a Ciência Jurídica, enquanto conjunto plural e multifacetado de arcabouço doutrinário e técnico, assim como as pujantes ramificações que a integra, reclama uma interpretação alicerçada nos múltiplos peculiares característicos modificadores que passaram a influir em sua estruturação. Neste diapasão, trazendo a lume os aspectos de mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste uma visão arrimada em preceitos estagnados e estanques, alheios às necessidades e às diversidades sociais que Disponível em: 161

163 passaram a contornar os Ordenamentos Jurídicos. Ora, em razão do burilado, infere-se que não mais prospera a ótica de imutabilidade que outrora sedimentava a aplicação das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população, suplantados em uma nova sistemática. É verificável, desta sorte, que os valores adotados pela coletividade, tal como os proeminentes cenários apresentados com a evolução da sociedade, passam a figurar como elementos que influenciam a confecção e aplicação das normas. Com escora em tais premissas, cuida hastear como pavilhão de interpretação o prisma de avaliação o brocardo jurídico 'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de interdependência que esse binômio mantém [1]. Deste modo, com clareza solar, denota-se que há uma interação consolidada na mútua dependência, já que o primeiro tem suas balizas fincadas no constante processo de evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas Legislativos e institutos não fiquem inquinados de inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta estrutural dependência das regras consolidadas pelo Ordenamento Pátrio, cujo escopo fundamental está assentado em assegurar que inexista a difusão da prática da vingança privada, afastando, por extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras, nas quais o homem valorizava os aspectos estruturantes da Lei de Talião ( Olho por olho, dente por dente ), bem como para evitar que se robusteça um cenário caótico no seio da coletividade. Afora isso, volvendo a análise do tema para o cenário pátrio, é possível evidenciar que com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de sustentação do Ordenamento Brasileiro, primacialmente quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico e abstrato, aos complexos 162

164 anseios e múltiplas necessidades que influenciam a realidade contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF, o direito é um organismo vivo, peculiar porém porque não envelhece, nem permanece jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua beleza [2].Como bem pontuado, o fascínio da Ciência Jurídica jaz justamente na constante e imprescindível mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos Diplomas Legais. Ainda nesta senda de exame, pode-se evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma rotunda independência dos 55 estudiosos e profissionais da Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento de Verdan, esta doutrina é o ponto culminante de uma progressiva evolução acerca do valor atribuído aos princípios em face da legislação [3]. Destarte, a partir de uma análise profunda de sustentáculos, infere-se que o ponto central da corrente póspositivista cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na aplicação e interpretação do conteúdo das leis. 2 Prelúdio dos Direitos Humanos: Breve Retrospecto da Idade Antiga à Idade Moderna Ao ter como substrato de edificação as ponderações estruturadas, imperioso se faz versar, de maneira maciça, acerca da evolução dos direitos humanos, os quais deram azo ao manancial de direitos e garantias fundamentais. Sobreleva salientar que os direitos humanos decorrem de uma construção paulatina, consistindo em uma afirmação e consolidação em determinado Disponível em: 163

165 período histórico da humanidade. A evolução histórica dos direitos inerentes à pessoa humana também é lenta e gradual. Não são reconhecidos ou construídos todos de uma vez, mas sim conforme a própria experiência da vida humana em sociedade [4], como bem observam Silveira e Piccirillo. Quadra evidenciar que sobredita construção não se encontra finalizada, ao avesso, a marcha evolutiva rumo à conquista de direitos está em pleno desenvolvimento, fomentado, de maneira substancial, pela difusão das informações propiciada pelos atuais meios de tecnologia, os quais permitem o florescimento de novos direitos, alargando, com bastante substância a rubrica dos temas associados aos direitos humanos. Nesta perspectiva, ao se estruturar uma análise histórica sobre a construção dos direitos humanos, é possível fazer menção ao terceiro milênio antes de Cristo, no Egito e Mesopotâmia, nos quais eram difundidos instrumentos que objetivavam a proteção individual em relação ao Estado. O Código de Hammurabi (1690 a.c.) talvez seja a primeira codificação a consagrar um rol de direitos comuns a todos os homens, tais como a vida, a propriedade, a honra, a dignidade, a família, prevendo, igualmente, a supremacia das leis em relação aos governantes, como bem afiança Alexandre de Moraes[5]. Em mesmo sedimento, proclama Rúbia Zanotelli de Alvarenga, ao abordar o tema, que: Na antiguidade, o Código de Hamurabi (na Babilônia) foi a primeira codificação a relatar os direitos comuns aos homens e a mencionar leis de proteção aos mais fracos. O rei Hamurabi (1792 a 1750 a.c.), há mais de anos, ao mandar redigir o famoso Código de Hamurabi, já fazia constar alguns Direitos Humanos, tais como o direito à vida, à família, à honra, à dignidade, proteção especial aos órfãos e aos 164

166 mais fracos. O Código de Hamurabi também limitava o poder por um monarca absoluto. Nas disposições finais do Código, fez constar que aos súditos era proporcionada moradia, justiça, habitação adequada, segurança contra os perturbadores, saúde e paz[6]. Ainda nesta toada, nas polis gregas, notadamente na cidade-estado de Atenas, é verificável, também, a edificação e o reconhecimento de direitos basilares ao cidadão, dentre os quais sobressai a liberdade e igualdade dos homens. Deste modo, é observável o surgimento, na Grécia, da concepção de um direito natural, superior ao direito positivo, pela distinção entre lei particular sendo aquela que cada povo da a si mesmo e lei comum que consiste na possibilidade de distinguir entre o que é justo e o 55 que é injusto pela própria natureza humana [7], consoante evidenciam Siqueira e Piccirillo. Prima assinalar, doutra maneira, que os direitos reconhecidos não eram estendidos aos escravos e às mulheres, pois eram dotes destinados, exclusivamente, aos cidadãos homens[8], cuja acepção, na visão adotada, excluía aqueles. É na Grécia antiga que surgem os primeiros resquícios do que passou a ser chamado Direito Natural, através da ideia de que os homens seriam possuidores de alguns direitos básicos à sua sobrevivência, estes direitos seriam invioláveis e fariam parte dos seres humanos a partir do momento que nascessem com vida [9]. O período medieval, por sua vez, foi caracterizado pela maciça descentralização política, isto é, a coexistência de múltiplos centros de poder, influenciados pelo cristianismo e pelo modelo estrutural do feudalismo, motivado pela dificuldade de práticas atividade comercial. Subsiste, neste período, o esfacelamento do poder político e econômico. A sociedade, no medievo, estava dividida em três estamentos, quais sejam: o clero, cuja função primordial estava assentada na oração e pregação; os nobres, a Disponível em: 165

167 quem incumbiam à proteção dos territórios; e, os servos, com a obrigação de trabalhar para o sustento de todos. Durante a Idade Média, apesar da organização feudal e da rígida separação de classes, com a consequente relação de subordinação entre o suserano e os vassalos, diversos documentos jurídicos reconheciam a existência dos direitos humanos [10], tendo como traço característico a limitação do poder estatal. Neste período, é observável a difusão de documentos escritos reconhecendo direitos a determinados estamentos, mormente por meio de forais ou cartas de franquia, tendo seus textos limitados à região em que vigiam. Dentre estes documentos, é possível mencionar a Magna Charta Libertati (Carta Magna), outorgada, na Inglaterra, por João Sem Terra, em 15 de junho de 1215, decorrente das pressões exercidas pelos barões em razão do aumento de exações fiscais para financiar a estruturação de campanhas bélicas, como bem explicita Comparato[11]. A Carta de João sem Terra acampou uma série de restrições ao poder do Estado, conferindo direitos e liberdades ao cidadão, como, por exemplo, restrições tributárias, proporcionalidade entre a pena e o delito[12], devido processo legal[13], acesso à Justiça[14], liberdade de locomoção[15] e livre entrada e saída do país[16]. Na Inglaterra, durante a Idade Moderna, outros documentos, com clara feição humanista, foram promulgados, dentre os quais é possível mencionar opetition of Right, de 1628, que estabelecia limitações ao poder de instituir e cobrar tributos do Estado, tal como o julgamento pelos pares para a privação da liberdade e a proibição de detenções arbitrárias[17], reafirmando, deste modo, os princípios estruturadores do devido processo legal[18]. Com efeito, o diploma em comento foi confeccionado pelo Parlamento Inglês e buscava que o monarca reconhecesse o sucedâneo de direitos e liberdades insculpidos na Carta de João Sem Terra, os quais não eram, até então, respeitados. Cuida 166

168 evidenciar, ainda, que o texto de só passou a ser observado com o fortalecimento e afirmação das instituições parlamentares e judiciais, cenário no qual o absolutismo desmedido passa a ceder diante das imposições democráticas que floresciam. Outro exemplo a ser citado, o Habeas Corpus Act, de 1679, lei que criou o habeas corpus, determinando que um indivíduo que estivesse preso poderia obter a liberdade através de um documento escrito que seria encaminhado ao lorde-chanceler ou ao juiz que lhe concederia a liberdade provisória, ficando o acusado, apenas, comprometido a apresentar-se em juízo quando solicitado. Prima pontuar que aludida norma foi considerada como axioma inspirador para maciça parte dos ordenamentos jurídicos contemporâneos, como bem enfoca Comparato[19]. Enfim, diversos foram os documentos surgidos no velho continente que trouxeram 55 o refulgir de novos dias, estabelecendo, aos poucos, os marcos de uma transição entre o autoritarismo e o absolutismo estatal para uma época de reconhecimento dos direitos humanos fundamentais[20]. As treze colônias inglesas, instaladas no recémdescoberto continente americano, em busca de liberdade religiosa, organizaram-se e desenvolveram-se social, econômica e politicamente. Neste cenário, foram elaborados diversos textos que objetivavam definir os direitos pertencentes aos colonos, dentre os quais é possível realçar a Declaração do Bom Povo da Virgínia,de O mencionado texto é farto em estabelecer direitos e liberdade, pois limitou o poder estatal, reafirmou o poderio do povo, como seu verdadeiro detentor[21], e trouxe certas particularidades como a liberdade de impressa[22], por exemplo. Como bem destaca Comparato[23], a Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia afirmava que os seres humanos são livres e independentes, possuindo direitos inatos, tais como a vida, a liberdade, a propriedade, a felicidade e a segurança, registrando o Disponível em: 167

169 início do nascimento dos direitos humanos na história[24]. Basicamente, a Declaração se preocupa com a estrutura de um governo democrático, com um sistema de limitação de poderes [25], como bem anota José Afonso da Silva. Diferente dos textos ingleses, que, até aquele momento preocupavam-se, essencialmente, em limitar o poder do soberano, proteger os indivíduos e exaltar a superioridade do Parlamento, esse documento, trouxe avanço e progresso marcante, pois estabeleceu a viés a ser alcançada naquele futuro, qual seja, a democracia. Em 1791, foi ratificada a Constituição dos Estados Unidos da América. Inicialmente, o documento não mencionava os direitos fundamentais, todavia, para que fosse aprovado, o texto necessitava da ratificação de, pelo menos, nove das treze colônias. Estas concordaram em abnegar de sua soberania, cedendo-a para formação da Federação, desde que constasse, no texto constitucional, a divisão e a limitação do poder e os direitos humanos fundamentais[26]. Assim, surgiram as primeiras dez emendas ao texto, acrescentando-se a ele os seguintes direitos fundamentais: igualdade, liberdade, propriedade, segurança, resistência à opressão, associação política, princípio da legalidade, princípio da reserva legal e anterioridade em matéria penal, princípio da presunção da inocência, da liberdade religiosa, da livre manifestação do pensamento[27]. 3 Direitos Humanos de Primeira Dimensão: A Consolidação dos Direitos de Liberdade No século XVIII, é verificável a instalação de um momento de crise no continente europeu, porquanto a classe burguesa que emergia, com grande poderio econômico, não participava da vida pública, pois inexistia, por parte dos governantes, a observância dos direitos fundamentais, até então construídos. Afora isso, apesar do esfacelamento do modelo feudal, permanecia o privilégio ao clero e à nobreza, ao passo que a camada mais pobre da sociedade era 168

170 esmagada, porquanto, por meio da tributação, eram obrigados a sustentar os privilégios das minorias que detinham o poder. Com efeito, a disparidade existente, aliado ao achatamento da nova classe que surgia, em especial no que concerne aos tributos cobrados, produzia uma robusta insatisfação na órbita política[28]. O mesmo ocorria com a população pobre, que, vinda das regiões rurais, passa a ser, nos centros urbanos, explorada em fábricas, morava em subúrbios sem higiene, era mal alimentada e, do pouco que lhe sobejava, tinha que tributar à Corte para que esta gastasse com seus supérfluos interesses. Essas duas subclasses uniram-se e fomentaram o sentimento de contenda contra os detentores do poder, protestos e aclamações públicas tomaram conta da França. Em meados de 1789, em meio a um cenário caótico de insatisfação por parte das classes sociais exploradas, notadamente 55 para manterem os interesses dos detentores do poder, implode a Revolução Francesa, que culminou com a queda da Bastilha e a tomada do poder pelos revoltosos, os quais estabeleceram, pouco tempo depois, a Assembleia Nacional Constituinte. Esta suprimiu os direitos das minorias, as imunidades estatais e proclamou a Declaração dos Direitos dos Homens e Cidadão que, ao contrário da Declaração do Bom Povo da Virgínia, que tinha um enfoque regionalista, voltado, exclusivamente aos interesses de seu povo, foi tida com abstrata[29] e, por isso, universalista. Ressalta-se que a Declaração Francesa possuía três características: intelectualismo, mundialismo e individualismo. A primeira pressupunha que as garantias de direito dos homens e a entrega do poder nas mãos da população era obra e graça do intelecto humano; a segunda característica referia-se ao alcance dos direitos conquistados, pois, apenas, eles não salvaguardariam o povo francês, mas se estenderiam a todos os povos. Por derradeiro, a terceira característica referia-se ao seu caráter, iminentemente individual, não se preocupando com direitos Disponível em: 169

171 de natureza coletiva, tais como as liberdades associativas ou de reunião. No bojo da declaração, emergidos nos seus dezessete artigos, estão proclamados os corolários e cânones da liberdade[30], da igualdade, da propriedade, da legalidade e as demais garantias individuais. Ao lado disso, é denotável que o diploma em comento consagrou os princípios fundantes do direito penal, dentre os quais sobreleva destacar princípio da legalidade[31], da reserva legal[32] e anterioridade em matéria penal, da presunção de inocência[33], tal como liberdade religiosa e livre manifestação de pensamento[34]. Os direitos de primeira dimensão compreendem os direitos de liberdade, tal como os direitos civis e políticos, estando acampados em sua rubrica os direitos à vida, liberdade, segurança, não discriminação racial, propriedade privada, privacidade e sigilo de comunicações, ao devido processo legal, ao asilo em decorrência de perseguições políticas, bem como as liberdades de culto, crença, consciência, opinião, expressão, associação e reunião pacíficas, locomoção, residência, participação política, diretamente ou por meio de eleições. Os direitos de primeira geração ou direitos de liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam subjetividade [35], aspecto este que passa a ser característico da dimensão em comento. Com realce, são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado, refletindo um ideário de afastamento daquele das relações individuais e sociais. 4 Direitos Humanos de Segunda Dimensão: Os Anseios Sociais como substrato de edificação dos Direitos de Igualdade Com o advento da Revolução Industrial, é verificável no continente europeu, precipuamente, a instalação de um cenário pautado na exploração do proletariado. O contingente de trabalhadores não estava restrito apenas a adultos, mas sim 170

172 alcançava até mesmo crianças, os quais eram expostos a condições degradantes, em fábricas sem nenhuma, ou quase nenhuma, higiene, mal iluminadas e úmidas. Salienta-se que, além dessa conjuntura, os trabalhadores eram submetidos a cargas horárias extenuantes, compensadas, unicamente, por um salário miserável. O Estado Liberal absteve-se de se imiscuir na economia e, com o beneplácito de sua omissão, assistiu a classe burguesa explorar e coisificar a massa trabalhadora, reduzindo seres humanos a meros objetos sujeitos a lei da oferta e procura. O Capitalismo selvagem, que operava, nessa essa época, enriqueceu uns poucos, mas subjugou a maioria[36]. A massa de trabalhadores e desempregados vivia em situação de robusta penúria, ao passo que os burgueses ostentavam desmedida opulência. Na vereda rumo à conquista dos direitos fundamentais, 55 econômicos e sociais, surgiram alguns textos de grande relevância, os quais combatiam a exploração desmedida propiciada pelo capitalismo. É possível citar, em um primeiro momento, como proeminente documento elaborado durante este período, a Declaração de Direitos da ConstituiçãoFrancesa de 1848, que apresentou uma ampliação em termos de direitos humanos fundamentais. Além dos direitos humanos tradicionais, em seu art. 13 previa, como direitos dos cidadãos garantidos pela Constituição, a liberdade do trabalho e da indústria, a assistência aos desempregados [37]. Posteriormente, em 1917, a Constituição Mexicana[38], refletindo os ideários decorrentes da consolidação dos direitos de segunda dimensão, em seu texto consagrou direitos individuais com maciça tendência social, a exemplo da limitação da carga horária diária do trabalho e disposições acerca dos contratos de trabalho, além de estabelecer a obrigatoriedade da educação primária básica, bem como gratuidade da educação prestada pelo Ente Estatal. Disponível em: 171

173 A Constituição Alemã de Weimar, datada de 1919, trouxe grandes avanços nos direitos socioeconômicos, pois previu a proteção do Estado ao trabalho, à liberdade de associação, melhores condições de trabalho e de vida e o sistema de seguridade social para a conservação da saúde, capacidade para o trabalho e para a proteção à maternidade. Além dos direitos sociais expressamente insculpidos, a Constituição de Weimar apresentou robusta moldura no que concerne à defesa dos direitos dos trabalhadores, primacialmente ao instituir que o Império procuraria obter uma regulamentação internacional da situação jurídica dos trabalhadores que assegurasse ao conjunto da classe operária da humanidade, um mínimo de direitos sociais [39], tal como estabelecer que os operários e empregados seriam chamados a colaborar com os patrões, na regulamentação dos salários e das condições de trabalho, bem como no desenvolvimento das forças produtivas. No campo socialista, destaca-se a Constituição do Povo Trabalhador e Explorado[40], elaborada pela antiga União Soviética. Esse Diploma Legal possuía ideias revolucionárias e propagandistas, pois não enunciava, propriamente, direitos, mas princípios, tais como a abolição da propriedade privada, o confisco dos bancos, dentre outras. A Carta do Trabalho, elaborada pelo Estado Fascista Italiano, em 1927, trouxe inúmeras inovações na relação laboral. Dentre as inovações introduzidas, é possível destacar a liberdade sindical, magistratura do trabalho, possibilidade de contratos coletivos de trabalho, maior proporcionalidade de retribuição financeira em relação ao trabalho, remuneração especial ao trabalho noturno, garantia do repouso semanal remunerado, previsão de férias após um ano de serviço ininterrupto, indenização em virtude de dispensa arbitrária ou sem justa causa, previsão de previdência, assistência, educação e instrução sociais[41]. 172

174 Nota-se, assim, que, aos poucos, o Estado saiu da apatia e envolveu-se nas relações de natureza econômica, a fim de garantir a efetivação dos direitos fundamentais econômicos e sociais. Sendo assim, o Estado adota uma postura de Estadosocial, ou seja, tem como fito primordial assegurar aos indivíduos que o integram as condições materiais tidas por seus defensores como imprescindíveis para que, desta feita, possam ter o pleno gozo dos direitos oriundos da primeira geração. E, portanto, desenvolvem uma tendência de exigir do Ente Estatal intervenções na órbita social, mediante critérios de justiça distributiva. Opondo-se diretamente a posição de Estado liberal, isto é, o ente estatal alheio à vida da sociedade e que, por consequência, não intervinha na sociedade. Incluem os direitos a segurança social, ao trabalho e proteção contra o desemprego, ao repouso e ao lazer, incluindo férias remuneradas, a um padrão 55 de vida que assegure a saúde e o bem-estar individual e da família, à educação, à propriedade intelectual, bem como as liberdades de escolha profissional e de sindicalização. Bonavides, ao tratar do tema, destaca que os direitos de segunda dimensão são os direitos sociais, culturais e econômicos bem como os direitos coletivos ou de coletividades, introduzidos no constitucionalismo das distintas formas do Estado social, depois que germinaram por ora de ideologia e da reflexão antiliberal [42]. Os direitos alcançados pela rubrica em comento florescem umbilicalmente atrelados ao corolário da igualdade. Como se percebe, a marcha dos direitos humanos fundamentais rumo às sendas da História é paulatina e constante. Ademais, a doutrina dos direitos fundamentais apresenta uma ampla capacidade de incorporar desafios. Sua primeira geração enfrentou problemas do arbítrio governamental, com as liberdades públicas, a segunda, o dos extremos desníveis sociais, com os direitos econômicos e sociais [43], como bem evidencia Manoel Gonçalves Ferreira Filho. Disponível em: 173

175 5 Direitos Humanos de Terceira Dimensão: A valoração dos aspectos transindividuais dos Direitos de Solidariedade Conforme fora visto no tópico anterior, os direitos humanos originaram-se ao longo da História e permanecem em constante evolução, haja vista o surgimento de novos interesses e carências da sociedade. Por esta razão, alguns doutrinadores, dentre eles Bobbio[44], os consideram direitos históricos, sendo divididos, tradicionalmente, em três gerações ou dimensões. A nomeada terceira dimensão encontra como fundamento o ideal da fraternidade (solidariedade) e tem como exemplos o direito ao meio ambiente equilibrado, à saudável qualidade de vida, ao progresso, à paz, à autodeterminação dos povos, a proteção e defesa do consumidor, além de outros direitos considerados como difusos. Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos de terceira geração tendem a cristalizar-se no fim do século XX enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo [45] ou mesmo de um Ente Estatal especificamente. Ainda nesta esteira, é possível verificar que a construção dos direitos encampados sob a rubrica de terceira dimensão tende a identificar a existência de valores concernentes a uma determinada categoria de pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais prosperando a típica fragmentação individual de seus componentes de maneira isolada, tal como ocorria em momento pretérito. Os direitos de terceira dimensão são considerados como difusos, porquanto não têm titular individual, sendo que o liame entre os seus vários titulares decorre de mera circunstância factual. Com o escopo de ilustrar, de maneira pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação o robusto entendimento explicitado pelo Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade N /RJ, em especial quando destaca: 174

176 Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os direitos de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos, genericamente, e de modo difuso, a todos os integrantes dos agrupamentos sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem, por isso mesmo, ao lado dos denominados direitos de quarta geração (como o direito ao desenvolvimento e o direito à paz), um momento importante no processo de expansão e reconhecimento dos direitos humanos, qualificados estes, enquanto valores fundamentais indisponíveis, como prerrogativas impregnadas de uma natureza essencialmente inexaurível[46]. 55 Nesta feita, importa acrescentar que os direitos de terceira dimensão possuem caráter transindividual, o que os faz abranger a toda a coletividade, sem quaisquer restrições a grupos específicos. Neste sentido, pautaram-se Motta e Motta e Barchet, ao afirmarem, em suas ponderações, que os direitos de terceira geração possuem natureza essencialmente transindividual, porquanto não possuem destinatários especificados, como os de primeira e segunda geração, abrangendo a coletividade como um todo [47]. Desta feita, são direitos de titularidade difusa ou coletiva, alcançando destinatários indeterminados ou, ainda, de difícil determinação. Os direitos em comento estão vinculados a valores de fraternidade ou solidariedade, sendo traduzidos de um ideal intergeracional, que liga as gerações presentes às futuras, a partir da percepção de que a qualidade de vida destas depende sobremaneira do modo de vida daquelas. Dos ensinamentos dos célebres doutrinadores, percebe-se que o caráter difuso de tais direitos permite a abrangência às Disponível em: 175

177 gerações futuras, razão pela qual, a valorização destes é de extrema relevância. Têm primeiro por destinatários o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta [48]. A respeito do assunto, Motta e Barchet[49] ensinam que os direitos de terceira dimensão surgiram como soluções à degradação das liberdades, à deterioração dos direitos fundamentais em virtude do uso prejudicial das modernas tecnologias e desigualdade socioeconômica vigente entre as diferentes nações. 6 O Comentário Geral nº 22 ao Pacto Internacional de Direito Civis e Políticos: Ponderações aos Direitos de Liberdade de Pensamento, de Consciência e de Religião Em uma primeira plana, o direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião (que inclui a liberdade de ter convicções) no artigo 18.º, número 1[50], é profundo e de grande alcance: abarca a liberdade de pensamento sobre todas as questões, as crenças pessoais e o compromisso com a religião ou as convicções, quer sejam manifestadas a título individual ou em comunidade com outras pessoas. O Comitê chama a atenção dos Estados Partes para o facto da liberdade de pensamento e da liberdade de consciência se protegerem de igual modo que a liberdade de religião e de convicções. O carácter fundamental destas liberdades reflete-se também no facto de que, como se proclama no artigo 4.º, número 2 do Pacto, esta disposição não pode ser objeto de derrogação, mesmo em caso de emergência pública, em conformidade com o artigo 4.º, número 2 do Pacto. O artigo 18.º protege convicções teístas, não teístas e ateístas, bem como o direito de não professar nenhuma religião ou convicção. Os termos convicção e religião devem entender-se no seu sentido lato. O artigo 18.º não está limitado na sua aplicação a religiões tradicionais ou a religiões e convicções com características institucionais ou práticas análogas às das religiões tradicionais. 176

178 Assim, o Comitê vê com preocupação qualquer tendência a discriminar contra qualquer religião ou convicção, em particular as mais recentemente estabelecidas ou as que representam as minorias religiosas que possam ser objeto de hostilidade por parte de uma comunidade religiosa predominante. O artigo 18.º distingue a liberdade de pensamento, de consciência, de religião ou de convicção e a liberdade de manifestar a religião ou a convicção. Não permite nenhum tipo de limitação da liberdade de pensamento e de consciência ou da liberdade de ter ou de adoptar uma religião ou convicção da sua própria eleição. Segundo o disposto no artigo 19.º, número 1, estas liberdades são protegidas incondicionalmente, tal como o direito de todos de terem as suas opiniões sem intervenções. Em conformidade com o disposto no artigo 17.º e no artigo 18.º, número 2, ninguém pode ser 55 obrigado a revelar os seus pensamentos ou a aderir a uma religião ou convicção. A liberdade de manifestar uma religião ou convicção poderá exercer-se individualmente ou conjuntamente com outros, tanto em público como em privado. A liberdade de manifestar a religião ou convicção mediante o culto, a celebração de ritos, na prática e no ensino, abarca uma ampla gama de atividades. O conceito de culto estende-se aos atos rituais e cerimoniais com os quais se dá expressão direta à convicção, bem como às várias práticas que formam parte integrante de tais atos, incluindo a construção de locais de culto, a utilização de fórmulas e de objetos rituais, a exibição de símbolos e a observância de dias santos e feriados. A observância e a prática da religião ou das convicções podem incluir não só atos cerimoniais como também costumes tais como o cumprimento de normas dietéticas, o uso de vestuário identificativo e de cobertura para a cabeça, participação em rituais associados a certas fases da vida e o uso de uma linguagem específica habitual dos membros do grupo. Além disso, a prática e o ensino da religião ou da convicção inclui atos que fazem parte integrante da forma como os grupos religiosos levam a cabo as suas Disponível em: 177

179 atividades fundamentais, tais como a liberdade de escolher os seus líderes religiosos, sacerdotes e professores, a liberdade de estabelecer seminários ou escolas religiosas e a liberdade de preparar e distribuir textos e publicações religiosas. O Comitê observa que a liberdade de ter ou de adoptar uma religião ou uma convicção implica necessariamente a liberdade de escolher uma religião ou convicção, incluindo o direito de mudar a sua religião ou convicção atual por outra ou de adotar opiniões ateias, bem como o direito de manter a sua religião ou convicção. O artigo 18.º, número 2[51] proíbe medidas coercivas que possam comprometer o direito de ter ou de adotar uma religião ou convicção, incluindo a ameaça de força física ou sanções penais para obrigar os crentes ou não crentes a aceitar as convicções religiosas de quem aplica tais medidas ou a aderir às suas congregações, a renunciar as suas próprias convicções ou a converter-se. Políticas ou práticas que tenham os mesmos propósitos ou efeitos, como por exemplo, as que limitam o acesso à educação, à assistência médica, ao emprego ou aos direitos garantidos pelo artigo 25.º e outras disposições do Pacto, são igualmente incompatíveis com o artigo 18.º, número 2. A mesma proteção aplica-se aos que tenham qualquer tipo de convicção de carácter não religioso. O Comitê é da opinião que o artigo 18.º, número 4 permite o ensino em escolas públicas de disciplinas como história geral das religiões e éticas, se for dado de uma forma neutra e objetiva. A liberdade dos pais ou dos tutores legais de assegurar que os seus filhos e pupilos recebam uma educação religiosa e moral em conformidade com as suas próprias convicções, em conformidade com o disposto no artigo 18.º, número 4 relaciona-se com as garantias de liberdade de ensino de uma religião ou convicção conforme estabelecido no artigo 18.º, número 1. O Comitê observa que o ensino público que inclui instrução numa determinada religião ou crença é inconsistente com o artigo 18.º, número 4 a não ser que 178

180 se estipulem isenções não discriminatórias ou alternativas que se adaptem aos desejos dos pais e dos tutores. Segundo o artigo 20.º, nenhuma manifestação de carácter religioso ou de convicção pode resultar em propaganda a favor da guerra ou ao apelo ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua uma incitação à discriminação, à hostilidade ou à violência. O artigo 18.º, número 3 permite restrições à liberdade de manifestar a religião ou convicção apenas se forem objeto de limitações previstas na lei e se forem necessárias à proteção da segurança, ordem e saúde públicas ou da moral e das liberdades e direitos fundamentais de outrem. Não se pode restringir a liberdade de não ser obrigado a ter ou a adoptar uma religião ou convicção nem a liberdade dos pais ou dos tutores de garantir a educação religiosa e moral. Ao interpretar o âmbito das cláusulas de limitação 55 permissível, os Estados Partes devem partir da necessidade de proteger os direitos garantidos pelo Pacto, incluindo o direito à igualdade e à não discriminação em todos os terrenos especificados nos artigos 2.º, 3.º e 26.º. As limitações impostas têm de estar prescritas nos termos da lei e não podem aplicar-se de uma forma que invalide os direitos garantidos no artigo 18.º. O Comitê assinala que o artigo 18.º, número 3 deve ser interpretado de forma estrita: não se permitem limitações por motivos que não estejam especificados nele, mesmo quando permitidos como limitações a outros direitos protegidos pelo Pacto, como o direito à segurança nacional. As limitações podem apenas ser aplicadas para os fins com que foram prescritas e têm de estar diretamente relacionadas e ser proporcionais à necessidade específica em que se baseiam. As restrições não podem ser impostas com propósitos discriminatórios ou aplicadas de uma forma discriminatória. O Comitê assinala que o conceito de moral provém de muitas tradições sociais, filosóficas e religiosas; por conseguinte, as limitações impostas à liberdade de manifestar uma religião ou convicção com o fim de proteger a moral têm de se basear em Disponível em: 179

181 princípios que não derivem exclusivamente de uma só tradição. As pessoas que estejam submetidas a algumas limitações legítimas, tais como os reclusos, continuam a desfrutar dos seus direitos de manifestar a sua religião ou convicção na medida em que seja compatível com o carácter específico da sua limitação. Os relatórios dos Estados Partes devem apresentar informações sobre o pleno alcance e sobre os efeitos das limitações impostas em virtude do artigo 18.º, número 3, tanto como uma questão de direito como da sua aplicação em circunstâncias específicas. O fato de uma religião ser reconhecida como uma religião de Estado, ou que se estabeleça como religião oficial ou tradicional, ou de que os seus fiéis representem a maioria da população, não terá como consequência nenhuma diminuição do desfrute de quaisquer dos direitos ao abrigo do Pacto, incluindo os dispostos nos artigos 18.º e 27.º, nem nenhuma discriminação dos adeptos de outras religiões ou não crentes. Em particular, determinadas medidas que discriminem estes últimos, como as medidas que apenas permitem o acesso à função pública de membros da religião predominante ou que lhes concedem privilégios econômicos ou que impõem limitações especiais à prática de outras crenças, não estão em consonância com a proibição da discriminação por motivos de religião ou de convicções e com a garantia de igual proteção ao abrigo do artigo 26.º. As medidas previstas no artigo 20.º, número 2 do Pacto constituem importantes garantias face às violações dos direitos das minorias religiosas e de outros grupos religiosos a exercer os direitos garantidos pelos artigos 18.º e 27.º e face aos atos de violência ou perseguição dirigidos contra esses grupos. O Comitê deseja ser informado de medidas tomadas pelos Estados Partes no que respeita à proteção das práticas de todas as religiões ou convicções e à proteção dos seus seguidores contra a discriminação. Do mesmo modo, é necessário dispor de informações no que respeita aos direitos que se reconhecem às minorias religiosas nos termos do artigo 27.º, para que o Comitê 180

182 possa avaliar em que medida é que a liberdade de pensamento, de consciência, de religião e de convicções é aplicada pelos Estados Partes. Os Estados Partes em questão devem também incluir nos seus relatórios informações relacionadas com as práticas consideradas pelas suas leis e jurisprudência como sendo puníveis devido ao seu carácter blasfêmico. Quando um conjunto de convicções é considerado como ideologia oficial nas constituições, leis, programas de partidos governantes, etc., ou na prática efetiva, isto não terá como consequência nenhuma limitação das liberdades consignadas no artigo 18.º nem de nenhum outro direito reconhecido no Pacto, nem nenhum tipo de discriminação contra as pessoas que não subscrevam a ideologia oficial ou se oponham a ela. Muitos indivíduos têm reivindicado o direito a negar-se cumprir o serviço 55 militar (objecção de consciência) com base no facto de que esse direito provém das suas liberdades no âmbito do artigo 18.º. Em resposta a estas reivindicações, cada vez mais Estados têm, nas suas leis, isentado do serviço militar obrigatório, cidadãos que genuinamente tenham uma religião ou convicção que os proíbam de realizar o serviço militar e substituindo-o por um serviço nacional alternativo. No Pacto não se menciona explicitamente o direito à objecção de consciência, mas o Comitê acredita que esse direito pode derivar-se do artigo 18.º, na medida em que a obrigação a usar força letal pode entrar em sério conflito com a liberdade de consciência e o direito a manifestar crenças religiosas ou outras convicções. Quando este direito for reconhecido na lei ou na prática, não haverá diferenciação entre os objetores de consciência com base no carácter das suas crenças particulares; do mesmo modo, não haverá discriminação contra os objetores de consciência porque não realizaram o serviço militar. O Comitê convida os Estados Partes a informarem sobre as condições no âmbito das quais as pessoas possam ser dispensadas do serviço militar com Disponível em: 181

183 base nos seus direitos ao abrigo do artigo 18.º e sobre a natureza e duração do serviço nacional alternativo. Referências: ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. Os Direitos Humanos na perspectiva social do trabalho. Disponível em: < Acesso em 10 out BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, Disponível em: < Acesso em 10 out Decreto nº 592, de 06 de julho de Atos Internacionais. Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. Promulgação. Disponível em: < Acesso em 10 out Lei Nº , de 31 de Agosto de Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em: < Acesso em 10 out Supremo Tribunal Federal.Disponível em: < Acesso em 10 out BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Editora Campus,

184 CAMARGO, Caroline Leite de. Direitos humanos em face à história da humanidade. Revista Jus Vigilantibus. Disponível em: < Acesso em 10 out COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 3 ed. São Paulo: Editora Saraiva, COTRIM, Gilberto. História Global Brasil e Geral. 1 ed. vol. 2. São Paulo: Editora Saraiva, FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves, Direitos Humanos Fundamentais. 6 ed. São Paulo: Editora Saraiva, LIMA NETO, Francisco Vieira. Direitos Humanos de 4ª Geração. Disponível em< Acesso em: 10 out MARQUESI, Roberto Wagner. Os Princípios do Contrato na Nova Ordem Civil. Jus Navigandi,Teresina, ano 9, n. 513, 2 dez Disponível em: < Acesso em 10 out MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais, Teoria Geral, Comentário dos art. 1º ao 5º da Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988, Doutrina e Jurisprudência. 9 ed. São Paulo: Editora Atlas, MOTTA, Sylvio; BARCHET, Gustavo. Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Editora Elsevier, SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Declaração do Bom Povo da Virgínia (1.776). Disponível em: < Acesso em 10 out Disponível em: 183

185 . Magna Carta (1.215). Disponível em: < Acesso em 10 out Petição de Direito (1.628). Disponível em: < Acesso em 10 out Declaração dos Direitos dos Homens e Cidadão (1.789). Disponível em: < Acesso em 10 out SANTOS, Enoque Ribeiro dos. O papel dos direitos humanos na valorização do direito coletivo do trabalho.jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 157, 10 dez Disponível em: < Acesso em: 10 out SIQUEIRA, Dirceu Pereira; PICCIRILLO, Miguel Belinati. Direitos fundamentais: a evolução histórica dos direitos humanos, um longo caminho. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XII, n. 61, fev Disponível em: < Acesso em 10 out TOVAR, Leonardo Zehuri. O Papel dos Princípios no Ordenamento Jurídico. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 696, 1 jun Disponível em: < Acesso em 10 out VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun Disponível em: < Acesso em 10 out VIEIRA, Tereza Rodrigues. Bioética e Direito. São Paulo: Editora Jurídica Brasileira,

186 NOTAS: [1] VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun Disponível em: < Acesso em 10 out [2] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei Federal 6.538, de 22 de Junho de Ato Normativo que regula direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal. Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170, caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil. Violação dos Princípios da Livre 55 Concorrência e Livre Iniciativa. Não Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N , que estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio. Julgado em 05 ago Disponível em: < Acesso em 10 out [3] VERDAN, 2009, s.p. [4] SIQUEIRA, Dirceu Pereira; PICCIRILLO, Miguel Belinati. Direitos fundamentais: a evolução histórica dos direitos humanos, um longo caminho. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XII, n. 61, fev Disponível em: < Acesso em 10 out [5] MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais, Teoria Geral, Comentário dos art. 1º ao 5º da Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988, Doutrina e Jurisprudência. 9 ed. São Paulo: Editora Atlas, 2011, p. 06. Disponível em: 185

187 [6] ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. Os Direitos Humanos na perspectiva social do trabalho. Disponível em: < Acesso em 10 out. 2015, p. 01. [7] SIQUEIRA; PICCIRILLO, Acesso em 10 out [8] MORAES, 2011, p. 06. [9] CAMARGO, Caroline Leite de. Direitos humanos em face à história da humanidade. Revista Jus Vigilantibus. Disponível em: < Acesso em 10 out [10] MORAES, 2011, p. 06. [11] COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 3 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2003, p [12] SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Magna Carta (1.215). Disponível em: < Acesso em 10 out. 2015: Um homem livre será punido por um pequeno crime apenas, conforme a sua medida; para um grande crime ele será punido conforme a sua magnitude, conservando a sua posição; um mercador igualmente conservando o seu comércio, e um vilão conservando a sua cultura, se obtiverem a nossa mercê; e nenhuma das referidas punições será imposta excepto pelo juramento de homens honestos do distrito. [13] Ibid. Nenhum homem livre será capturado ou aprisionado, ou desapropriado dos seus bens, ou declarado fora da lei, ou exilado, ou de algum modo lesado, nem nós iremos contra ele, nem enviaremos ninguém contra ele, excepto pelo julgamento legítimo dos seus pares ou pela lei do país. [14] Ibid. A ninguém venderemos, a ninguém negaremos ou retardaremos direito ou justiça. 186

188 [15] Ibid. Será permitido, de hoje em diante, a qualquer um sair do nosso reino, e a ele retornar, salvo e seguro, por terra e por mar, salvaguardando a fidelidade a nós devida, excepto por um curto espaço em tempo de guerra, para o bem comum do reino, e excepto aqueles aprisionados e declarados fora da lei segundo a lei do país e pessoas de países hostis a nós e mercadores, os quais devem ser tratados como acima dito. [16] Ibid. Todos os mercadores terão liberdade e segurança para sair, entrar, permanecer e viajar através da Inglaterra, tanto por terra como por mar, para comprar e vender, livres de todos os direitos de pedágio iníquos, segundo as antigas e justas taxas, excepto em tempo de guerra, caso sejam do país que está lutando contra nós. E se tais forem encontrados no nosso país no início da guerra serão capturados sem prejuízo dos seus corpos e mercadorias, até que seja sabido por nós, ou pelo nosso chefe de justiça, como os mercadores do nosso país são tratados, se foram encontrados no país em 55 guerra contra nós; e se os nossos estiverem a salvo lá, estes estarão a salvo no nosso país. [17] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves,Direitos Humanos Fundamentais. 6 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2004, p. 12. [18] SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Petição de Direito (1.628). Disponível em: < Acesso em 10 out. 2015: ninguém seja obrigado a contribuir com qualquer dádiva, empréstimo ou benevolence e a pagar qualquer taxa ou imposto, sem o consentimento de todos, manifestado por ato do Parlamento; e que ninguém seja chamado a responder ou prestar juramento, ou a executar algum serviço, ou encarcerado, ou, de uma forma ou de outra molestado ou inquietado, por causa destes tributos ou da recusa em os pagar; e que nenhum homem livre fique sob prisão ou detido por qualquer das formas acima indicadas. [19] COMPARATO, 2003, p [20] MORAES, 2011, p Disponível em: 187

189 [21] SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Declaração do Bom Povo da Virgínia (1.776). Disponível em: < Acesso em 10 out. 2015: Que todo poder é inerente ao povo e, consequentemente, dele procede; que os magistrados são seus mandatários e seus servidores e, em qualquer momento, perante ele responsáveis. [22] Ibid. Que a liberdade de imprensa é um dos grandes baluartes da liberdade, não podendo ser restringida jamais, a não ser por governos despóticos. [23] COMPARATO, 2003, p. 49. [24] SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Declaração do Bom Povo da Virgínia (1.776). Disponível em: < Acesso em 10 out. 2015: Que todos os homens são, por natureza, igualmente livres e independentes, e têm certos direitos inatos, dos quais, quando entram em estado de sociedade, não podem por qualquer acordo privar ou despojar seus pósteros e que são: o gozo da vida e da liberdade com os meios de adquirir e de possuir a propriedade e de buscar e obter felicidade e segurança. [25] SILVA, 2004, p.155. [26] Ibid. [27] MORAES, 2003, p. 28. [28] COTRIM, Gilberto. História Global Brasil e Geral. 1 ed. vol. 2. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p [29] SILVA, 2004, p [30] SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Declaração dos Direitos dos Homens e Cidadão (1.789). Disponível em: < Acesso em 10 out. 2015: Art. 2º. A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a propriedade a segurança e a resistência à opressão. 188

190 [31] SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Declaração dos Direitos dos Homens e Cidadão (1.789). Disponível em: < Acesso em 10 out. 2015: Art. 4º. A liberdade consiste em poder fazer tudo que não prejudique o próximo. Assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados pela lei. [32] Ibid. Art. 8º. A lei apenas deve estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias e ninguém pode ser punido senão por força de uma lei estabelecida e promulgada antes do delito e legalmente aplicada. [33] Ibid. Art. 9º. Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei. 55 [34] Ibid. Art. 10º. Ninguém pode ser molestado por suas opiniões, incluindo opiniões religiosas, desde que sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei. Art. 11º. A livre comunicação das ideias e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do homem. Todo cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta liberdade nos termos previstos na lei. [35] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p [36] COTRIM, 2010, p [37] SANTOS, Enoque Ribeiro dos. O papel dos direitos humanos na valorização do direito coletivo do trabalho. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 157, 10dez Disponível em:< Acesso em: 10 out [38] MORAES, 2011, p. 11. [39] SANTOS, 2003, s.p. Disponível em: 189

191 [40] FERREIRA FILHO, 2004, p [41] SANTOS, 2003, s.p. [42] BONAVIDES, 2007, p [43] FERREIRA FILHO, 2004, p. 47. [44] BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1997, p. 03. [45] BONAVIDES, 2007, p [46] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em Ação Direta de Inconstitucionalidade N 1.856/RJ. Ação Direta De Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) - Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa - Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98, ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade (CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção constitucional da fauna (CF, Art. 225, 1º, VII) - Descaracterização da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna Inconstitucionalidade..Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai Disponível em: < Acesso em 10 out [47] MOTTA, Sylvio; BARCHET, Gustavo. Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Editora Elsevier, 2007, p [48] BONAVIDES, 2007, p

192 [49] MOTTA; BARCHET, 2007, p [...] Duas são as origens básicas desses direitos: a degradação das liberdades ou a deterioração dos demais direitos fundamentais em virtude do uso nocivo das modernas tecnologias e o nível de desigualdade social e econômica existente entre as diferentes nações. A fim de superar tais realidades, que afetam a humanidade como um todo, impõe-se o reconhecimento de direitos que também tenham tal abrangência a humanidade como um todo -, partindo-se da ideia de que não há como se solucionar problemas globais a não ser através de soluções também globais. Tais soluções são os direitos de terceira geração.[...] [50] BRASIL. Decreto nº 592, de 06 de julho de Atos Internacionais. Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. Promulgação. Disponível em: < Acesso em 10 out [51] BRASIL. Decreto nº 592, de 06 de julho de Atos Internacionais. Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. Promulgação. Disponível em: < Acesso em 10 out Disponível em: 191

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