ESTADO DO CEARÁ PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
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- Eliza Marina Mota
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1 Cuidam estes fólios de Apelação Cível interposta por JOSÉ FIGUEIREDO CORREIA FILHO em face de SIMONE GUIMARÃES FIGUEIREDO CORREIA, inconformado com a sentença de fls. 137/138 do d. Juízo da 15ª Vara de Família da Comarca de Fortaleza que, nos autos de ação de Alvará (Processo n ), julgou procedente o pedido de outorga marital apresentado pela apelada, suprindo o consentimento do apelante nos autos de ações de arrolamento e de inventário em que aquela figura como herdeira. Nas razões do recurso, às fls. 140/142, o recorrente pede a reforma da decisão atacada, alegando inicialmente que o provimento jurisdicional em apreço foi proferido sem que fossem respeitados os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, bem como contrariando as provas dos autos. Em seguida, afirma que a recorrida se encontra irregularmente representada dentro da relação processual. Defende que só contraiu matrimônio com a apelada no regime de separação de bens por conta da idade que esta tinha na data das núpcias, que era de 14 (catorze) anos de idade. Sustenta, ademais, que ambos amealharam bens na constância do casamento, inclusive por herança, que pertenceriam, portanto, ao casal e que, portanto, entrariam na meação. Por fim, alega que o atendimento do pedido de outorga marital lhe causará danos irreparáveis. A recorrida apresentou contra-razões às fls. 146/148, pleiteando a manutenção da sentença vergastada, reiterando, fundamentalmente, que a recusa do apelante em oferecer a devida outorga marital não tem base jurídica, e lembrando que ambos se casaram no regime de separação total de bens, com o que o recorrente não tem, portanto, direito a receber qualquer parcela do quinhão da herança dos ancestrais da apelada. Adicionalmente, sustenta que não
2 há irregularidade em sua representação, inclusive porque o mandato que conferiu a seu patrono foi ratificado dentro da audiência. Por fim, afirma que está sofrendo danos irreparáveis, eis que, pela falta de outorga marital, não está conseguindo receber o valor de herança a que faz jus. Preparo (fl. 155). Às fls. 160/163, a d. PGJ manifesta-se pelo conhecimento e improvimento do presente apelo. É o relatório. VOTO Primeiramente examino a preliminar apresentada pelo recorrente, que alega que a recorrida está irregularmente representada nos autos. A respeito, a leitura atenta dos autos revela que a d. Juíza a quo agiu com acerto ao não reconhecer a irregularidade indicada. Com efeito, verifico que, no termo de audiência de fl. 135, a apelada pediu a ratificação do instrumento procuratório que conferiu a seu advogado (fl.10), para que este, que foi nomeado para atuar em processos de herança, também a representasse no presente feito, pleito que foi deferido dentro da sentença guerreada (fls. 137/138). Outrossim, reproduzo as palavras encontradas à fl. 162 do parecer da d. PGJ (fls. 160/163), em que restou registrado que "O
3 minudente exame do instrumento procuratório que repousa às fls. 10 (sic) revela que ao patrono da suplicante foram outorgados os poderes especiais constantes no art. 38 do CPC, de modo que a ausência de menção expressa à propositura de demanda em desfavor do promovido não gera, em absoluto, o pretendido defeito de representação". Desconstituo, portanto, a preliminar apresentada pelo apelante e passo ao exame do mérito do presente recurso. Os autos revelam que o recorrente e a recorrida se casaram no regime de separação de bens, a teor da certidão de casamento de ambos, constante da fl Cabe destacar que o regime de bens foi, mais precisamente, o da separação legal ou obrigatória, a teor do artigo 1.641, III, do Código Civil, que determina que é obrigatório o regime da separação de bens no casamento de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial, o que era o caso da recorrida à época em que contraiu núpcias, quando tinha apenas 14 (catorze) anos, como comprova a própria certidão de fl Em vista de o casamento entre as partes estar regido pelo regime da separação de bens, aplica-se a norma do artigo da Lei Civil pátria, que determina que os haveres dos cônjuges ficarão sob a administração exclusiva de cada um deles, que poderão livremente alienar ou gravar de ônus real seus bens. Nesse sentido, portanto, os itens que compõe o patrimônio dos integrantes do casal não se comunicariam, pelo menos em princípio.
4 A norma do artigo 1.641, III, do Código Civil visava a proteger pessoas que, por sua idade, não teriam a capacidade ideal para estarem plenamente cientes das obrigações relativas a um casamento e que, nesse sentido, poderiam mais facilmente se tornar vítimas de pessoas meramente interessadas em seu patrimônio. Com o tempo, porém, como indica Carlos Roberto Gonçalves1, constatou-se que o regime de separação legal não protegia devidamente aqueles que se beneficiavam de seus institutos, permitindo, por exemplo, que determinadas pessoas ficassem em estado de penúria quando suas relações matrimoniais chegavam ao fim e criando também uma situação de injustiça, eis que a efetiva contribuição de um dos cônjuges para a formação do patrimônio familiar era desprezada. Com isso, os tribunais brasileiros passaram a proclamar que, no regime da separação legal, se comunicavam os bens adquiridos a título oneroso durante o matrimônio, entendimento que terminou consagrado na Súmula 377 do STF, que determinava que "No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento". Esse entendimento também apareceu na jurisprudência brasileira em julgados como o seguinte: CASAMENTO - REGIME DE BENS - SEPARAÇÃO LEGAL - SUMULA 377 DO STF. QUANDO A SEPARAÇÃO DE BENS RESULTA APENAS DE IMPOSIÇÃO LEGAL,
5 COMUNICAM-SE OS AQUESTOS, NÃO IMPORTANDO QUE HAJAM SIDO OU NÃO ADQUIRIDOS COM O ESFORÇO COMUM. (STJ. REsp 1615 / GO. RECURSO ESPECIAL 1989/ Relator: Ministro EDUARDO RIBEIRO. Órgão Julgador: T3 - TERCEIRA TURMA. Data do Julgamento: 13/02/1990. Data da Publicação/Fonte: DJ 12/03/1990 p. 1704) Posteriormente, entretanto, essa súmula ganhou nova interpretação, que tentava equilibrar a necessidade de evitar prejuízos aos cônjuges com as peculiaridades do regime de separação de bens, baseado na incomunicabilidade dos haveres dos membros de um casal, tudo com o intuito de manter protegidos os indivíduos que se beneficiam da norma do artigo 1.641, III, do Código Civil. Com efeito, a total comunicabilidade dos bens significaria a quase completa inaplicabilidade do regime de separação de bens ao caso. Por outro lado, a manutenção integral do regime da separação de bens abriria a possibilidade de prejuízo aos cônjuges que deveriam ser protegidos. Com isso, e em consonância com o princípio geral do Direito que proíbe o enriquecimento sem causa, firmou-se a noção de que, no regime de separação legal de bens, se comunicam apenas os bens adquiridos na constância da relação conjugal pelo esforço comum dos cônjuges. É o que passou a retratar a jurisprudência brasileira, segundo apontam os seguintes julgados: CIVIL. REGIME DE BENS. SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA. AQÜESTOS. ESFORÇO COMUM. COMUNHÃO. SÚMULA 377/STF. INCIDÊNCIA.
6 1. No regime da separação legal de bens comunicam-se os adquiridos na constância do casamento pelo esforço comum dos cônjuges (art. 259 CC/1916). 2. Precedentes. 3. Recurso especial conhecido e provido. (STJ. REsp / RJ. RECURSO ESPECIAL 2002/ Relator: Ministro FERNANDO GONÇALVES. Órgão Julgador: T4 - QUARTA TURMA. Data do Julgamento: 02/09/2003. Data da Publicação/Fonte: DJ 15/09/2003 p REPDJ 17/11/2003 p. 332) DIREITO DE FAMILIA. REGIME DA SEPARAÇÃO LEGAL DE BENS. AQUESTOS. ESFORÇO COMUM. COMUNICABILIDADE. SUMULA STF, ENUNCIADO N CORRENTES. CODIGO CIVIL, ARTS. 258/259. RECURSO INACOLHIDO. I - EM SE TRATANDO DE REGIME DE SEPARAÇÃO OBRIGATORIA (CODIGO CIVIL, ART. 258), COMUNICAM-SE OS BENS ADQUIRIDOS NA CONSTANCIA DO CASAMENTO PELO ESFORÇO COMUM. II - O ENUNCIADO N. 377 DA SUMULA STF DEVE RESTRINGIR-SE AOS AQUESTOS RESULTANTES DA CONJUGAÇÃO DE ESFORÇOS DO CASAL, EM EXEGESE QUE SE AFEIÇOA À EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO JURIDICO E REPUDIA O ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. III - NO AMBITO DO RECURSO ESPECIAL NÃO E ADMISSIVEL A APRECIAÇÃO DA MATERIA FATICA ESTABELECIDA NAS INSTANCIAS LOCAIS. (STJ. REsp 9938 / SP. RECURSO ESPECIAL: 1991/ Relator(a): Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA. Órgão Julgador: T4 - QUARTA TURMA. Data do Julgamento: 09/06/1992. Data da
7 Publicação/Fonte: DJ 03/08/1992 p ) Como é cediço, não se incluem dentre os bens amealhados pelo esforço comum dos cônjuges aqueles adquiridos a partir de herança. É nesse sentido que, no regime de separação de bens, legal ou convencional, os bens adquiridos por um dos cônjuges a título sucessório pertencem a este exclusivamente. É o que indicam os seguintes julgados: Direito civil. Família e Sucessões. Recurso especial. Inventário e partilha. Cônjuge sobrevivente casado pelo regime de separação convencional de bens, celebrado por meio de pacto antenupcial por escritura pública. Interpretação do art , I, do CC/02. Direito de concorrência hereditária com descendentes do falecido. Não ocorrência. Omissis - Até o advento da Lei n.º 6.515/77 (Lei do Divórcio), vigeu no Direito brasileiro, como regime legal de bens, o da comunhão universal, no qual o cônjuge sobrevivente não concorre à herança, por já lhe ser conferida a meação sobre a totalidade do patrimônio do casal; a partir da vigência da Lei do Divórcio, contudo, o regime legal de bens no casamento passou a ser o da comunhão parcial, o que foi referendado pelo art do CC/02. - Preserva-se o regime da comunhão parcial de bens, de acordo com o postulado da autodeterminação, ao contemplar o cônjuge sobrevivente com o direito à meação, além da concorrência hereditária sobre os bens comuns, mesmo que haja bens particulares, os quais, em qualquer hipótese, são partilhados unicamente entre os descendentes.
8 - O regime de separação obrigatória de bens, previsto no art , inc. I, do CC/02, é gênero que congrega duas espécies: (i) separação legal; (ii) separação convencional. Uma decorre da lei e a outra da vontade das partes, e ambas obrigam os cônjuges, uma vez estipulado o regime de separação de bens, à sua observância. - Não remanesce, para o cônjuge casado mediante separação de bens, direito à meação, tampouco à concorrência sucessória, respeitando-se o regime de bens estipulado, que obriga as partes na vida e na morte. Nos dois casos, portanto, o cônjuge sobrevivente não é herdeiro necessário. - Entendimento em sentido diverso, suscitaria clara antinomia entre os arts , inc. I, e 1.687, do CC/02, o que geraria uma quebra da unidade sistemática da lei codificada, e provocaria a morte do regime de separação de bens. Por isso, deve prevalecer a interpretação que conjuga e torna complementares os citados dispositivos. Omissis Recurso especial provido. Pedido cautelar incidental julgado prejudicado. (STJ. REsp / MS. RECURSO ESPECIAL 2007/ Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI. Órgão Julgador: T3 - TERCEIRA TURMA. Data do Julgamento: 01/12/2009. Data da Publicação/Fonte: DJe 05/02/2010. RSTJ vol. 217 p. 820) CIVIL E PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL. PREQUESTIONAMENTO LIMITADO. DISSÍDIO NÃO APRESENTADO. INVENTÁRIO. CASAMENTO CONTRAÍDO NA ÁUSTRIA. REGIME DA SEPARAÇÃO DE BENS, CONSOANTE A LEI DAQUELE
9 PAÍS, POR FALTA DE PACTO ANTENUPCIAL EM SENTIDO CONTRÁRIO. VINDA PARA O BRASIL. AQUISIÇÃO DE PATRIMÔNIO AO LONGO DA VIDA EM COMUM. FALECIMENTO DO CÔNJUGE VARÃO. DECLARAÇÃO DE BENS, CONSTANDO APENAS AQUELES EM NOME DO DE CUJUS. IMPUGNAÇÃO PELA FILHA DO PRIMEIRO CASAMENTO. AQÜESTOS. COMUNICAÇÃO. RESSALVA QUANTO AOS HAVIDOS PELO ESFORÇO EXCLUSIVO/DOAÇÃO/HERANÇA DA CÔNJUGE MULHER. LICC, ART. 7º, 4º CC, ART SÚMULA N. 377-STF. I. Apesar de o casamento haver sido contraído pelo regime da separação de bens no exterior, os bens adquiridos na constância da vida comum, quase à totalidade transcorrida no Brasil, devem se comunicar, desde que resultantes do esforço comum. II. Exclusão, portanto, do patrimônio existente em nome da viúva, obtido pelo labor individual, doação ou herança, incorporandose os demais ao espólio do cônjuge varão, para partilha e meação, a serem apurados em ação própria. III. Recurso especial conhecido em parte e parcialmente provido (STJ. REsp / SP. RECURSO ESPECIAL 1997/ Relator: Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR. Órgão Julgador: T4 - QUARTA TURMA. Data do Julgamento: 17/03/2009. Data da Publicação/Fonte: DJe 30/03/2009) (Grifei) Em vista dessa circunstância, portanto, os bens que a apelada receberia de herança de seus ascendentes lhe pertenceriam em caráter exclusivo, não integrando, portanto, o patrimônio do casal que formava com o apelante, o qual não teria, portanto, qualquer direito
10 sobre esses haveres, eis que incomunicáveis. Com isso, a denegação da outorga marital por parte do recorrente, para permitir que a recorrida aliene bens recebidos a título sucessório é injustificada e merece, portanto, ser suprida por autorização judicial. Por todo o exposto, portanto, conheço o presente recurso, por preencher os pressupostos processuais intrínsecos e extrínsecos exigidos pelo ordenamento jurídico brasileiro, para negar-lhe provimento, mantendo integralmente a decisão de 1 Grau atacada por este apelo. É como voto. Fortaleza, 24 de março de 2010 Desembargador ADEMAR MENDES BEZERRA RELATOR
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