Impetrante: Sindicato dos Trabalhadores do Sistema Único de Saúde SINDSAÚDE/GO

Transcrição

1 MANDADO DE SEGURANÇA Nº Comarca de Goiânia Impetrante: Sindicato dos Trabalhadores do Sistema Único de Saúde SINDSAÚDE/GO Impetrado: Lit. Pass.: Relator: Secretário de Estado da Fazenda Estado de Goiás Dr. Sérgio Mendonça de Araújo DECISÃO PRELIMINAR Trata-se de mandado de segurança, com pedido liminar, impetrado pelo Sindicato dos Trabalhadores do Sistema Único de Saúde SINDSAÚDE/GO para que seja reconhecido pelo Secretário da Fazenda do Estado de Goiás o direito líquido e certo de que seja realizada a quitação da folha de pagamento de todos os servidores públicos estaduais e demais vantagens até o dia 10 (dez) do mês seguinte ao trabalhado. Através da inicial, narra o Sindicato substituto ser fato público e notório que o Estado de Goiás, em razão a dificuldade fiscal enfrentada nos últimos meses, vem atrasando o pagamento da remuneração devida a seus servidores, em manifesta ofensa a previsão do artigo 96 da Constituição Estadual. Nessa esteira, ressalta que o Governador do Estado editou o Decreto nº 9.346, revogando o artigo 45 do Decreto nº que dispunha: Art. 45. As despesas com pessoal e encargos sociais, oriundas das folhas de pagamento, bem como com estagiários e respectiva taxa de administração, deverão ser empenhadas e liquidadas dentro do respectivo mês de competência. Afirma que, com a revogação da norma regulamentar em referência, o Impetrado deixa de ter a obrigação de empenhar e liquidar a folha de pagamento dos servidores dentro do mês trabalhado, fazendo com que não haja a obrigação dos salários serem quitados em dia. Aduz que o atraso da remuneração do servidor viola o postulado constitucional da dignidade da pessoa humana e aponta ser manifesta a urgência em face da natureza alimentar da verba em análise. Na sequência, tece amplas considerações sobre o cabimento do presente writ e

2 destaca que, diante das últimas notícias amplamente divulgadas na imprensa, justifica-se o direito à impetração da medida em tela, a fim de que os servidores da saúde não suportem o mesmo atraso das demais categorias. Ressalta que providência de urgência, semelhante à pleiteada nestes autos, foi deferida nos autos do Mandado de Segurança nº Tece extensas considerações acerca do direito de os servidores receberem seus salários até o dia 10 (dez) do mês seguinte ao trabalhado e defende a presença dos requisitos legais para a concessão da tutela de urgência, notadamente a relevância da fundamentação e o perigo da demora. Ao final, requer seja concedida a medida antecipatória e, no mérito, seja concedida a segurança, a fim de que o impetrado tome as providências para a folha de pagamento de todos os servidores públicos estaduais seja quitada até o dia 10 (dez) do mês seguinte ao trabalhado, assim como, em caso de atraso, seja assegurado o direito de os substituídos receberem suas remunerações devidamente corrigidas monetariamente. Juntam os documentos (mov. nº 01). Determinada a oitiva do representante da Fazenda Pública, nos termos do art. 22, 2º, da Lei nº /2009, o Estado de Goiás apresentou manifestação prévia, bem como contestou o pedido (mov. nº 07). No mérito, o Estado de Goiás afirma que o art. 96 da CE garante aos servidores o direito de recebimento de sua remuneração até o dia 10 (dez) do mês seguinte, sob pena de incidir atualização monetária, do qual, contudo, não se extrai a obrigatoriedade de quitação da folha de pagamento em caso de ausência de disponibilidade financeira para tanto. Ressalta que, historicamente, o Estado de Goiás tem atendido o dispositivo constitucional com rigor, inclusive, em meio aos severos efeitos da atual crise financeira. Aduz que, de fato, falta verbas até mesmo para o cumprimento de despesas primárias, vinculadas constitucionalmente, como saúde e educação. Destaca que, mesmo experimentando graves dificuldades financeiras, somente houve atraso no mês de outubro, por poucos dias, no pagamento de uma pequena parcela dos servidores estaduais, aqueles vinculados ao TJGO, TCE, TCM e SEFAZ, que receberam 40% de sua remuneração no dia 11/10/2018 e os outros 60% no dia 18/10/2018. No mês de novembro, grande parte dos servidores foi paga em dia e o restante teve os seus salários adimplidos parceladamente, até o dia 22/11/2018, quando toda a folha foi quitada. Assevera que a concreta possibilidade de atraso nos pagamentos dos servidores decorre de indisponibilidade financeira, a qual impedirá até mesmo o cumprimento da medida liminar pleiteada, em caso de seu deferimento. Aponta que, em contextos de crise econômica, a ausência de recursos financeiros deve ser considerada como justificativa plausível para eventual impontualidade do Estado quanto ao cumprimento de suas obrigações, destacando, neste particular, o teor de recente decisão proferida na SL 5163/DF pela Ministra Carmen Lúcia. Observa que, manifesta a grave insuficiência de caixa, eventuais medidas coercitivas determinadas agravarão o quadro deficitário descrito. Pugna, por fim, pela denegação da segurança e, alternativamente, pela não aplicação

3 de multa diária ou do bloqueio de verbas em face do Estado. É o relatório. Decido. Sabe-se que, na dicção do art. 7º, III, da Lei nº /2009, o deferimento de medida liminar em mandado de segurança está condicionado à coexistência de dois requisitos, quais sejam, o fumus boni iuris, traduzido na relevância da fundamentação expendida, e o periculum in mora, materializado na possibilidade de que a manutenção do ato impugnado implique na ineficácia do provimento definitivo a ser proferido, fundados em prova robusta e pré-constituída de que o ato apontado de coator contém vício. Acerca desses requisitos, é oportuna a lição de Cássio Scarpinella Bueno: Fundamento relevante faz as vezes do que, no âmbito do processo cautelar, é descrito pela expressão latina fumus boni iuris e do que, no âmbito do dever-poder geral de antecipação, é descrito pela expressão prova inequívoca da verossimilhança da alegação. Todas essas expressões, a par da peculiaridade procedimental do mandado de segurança, devem ser entendidas como significativas de que, para a concessão da liminar, o impetrante deverá convencer o magistrado de que é portador de melhores razões que a parte contrária: que o ato coator é, ao que tudo indica, realmente abusivo ou ilegal. Isto é tanto mais importante em mandado de segurança porque a petição inicial, com seus respectivos documentos de instrução, é a oportunidade única que o impetrante tem para convencer o magistrado, ressalvadas situações excepcionais como a que vem expressa no 1º do art. 6º da nova Lei de que é merecedor da tutela jurisdicional. A ineficácia da medida, caso seja finalmente deferida, é expressão que deve ser entendida da mesma forma que a consagrada expressão latina periculum in mora, perigo na demora da prestação jurisdicional. No mandado de segurança, dado o seu comando constitucional de perseguir in natura a tutela do direito ameaçado ou violado por ato abusivo ou ilegal, é tanto maior a ineficácia da medida na exata proporção em que o tempo de seu procedimento, posto que bastante enxuto, não tenha condições de assegurar o proferimento de sentença apta a tutelar suficiente e adequadamente o direito tal qual venha a reconhecer. (in A Nova Lei do Mandado de Segurança, São Paulo: Saraiva, 2009, p. 40-1). No caso em apreço, consoante relatado, pretende o Sindicato impetrante a obtenção de ordem judicial para garantir a quitação da folha de pagamento dos servidores públicos estaduais até o dia 10(dez) do mês seguinte ao trabalhado, em razão da revogação do art. 45 do Decreto nº Acerca do tema, mister anotar que a providência pretendida decorre da expressa literalidade do texto da Constituição Estadual que, em seu artigo 96, dispõe: "Art. 96. É obrigatória a quitação da folha de pagamento do pessoal ativo e inativo da administração direta, autárquica e fundacional do Estado até o dia 10 do mês posterior ao vencido, sob pena de se proceder à atualização monetária da mesma.

4 Tem-se, assim, que a revogação da mencionada norma regulamentar não tem o condão de interferir ou desconstituir o marco temporal instituído para a quitação da remuneração dos servidores, porque o dispositivo constitucional referido está vigente, hígido e, de forma expressa e incontroversa, prevê a incidência da atualização monetária em caso de eventual impontualidade. Sobreleva destacar, portanto, que o direito líquido e certo que se pretende amparar está inequivocamente previsto em norma de matiz superior (constitucional) que lastreia, com maior força, a vinculação dos atos da Administração e reafirma a absoluta ausência de discricionariedade do administrador público neste particular. Note-se, ademais, que, a par do contexto fático excepcional narrado, a natureza alimentar da remuneração dos servidores públicos evidencia, por si só, o impacto social amplo e especialmente gravoso que a inadimplência pode gerar, atingindo o sustento e o suprimento das necessidades essenciais de milhares de famílias, inequivocamente ligados à esfera da dignidade da pessoa humana. A propósito, este Tribunal já se manifestou: DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO. APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. LEGITIMIDADE PASSIVA. RECURSO ADMINISTRATIVO. DESNECESSIDADE. PAGAMENTO DE SALÁRIOS EM ATRASO DE SERVIDORES PÚBLICOS. OFENSA A DIREITO LÍQUIDO E CERTO CONFIGURADO. PERDA DO OBJETO DO RECURSO. 1. A autoridade indicada como impetrada, enquanto chefe do Executivo Municipal, é a gestora das finanças públicas, portanto a responsável pela aplicação das verbas e, consequentemente, adimplemento da folha de pagamento dos servidores públicos. 2. O exaurimento das vias administrativas não é condição para o ajuizamento da ação mandamental, nos termos do art. 5, V, da C.F. 3. A Lei Orgânica Municipal, ao estabelecer a data limite para o pagamento dos salários dos servidores públicos, retirou do administrador qualquer margem de liberdade para atuar em sentido diverso, razão pela qual referida norma reveste-se de caráter absolutamente vinculado. O mandamus é o meio adequado para compelir a administração municipal ao cumprimento de disposição legal, qual seja, a Lei Orgânica do Município que regula o pagamento do funcionalismo público até o dia 09 (nove) do mês subsequente ao vencido. ( ). 5. REMESSA NECESSÁRIA CONHECIDA E DESPROVIDA. RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL NÃO CONHECIDO ANTE A PERDA DO OBJETO. SENTENÇA MANTIDA. (TJGO, Apelação / Reexame Necessário , Rel. NELMA BRANCO FERREIRA PERILO, 4ª Câmara Cível, julgado em 14/08/2018, DJe de 14/08/2018). Nesses termos, defiro a liminar pleiteada, a fim de determinar que a autoridade coatora observe e dê o devido cumprimento à obrigação que lhe é imposta pela Carta Estadual (art. 96) e efetue a quitação da folha de pagamento dos servidores públicos até o décimo dia do mês seguinte ao trabalhado e, caso assim não o faça, que proceda à correção monetária do numerário disponibilizado em atraso. Notifique-se a autoridade coatora, com a urgência que o caso requer, a fim de que dê pronta efetividade ao comando ora expedido e preste as informações de estilo, no prazo de 10 (dez) dias, como determina o art. 7º, inciso I, da Lei nº /09. Dê-se ciência ao representante judicial do Estado de Goiás para que, caso queira, ingresse no feito.

5 Em seguida, abra-se vista dos autos à ilustrada Procuradoria Geral de Justiça. Intime-se. Cumpra-se. Goiânia, 10 de dezembro de Dr. Sérgio Mendonça de Araújo Relator