Modelagem matemática da interação do rotavírus com o sistema imunológico
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1 Modelagem matemática da interação do rotavírus com o sistema imunológico Andressa Pinheiro Hyun M. Yang Depto de Matemática Aplicada IMECC UNICAMP Campinas SP andresssacvel@yahoo.com.br hyunyang@ime.unicamp.br 1 Introdução O rotavírus é considerado atualmente um dos mais importantes agentes causadores de gastroenterites e óbitos em crianças com menos de 5 anos no mundo. Ocorrem globalmente cerca de 125 milhões de episódios diarréicos por rotavírus a cada ano causando entre e óbitos. Esses números alarmantes estimularam a busca por um controle desse vírus mas para combatê-lo é necessário estudar seu comportamento como ele penetra no organismo do ser humano como age dentro dele e como se espalha. Nesse trabalho apresenta-se um breve estudo sobre a biologia do rotavírus e os mecanismos de defesa apresentados pelo sistema imunológico. O principal objetivo é utilizando métodos quantitativos estudar a interação entre o rotavírus e o sistema imunológico. Seguindo esse intuito apresenta-se um modelo matemático composto de equações diferenciais ordinárias não lineares de primeira ordem que descreve a ação do sistema imunológico inato através de macrófagos a fim de eliminar o rotavírus. O estudo quantitativo dessa infeção microscópica será posteriormente útil em estudo microscópico da transmissão de rotavírus em humanos. 2 Biologia do Rotavírus O Rotavírus infecta praticamente todas as crianças nos primeiros anos de vida. Provoca vômito seguido de uma diarréia tão aguda que se não houver tratamento pode levar a desidratação grave seguida de choque. A via fecal-oral se constitui na principal via de transmissão do rotavírus com a eliminação de até 1 trilhão de partículas virais por milímetro de fezes sendo que a dose infectante é de apenas 10 partículas virais. O período de incubação varia de 1 a 3 dias e o pico máximo de excreção ocorre entre o terceiro e o quarto dia após o aparecimento dos primeiros sintomas. Uma característica interessante do rotavírus é a existência de uma sazonalidade de infecção que se manifesta nos meses mais frios e secos no Brasil variando de abril a setembro. O rotavírus é um vírus da família reoviridae não possue envelope bilipídico e é extremamente resistente. A partícula viral exibe núcleo capsídeo com simetria icosaédrica. As partículas completas compreendem 3 camadas protéicas concêntricas: capsídeo externo intermediário e interno. O genoma viral é constituído por 11 segmentos de RNA fita dupla além da enzima transcriptase e das proteínas VP1 VP2 e VP3. Das 12 proteínas do rotavírus 6 são estruturais denominadas VPs(VP1-VP4 VP6 e VP7) e outras 6 não estruturais as NSPs(NSP1-NSP6). A camada intermediária é constituída pela proteína VP6 e o capsídeo externo é formado pelas proteínas VP7 e VP4. Os rotavírus possuem tropismo natural por enterócitos maduros das vilosidades do intestino delgado particularmente da mucosa do jejuno. A replicação ocorre no citoplasma das células absortivas diferenciadas localizadas no terço apical das vilosidades do intestino delgado. As partículas infecciosas são liberadas no lúmen intestinal e o processo replicativo tem continuidade na área distal do intestino delgado. Estudos recentes demonstram que a entrada dos rotavírus nas células se dá por meio de interações com receptores celulares contendo ácido siálico e integrinas no início do processo de absorção. Segundo [4] após a absorção do vírus à célula hospedeira sua penetração se dá por passagem direta através da mem-
2 brana celular e liberação do nucleocapsídeo no citoplasma. No fagossoma ocorre a perda do capsídeo externo e conseqüentemente a liberação de seu cerne no citoplasma celular. Os RNAs são transcritos pela RNA polimerase. Há produção de RNA (+) a partir do RNA (-) virais. As fitas de RNA (+) servirão de mrna para a tradução das proteínas virais e assumem papel de molde para a produção de novas fitas de RNA (-) daí resultando RNA de dupla fita da progênie viral (Dipas). A montagem das partículas virais ocorre em estrutura amorfa denominada viroplasma. Após a formação do cerne o capsídeo interno acopla ao redor do cerne viral e a partícula viral incompleta deixa o viroplasma e passa para o interior do retículo endoplasmático rugoso por brotamento onde adquire o capsídeo externo juntamente com um envoltório transitório que depois se perde durante essa passagem. Essas são as partículas virais maduras e finalmente o ciclo termina quando a progênie viral é liberada por lise da células hospedeira. Por causa da morte das células infectadas como resultado da infecção pelo rotavírus o sistema inato é rapidamente alertado para lidar com o ataque e o sistema adaptativo começa a gerar produção de anticorpos protetores. Porém os mecanismos imunológicos que envolvem todo o processo desencadeado por uma infecção de rotavírus não são ainda bem compreendidos. Estudos têm demonstrado que anticorpos circulantes anti VP4 e VP7 são capazes de neutralizar os rotavírus e proteger os hospedeiros suscetíveis. Estudos demonstram que várias citocinas estão implicadas na imunidade celular entre elas: IFN-α IFN-γ e TNF-α. Contudo a função que essas citocinas desempenham na patogênese e no controle do rotavírus ainda é indefinda. 3 Modelagem Matemática Depois de descrever com detalhes os mecanismos do rotavírus e sua interação com o sistema imunológico vamos apresentar um modelo matemático para descrever a dinâmica da resposta imunológica humana diante de um estímulo antigênico pela introdução de um microorganismo conhecido como rotavírus. Neste caso como vimos a resposta imunológica consiste principalmente na ação do sistema inato já que a estratégia de replicação é oculta o sistema imunológico passa a agir depois que ocorre a morte de células em grande quantidade. O processo de desenvolvimento de um modelo matemático envolve o estudo da dinâmica do microorganismo invasor e do sistema imunológico inato isoladamente para então obter um cenário quantitativo da complexa interação do sistema imunológico com o rotavírus. Quando um micro-parasita invade o organismo humano ele busca um local apropriado para sua replição. O sistema imunológico pode ou não responder a essa presença estranha. Supondo que o sistema imunológico do hospedeiro seja incapaz de responder ao estímulo antigênico é possível estudar a dinâmica intrínseca do parasita e após sua compreensão incorporar ação do sistema imune nesta dinâmica. Quando se considera o sistema imunológico em estado de dormência é de se esperar que o parasita cresça sem nenhuma resistência inicialmente. No entanto à medida que sua concentração aumenta no organismo do hospedeiro as células alvo ficam mais escassas comprometendo sua capacidade de manutenção. Assim baseado em [1] a dinâmica dos micro-parasitas pode ser descrita por meio do sistema de equações diferenciais ordinárias dr = (µ + α)ct µ RR de = k E γre µe di (1) = γre βi µi = βi (µ + α)t dt onde R E I e T denotam as concentrações por mm 3 no instante de tempo t de rotavírus células epiteliais livres (que são as céluals alvo do rotavírus) células epiteliais infectadas pelo rotavírus e células epiteliais em estado terminal respectivamente. As taxas per-capitas de crescimento (replicação) dos rotavírus e de ataque a células epiteliais são respectivamente (µ + α)c e γ. Fazemos a taxa de replicação dos rotavírus constante pois quando uma célula é invadida por micro-organismo toda sua estrutura celular é desviada para a replicação do parasita o que resulta na liberação de um número muito grande de parasitas e a morte celular. A taxa de transferência das células epiteliais infectadas para o estado terminal é
3 β. As taxas per-capitas de mortalidade natural dos rotavírus e de mortalidade natural das células epiteliais livres e infectadas são respectivamente µ R e µ e α é a taxa de morte das células T por apoptose. Finalmente k E representa a taxa de maturação das células epiteliais um valor constante para manter constante a população de células pela homeostasia. Na realidade quando muitas células morrem a taxa de homeostasia pode aumentar mas ficamos com o caso mais simples em que k E é constante. O corpo humano procura manter equilíbrio por meio de homeostasia das células que participam da resposta imunológica como os macrófagos as células B T e apresentadoras de antígenos. Essa homeostasia pode ser descrita por meio de um sistema dinâmico que considera uma taxa de produção constante k Q onde Q representa uma das células efetoras do sistema imunológico e uma mortalidade percapita µ Q onde µ 1 Q é o tempo médio de vida das células tipo Q. Assim a dinâmica do sistema imunológico em repouso é descrita por dq = k Q µ Q Q (2) onde Q representa as células do sitema imunológico. Quando um parasita invade o organismo humano o seu sistema imunológico é rapidamente estimulado mas no caso do rotavírus devido a sua replicação oculta vimos que o sistema imune só se dá conta do que está acontecendo quando uma grande quantidade de células morre ou está morrendo. Assim consideramos um compartimento T que são as células epiteliais infectadas em estado terminal e estas que vão ativar o sistema imunológico. Consideramos ainda a resposta imunológica representada pelas células do sistema inato principalmente os macrófagos. Agora utilizamos a dinâmica do sistema (1) montado com o sistema imunológico em dormência considerando que o compartimento T vai ativar o sistema inato e considerando então o compartimento S das células do sistema imunológico inato (cuja dinâmica em repouso está descrita em (2)) obtemos o seguinte modelo de interação do rotavírus com o sistema imunológico inato dr = (µ + α)ct ɛsr µ RR de = k E γre µe di = γre βi µi dt = βi (µ + α)t σst ds = k S + ϕt S (3) onde µ R µ e são as taxas de mortalidade natural do rotavírus das células epiteliais (em qualquer estado: livre infectada terminal) e das células do sistema imunológico inato respectivamente. E α e ɛ são as taxas de mortalidade das células T por apoptose (morte celular programada) e de mortalidade dos rotavírus pela ação do sistema inato respectivamente. Note que a taxa de crescimento (replicação) do rotavírus é representada por (µ + α)c pois são as células em estado terminal T que quando mortas liberam novos rotavírus e c é a constante indicando a quantidade de novos vírus. A quantidade de células epiteliais livres decresce a uma taxa proporcional a quantidade de encontros entre células epiteliais livres e rotavírus descrito por γre. Enquanto que a quantidade de células epiteliais infectadas cresce a essa mesma taxa proporcional de encontros descrito por γre. Temos ainda que β é a taxa com que as células epiteliais infectadas I passam para o estado terminal T σ é a taxa de morte das células no estado terminal T devido a ação das células do sistema inato e ϕ é taxa de clonagem de células do sistema inato para responder rapidamente à infecção. Finalmente k E e k S são as taxas de homeostasia das células epiteliais livres e das células do sistema inato respectivamente. 4 Análise do Modelo Apresentaremos a análise do sistema de equações (3) determinando os pontos de equilíbrio e estudando a estabilidade destes pontos. O equilíbrio trivial do sistema de equações o qual corresponde a situação de ausência do rotavírus ou por não ter ocorrido infecção ou subsequente a uma resposta imunológica bem sucedida é dado por P 0 = (R E I T S) onde E = k E µ S = k S e R = T = I = 0 ou seja P 0 = (0 k E µ 0 0 k S ). A estabilidade de P 0 é determinada pelos autovalores correspondentes à matriz jacobiana
4 associada ao sistema de equações (3) calculada em P 0 a qual é dada por θ 0 0 (µ + α)c 0 γ( k E µ ) µ γ( k E µ ) 0 (β + µ) β η ϕ onde θ = (ɛ( k S ) + µ R ) e η = (µ + α + σ( k S )). O polinômio característico dado por det(j P0 λi) = 0 é onde 1 2 µ (( + λ)(λ + µ)p (λ)) = 0 (4) P (λ) = ( c 2 k E βγ(α + µ)+ +( (θ + λ))µ(β + λ + µ)( (η + λ))). Para verificar a estabilidade de P 0 devemos mostrar que os autovalores associados ao polinômio (4) são negativos (se reais) ou possuem parte real negativa (se complexos). Facilmente vemos que duas raízes para o polinômio (4) são λ 1 = e λ 2 = µ que são reais negativas então para garantir a estabilidade do ponto precisamos analisar os outros três autovalores designados por λ 3 λ 4 e λ 5 que são dados pelas raízes do seguinte polinômio característico: P (λ) = a 0 λ 3 + a 1 λ 2 + a 2 λ + a 3 = 0 para essa analise vamos recorrer ao Critério de Routh-Hurwitz como descrito em [3]: Critério de Routh-Hurwitz: Dada uma equação característica da seguinte forma λ k + a 1 λ k 1 + a 2 λ k a k = 0 (5) defina k matrizes como( segue: ) a1 1 H 1 = (a 1 ) H 2 = a 3 a 2 a H 3 = a 3 a 2 a 1... a 5 a 4 a 3 a a H j = 3 a 2 a a 5 a 4 a 3 a 2... a 2j 1 a 2j 2 a 2j 3 a 2j 4... a a 3 a 2 a H k = a k onde o termo (l m) na matriz H j é a 2l m para 0 < 2l m < k 1 para 2l = m 0 para 2l < m ou 2l > k + m. Então o estado estacionário é estável se e somente se os determinantes de todas as matrizes de Hurwitz são positivos. Assim através do Critério de Routh- Hurwitz as condições necessárias para estabilidade tratando-se de um polinômio de ordem k = 3 são: a 1 > 0 a 3 > 0 e a 1 a 2 > a 3. Em P (λ) = 0 temos os seguintes coeficientes: a 1 = µ[µ s ((α + µ) + (β + µ))+ +( µ R + k S ɛ) + k S σ] a 2 = µ[( µ R + k S ɛ)((α + µ) + (β + µ))+ + (α + µ)(β + µ)+ +k S σ(µ R + (β + µ))] + k 2 S ɛµσ a 3 = cµ 2 S k E βγ(α + µ)+ +[( µ R + k S ɛ)µ(β + µ)( (α + µ)+ +k S σ)]. Como a 1 > 0para que a 1 a 2 > a 3 basta ter a 3 > 0 isto é c 2 k E βγ(α + µ)+ +( µ R + k S ɛ)µ(β + µ)( (α + µ) + k S σ) > 0 que equivale a c 2 k E βγ(α + µ) < ( µ R + k S ɛ)µ(β + µ)( (α + µ) + k S σ) ou seja onde γ < γ 0 γ 0 = (µ R +k S ɛ)µ(β+µ)( (α+µ)+k S σ) c 2 k E β(α+µ). Temos pelo modelo que γ é a taxa de infecção isto é a taxa com que as células epiteliais livres se tornam infectadas ao encontrarem um rotavírus. É ideal para o controle da infecção que γ 0 seja grande para que a taxa de infecção γ não ultrapasse o valor de γ 0 pois isso causaria uma infecção generalizada. Note que ɛ e σ que são as taxas de mortalidade pela ação das células do sistema imunológico inato sobre o rotavírus e as células epiteliais em estado terminal respectivamente influenciam diretamente no crescimento de γ 0 ou seja se a
5 ação do sistema inato é eficiente γ pode não ultrapassar γ 0 e a infecção é debelada. Portanto γ 0 é o valor limiar tal que se γ se mantiver abaixo desse valor limiar o equilíbrio trivial P 0 é localmente e assintoticamente estável. O equilíbrio não trivial do sistema de equações (3) o qual representa a co-existência de todas as variáveis que compõem o modelo ou seja a presença de rotavírus juntamente com as células do sistema imunológico inato é dado por P 1 = (R E I T S) onde R = µ(β+α)(µ+α+σs)( S k S ) γ(k E βϕ (β+α)(µ+α+σs)( S k S )) E = (γk Eβϕ (β+α)(µ+α+σs)( S k S )) µβϕ I = (µ+α+σs)(s k S ) βϕ T = (S k S ) ϕ (6) onde o valor de S não-trivial é obtido como raízes da equação de segundo grau a 0 S 2 + a 1 S + a 2 = 0 (7) onde os coeficientes são dados por a 0 = [ϕµɛ + γc(α + µ)][σ(β + µ)] a 1 = [ γc(α + µ) 2 + ϕµµ R σ+ +ϕµɛ(α + µ) k S σγc(α + µ)][(β + µ)] a 2 = [ϕµµ R (β + µ) k S γc(α + µ)(β + µ) ϕβk E γc][(α + µ)]. A natureza e número de soluções biológicamente viáveis são determinados por estes coeficientes. Referências [1] S. Barrozo H.M Yang Desenvolvimento de um modelo para resposta imunlógica primária célula-mediada Tendências em Matemática Aplicada e Computacional 7 No. 1 (2006) genotipos de rotavírus do grupo A em BelémPará no período de 1990 a 2003: estudo em neonatos crianças diarréicas de 0 e 3 anos e ensaio clínico com vacinas Tese (Doutorado em Biologia Parasitária). Rio de Janeiro: Instituto Oswaldo Cruz [5] SECRETARIA DE ESTADO DA SAUDE DE SAO PAULO. Divisão de Imunização e Divisão de Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar. Centro de Vigilância Epidemiológica Prof. Alexandre Vranjac. Coordenadoria de Controle de Doenças. Vaccine against rotavírus. Rev. Saúde Pública Apr vol.40 No.2 p ISSN [6] C. Shirley Rotavírus. Acesso em: 2 set [7] P.E. Maria Bernadete Manual das doenças transmitidas por alimentos e água - Rotavírus. /IF 63ROTA.htm. Acesso em: 2 set [8] Kane Erin M. Turcios Reina M. Arvay Melissa L. et al. The epidemiology of rotavirus diarrhea in Latin America: anticipating rotavirus vaccines. Rev Panam Salud Publica Dec 2004 vol.16 no.6 p ISSN [9] S. Lauren How Pathogenic Viruses Work Janes and Bartlett. Canadá [2] S. Barrozo H.M Yang Mecanismos da interação antígeno-anticorpo em uma resposta primária célula T-mediada Tendências em Matemática Aplicada e Computacional 7 No. 1 (2006) [3] Edelstein-Keshet Leah. Mathematical Models in Biology Birkhauser Mathematics Series [4] Mascarenhas Joana DArc Pereira.Caracterização molecular de
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