LITERATURA COMO EXPERIÊNCIA E FORMAÇÃO NA EDUCAÇÃO INFANTIL



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Transcrição:

LITERATURA COMO EXPERIÊNCIA E FORMAÇÃO NA EDUCAÇÃO INFANTIL Ízala Soares 1 Renata Farias 2 RESUMO Muito se tem discutido sobre a importância da literatura na formação de leitores, como essa literatura tem adentrado os muros das escolas e suas salas de aula e de que forma ela tem chegado às crianças e aos jovens. Esse debate ganha cores especiais quando se leva em conta as especificidades da Educação Infantil, tendo em vista que as crianças, nessa etapa da Educação Básica, não são alfabetizadas. O artigo é uma revisão de literatura e tem como objetivo refletir acerca da Literatura na escola como fruição e vivências e não somente como recurso didático e meramente pedagógico. A temática que gira em torno da literatura nas escolas de Educação Infantil torna-se pertinente ao passo que os livros têm chegado às escolas e as crianças podem ter acesso a eles. Esse artigo se insere no campo da educação e linguagem e tem como autores centrais Vygotsky (1987), Benjamin (1940), Zilberman (1989), Colomer (2003), Larossa (2002). Palavras-Chave: Experiência. Literatura. Educação Infantil. INTRODUÇÃO O presente artigo visa trazer algumas reflexões sobre experiência e Literatura na Educação Infantil, e é fruto de nossas pesquisas de mestrado que visa estudar as crianças em momentos com os livros de literatura. O objetivo do artigo é fazer pensar de que forma a Literatura, na escola, pode ser experimentada pelas crianças como fruição e não somente como recurso mero pedagógico. De acordo com Colomer (2003), em meados do século XIX, a leitura literária não teve presença consistente nas atividades escolares, foram escritos muitos livros tendo como função principal a instrução moralizante como aspecto educativo, exercícios de memorização e redação. Dessa forma, a leitura se limitava à pura decodificação das palavras, à memorização e a prática de leitura em voz alta, sendo sempre uma atividade que deveria ter um objetivo bem definido a alcançar. É comum encontrar nos livros infantis desse período cenas ilustradas e escritas que traziam adultos se dirigindo às crianças como ela sendo mal comportadas, tendo assim o objetivo de instruir e de educar, tirando todo encantamento necessário aos interesses das crianças e jovens. Na segunda metade do século XX, iniciou-se um movimento a favor de acesso por parte dos alunos às 1 1 Mestranda em Educação Brasileira pela Universidade Federal de Alagoas. E-mail: izalasoares@hotmail.com 2 Mestranda em Educação Brasileira pela Universidade Federal de Alagoas. E-mail: rgicelly@yahoo.com

bibliotecas com livros que lhes atraiam a atenção. Muitas teorias linguísticas e literárias surgiram nos anos sessenta difundindo e reivindicando o acesso a livros nas escolas. A escola, por sua vez, pode propiciar momentos de fruição e de experiências com a Leitura que ultrapassem o objetivo da Leitura como decodificação da palavra escrita e como apropriação de competência leitora. Para tal reflexão num primeiro momento iremos refletir sobre a Literatura e infância, e em seguida traremos a Literatura como experiência e fruição, e a escola como responsável de ampliação de repertório. LEITURA, LITERATURA E INFÂNCIA O livro infantil é capaz de despertar todo encantamento que é próprio da infância, desperta pensamentos e desejos. Essa aproximação com o livro, suas ilustrações é de fundamental importância para o desenvolvimento infantil. Segundo Colomer (2003), na década de 1960, qualificada como uma década de qualidade da literatura infantil e juvenil, o destinatário dos livros infantis foi considerado como um leitor de qualidade literária. Já Paiva e Oliveira (2010) afirmam que: A escola tem como uma de suas funções primordiais a formação do indivíduo leitor, pois ela ocupa o espaço privilegiado de acesso à leitura, é imprescindível que a escola crie possibilidades que oportunizem o desenvolvimento do gosto pela leitura por intermédio de textos significativos para os alunos. (PAIVA & OLIVEIRA, 2010, p.2.) As intervenções que são realizadas com crianças em momentos com os livros, e a forma como os adultos escolhem os livros, se por conteúdo ou idade, por exemplo, perpassam por uma concepção de infância. Muitas vezes as análises e escolhas dos livros infantis não são feitas com base nos interesses e necessidades das crianças. A concepção que se tem sobre infância irá de alguma forma definir e influenciar quais metodologias serão utilizadas, quais livros serão escolhidos para determinadas vivências. Se a concepção de infância perpassa por uma criança nos moldes de um mini-adulto, como cita Ariès (1981), que não sabe pensar, refletir, interrogar, teremos momentos de leitura castradores que não irão possibilitar a formação de um leitor competente, que para Colomer (2003), é aquele que sabe 2

construir um sentido nas obras lidas. Se a concepção escolhida é de uma criança que pensa criticamente, aprende ativamente e refletem, certamente, esses momentos irão possibilitar a formação leitora das crianças. No tocante a ampliação de experiência e construção de sentidos, Colomer (2003) afirma que o livro infantil oferece aos pequenos a confirmação do mundo que conhecem, mas esses livros devem oferecer também uma literatura que amplie sua imaginação e suas possibilidades perceptivas. O itinerário infantil das leituras irá se ampliar à medida que a criança vai crescendo, entretanto, isso não significa que elas tenham que esperar a chegada a algum momento determinado de sua formação para desfrutar da experiência literária. Dentro desse contexto, trazemos algumas reflexões de Vygotsky (2001) sobre imaginação e criação na infância. O autor citado afirma que toda obra de criação e imaginação está inserida a partir de elementos reais, da realidade de cada indivíduo, de cada contexto em que está inserido e que a imaginação não existe de forma isolada no comportamento humano, mas depende diretamente de outras formas de atividade, em particular do acúmulo de experiências. Quanto mais experiência se tiver, mais será fácil elaborar, imaginar algo. Os processos de imaginação e criação são extraídos da realidade em que se vive, não estão soltos, nem perdidos no vácuo. Eles fazem parte da vida cotidiana de cada um. Pode-se também afirmar que esses processos são, por sua vez, influenciados pelo meio em que cada indivíduo se encontra, ou seja, seu contexto de vida. A imaginação não acontece quando a mente se encontra ociosa, e sim quando ela possui um repertório de conhecimentos e de coisas para sua elaboração, ou seja, ela é constituída de experiências anteriores. Vygotsky (2001) afirma: A análise científica das construções mais fantasiosas e distantes da realidade, por exemplo, dos contos, mitos, lendas, sonhos, etc; convencenos de que as criações mais fantásticas nada mais são do que uma nova combinação de elementos que, em última instância, foram trazidos da realidade e submetidos à modificação ou reelaboração da nossa imaginação. (VIGOTSKI, 2001, p.20). Cada um possui um repertório de experiências vivenciadas e, quanto mais se tiver vivido, mais esse repertório será ampliado. A experiência pode ser ampliada através da experiência dos outros. Podemos citar como exemplo a escola e as 3

possibilidades que ela possui de ampliação de repertório uma vez que lida com emoções e desejos e realidades. Sendo assim, os processos de imaginação e criação na infância estão diretamente ligados às experiências vividas por cada indivíduo e ao acúmulo de experiências. Além disso, quanto mais rica for à experiência de vida de cada um, maior será o repertório com possibilidades de ampliações. LITERATURA COMO EXPERIÊNCIA Na sociedade atual a escola precisa dar conta de muitas tarefas, e essas muitas vezes, não leva em consideração um desenvolvimento integral do sujeito, que passe pela experiência. Vivemos na sociedade do conhecimento e da informação, mas poucos têm produzido de fato conhecimento. A impressão que se tem é que na sociedade pós-moderna não há espaço para a experiência, se alguém não produz rápido e dentro dos moldes do mercado, não serve mais, se torna descartável. Na escola temos um didatismo exagerado que não permite a vivência de experiências do que para Larrosa (2003, p.5) é o Eso que me passa (Isso que me passa), onde algo me acontece que não sou eu, que está fora de si, que provoca deslocamentos e tem uma ideia de passagem, de paixão. Práticas pedagógicas que homogeneízam e generalizam o indivíduo como se todos fossem iguais. Para compreendermos melhor esse pensamento do autor, o Eso é a experiência que nos traz acontecimentos, e esses independem de nossas vontades, algo que não resulta dos nossos planejamentos, algo que me nos é estranho e desconhecemos. No Me, a experiência é algo me acontece e não algo que acontece com outros e sim conosco, e o passa é sujeito da experiência é um território de passagem e cheio de incertezas, o sujeito da experiência também deixa com que essa passagem seja um experimentar, sem saber muito que está por vir. O conceito de experiência que normalmente se conhece é aquele que tem haver com prática em alguma atividade, e tem haver com a ciência/técnica, bem peculiar ao mundo moderno, que se organiza para que o sujeito não tenha experiência de acordo com o sentido de experiência citado acima. No dicionário 4

Aurélio a palavra experiência significa: Conhecimento adquirido por estudos, ato de experimentar, diferente do conceito de experiências que trazemos nesse texto. Existe uma significativa diferença entre informação e experiência. Larrosa (2002, p.21), afirma que a informação não é experiência e a informação não faz outra coisa que cancelar nossas possibilidades da experiência, também existe uma distinção entre a leitura para adquirir conhecimentos e a leitura para se ter experiência, a leitura como fruição. Todos os instantes do nosso dia somos bombardeados por inúmeras notícias, documentários rápidos na televisão e nas redes sociais, até mesmo nos informamos e sabemos, quase em tempo real, do que acontece no nosso país e em outros países, e assim viver experiências/experimentar algo fica longe das nossas vidas. No que se refere à leitura, essa busca excessiva pela informação e por conhecimentos, impossibilita o vivenciar e o fruir que um texto literário proporciona. A leitura não pode servir somente como meio/método para adquirir conhecimentos. Isso nos ajuda a pensar dentro da escola que a literatura não pode servir somente para ensinar conteúdos. Para Larrosa (2003) nos afirma que: Trata-se de pensar a leitura como algo que nos é (ou nos- forma ou nos trans.- forma) como algo que nos constitui ou nos faz questionar sobre o que somos. Ler, portanto, não é apenas passatempo um mecanismo de evasão do mundo real ao verdadeiro eu. E também não se reduz a um meio para adquirir conhecimentos. (LARROSA, 2003, p.26). Em muitas realidades a escola se apropria de forma inadequada do texto literário fazendo uso da literatura apenas como recurso didático para ensinar algo. A nossa preocupação aqui não é somente a defesa de uma literatura que forme leitores críticos, capazes de reflexões sobre o mundo. Antes disso partimos na defesa de uma literatura que possibilite a formação do sujeito da experiência, que permita fruição, não na direção da leitura como deleite, mas ela como vivência que muitas vezes é perigosa e transforma. Para Marisa Lajolo (1993): Ler não é decifrar, como num jogo de adivinhações, o sentido de um texto. É, a partir do texto, ser capaz de atribuir-lhe significado, conseguir relacioná-lo a todos os outros textos significativos para cada um, reconhecer nele o tipo de leitura que seu autor pretendia e, dono da própria vontade, entregar-se a esta leitura, ou rebelar-se contra ela, propondo outra não prevista. (LAJOLO, 1993, p.59). 5

A escola de fato não pode perder de vista uma das suas obrigações enquanto produtora do conhecimento e do saber. Sabemos da importância que essa instituição de ensino possui na formação de um leitor crítico e que sejam capazes de atribuir significados próprios ao texto literário. No entanto, ela também pode promover momentos da leitura literária como experiência e fruição, sem se preocupar somente com a formação do leitor crítico e com o uso da literatura como recurso didático. É necessário instituir alunos, sujeitos leitores, o que significa renunciar, na sala de aula, ao conforto de um sentido acadêmico, conveniente, e objetivado, para engajar os alunos na aventura interpretativa, com seus riscos, suas instabilidades, suas contradições, suas surpresas, suas descobertas, mas também seus sucessos. (ROUXEL, 2014, p.21) O sujeito moderno é alguém que está em constante correria, que se movimenta sempre e que dificilmente pode parar. Esse sujeito tem sempre informações para saber e opiniões para expressar, não tem tempo para a experiência, para que algo lhe aconteça. Bem diferente é o sujeito da experiência é um sujeito exposto e vulnerável, alguém que se deixar viver experiências. Para Larrosa (2002) o sujeito da experiência é exposto, com tudo que essa exposição tem de vulnerabilidade e de risco. Por isso é incapaz de experiência aquele que se impõe, propõe. O sujeito da experiência é esse ser que faz uma passagem, onde tudo pode lhe tocar e mexer com seus afetos, onde tudo pode lhe acontecer. Ele se abre ao novo e experimenta as ocasiões, não se sente obrigado a sempre ter que opinar por tudo e não têm receio de padecer nas suas vivências. Para que a experiência aconteça, faz-se necessário um acontecimento e de um sujeito aberto a viver esse acontecimento. Aquilo que acontece com os outros não se podem experimentar só se pode ter experiência daquilo que acontece consigo. Na leitura de um livro o leitor pode até dominar todas as estratégias da leitura e decodificar a leitura escrita, mas nada pode lhe acontecer. O sujeito da experiência vivencia a leitura, algo lhe ocorre, lhe sensibiliza. 6

Na Educação Infantil o texto literário também pode ser experimentado pelas crianças, mesmo que elas ainda não decodifiquem a palavra, mas essa experiência pode acontecer através do adulto que ler para as crianças, e através das ilustrações. Essa experiência é um momento singular na formação do leitor, para trazer à luz aquilo que, na obra, interpela e implica sua sensibilidade, sua memória, seus valores, sua visão de mundo. Na realidade das aulas do ensino básico e na educação infantil, a leitura exigida repousa sobre uma série de observações formais que entravam o investimento pessoal do leitor. (ROUXEL, 2014, p.19-20) A escola pode fazer um caminho inverso, mostrando a possibilidade da leitura como fruição e sensibilização não somente como recurso metodológico para ensinar algo, não reduzindo somente à leitura como meio de adquirir conhecimentos. Mas, a leitura que pode transformar o sujeito, e nos levar a ser o que de fato nós somos, a leitura que nos leva a viver experiências. LITERATURA E FORMAÇÃO Refletir sobre formação através do texto literário pode não ser tão fácil, especialmente quando se pensa nas instituições de ensino e seus objetivos explícitos de formar o sujeito para o mercado de trabalho, dentro de uma normatização que atenda aos interessas do capital. Dentro dessa lógica do capital, não se pensa uma educação transformadora que possibilite tempo para viver experiências. No dicionário Aurélio da língua portuguesa as palavras: formação e enformar possuem significados semelhantes (formação: ato ou efeito de formar; enformar: meter na forma), e essa formação sempre vista como algo que tira o sujeito de um lugar inferior e o conduz a evolução. Nessa reflexão que trazemos, vamos partir da defesa de que o leitor em formação tem que viver a leitura do texto literário como experiência, e essa leitura não vista apenas como fruição, ou deleite, e sim como leitura que nem sempre leva o sujeito para evoluir, leitura onde se padece e se vive conflitos. O sujeito aqui é errante e não deseja ser enformado ou formado nos moldes da sociedade pósmoderna. Esse sujeito se forma nas próprias experiências do caminhar da vida. Para Barthes (1988, p.49), na leitura, todas as emoções do corpo estão presentes, misturadas, enroladas: a fascinação, a vagância, a dor, a volúpia; a leitura produz um corpo transtornado. 7

No livro O guarda-chuva do vovô, da autora Carolina Moreyra(2008), considerado um livro de literatura para crianças, traz uma boa leitura que mexe com os afetos e mostra uma personagem em formação, que vai se formando com as experiências da vida, essa é uma menina, que as vezes ia para a casa dos avós fazer-lhes visitas, nessa casa ela comia bolos feitos pela a avô, brincava e sempre tinha o desejo de que o avó estivesse nesses momentos, mas ele nunca participava de nenhum deles, estava sempre deitado no quarto e se aborrecia com os barulhos que a menina fazia ao brincar, também esse avó não gostava quando ela brincava com seu guarda-chuva. Essa menina se transforma no decorrer das suas vivências na casa dos avós, experimenta o medo, e lida com morte do avô. Alguns trechos: O vovô não gostava de bolo de chocolate e nunca abria a janela do quarto. O vovô não gostava quando eu corria no jardim ou fazia barulho debaixo da janela dele. E também não gostava quando eu brincava com seu guarda-chuva [...] Um dia achei o vovô diferente e perguntei pro meu pai se ele estava encolhendo. Meu pai ficou zangado e me mandou sair do quarto. Mas o vovô sorriu, e seus olhos ficaram pequenininhos. [...] Outro dia eu voltei pra visitar a vovó, e o vovô não estava. Então eu corri na grama do jardim e cantei debaixo da sua janela. A janela se abriu. Mas quem apareceu foi a vovó. Corri para o quarto, mas o vovô não tinha chegado. Perguntei por ele e a vovó sorriu, e seus olhos ficaram pequenininhos.[...] As relações do leitor com o texto estão ligadas aos efeitos que o texto literário provoca no leitor e sobre ele. As interações que podem ocorrer entre texto e leitor são imprevisíveis e diferem dependendo das experiências de cada sujeito. Aquele se abre a viver o Eso que me passa é vulnerável e consegue estabelecer uma relação interpessoal com o texto lido. Para Iser (1979), o texto literário apresenta alguns vazios, algumas lacunas. O que de fato são esses vazios? Ele afirma que os vazios são a assimetria fundamental entre texto e leitor, que se originam na comunicação do processo da leitura. A partir dos desequilíbrios que o texto oferece, do despertar de sensações como medo, morte, alegrias, paixão, é que essa comunicação é possível. E a 8

lacunas que o texto traz podem ser preenchidas por esses sentimentos. Os vazios surgem do que não está determinado no texto, daquilo que o leitor pode propor assim o leitor se projeta e se coloca naquela leitura. De acordo com Iser (1979), o que não aparece nas cenas mais triviais e os vazios nas articulações do diálogo estimulam o leitor a preenchê-los projetivamente. Jogam o leitor dentro dos acontecimentos e o provocam a tomar como pensado o que não foi dito. Desses pensamentos acima, parte nossa fala ao afirmar que a leitura de um texto literário não é somente deleite, calmaria, mas essa leitura desorganiza e sempre possibilita uma nova interpretação. CONSIDERAÇÕES FINAIS Na educação Infantil, apesar das crianças ainda não decodificarem a língua escrita, elas são capazes de recontar histórias e de reconhecerem essas histórias a partir das ilustrações, sendo assim, não podemos defender o uso do texto literário apenas como recurso didático para ensinar algo e também não se pode defendê-lo apenas como deleite por parte das crianças, mas também como encontro de conflitos, e realidades como as perdas, a morte, as alegrias. A visão das crianças se diferencia da dos adultos, com as crianças viver experiências se torna mais fácil ao passo que isso lhe é possibilitado. E a escola possui esse espaço e tempo para propiciar tais experiências e contato com o texto literário e a leitura. Sendo assim, fica claro que ao ter contato com a literatura as crianças produzem sentidos, muitas vezes fora do convencional, e essa literatura é um lugar de criatividade que abre novos lugares e olhares no sujeito, novas interpretações, muitas vivências. REFERÊNCIAS ARIÉS, Philipe. História social da infância e da família. Tradução de Dora Flaksman. 2ª edição, RJ, LTC - Livros Técnicos e Científicos Editora, 2006. BARTHES, Roland. O rumo da língua. São Paulo: Editora Brasiliense, 1988. 9

BENJAMIN, Walter. O Narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In: obras escolhidas I: magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1993. P. 197-232. BENJAMIN, Walter. Reflexões: a criança, o brinquedo, a educação. São Paulo: Summus, 1984. COLOMER. Teresa. A formação do leitor literário: narrativa infantil e juvenil atual. São Paulo: Global, 2003. Andar entre livros: A leitura literária na escola. São Paulo: Global, 2007. ISER, Wolfgang, et al. A literatura e o leitor: Textos de Estética da Recepção. 2ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. LARROSA, Jorge Bondía. Notas sobre a experiência e o saber da experiência. Revista Brasileira de Educação, Jan/Fev/Mar/Abr nº 19, 2002. La experiência de la lectura. Colec. Espacios para la lectura. FCE. México,2003. LAJOLO, Marisa. Do mundo da leitura para a leitura do mundo. São Paulo: Ática, 1993. MOREYRA, Caroline. O guarda-chuva do vovô. 2ª ed. DCL-Difusão Cultural do Livro: 2013. ROUXEL, Annie. Memórias da Borborema 4: Discutindo a Literatura e seu ensino. Abralic: Campina Grande, 2014. VIGOTSKI, Lev. S. Imaginação e realidade. In: Imaginação e criação na infância: ensaio psicológico: livro para professores. Trad. Zóia Prestes. São Paulo: Ática, 2009. P. 19 34. ZILBERMAN, Regina. Estética da recepção e história literária. São Paulo: Ática, 1989. 10