Hepatite C Crônica: custo dos antivirais versus custo de acompanhamento do paciente de acordo com a perspectiva do Sistema Único de Saúde. Carine Raquel Blatt; Fabíola Bagatini Buendgens; Junior André da Rosa; Liége Noemia Maria da Cunha Bernardo; Mareni Rocha Farias. 3. Justificativa: A demanda por informações consistentes sobre os benefícios da tecnologia e a repercussão financeira sobre a esfera pública são de extrema importância e visam subsidiar a formulação de políticas e tomadas de decisão. A avaliação das tecnologias não deve ser realizada para todas, e sim para aquelas tecnologias relevantes pelo impacto potencial em saúde, pela complexidade ou pelo custo unitário ou global. A hepatite C configura-se atualmente como um importante problema de saúde pública no país, seja por seu impacto potencial, como principal causa de cirrose e transplante hepático, seja pelo custo do tratamento, que é elevado e fornecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS), ou pelo custo do não tratamento, que pode ser ainda maior, considerando gastos com complicações, internações hospitalares e cuidados paliativos. No Brasil, a prevalência da infecção pelo vírus da hepatite C (VHC) é estimada em 2,5% em adultos (Diamont, 2007). De acordo com o boletim epidemiológico de hepatites virais no Brasil, entre 1999 e 2009 foram notificados 132.950 casos e confirmados 60.908 (Brasil, 2010). Os medicamentos disponibilizados para o tratamento fazem parte do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica (CEAF) e possuem Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) específico para a hepatite C atualizado em 2011, sendo a ribavirina (RBV), o interferon alfa (IFN) e o peguinterferon alfa (PEG) os medicamentos padronizados (Brasil, 2011). O objetivo do tratamento é eliminar o vírus e deter a progressão da doença, a fim de melhorar a qualidade de vida dos pacientes e reduzir o risco de cirrose e carcinoma hepatocelular. O objetivo deste trabalho foi quantificar os custos diretos do tratamento da hepatite C crônica, comparando os custos dos medicamentos antivirais com o cuidado do paciente. 4. Metodologia: Os custos diretos do tratamento foram verificados por paciente e mediante um micro-costing study com a perspectiva do Sistema Único de Saúde. Foram incluídos como custos diretos: medicamentos antivirais; medicamentos para controle de efeitos adversos; testes diagnósticos; aplicação dos antivirais; consultas com médicos e outros profissionais; acompanhamento farmacoterapêutico e de enfermagem; hospitalizações devido ao tratamento.
Os recursos consumidos foram verificados através do protocolo brasileiro para o tratamento da Hepatite C e a partir de três coortes realizadas em Santa Catarina com pacientes em tratamento para a Hepatite C. Os custos foram estimados assumindo que todos os pacientes completam o tratamento. Os custos forma mensurados através do Sistema de Gerenciamento da Tabela de Procedimentos, Medicamentos, Órteses, Próteses e Materiais Especiais do SUS (SIGTAP), Secretaria Estadual de Saúde-SC, Secretaria Municipal de Saúde de Florianópolis, Ministério da Saúde. Os valores são referentes ao ano de 2010 e foram convertidos para dólar. 5. Resultados e Discussão: O custo total para o tratamento da hepatite C por paciente com IFN foi de US$ 982,25; com PEG 2a 180 mcg, foi de US$ 10.658,08; e com PEG 2b 120 mcg, foi de US$ 12.597,63, conforme apresentado na Figura1. No Brasil, o componente de maior custo do tratamento da Hepatite C é o custo de medicamentos antivirais. Encontramos uma grande diferença entre o custo total do tratamento com IFN mais RBV comparado com PEG mais RBV (10 vezes maior). Isto poderia ser de cerca de 31 vezes maior quando comparado apenas o custo dos medicamentos antivirais. Conforme pode ser visualizado na Figura 2, os medicamentos antivirais são o elemento mais representativo do custo, totalizando mais de 40% para o tratamento com IFN e 88% para o tratamento com PEG. As preparações injetáveis de PEG possuem custo elevado. Além disso, o tratamento da Hepatite C possui risco de efeitos secundários graves, e nem todos os doentes alcançam a cura através do tratamento. Desta maneira, acreditamos que o valor elevado de medicamentos antivirais justifica o uso das diretrizes para definir os critérios para o tratamento de um paciente. Somente os pacientes que apresentam maior probabilidade de sucesso do tratamento deveriam ser submetidos a terapia. Figura 1. Custo direto total em doláres e por paciente do tratamento para Hepatite C com interferon e ribavirina (IFN), peguinterferon alfa 2a 180 mcg e ribavirina (PEG 2a) e peginterferon alfa 2b 120 mcg e ribavirina (PEG 2b). IFN PEG 2a PEG 2b Medicamentos antivirais 303.29 9,447.68 11,387.23 Alfa eritropoetina 110.06 220.13 220.13 Fatores Estimulantes de colônia 47.94 95.88 95.88 Outros medicamentos 1.69 3.39 3.39 Testes diagnósticos iniciais 260.23 356.26 356.26 Testes de diagnóstico para acompanhamento do paciente 91.02 249.69 249.69 Aplicação dos medicamentos injetáveis 25.86 17.24 17.24 Visitas a médicos especialistas 28.50 39.90 39.90 Visitas a nutricionistas 0.20 0.41 0.41 Visitas ao psiquiatra 0.45 0.91 0.91
Visitas ao dermatologista 0.65 1.30 1.30 Seguimento farmacoterapêutico 21.55 43.09 43.09 Cuidado de enfermagem 86.18 172.37 172.37 Hospitalização 4.93 9.86 9.86 Total 982.25 10,658.08 12,597.63 Se incluirmos o custo do tratamento de efeitos colaterais dos medicamentos, o farmacêutico e cuidados de enfermagem (excluindo médico especialista) e internação, os custos totais são de USD $ 165,93 para tratamento com IFN e US $ 331,85 para o tratamento PEG. Ou seja, os efeitos colaterais são um grande obstáculo para a adesão a terapia e seu monitoramento e tratamento possui pouco impacto no custo total do tratamento da Hepatite C. Desta maneira, o manejo dos efeitos colaterais do tratamento do HCV é fundamental para manter ou melhorar a aderência e permitir a conclusão da terapia. Os motivos mais frequentes para a interrupção do tratamento são depressão ou uma incapacidade de tolerar os efeitos colaterais. A interrupção do tratamento devido a anemia, neutropenia ou trombocitopenia é menos frequente, embora muitos pacientes necessitam de redução da dose durante o tratamento ao apresentarem estes sintomas. Desta maneira, Prevenir ou controlar estes efeitos adversos pode promover a adesão em um paciente não aderente e, consequentemente melhorar a resposta virológica. Além disso, considerando que o número de pacientes interrompe o tratamento devido a efeitos secundários é entre 4% e 45% (Blatt, 2011), é muito importante garantir que os pacientes submetidos a tratamento de HCV fossem adequadamente acompanhados e os efeitos colaterais controlados. O manejo do efeito adverso que representa maior custo é a anemia e a trombocitopenia devido a utilização de eritropoetina alfa e fator estimulante de colônias. Embora esses medicamentos tenham custo elevado, seu uso tem aumentado em clínicas para permitir aos doentes para continuar seu regime de tratamento com PEG e RBV e também para sustentar as doses RBV necessárias para maximizar as chances de SVR (Bacon, 2004). Encontramos um percentual de 31% dos pacientes que utilizam a eritropoetina alfa durante o tratamento e de 20%, utilizando fator estimulador de colônias. No entanto, em outro estudo estes valores foram mais baixas, de 9% a 17% dos pacientes que receberam o PEG também receberam fator estimulador de colônias de granulócitos ou eritropoetina alfa (Bacon, 2005). O monitoramento dos pacientes em tratamento deve incluir os exames para a determinação dos níveis de RNA do HCV, a adesão e a avaliação de efeitos secundários. O monitoramento clínico e virológico devem ser realizados em intervalos que variam de um a três meses (Dienstag, 2006). O monitoramento hematológico é indicado para detectar anemia, neutropenia ou trombocitopenia. Determinação do hormônio estimulante da tireóide é indicada também para identificar hiper ou hipotireoidismo. Acompanhamento rigoroso dos sinais clínicos de depressão, com intervenção adequada, é de extrema importância (McHutchison, 2007). Testes como genotipagem e carga viral podem ajudar a estimar a probabilidade de resposta antiviral ou
determinar a duração da terapia, e outros testes são efetuados para os valores da linha de base, a fim de monitorizar os potenciais efeitos colaterais da terapia. Monitoramento da terapia antiviral é fundamental para garantir que o benefício máximo possa ser alcançado e que as complicações que podem interferir nos resultados sejam evitadas. Apesar disso, sabe-se que no Brasil que alguns pacientes têm dificuldade em ter acesso aos exames de diagnóstico e monitoramento. Os testes de diagnóstico representam apenas 5,7% do custo direto total do tratamento com PEG mais RBV e 35,7% do custo direto total do tratamento com IFN mais RBV. Esta diferença é devido ao grande contraste de preço entre os medicamentos antivirais. Além disso, outro ponto importante para monitorar o tratamento é a EVR (Early Virological Response). Os estudos clínicos demonstraram que os pacientes que não atingem EVR por 12 semanas de tratamento, definido como pelo menos uma redução de 2 log em níveis de RNA de HCV, tem apenas uma pequena probabilidade (<3%) para atingir SVR no final de um ciclo completo de terapia (NIH, 2002; Bacon, 2004; McHutchison, 2007). Esta regra de descontinuar o tratamento na 12º semana é mais relevante para pacientes com genótipo 1, que normalmente exigem um curso de 48 semanas de terapia. No genótipo 1 doentes que não conseguiram alcançar o EVR de 12º semanas, a interrupção da terapia é recomendada. Isto não só impede que o paciente que sofre de efeitos secundários, mas também gera uma economia de recursos. Análises econômicas têm mostrado reduções nos custos de antivirais em aproximadamente 45% com o uso da regra de descontinuar o tratamento na 12º semana em pacientes que receberam PEG mais RBV (Bacon et al, 2005). Outro ponto significativo do monitoramento é que em muitos serviços os pacientes não recebem é a avaliação virológica ao final do tratamento. Esse monitoramento é essencial para verificar a eficácia do tratamento, para avaliar os serviços e para os dados epidemiológicos e de gestão dos serviços de saúde. Num âmbito macro, considerando a perspectiva do orçamento público, de acordo com os dados do Ministério da Saúde (MS) foram tratados entre 2007 e 2009 10.000 pacientes por ano (21% com IFN; 43% com PEG 2a 180mcg; 36% com PEG 2b -80,100 e 120mcg). Considerando estes percentuais de utilização dos antivirais, o orçamento do MS total para tratar 10.000 pacientes de acordo com nossas estimativas é $90 milhões de dólares e o custo com os antivirais representam 90% deste custo total.
Figura 2 Percentual do custo direto total do tratamento da Hepatite C com interferon alfa e ribavirina e peginterferon alfa 2a 180 mcg e ribavirina. 6. Conclusões: Para o tratamento com PEG, os custos com o acompanhamento dos pacientes, testes diagnósticos e consultas com profissionais representam apenas 12% dos custos totais, o que indica que melhor cuidado deve ser fornecido a esse grupo de pacientes para a economia de recursos financeiros. Considerando os custos elevados dos medicamentos antivirais e o baixo custo relativo do cuidado e o acompanhamento do paciente é necessário fornecer adequada rede de serviços para os pacientes em tratamento para a Hepatite C, isso aumentaria as chances de cura e poderia reduzir custos para o sistema público no Brasil. 7. Referências Bacon BR, McHutchison JG. Treatment issues with chronic hepatitis C: special populations and pharmacy strategies. Am J Manag Care. 2005 Oct;11(10 Suppl):S296-306; quiz S7-11. Bacon BR. Managing hepatitis C. Am J Manag Care. 2004 Mar;10(2 Suppl):S30-40. Blatt CR. Um olhar sobre a efetividade e custos do tratamento da hepatite C sob a perspectiva do Sistema Único de Saúde [Tese]. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina; 2011. Brasil. Boletim Epidemiológico Hepatites Virais. 2010;Ano I - nº 1. Brasil. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Hepatite Viral C e coinfecções. In: Saúde Md, editor. Séria A ed. Brasília: Secretária de Vigilância em Saúde; 2011. p. 100. Diament D. Epidemiological Aspects of Hepatitis C in Brazil. The Brazilian Journal of Infectious Diseases. 2007;11 (5)(Suppl. 1):6-7. Dienstag JL, McHutchison JG. American Gastroenterological Association technical review on the management of hepatitis C. Gastroenterology. 2006 Jan;130(1):231-64; quiz 14-7.
McHutchison JG, Manns MP, Brown RS, Jr., Reddy KR, Shiffman ML, Wong JB. Strategies for managing anemia in hepatitis C patients undergoing antiviral therapy. Am J Gastroenterol. 2007 Apr;102(4):880-9. NIH. Consensus Statement on Management of Hepatitis C: 2002. NIH Consens State Sci Statements. 2002 Jun 10-12;19(3):1-46.