SAÚDE MENTAL EM PERSPECTIVA ENSAIOS SOBRE A PSICOPATOLOGIA E O CUIDAR



Documentos relacionados
Redes Intersetoriais no Campo da Saúde Mental Infanto-Juvenil

Suplementar após s 10 anos de regulamentação

Capítulo 50: centro de atenção psicossocial de álcool e drogas

III Mostra Nacional de Produção em Saúde da Família IV Seminário Internacional de Atenção Primária / Saúde da Família Brasília, 05 a 08 de Agosto de

De volta para vida: a inserção social e qualidade de vida de usuários de um Centro de Atenção Psicossocial

Rede de Atenção Psicossocial

Álcool e Outras Drogas no Contexto da Saúde Mental

Construindo a Rede de Atenção Psicossocial em São Bernardo do Campo. Reflexões a partir do Municipio

Plano de Trabalho Docente Ensino Técnico

TÍTULO: EXPERIÊNCIA COM OS FAMILIARES DOS PORTADORES DE ESQUIZOFRENIA USUÁRIOS DO SERVIÇO CAPS

Unidade II FUNDAMENTOS HISTÓRICOS, TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DO SERVIÇO SOCIAL. Prof. José Junior

Construção de Redes Intersetoriais para a atenção dos usuários em saúde mental, álcool, crack e outras drogas

Curso de Especialização em GESTÃO EM SAÚDE MENTAL

Documento que marca as reformas na atenção à saúde mental nas Américas.

I Jornada de Saúde Mental do Vale do Taquari: Crack e outras drogas: perspectivas na abordagem psicossocial

MANUAL ATRIBUIÇÕES E ROTINAS PSICOLOGIA HOSPITALAR

Carta de Campinas 1) QUANTO AO PROBLEMA DO MANEJO DAS CRISES E REGULAÇÃO DA PORTA DE INTERNAÇÃO E URGÊNCIA E EMERGÊNCIA,

CURSO DE ENFERMAGEM Reconhecido pela Portaria nº 270 de 13/12/12 DOU Nº 242 de 17/12/12 Seção 1. Pág. 20

Atuação do psicólogo na Assistência Social. Iolete Ribeiro da Silva Conselho Federal de Psicologia

Secretaria Municipal de Assistência Social Centro de Referência Especializado de Assistência Social

CURSO DE ENFERMAGEM Reconhecido pela Portaria nº 270 de 13/12/12 DOU Nº 242 de 17/12/12 Seção 1. Pág. 20

Equipe: Ronaldo Laranjeira Helena Sakiyama Maria de Fátima Rato Padin Sandro Mitsuhiro Clarice Sandi Madruga

PARECER TÉCNICO I ANÁLISE E FUNDAMENTAÇÃO:

A Política de Saúde Mental de Belo Horizonte. por uma sociedade sem manicômios

PEDAGOGIA HOSPITALAR: as politícas públicas que norteiam à implementação das classes hospitalares.

EMENTAS DAS DISCIPLINAS DO CURSO DE GRADUAÇÃO EM TERAPIA OCUPACIONAL 1 º PERÍODO

CAPITULO I DA NATUREZA E PAPEL DO NÚCLEO DE APOIO PSICOPEDAGÓGICO

REDUÇÃO DE DANOS EM SERVIÇOS DE SAÚDE

CURSO DE ATUALIZAÇÃO. Gestão das Condições de Trabalho e Saúde. dos Trabalhadores da Saúde

COMISSÃO DE SEGURIDADE SOCIAL E FAMÍLIA PROJETO DE LEI Nº 3.630, DE 2004

A POTÊNCIA DA MÚSICA EM PACIENTES PSIQUIÁTRICOS- DO SETTING AO PALCO. * RESUMO

RESIDÊNCIA MÉDICA EM PSIQUIATRIA

PLANO ESTADUAL DE CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA

I instituições e empresas empregados; II estabelecimentos de ensino 400 alunos; VI serviços de reabilitação física 60 usuários;

Saúde Mental passo a passo: como organizar a rede de saúde mental no seu município?

Orientação para Aposentadoria. Donália Cândida Nobre Assistente Social Suzana Pacheco F. de Melo Psicóloga

6 Considerações finais

Amigos da mãe: Identificação da gestante em risco psíquico

Ministério da Saúde Área Técnica de Saúde Mental Álcool e outras Drogas Miriam Di Giovanni Curitiba/PR - 12/11/2010

Compromisso para IPSS Amigas do Envelhecimento Ativo CONFEDERAÇÃO NACIONAL INSTITUIÇÕES DE SOLIDARIEDADE

Plano Integrado de Capacitação de Recursos Humanos para a Área da Assistência Social PAPÉIS COMPETÊNCIAS

IMPLEMENTAÇÃO DA LEI /2001 Modelo de Estrutura

Seminário: Drogas, Redução de Danos, Legislação e Intersetorialidade. Brasília, outubro de 2009.

li'm(i)~mr:.\r&~ ~[~ ~~~ ~~~.l, ~~~:r,,~{íe.c.~ ~~ ~ 1liiJ~mmrl!&

COMISSÃO DE ASSUNTOS SOCIAIS DO SENADO FEDERAL. Brasília maio 2010

O CONSUMO DE CRACK É UMA QUESTÃO PARA A REDE DE SAÚDE MENTAL

CENTRO DE CONVIVÊNCIA E CULTURA - TRABALHANDO A INSERÇÃO SOCIAL DO PACIENTE COM TRANSTORNO MENTAL

CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA DO RIO GRANDE DO SUL CENTRO DE REFERÊNCIA TÉCNICA EM PSICOLOGIA E POLÍTICAS PÚBLICAS

TERAPEUTA OCUPACIONAL E O SUS

TÍTULO: A ENFERMAGEM E OS USUÁRIOS DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS NO CAPS: RELATO DE VIVÊNCIAS.

SAÚDE MENTAL NA RODA :A SENSIBILIZAÇÃO DOS TRABALHADORES DA REDE DE ATENÇÃO BÁSICA

Mostra de Projetos Projeto de Implantação da Rede de Proteção Social de Araucária

O APOIO MATRICIAL COMO PROCESSO DE CUIDADO NA SAÚDE MENTAL

EMENTAS DAS DISCIPLINAS

RESPONSABILIDADE SOCIAL: a solidariedade humana para o desenvolvimento local

INTERDIÇÃO E CURATELA: UMA REFLEXÃO A PARTIR DO CENTRO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL DE ANGRA DOS REIS RJ BRASIL

O CUIDADO QUE EU PRECISO

A SAÚDE MENTAL NO ÂMBITO JÚRIDICO: a árdua Luta Antimanicomial no Brasil

AMBULATÓRIO PÓS-ALTA DE QUEIMADURAS: ATUAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL E PSICOLOGIA BUSCANDO PROCESSO DE REABILITAÇÃO HUMANIZADO

A Rede de Atenção à Saúde Mental no Paraná. Coordenação Estadual de Saúde Mental Abril 2014

MINUTA DE RESOLUÇÃO CFM

Aulas de Saúde Mental para Equipes do Programa de Saúde da Família

ATUAÇÃO DO SERVIÇO v SOCIAL JUNTO AO PACIENTE COM QUEIMADURAS POR TENTATIVA DE SUICÍDIO

A REFORMA PSIQUIÁTRICA NO INTERIOR DO ESTADO DE SÃO PAULO: PSIQUIATRIA REFORMADA OU MUDANÇA PARADIGMÁTICA?

ORIENTAÇÕES PARA A ELABORAÇÃO DE RELATÓRIO DE CRIANÇAS/ADOLESCENTES PARA FINS DE ADOÇÃO INTERNACIONAL (CONTEÚDOS RELEVANTES)

NOTA TÉCNICA REDE DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL (RAPS) 19/04/2012 Pag. 1 de 5

1- Apoiar a construção coletiva e a implementação do Plano Municipal de Educação. 2 - Educação Inclusiva

No dia 18 de maio participamos de diversas atividades em comemoração ao dia de luta antimanicomial na cidade de Pelotas e Rio Grande.

EDITAL PARA SUBMISSÃO DE TRABALHOS CIENTÍFICOS

Organização dos Estados EDITAL DE SELEÇÃO 222/2013 Ibero-americanos PROJETO OEI/BRA/08/006 Para a Educação, ERRATA: a Ciência e a Cultura

Hospital de Clínicas Gaspar Viana

Diretrizes para Implementação dos Serviços de Responsabilização e Educação dos Agressores

CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA CENTRO DE REFERÊNCIAS TÉCNICAS EM PSICOLOGIA E POLÍTICAS PÚBLICAS CONVERSANDO SOBRE A PSICOLOGIA E O SUAS

EDUCAÇÃO FISCAL PARA A CIDADANIA HISTÓRICO DO GRUPO DE EDUCAÇÃO FISCAL DO MUNICÍPIO DE LAGES

PROJETO DE INCLUSÃO ESCOLAR. Inclusão escolar de crianças e adolescentes com transtornos psíquicos e problemas em seu desenvolvimento.

Linhas de Cuidado na Perspectiva de Redes de Atenção à Saúde

Especial Online RESUMO DOS TRABALHOS DE CONCLUSÃO DE CURSO. Serviço Social ISSN

A importância da atuação do assistente social nas clínicas integradas de saúde e sua contribuição para as práticas de saúde coletiva

Encontro de Empresas Mesa redonda: Programa de Assistência ao Empregado: para onde encaminhar. Ambulatório

Prioridades para o PA 2014 Comunidade Externa. Câmpus Restinga Junho, Desenvolvimento Institucional

Experiência: VIGILÂNCIA À SAÚDE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

DOCUMENTO TÉCNICO DO PROJETO

RELATÓRIO FINAL CURSO DE CAPACITAÇÃO EM SAÚDE MENTAL

AÇÕES DE EXTENSÃO E CUTURA 2010 UNIDADE: FOP ÁREA TEMÁTICA: EDUCAÇÃO REPRESENTANTE: CLEIDE RODRIGUES

Diretrizes Consolidadas sobre Prevenção, Diagnóstico, Tratamento e Cuidados em HIV para as Populações-Chave

VIII Jornada de Estágio de Serviço Social. A PRÁTICA DO SERVIÇO SOCIAL NA ASSOCIAÇÃO MINISTÉRIO MELHOR VIVER- AMMV

Avaliação Psicossocial: conceitos

GRUPO HOSPITALAR CONCEIÇÃO SERVIÇO DE SAÚDE COMUNITÁRIA APOIO TÉCNICO EM MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO

EMENTAS DAS DISCIPLINAS

SEMANA 3 A CONTRIBUIÇAO DOS ESTUDOS DE GÊNERO

Ministério da Saúde Gabinete do Ministro PORTARIA Nº 121, DE 25 DE JANEIRO DE 2012

ORIENTAÇÕES PARA A ELABORAÇÃO DE RELATÓRIO PSICOSSOCIAL DE PRETENDENTES À ADOÇÃO INTERNACIONAL (CONTEÚDOS RELEVANTES)

Diretrizes visando a melhoria de projetos e soluções construtivas na expansão de habitações de interesse social 1

O PROCESSO TERAPÊUTICO EM UM CAPSad: A VISÃO DOS TRABALHADORES

Oficinas de tratamento. Redes sociais. Centros de Atenção Psicossocial Álcool e drogas


humor : Como implantar um programa de qualidade de vida no trabalho no serviço público Profa. Dra. Ana Magnólia Mendes

Atendimento Educacional Especializado

Curso de Especialização em GESTÃO EM SAÚDE DA PESSOA IDOSA

CAPS AD III PORTÃO. Prefeitura Municipal de Curitiba Inauguração em Modalidade III em

Transcrição:

VANESSA FERRY SOARES ALBUQUERQUE (ORG.) AMANDA SENA UCHÔA ANA BEATRIZ VIDIGAL SANTOS ELIZABETH ALENCAR MOURA JOSEANE MEDEIROS BARROS DA SILVA MANOELLA ALVES DE CASTRO MENDES NAYANA DE ARAÚJO TOURINHO SAÚDE MENTAL EM PERSPECTIVA ENSAIOS SOBRE A PSICOPATOLOGIA E O CUIDAR Primeira Edição São Paulo 2013

SAÚDE MENTAL EM PERSPECTIVA ENSAIOS SOBRE A PSICOPATOLOGIA E O CUIDAR VANESSA FERRY SOARES ALBUQUERQUE (ORG.) AMANDA SENA UCHÔA ANA BEATRIZ VIDIGAL SANTOS ELIZABETH ALENCAR MOURA JOSEANE MEDEIROS BARROS DA SILVA MANOELLA ALVES DE CASTRO MENDES NAYANA DE ARAÚJO TOURINHO Primeira Edição São Paulo 2013

Saúde Mental em Perspectiva: Ensaios Sobre a Psicopatologia e o Cuidar./ Vanessa Ferry Soares Albuquerque (org.). São Paulo: PerSe, 2013. Vários autores. 203 pág. ISBN. 978-85-8196-245-0 1. Psicologia. Saúde Mental. I. Título, Org.

SUMÁRIO 01. A Família, o Cuidar e a Criança com Transtorno Mental Vanessa Ferry Soares Albuquerque 02. Codependência Amorosa: Um Estudo Cognitivo-Comportamental Focado nos Esquemas Vanessa Ferry Soares Albuquerque Nayana de Araújo Tourinho 03. Fobia Social: Um Estudo de Caso com Base na Terapia Cognitivo- Comportamental Elizabeth Alencar Moura 04. Psicogeriatria: A Importância do Enfoque Específico dos Transtornos Mentais na Velhice e sua Terapêutica Ana Beatriz Vidigal Santos Manoella Alves de Castro Mendes 05. Saúde Mental em Interface com a Psicologia Social: Experiência do Atendimento a Familiares de Adolescentes em Cumprimento de Medidas Sócioeducativas do CREAS Amanda Sena Uchôa 06. A Relação da Síndrome de Burnout com o Exercício da Função de Supervisores de Vendas em uma Empresa Multinacional Joseane Medeiros Barros da Silva Vanessa Ferry Soares Albuquerque 09 45 88 105 134 159

APRESENTAÇÃO A proposta de um livro que abordasse aspectos de variadas patologias e suas terapêuticas emergiu da convergência entre atividade acadêmica e prática profissional. Foi uma escolha despertada pela consciência de que o psicólogo que atua no ramo da Saúde Mental pode, por responsabilidade ética, assumir em paralelo o papel da construção de conhecimento, de forma a auxiliar no estabelecimento de parâmetros de cuidado. Com o advento da Reforma Psiquiátrica, o mundo declarou intolerância às condições inadequadas em que se encontravam as pessoas usuárias dos serviços hospitalares para tratamento de transtornos mentais. Tais hospitais constituíam a única alternativa para muitos, mas não passavam de verdadeiros aglomerados de sujeitos desumanizados. E é exatamente na tentativa de que ações deste âmbito sejam extintas que se faz de suma relevância questionar as práticas e buscar subsídios teóricos que auxiliem no embasamento de intervenções adequadas.

A mudança no atendimento à pessoa com transtorno mental é um reflexo da mudança de discurso. Se antes da Reforma Psiquiátrica a visão de homem que se tinha era segmentada entre corpo e mente, mudam-se os contextos e surge uma visão de homem biopsicossocial, formado por múltiplas e complexas variáveis. As psicopatologias, então, se aproximam do sofrimento humano na medida em que se distanciam da anormalidade, da visão tradicional e arcaica de loucura. O fator subjetivo passa a ser considerado, bem como o conjunto de valores e representações traçadas pelo indivíduo que adoece trazem um significado particular para a relação terapêutica. É a partir do movimento reformista que a sociedade rompe com os padrões, na busca por superação. Neste contexto, práticas antes pouco convencionais, como a dança, a arte, ou o simples diálogo em grupo adquirem significado e são alçados à condição de terapia. A política dos Centros de Atenção Psicossociais (CAPS) emerge com propostas de uma clínica alternativa em prol do objetivo de inclusão social da pessoa com transtorno mental. O usuário do CAPS passa a ter acesso a um tratamento sem que seja necessário seu isolamento da sociedade.

O sistema até então vigente, dito hospitalocêntrico, preocupava-se apenas em enquadrar o comportamento em moldes socialmente aceitos, desconsiderando a subjetividade da pessoa com transtorno mental, em um movimento cíclico de reincidentes internações (até mesmo compulsórias), transpondo para a família e a sociedade o estigma da incurabilidade e periculosidade o louco era, logo, um motivo de vergonha e objeto de rejeição. No Brasil, a luta para instituir legalmente uma mudança das práticas psiquiátricas pautada no antimanicomialismo ganhou impulso com a criação da Lei nº 10.216/01, que dispõe sobre os direitos humanos e civis da pessoa com transtorno mental. A Reforma Psiquiátrica brasileira deu-se de forma peculiar. Diversos obstáculos se interpuseram à sua consolidação. A questão ultrapassou discussões sobre uma reorganização administrativo-assistencial e atingiu o âmbito dos interesses particulares, num impasse gerou um atraso de quase dez anos na aprovação do Projeto de Lei Paulo Delgado. O cuidado à pessoa com transtorno mental muitas vezes ficou relegada a pano de fundo para uma briga política acirrada.

No atual momento histórico, então, novas práticas assumem o papel central num sistema de promoção de saúde em plena construção. Torna-se impossível ficar indiferente ao compromisso de consolidar avanços e a busca por conhecimentos é o elemento essencial para a melhor operacionalização dos serviços oferecidos. Vanessa Ferry Soares Albuquerque

A FAMÍLIA, O CUIDAR E A CRIANÇA COM TRANSTORNO MENTAL Vanessa Ferry Soares Albuquerque Aqui faremos um breve debate sobre a família e sua percepção sobre Saúde Mental, com base nos relatos de familiares das crianças atendidas no Capsi de Timon, no estado do Maranhão. A Reforma Psiquiátrica é uma temática que se disseminou pelo mundo na década de 1940 alardeando a necessidade de que fossem formuladas novas medidas terapêuticas para pacientes portadores de transtornos mentais. No Brasil, ideias reformistas contra o dito hospitalocentrismo (modelo de tratamento psiquiátrico asilar) tomaram proporção nacional apenas na década de 1980, concretizando-se, enquanto política pública, com o Projeto de Lei nº 3.657/89, conhecida como Lei Paulo Delgado, em reconhecimento ao deputado que a defendeu.

Mas apenas em 2002, a partir da portaria do Ministério da Saúde GM-336/02, instituiu-se no Brasil a regulamentação do CAPS Centro de Atenção Psicossocial, como modelo substitutivo à rede hospitalar psiquiátrica. No mesmo ano, em meados de 2002, o município de Timon/MA acompanha a vanguarda do nordeste implantando o primeiro CAPS do município. Localizada no interior do Maranhão, na divisa com o estado do Piauí, Timon, cidade com uma população aproximada de 150 mil habitantes, possui peculiaridades que torna bastante diferenciada sua identidade dos demais municípios maranhenses, a exemplo do próprio distanciamento geográfico em relação à capital, São Luís. Simultaneamente Timon vive os reflexos positivos e negativos da proximidade da capital piauiense o que se reproduz na sua realidade social e econômica. No campo da saúde pública, a cidade vem desenvolvendo iniciativas que privilegiam a atenção na esfera da Saúde Mental. No ano de 2005, implantou um CAPSi Centro de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil e um ambulatório de cuidados psiquiátrico e psicológico.

Em 2006, o município implementou a relação dos serviços existentes de CAPS com o PSF Programa de Saúde da Família. Foi realizado, também, o I Movimento Timonense de Luta Anti-Manicomial evento que contou com palestras de profissionais da área e atividades integrativas dos portadores de transtornos mentais com a comunidade. Naquele ano, ainda, o Município recebeu o incentivo para a implantação de um terceiro CAPS, voltado para usuários de álcool e outras drogas CAPSad, o qual entrou em funcionamento pleno no mês de março de 2007. Ao se deparar com uma rede crescente de serviços de Saúde Mental, torna-se inevitável questionar o impacto destas políticas públicas na parcela da comunidade mais próxima da causa dos portadores de transtornos mentais, a família. Muito se pensa sobre a construção teórica de referências para a operacionalização dos serviços, mas considerando que a principal proposta dos CAPS é a desalienação destes sujeitos, em medidas de inclusão social que promovam a autonomia do paciente, principalmente em relação ao serviço, mostra-se de suma relevância buscar identificar o papel da família neste processo.

Este capítulo, então, versa sobre o tema focalizando a idéia de Saúde Mental elaborada pelos familiares de portadores de transtornos mentais em tratamento no Centro de Atenção Psicossocial Infanto- Juvenil CAPSi do município de Timon/MA. Os relatos abordados são oriundos dos encontros com as participantes do Grupo de Mães, realizado na referida instituição no ano de 2007, sendo necessário ressaltar que, a despeito do nome, deste grupo participam também avós, madrastas ou tias que atuavam como cuidadoras de pacientes. Contextualizar a família dentro da temática da Saúde Mental requer pensar na constituição da família burguesa, uma vez que as modificações nos padrões familiares trazidas com o advento do capitalismo refletem na realidade ocidental até os dias atuais. Quando a sociedade passa a adotar parâmetros de individualidade e a família encerra o conceito de privacidade, o ente louco incomoda e expõe os problemas desta família, infringindo a ordem. A partir deste momento histórico, as famílias deparam-se com a opção de internação destes entes em asilos. Em contrapartida, o hospital psiquiátrico, única terapêutica disponibilizada, exclui da família dos cuidados ao

paciente asilado. Assim, cristaliza-se a prática de exclusão familiar durante praticamente um século (cf. Foucault, 2005). Quando se questiona a funcionalidade do sistema asilar e aponta-se para a necessidade de ressocialização enquanto tratamento para o portador de transtornos mentais, a conseqüência imediata é a demanda de desconstrução do conhecimento e das práticas familiares arraigadas. O que intenciona-se, portanto, é analisar as percepções de cuidado e loucura pelos familiares de portadores de transtornos mentais em tratamento no CAPSi de Timon/MA; e, paralelamente, historicizar sobre o processo da Reforma Psiquiátrica neste município, avaliar a interação da família com os profissionais dos CAPS de Timon/MA, e analisar os dados extraídos a partir do trabalho com o Grupo de Mães para um diagnóstico interventivo. Compreender, então, como se constitui a representação social da loucura pelos familiares de portadores de transtornos mentais acolhidos nos CAPS de Timon/MA, município que adotou a Reforma Psiquiátrica desde a sua instituição legal no Brasil, fazse o primeiro passo para a instauração de uma prática

terapêutica efetiva no local. Logo, o conhecimento gerado a partir da experiência de pesquisa pode assumir uma proporção ampliada para o estabelecimento de parâmetros de atenção à família enquanto implemento do projeto terapêutico do usuário de CAPS. SOBRE MODELOS DE ASSISTÊNCIA PSIQUIÁTRICA A política da Saúde Mental desencadeou historicamente o paradigma de exclusão sócioeconômica e de marginalização. Segundo Amarante (2003), após a II Guerra Mundial, a cronificação dos pacientes de hospitais psiquiátricos passou a ser apontada como uma demanda de transformação da oferta de serviços que, a contraponto dos manicômios, vislumbrassem o êxito na terapêutica aplicada aos transtornos mentais. Surgem, então, os movimentos de reivindicação junto ao Estado da modificação dos padrões de tratamento psiquiátrico no Brasil, a exemplo das propostas que se disseminavam pelo mundo. A funcionalidade e eficácia da terapêutica psiquiátrica questão que legitima e é legitimada pelas políticas