APROPRIAÇÃO DA ESCRITA E PERIODICIDADE: REFLEXÕES INICIAIS A PARTIR DE CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

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Transcrição:

APROPRIAÇÃO DA ESCRITA E PERIODICIDADE: REFLEXÕES INICIAIS A PARTIR DE CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL VENDRAME, Cristiane Batistioli (UEM) LUCAS, Maria Angélica Olivo Francisco (Orientadora/UEM) Introdução A busca pela compreensão de aspectos referentes ao desenvolvimento infantil tem impulsionado pesquisas nas mais diversas áreas de estudo. O que chama a atenção para a presente pesquisa é a aprendizagem da escrita pela criança, pois a partir do momento que esta inicia o processo de escolarização, é preciso que a educação escolar esteja apta a conduzi-la rumo à apropriação dessa linguagem, por meio de um ensino organizado e intencional. A partir do exposto, o presente artigo tem como objetivo expor algumas reflexões iniciais para compreender a relação entre a apropriação da linguagem escrita e a periodicidade a partir de postulados da Teoria Histórico-Cultural, sobretudo os estudos realizados por Luria. Documentos oficiais e pesquisas no âmbito educacional e em outras áreas do conhecimento têm promovido notoriedade à obra do referido autor. No entanto, Tuleski (2008) alerta que o modo como ele vem sendo citado e como sua teoria vem sendo apropriada merece atenção. Assim, é possível afirmar que as leituras e as interpretações acerca dos estudos deixados pelo autor por serem densas, necessitam ser cuidadosamente analisadas, de modo que a prática pedagógica se beneficie dos conhecimentos disseminados. Tendo em vista esse propósito, teceremos algumas de nossas reflexões iniciais, a partir de um estudo bibliográfico, acerca do tema em pauta: apropriação da escrita e periodicidade. Para tanto, estruturamos o presente artigo em três partes. Na primeira, abordaremos o processo de humanização e a função social da escola transmitir o 1

conhecimento acumulado ao longo da história, por meio do acesso ao saber sistematizado. Em seguida, apresentaremos algumas reflexões sobre o desenvolvimento da criança que ao nascer se liga ao mundo primeiramente com a boca, depois com as mãos e só posteriormente com a visão, percebendo o mundo de modo primitivo. Para finalizar, trazemos breves apontamentos sobre a aprendizagem da linguagem escrita compreendida como uma atividade extremamente complexa, podendo provocar enormes transformações no desenvolvimento cultural e psíquico da criança. O processo de humanização e a função da escola O homem vive e atua em um meio social. Sente necessidades e procura satisfazê-las, recebe informação do meio ao qual está inserido e por ele se orienta, forma imagens conscientes da realidade com intenções prévias, experimenta estados emocionais e corrige os erros cometidos. O atual contexto social é marcado por transformações profundas e contraditórias que precisam urgentemente ser superadas. A urgência desta transformação está estampada na miséria, na violência, na fome, na desigualdade social e econômica, na competição, na exploração, na corrupção, no embrutecimento intelectual, afetivo e moral dos indivíduos. Marx (1981, p. 911) propõe que [...] é preciso lutar por um mundo mais justo e igualitário porque a história do homem não terminou, primeiramente deve vir o ser humano e não a produção. Portanto, devemos enxergar o homem como um ser histórico, que estabelece relação dialética com a natureza por meio do trabalho, a fim de suprir suas necessidades, partindo dos instrumentos produzidos historicamente pela humanidade, sejam eles materiais ou intelectuais. Nessa perspectiva, o homem não é visto como pronto e acabado, mas como um ser que é produzido pelo meio, pela própria natureza e que, à medida que vai sendo produzido, vai se sensibilizando em relação ao meio, adquirindo experiências que vão sendo acumuladas e transmitidas de uns aos outros, possibilitando a adaptação do meio que, em sendo produzido, passa a produzir o meio que o produz, gerando novas necessidades, em uma relação dialética (DUARTE, 2007). 2

Assim, o homem enquanto conjunto das relações sociais modifica e é modificado, sendo essencial, nesse contexto, a apropriação dos instrumentos historicamente acumulados, modificando o seu contexto de maneira consciente em um movimento contínuo (DUARTE, 2007). Nesse sentido, vale ressaltar que a apropriação desses instrumentos históricos se dará na escola. A escola responsável pelo ensino clássico, formal, instituída na sociedade de classes, carrega a marca desta forma de organização social. Todavia, a educação não pode ser compreendida nela e por ela mesma. Precisa ser compreendida tomando-se em consideração o conjunto das relações nas quais ela está inserida. Pensar a escola como onipotente significa pensá-la como a única responsável pela transformação social. Nesta lógica, a escola é percebida como se estivesse acima da sociedade e, portanto, não sofresse a ação de causas externas para o desempenho escolar. Contudo, esta não é a realidade, pois a desigualdade na distribuição de renda e a pobreza de grande parte da população são causas externas para o insucesso da escola no Brasil. Apesar disso, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN s) não levam tais fatores em conta e, ainda, afirmam que os recursos aplicados em educação em nosso país não são insuficientes, apenas mal aplicados. Apesar de comumente se atribuir à escola a responsabilidade pela solução de praticamente todos os problemas sociais e de fazer dela a responsável pelo fracasso social dos indivíduos, ela é mais determinada do que determinante social, é parte da sociedade e não a própria sociedade. Assim afirma Saviani apud Duarte (2007, p. 1): [...] o trabalho educativo e o ato de produzir direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens. Diante disso, faz-se necessário compreender que esta instituição tem como função transmitir o conhecimento acumulado ao longo da história, permitindo o acesso ao saber sistematizado, à socialização do mesmo e a transformação da realidade. Nessa perspectiva, o papel da escola para a formação do educando, é aquele que aponta para a apropriação das objetivações do gênero humano. Como afirma Duarte (2007, p. 93): 3

O indivíduo humano se faz humano apropriando-se da humanidade produzida historicamente. O indivíduo se humaniza reproduzindo as características historicamente produzidas do gênero humano. Nesse sentido, reconhecer a historicidade do ser humano significa, em se tratando do trabalho educativo, valorizar a transmissão da experiência histórico-social, valorizar a transmissão do conhecimento socialmente existente. Parafraseando Saviani (1994), a escola tem uma função específica, que é educativa, propriamente pedagógica, ligada à questão do conhecimento. Neste sentido, é preciso resgatar a importância da escola em reorganizar o trabalho educativo, o qual é permeado e influenciado diretamente pela cultura. Desenvolvimento infantil Ao estudar o homem cultural adulto, precisamos entender além da evolução do comportamento do animal e do homem primitivo, também o desenvolvimento do comportamento da criança. Para isso, devemos compreender as transformações que se dão ao longo deste desenvolvimento, permitindo a passagem de um comportamento natural ou biológico para sócio-cultural, ou seja, estudar a transformação das funções psicológicas primitivas em funções psicológicas superiores. A criança ao nascer, logo nos primeiros meses de vida, se liga ao mundo de modo primitivo, percebendo seu entorno primeiramente com a boca, em seguida com as mãos e posteriormente com a visão. Apenas mais tarde conseguirá distinguir coisas reais de fantasia. Assim, é possível conceber que a realidade para a criança só começa a existir em períodos posteriores ao seu desenvolvimento (VYGOTSKY, 1996). Isso pode ser confirmado mediante estudos de Luria (1987) que afirma que só depois de um mês e meio de idade (45 dias), é que o bebê começa a apresentar movimentos coordenados dos olhos e a partir dos quatro ou cinco meses (120, 130 dias) esse mundo visível se torna acessível à criança (VYGOTSKY, 1996). Esse desenvolvimento faz com que a vida do bebê passe do caráter primitivo, caracterizado basicamente por sensações orgânicas, para um processo de interação e ação ativa para com os estímulos. Dessa maneira, o primeiro princípio orgânico começa a ser substituído por um segundo, o da realidade externa, ou seja, o social (LURIA, 1987). 4

Todavia, essa criança, que nos primeiros meses de vida é um ser isolado, separado do mundo e imerso em suas experiências orgânicas pessoais com percepções de tempo e de espaço ainda primitivas, só será capaz de mover seu olhar de um objeto para o outro com movimentos coordenados dos olhos, condição necessária para ver, se receber dos adultos estímulos externos. Do mesmo modo, o pensamento da criança se difere do pensamento adulto, porque no adulto, o pensamento organiza sua adaptação ao mundo, em situações difíceis, regulando as atitudes diante da realidade. Nesse sentido, Vygotsky e Luria (1996, p. 177) ressaltam que [...] no processo de seu desenvolvimento, a criança não só cresce, não só amadurece, mas, ao mesmo tempo e isso é a coisa mais fundamental que se pode observar em nossa análise da evolução da mente infantil a criança adquire inúmeras novas habilidades, inúmeras novas formas de comportamento. No processo de desenvolvimento, a criança não só amadurece, mas também se torna reequipada. É exatamente esse reequipamento que causa o maior desenvolvimento e mudança que observamos na criança à medida que se transforma num adulto cultural. É isso que constitui a diferença mais pronunciada entre o desenvolvimento dos seres humanos e dos animais. Para os autores anteriormente citados, o uso de ferramentas pela criança é um indicador de desenvolvimento psicológico, mencionando que o processo de aquisição de ferramentas, o desenvolvimento dos métodos psicológicos internos e a habilidade de organizar o próprio comportamento são características que abarcam o desenvolvimento cultural da mente infantil. Em um primeiro momento a criança necessita utilizar objetos externos para conseguir o controle da memória e, em seguida, faz marcas no papel. Tudo isso leva a substituição de métodos primitivos por complexos desenvolvidos pelo processo de escolarização. Sendo assim, o desenvolvimento infantil, como afirmam Vygostsky e Luria (1996), não é resultado apenas da maturação orgânica, mas de uma transformação cultural. Portanto, é preciso compreender o homem em sua totalidade, ou seja, reconhecer as relações entre indivíduo, meio social e cultural. Jamais poderemos reduzir o desenvolvimento da criança ao crescimento e maturação de qualidades que são inatas. 5

Compreender que os objetos podem representar ou assumir outro significado ou sentido é um momento importante para o processo de desenvolvimento humano. O pensamento, mediado pelo uso de signos, que são elementos que representam ou expressam objetos, eventos e situações, é fator fundamental para o desenvolvimento dos conceitos que se iniciam na infância, e que se efetivam ao longo da vida. Segundo Vygotsky e Luria (1996, p.161), Tendo dado, o primeiro passo na rota da cultura, e tendo ligado, pela primeira vez, o objeto relembrado com algum signo, a criança deve dar agora o segundo passo: deve diferenciar este signo e fazê-lo expressar realmente um conteúdo específico. Deve criar os rudimentos da capacidade de escrever, no sentido mais exato da palavra. Só então a escrita da criança tornar-se-á estável e independente do número de elementos anotados, e a memória terá ganho um poderoso instrumento, capaz de ampliar enormemente seu alcance. Nesse sentido, os autores afirmam que é só sob estas condições que a escrita se tornará objetiva, passando de marcas subjetivas para signos que possuem um significado objetivo, sendo o mesmo para todos. Também ressaltam que o desenvolvimento da escrita na criança passa por transformação, de rabisco nãodiferenciado para signo diferenciado, que linhas são substituídas por figuras, imagens e posteriormente dão lugar a signos. Logo, o caminho do desenvolvimento da escrita, seja na história da civilização como no desenvolvimento da criança é explicado pela sequência destes acontecimentos. A referida explanação permite afirmar que o bebê, desde os primeiros dias de seu nascimento, adquire um comportamento mediado pela interação social e, por isso, a família, os educadores e outros que convivem com ele devem contribuir efetivamente para que esse conhecimento aconteça, promovendo a aprendizagem e o desenvolvimento infantil. É possível ressaltar ainda que a criança está inserida num grupo social, o que amplia sua possibilidade de apropriar-se da herança sociocultural produzida coletivamente pela humanidade (FACCI, 2006). Tal relação permite que o conhecimento produzido social e historicamente chegue até a criança. Assim, é pertinente inferir que conceber essa relação é essencial para compreender o 6

desenvolvimento infantil, pois, quanto mais progride a humanidade, mais rica é a prática sócio-histórica acumulada por ela, mais cresce o papel específico da educação e mais complexa é a sua tarefa (LEONTIEV, 1979, p. 291). Entre as tarefas mais complexas da escola destaca-se o processo de ensino e aprendizagem da linguagem escrita, do qual trataremos a seguir. Aprendizagem da linguagem escrita Ao longo do tempo, muitas correntes teóricas focaram seus estudos para o processo de ensino e aprendizagem da linguagem escrita. Na vertente tradicional, por exemplo, a ação pedagógica baseava-se na transmissão de conhecimentos e o aluno era considerado um sujeito passivo (PATTO, 1987). Nessa perspectiva, a aprendizagem da escrita era orientada por meio de treino de habilidades, pela repetição e imitação de modelos, enfatizando a apreensão do código em detrimento ao significado (LEITE, 2001). A partir da década de 1970, essas práticas tradicionais passam a ser criticadas e, nesse contexto, firmam-se os estudos de Emília Ferreiro e Ana Teberosky acerca da psicogênese da linguagem escrita. Essas autoras ampararam-se em estudos de Piaget, edificando uma perspectiva teórica chamada de construtivismo. Nessa ótica, o aluno é visto como sujeito que age sobre o objeto de conhecimento, no caso a escrita, e constrói hipóteses. A aprendizagem valoriza a produção espontânea da criança e a liberta dos treinos mecânicos de escrita. Nessa linha pedagógica, muita ênfase foi dada ao indivíduo que aprende, eliminando o docente que planeja, que medeia, caindo em atitudes espontaneístas, posto que a apropriação da escrita não seja cultural, mas natural. Contrapondo ao arcabouço teórico piagetiano, as idéias de Vigotski e Luria são introduzidas no Brasil, em 1985, por meio da publicação dos livros A Formação Social da Mente e Pensamento e Linguagem, nos quais é apresentado o esboço de uma nova perspectiva de aprendizagem e desenvolvimento humano, a Psicologia Histórico- Cultural. Nessa perspectiva teórica a linguagem é compreendida como um sistema simbólico produzido historicamente a partir da necessidade de interação durante o 7

trabalho (DUARTE, 2004). Para agir coletivamente, criou-se um sistema de signos que permitiu a troca de informações e a ação conjunta sobre o mundo. A linguagem é constitutiva da atividade mental. Portanto, não é apenas adquirida por nós, no curso do desenvolvimento, ela constitui-nos, nos transforma e é mediadora de todo nosso processo de apropriação de mundo e de nós mesmos (TULESKI, 2008). Para compreender o desenvolvimento da escrita na criança, Luria (2006) realizou diversos experimentos. Por meio de protocolos, mostrou-nos que a história da escrita na criança começa muito antes da sua inserção à escola. Também constatou que estas passam por inúmeros estágios antes de se apropriarem da escrita convencional. Para estudar esse processo, além de observar os estágios pelo qual a criança passa, é imprescindível atentar-nos para os fatores que a tornam capaz de escrever, diz Luria (2006, p. 18). Sendo assim, o autor afirma que a história da escrita na criança começa antes mesmo do professor colocar um lápis em sua mão e lhe mostrar como formar letras. Ao entrar na escola a criança já adquiriu diversas habilidades e destrezas que as ajudarão a aprender a escrever em um tempo curto, pois antes de atingir a idade escolar, já aprendeu e assimilou algumas técnicas que irão preparar o caminho para a escrita. Dessa maneira, é possível entender que o [...] momento em que uma criança começa a escrever seus primeiros exercícios escolares em seu caderno de anotações não é, na realidade, o primeiro estágio do desenvolvimento da escrita. As origens deste processo remontam a muito antes, ainda na pré-história do desenvolvimento das formas superiores do comportamento infantil; podemos até mesmo dizer que quando uma criança entra na escola, ela já adquiriu um patrimônio de habilidades e destrezas que a habilitará a aprender a escrever em um tempo relativamente curto. (LURIA, 2006, p.143). Portanto, a entrada da criança na escola marca um novo estágio de desenvolvimento da vida psíquica: as obrigações da criança deixam de ser somente para com os pais e passam a ser com a sociedade; seu lugar no grupo dependerá de suas ações; suas atividades passam a ser verdadeiramente úteis. Assim, é possível afirmar 8

que o desenvolvimento psíquico da criança ocorre por meio da apropriação da cultura historicamente elaborada. Segundo Vigotski (2000), a escrita é uma atividade extremamente complexa, podendo provocar enormes transformações no desenvolvimento cultural e psíquico da criança. No entanto, esta linguagem deve ser ensinada de forma organizada e se tornar necessária para a criança. Nesse sentido, se pretendemos que nossas crianças leiam e escrevam bem, se tornem verdadeiras leitoras e produtoras de texto, é necessário que trabalhemos o desejo e o exercício da expressão por meio de diferentes linguagens. Ao registrar essas experiências por escrito, levando em conta as palavras das crianças, possibilitamos o ingresso adequado da criança ao mundo da linguagem escrita, empregando a escrita para cumprir a função social para a qual ela foi criada. Enfim, podemos dizer que a criança realmente se apropria da escrita como um instrumento cultural complexo e assim a empregará. Considerações Finais A partir das idéias expostas, é possível constatar a relação existente entre a apropriação da linguagem escrita e a periodicidade, com base nos postulados da Teoria Histórico-Cultural. Alicerçadas nessa teoria, ao analisar o desenvolvimento infantil e o processo pelo qual ocorre a aprendizagem da linguagem escrita, não podemos compactuar com idéias que utilizam o ensino apenas como decodificação de signos, já que compreendemos o ensino da linguagem escrita como uma atividade extremamente complexa, capaz de provocar transformações no desenvolvimento cultural e psíquico da criança. Parafraseando Mendonça e Miller (2006), tanto tempo foi gasto com o treino da escrita, o que não serviu para avançar no desenvolvimento cultural da criança, pois lhe ensinaram as letras, mas não a linguagem escrita que é muito mais complexa e envolve muito mais do que aspecto técnico. 9

Por fim, cabe a ressalva que o objetivo desse artigo não é tecer crítica a nenhuma teoria, ou seja, não há a pretensão de dizer que o modo como a linguagem escrita vem sendo abordada é incorreto. Ao expandir as reflexões iniciais acerca da aprendizagem da linguagem escrita e da periodicidade, nossa intenção é, por meio de uma pesquisa bibliográfica e empírica, analisar o tratamento que vem sendo dado à apropriação da escrita pelas escolas e, a partir disso, apresentar outro modo de analisar esse processo, propondo encaminhamentos teórico-metodológicos que possam contribuir para a condução da prática pedagógica pelos professores que atuam nos anos iniciais do ensino fundamental. REFERÊNCIAS DUARTE, N. Crítica ao fetichismo da individualidade. Campinas: Autores Associados, 2004. DUARTE, N. Educação Escolar, teoria do cotidiano e a escola de Vigotski. 4. ed. Campinas: Autores Associados, 2007. FACCI, Marilda G. Dias. Vigotski e o processo ensino-aprendizagem: a formação de conceitos. In: MENDONÇA, S. G. L.; MILLER, S. (Org.). Vigotski e a escola atual: fundamentos teóricos e implicações pedagógicas. Araraquara: Junqueira & Marin, 2006. p. 48-78. LEITE, Sérgio A. Silva. Alfabetização e Letramento: contribuições para as práticas pedagógicas. Campinas: Komedi: Arte Escrita, 2001. LEONTIEV, A. O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Livros Horizonte, 1979. LURIA, A. R. Pensamento e linguagem: as últimas conferências de Luria. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987. MARX, K. O capital. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1981. MENDONÇA, S. G. L.; MILLER, S. Vigotski e a escola atual: fundamentos teóricos e implicações pedagógicas. Araraquara: Junqueira & Marin, 2006. 10

PATTO, Maria Helena Souza. Psicologia e Ideologia: uma introdução crítica à psicologia escolar. São Paulo: T. A Queiroz, 1987. SAVIANI, D. Dermeval Saviani e a educação brasileira: o simpósio de Marília. São Paulo: Cortez, 1994. TULESKI, S. C. Vigotski: a construção de uma psicologia marxista. 2. ed. Maringá: Eduem, 2008. VYGOSTSKY, L. S.; LURIA, A. R. Estudos sobre a história do comportamento: o macaco, o primitivo e a criança. Tradução de Lólio Lourenço de Oliveira. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. VIGOTSKI, L. S.; LURIA, A. R.; LEONTIEV A. N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. 7. ed. Tradução de Maria da Penha Villalobos. São Paulo: Ícone, 2006. VIGOTSKI, L. S. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo, Martins Fontes, 2000. 11