O PROCESSO DE REESTRUTURAÇÃO E AS FORMAS DE (DES)QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL EM UMA FÁBRICA DE CIGARROS



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Transcrição:

O PROCESSO DE REESTRUTURAÇÃO E AS FORMAS DE (DES)QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL EM UMA FÁBRICA DE CIGARROS Andréia Farina de Faria 1 Introdução Na indústria de cigarros 2, a reestruturação produtiva no período de 1995-2006 resultou em incrementos tecnológicos e organizacionais no processo produtivo de cigarros. Uma das principais alterações organizacionais refere-se à introdução do trabalho em equipes (Faria, 2007) no chão de fábrica, como uma nova forma de gerenciar o processo produtivo, a partir de equipes de trabalho formadas por operadores 3 e divididas em setores administrativos, quais sejam: RH, Custos, Qualidade e Produção. Conseqüentemente, a introdução do trabalho em equipes significou a intensificação do processo de trabalho além de aumentar a quantidade de tarefas, exigindo novas habilidades e um novo perfil de trabalhador, precários em sua relação de trabalho. Partindo das constatações iniciais, propõe-se contribuir com a discussão sobre a apropriação do conceito de qualificação pelo capital através de um caso específico, ou seja, busca-se demonstrar como são moldadas as novas exigências de (des)qualificação, (re)qualificação e (de)formação profissional 4 com vistas a maior otimização do trabalhador e do processo produtivo do cigarro. Sendo assim, parte-se da hipótese que a qualificação antes referenciada sobre o saber técnico-científico vai sendo cada vez mais destituída/ afastada do saber operário, em pró de políticas de (de)formação e modelos 1 Bacharel e Licenciada em Ciências Sociais/UFU. Mestranda em Sociologia/UNESP-Araraquara pela Faculdade de Ciências e Letras. Correspondência: Rua Atenas, 212 B. Tibery, Uberlândia- MG CEP: 38405-66. Fone: (34) 3213-7482 ou (34) 9941-1939. E-mail: andreiaffaria@hotmail.com. 2 Pesquisa realizada no período: 2006-2007 como trabalho de IC no convênio PIAIC/ UFU, cadastrado sob o nº G- 018/2006. A Unidade Produtiva pesquisada localiza-se no município de Uberlândia-MG. A pesquisa ocorreu no âmbito do Grupo de Pesquisa Trabalho, Educação e Sociedade (GPTES), sob a coordenação da Profa. Dra. Fabiane Santana Previtalli - DECIS/FAFCS/UFU. 3 Operador é a denominação do trabalhador mensalista, responsável por operar máquinas, manusear ferramentas e matéria-prima para o processamento do fumo e a fabricação de cigarros. 4 Tema da pesquisa de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Faculdade de Ciências e Letras/UNESP-Araraquara. A pesquisa está sendo realizada no âmbito do Grupo Temático Trabalho e Trabalhadores sob coordenação da Profa. Dra. Leila de Menezes Stein.

2 profissionalizantes específicos as necessidades de cada setor de produção, no intuito de reforçar cada vez mais a posição do trabalhador como apêndice no sistema produtivo. Nesse contexto de novas qualificações ganha força à noção de competência, que, segundo Hirata (1994, p.132), é uma noção oriunda do discurso empresarial nos últimos dez anos e retomada em seguida por economistas na França (...). É, segundo a autora, uma noção marcada política e ideologicamente, da qual está ausente a idéia de relação social que define o conceito de qualificação para alguns autores (D. Kergoat, 1982; M. Freyssenet, 1977, 1992, apud Hirata, 1994). O modelo de competência põe, no lugar da relação definida pela qualificação, uma outra, que é marcada pela imprecisão, fluidez, indefinição e instabilidade, na qual o saber, a posse do conhecimento do ofício, tende a ser colocado em segundo plano, elevando-se ao primeiro um conjunto de capacidades gerais e mal definidas que tendem a crescer com a aceleração das valorizações da organização e das atribuições de cargos (Hirata, 1994). É certo que a qualificação profissional como um viés para além do manuseio das máquinas e das fronteiras das fábricas nunca foi uma perspectiva adotada pelo capital, no entanto, a produção flexível e seus respectivos programas de produção intensificaram a qualificação de forma genérica, superficializando o conhecimento do trabalhador. Assim, os novos modos de qualificação (formais ou não formais 5 ) devem ser observados de maneira crítica, buscando desmistificar os ideais de autonomia e especialização do trabalho, uma vez que, como argumenta Souza, isso resulta em uma homogeneização das qualificações necessária à nova organização da produção significando também maior facilidade para remanejar a mão-de-obra, tornando a gerência mais autônoma em relação às ausências de trabalhadores experientes em postos-chaves do processo produtivo (Souza, 1988 apud in Alves, 2000, p. 149). Perante as alterações dos perfis de qualificação que servem ao mercado de trabalho, este estudo é essencial para o próprio entendimento da desvalorização e precarização da força de trabalho no contexto atual, e reafirmar que ainda assim o trabalho mantém sua centralidade como principal força produtiva, conforme Antunes, a ciência: 5 Utiliza-se o termo instituições formais de ensino referindo-se às escolas tradicionais, e, instituições não-formais de ensino referindo-se à formação/ qualificação desempenhada pelas próprias empresas.

3 ontologicamente prisioneira do solo material estruturado pelo capital, o saber operário e o saber laborativo mesclam-se mais diretamente no mundo contemporâneo (...) Estabelece-se, então, um complexo interativo entre trabalho e ciência produtiva, que não leva a extinção do trabalho, mas a um processo de retroalimentação que gera a necessidade de encontrar uma força de trabalho ainda mais complexa, multifuncional, que deve ser explorada de maneira mais intensa e sofisticada, ao menos nos ramos produtivos dotados de maior incremento tecnológico (Antunes, 2002, p. 161). Dessa forma, torna-se relevante discutir sobre o processo de (de)formação e (des)qualificação profissional como formas de flexibilização e expropriação do conhecimento tácito da experiência e trabalho, submetendo o potencial dos trabalhadores tanto a uma ciência estranhada como as necessidades de exploração e acumulação capitalistas. Objetivos Reafirma-se que o presente trabalho busca demonstrar concretamente como o processo de reestruturação produtiva afetou e continua afetando, particularmente, o processo de (des)qualificação/ (re)qualificação do trabalhador. Ao realizar o estudo de caso na Indústria de cigarros em Uberlândia, tem-se em foco o processo histórico de qualificação dos trabalhadores contrapondo-a as novas exigências impostas pela reestruturação do processo de trabalho. Nesse sentido, é fundamental conhecer o contexto da exigência de um novo perfil de trabalhador, bem como as novas habilidades/ qualificações que compõem esse perfil, através de referenciais específicos ao setor de fumo. Compreender e relatar como é feito o treinamento e a qualificação nesta indústria, tanto no âmbito da formação técnicoprofissional externa a fábrica e no treinamento da própria empresa afim de evidenciar o predomínio da precarização e intensificação do trabalho sob pretexto da requalificação. Tem-se ainda como objetivo discutir a relação entre a reestruturação produtiva da empresa (e do próprio capital) e as possíveis novas formas de emprego no setor, quais sejam: terceirizações e sub-contratações. Por fim, observar no âmbito das relações de produção do setor de fumo, como se efetiva o debate entre qualificação básica, técnica e superior frente à especialização e homogeneização do trabalho.

4 Metodologia Utiliza-se de um referencial teórico crítico a cerca do mundo do trabalho que conta com uma revisão bibliográfica dos autores e de suas respectivas produções científicas que sejam condizentes com a perspectiva adotada e com a problemática proposta. A pesquisa é um estudo de caso a realizar-se com os trabalhadores de uma fábrica de cigarros localizada em Uberlândia abrangendo o período 1990-2007, contando ainda com fontes e dados disponibilizados pelo sindicato e de domínio público 6. Serão analisadas as novas habilidades requeridas para os seguintes postos de trabalho: operadores (e suas subdivisões), técnicos e analistas, percorrendo desde a formação profissional formal até as especificidades/ treinamentos de (de)formação exigidas/ oferecidos pela empresa. Também serão analisadas as habilidades requeridas pelos mecanismos de seleção e recrutamento no mercado de trabalho bem como referentes aos níveis de ascensão (carreira) na empresa. Para tanto, emprega-se a elaboração e aplicação de questionários, bem como a realização de entrevistas com os trabalhadores e sindicato. Além disso, buscar-se-á relacionar as novas habilidades/ qualificações atualmente exigidas pelo mercado de trabalho com os novos modelos de organização da produção, como sugere o trabalho em equipes, já presente no setor de fumo (Faria, 2007). Como referência de análise é importante ressaltar que a noção de qualificação profissional não se esgota em si mesma, nem se trata de um conceito duro. Nesse sentido existem grandes divergências (internas e externas) e contribuições no campo da educação, ao qual recorrerei quando pertinente. A área que se volta para o estudo das relações entre trabalho e educação bifurca-se em matrizes antagônicas como esclarece Ferretti: Uma delas remete ao campo especificamente técnico, tendo orientado a formulação e o desenvolvimento das propostas de formação profissional. Dadas suas preocupações específicas e legítimas, este segmento da educação é fortemente influenciado pelo progresso técnico e, portanto, pelas mudanças técnicoorganizacionais que se dão no âmbito do trabalho, respondendo não apenas a desenvolvimentos científico-tecnológicos mas, 6 Entenda site oficial da empresa disponível na web.

5 principalmente, a demandas da produção capitalista, às quais os referidos desenvolvimentos procuram dar respostas. A segunda matriz tem raízes na filosofia e na economia política de origem marxista, formulando à educação problemas de natureza econômica, filosófica, social e ético-política que remetem não apenas à formação profissional estrito senso, mas à formação humana, em sentido pleno, da qual a primeira faz parte (Ferreti, 2004, p.404). Levando em consideração esses aspectos, a pesquisa em curso incorpora a segunda matriz teórica citada acima, entendendo o problema da qualificação segundo a argumentação de Braverman (1977). Assim, a qualificação se expressa de forma decrescente quando relacionada à incorporação de uma quantidade maior de conhecimento científico ao processo de trabalho, aumentando também separação entre concepção e execução do trabalho. Dessa forma o autor argumenta que, Resultados quanto mais a ciência é incorporada no processo de trabalho, tanto menos o trabalhador compreende o processo; quanto mais um complicado produto intelectual se torna máquina, tanto menos controle e compreensão da máquina tem o trabalhador. Em outras palavras, quanto mais o trabalhador precisa de saber a fim de continuar sendo um ser humano no trabalho, menos ele ou ela conhece (Braverman, 1977, p.360). Os resultados apresentados são parciais e referem-se ao processo de reestruturação da unidade produtiva de cigarros localizada em Uberlândia, que aqui será denominada de Fábrica Uberlândia. A pesquisa sobre a qualificação dos trabalhadores frente ao processo de reestruturação ainda se encontra em fase inicial. Quanto aos aspectos observados, notou-se que o projeto de reestruturação recorreu a programas de qualidade total, que cultivam e disseminam uma nova cultura empresarial, voltados para a legitimação dos objetivos da empresa e que buscam uma maior adesão dos trabalhadores. As terceirizações também ocorreram durante a década de 90, dando-se em alguns pontos (atividades) de quase todos os setores: sessão de filtros, processo primário, setor de engenharia, manutenção e apoio. No entanto, nem todos os serviços terceirizados demonstraram-se vantajosos à Fábrica Uberlândia, uma vez que o controle sobre o planejamento e a qualidade do processo produtivo é dissipado; dessa forma, as

6 terceirizações começaram a serem revertidas em 2004 por dois motivos: contestação do sindicato junto ao Ministério Público e o próprio interesse da empresa em alguns setores. Em suma, todos os serviços relativos à produção de cigarros voltaram a ser desempenhados pelos trabalhadores da Fábrica Uberlândia, permanecendo terceirizados os setores de alimentação, segurança e manutenção. A Fábrica Uberlândia utiliza-se de trabalho temporário, bem como contrata empresas terceiras que também empregam sob o regime de trabalho temporário. Através de uma das empresas terceirizadas, chegam a participar do processo produtivo 150 trabalhadores (em média) em alguns períodos do ano, exercendo atividades complementares. Como foi descrito em entrevista, o trabalho temporário acontece: Na fabricação, montagem de equipes promocionais. Por exemplo, precisa colocar um cartãozinho explicativo, alguma coisa no produto, a máquina não faz isso e tem que ser feito manualmente. Ou então para montar estojo de carteira de cigarro, não tem máquina e não seria viável para a empresa fazer uma máquina só para fazer isso (Sindicalista, entrevista 17/5/7). Assim, o trabalho temporário cumpre a função de baretear alguns processos recorrentes na produção de cigarros. Nesse sentido, os contratos são diferenciados e permanecem fora do alcance sindical. São estabelecidas relações de trabalho precarizadas, uma vez que os trabalhadores não compartilham dos benefícios legais e se submetem a jornadas de trabalho irregulares. Tratando-se de adaptações referenciadas no modelo toyotista, na Fábrica Uberlândia, os sistemas de produção just in time/ TQM foram introduzidos ao processo produtivo em 1990. Dessa forma, diminuiu-se drasticamente a quantidade de produtos finais estocados e o chamado mix de fumo 7 ; dessa forma, a produção passou a ser orientada pelo controle do volume de estoque, de acordo com as demandas específicas e a produção inicia-se pela demanda requerida no estoque mínimo. A última etapa produtiva do cigarro, as linhas de fabricação (tripas, filtros e encarteiramento), contam com dispositivos luminosos andons que indicam os estados das linhas, sinalizando eventuais problemas. 7 Denomina-se mix de fumo ou fumo mixado, o fumo que já passou pelas adições específicas do processo produtivo tornando-se matéria-prima para a fabricação das diferentes marcas de cigarro.

7 A produção repousa na racionalização do trabalho por meio de tecnologias, que além de produzirem um mais valor relativo através dos avanços tecnológicos, buscam capturar a subjetividade operária. Isso porque, os dispositivos organizacionais observados just in time, TQM, andons, CEP representam o princípio da fábrica mínima e consistem no que Alves (2000) denomina de administração pelos olhos. A inserção de robôs, no início dos anos 90 é parte da produção enxuta, uma vez que o sistema de armazenamento de fumo mixado foi automatizado permitindo o controle via CLP 8 do estoque. A central de armazenamento (área de tecnologia de ponta) organiza toda a produção diária e também orienta o processo produtivo, apontando as futuras demandas identificadas no controle eletrônico de estoques. Resultado do processo de automatização, essa área consegue operar com a força de trabalho mínima de um trabalhador, que monitora a atividade programada do dia. O trabalho morto, desempenhado por braços mecânicos, representa 90% das atividades da central. Os equipamentos automatizados (tecnologia importada; Alemanha e Suíça) que integram o processo produtivo e permitem um novo tipo de controle, via CLP, foram introduzidos entre 96 e 98. Da mesma forma, o CEP 9 é uma prática corrente na fabricação de cigarros, compondo uma das atividades extras que gradativamente foram sendo encampadas às novas tarefas desempenhadas pelos trabalhadores. Nesse processo de reestruturação as demissões se fazem inevitáveis, estando entre as estratégias da empresa, o Programa de Demissão Voluntária (PDV), benefícios adicionais e serviços de apoio à recolocação (outplacement). A política de qualidade do processo produtivo é uma preocupação constante, notada em todos os setores da Fábrica Uberlândia. A empresa opera com todas as certificações: ISO 9.001 (qualidade), ISO 4.001 (meio ambiente) e OHSAS 18.001 (segurança e saúde ocupacional). Outra grande preocupação é a FIFO, sigla para First In, First Out. Em termos de controle de estoque, refere-se a um método de armazenamento no qual os ítens são consumidos por ordem de chegada. Quanto ao layout da fábrica, tem-se o sistema de produção em células como uma prática datada no início dos anos 80, denominada como sistema de links. Essa forma de 8 Controle Logístico de Produção. 9 Controle Estatístico de Produção.

8 organização consiste no agrupamento de máquinas de acordo com as etapas produtivas. A própria estrutura (planta) da Fábrica Uberlândia sugere que a produção seja organizada de maneira celular, já que está disposta em Mini-fábricas, divididas de acordo com as etapas da produção do cigarro, quais sejam: 1) Processamento Primário do Fumo; 2) Reconstituição do Fumo e 3) Fabricação de Cigarros. Dessa forma, exige-se do trabalhador, uma prática laboral de caráter polivalente, uma vez que, a aglutinação de equipamentos de acordo com as etapas e não mais por funções requer um domínio multifuncional para a execução de tarefas. O caráter polivalente do trabalhador é ainda mais acentuado pela nova cultura empresarial, através do fomento de projetos e programas organizacionais, que distribuem tarefas de níveis administrativos, como é o caso do trabalho em equipes, que será discutido. As novas tecnologias de informação (NTI s) são essenciais para esse processo de desverticalização e integração horizontal das estruturas departamentais da empresa. Nesse sentido, a adoção de conceitos tais como fornecedores e clientes internos, potencializa a gestão integrada que tanto norteia as ações da empresa. Neste contexto, a informação ganhou reconhecimento e se apresenta como um instrumento de valorização do capital em meio ao processo produtivo. Isso se faz possível devido a precisão das informações em meio a nova cultura organizacional, além do mais, as divisões do processo produtivo sugerem um fluxo idealmente perfeito (relativo aos padrões de erros aceitáveis) de uma etapa para outra durante a produção de cigarros. Para tanto, o acesso difundido e a manipulação precisa de dados é essencial para a otimização do processo. Frente a essas estratégias de ação é que podemos entender a operacionalidade de alguns conceitos adotados pela empresa, assim temos os chamados clientes internos. Nesse sentido, a empresa busca treinar seus trabalhadores utilizando-se da própria informação necessária ao processo como mecanismo de controle externo, eliminando as possíveis disparidades de produção que podem vir a ocorrer no chão de fábrica. Dessa forma, a qualidade torna-se um conceito fundamental (que permeia toda a ideologia da empresa), horizonte sempre a ser alcançado, mas que nunca se encontra definido. Para medir a eficiência, qualidade e produtividade no âmbito da produção, a Fábrica Uberlândia pauta-se em mecanismos avaliativos, dentre os quais tem-se a Avaliação de Desempenho e sua forma ampliada.

9 a) Avaliação de Desempenho: A avaliação de desempenho realiza uma avaliação objetiva de qualidade e também busca descobrir o que o colaborador está pensando (ocorre através de uma conversa informal). Consiste dessa forma em dois momentos: A avaliação objetiva ou funcional do processo de trabalho (critérios quantitativos), direcionado ao processo produtivo; referente a 70% do total. Avaliação subjetiva do trabalhador (critérios qualitativos); equivalente aos 30% da nota restante. São avaliados os seguintes aspectos: criatividade, iniciativa, planejamento e organização, qualidade de eficiência no trabalho, trabalho em equipe. A segunda etapa é no próprio linguajar da empresa, uma avaliação comportamental. Encontram-se também nessa etapa de avaliação os índices de absenteísmo e acidentes. Considero que ao tratar os índices de absenteísmo e acidentes como itens da avaliação subjetiva, esse processo deve ser encarado como um mecanismo de controle respaldado em uma coerção implícita. Já que estamos falando de um trabalhador avaliando sua performance e o da sua equipe de colaboradores, cria-se uma expectativa de denúncia entre os mesmos, que pode vir à tona mediante algum conflito de trabalho, orientando um comportamento fragmentado no chão de fábrica. Dessa forma, vê-se a segunda etapa do processo avaliativo (parte subjetiva) como um forte mecanismo de controle nas mãos da gerência. Obtém-se dos trabalhadores informações referentes às relações sociais de produção, estabelecidas majoritariamente no chão de fábrica. Assim, o controle panótico personifica-se, redirecionando o comportamento através da racionalidade instrumental. Além do mais, essa prática rebuscada de controle coletivo, que parte de informações individuais para que sejam confrontadas ao todo, instaura o que Swell (1998) denomina de vigilância entre pares ou entre iguais, fragmentando os laços de solidariedade que se constroem no lócus produtivo, uma vez que a cultura organizacional de prática manipulatória busca afastar a noção de classe. O exame minucioso sobre o indivíduo, não só capta informações sobre as atividades individuais, mas efetua também uma prática de moldura da subjetividade trabalhadora, possibilitando que eles se vejam da maneira definida pelo controle, ou seja, encontra legitimidade, obscurecendo possíveis alternativas de resistência, uma vez que a lógica empresarial encontra-se consentida pelo trabalhador.

10 Assim, através dessa avaliação denominada feedback estruturado (captar de modo ordenado um diagnóstico elaborado pelo trabalhador sobre os êxitos e as dificuldades do processo produtivo de cigarros), possibilita a atribuição ou não, de ganhos salariais referentes ao desempenho. Estes aumentos, computados na ótica da empresa como privilégios e recompensas, podem atingir o valor máximo de aproximadamente três salários mínimos. Além do mais, existe um teto máximo salarial para cada categoria, impossibilitando o acréscimo de qualquer benefício, mesmo quando são alcançados os resultados estipulados. Especificamente nestes casos, a única possibilidade real de aumento salarial encontra-se na promoção de cargo. Para medir a qualidade do processo produtivo e o respectivo acréscimo salarial, a empresa utiliza-se dos seguintes índices avaliativos: excedeu (aumento de 8%), superou (aumento de 5%) e atingiu (aumento de 3%). Vale ressaltar que, apesar de haver um teto máximo salarial, os incrementos cotidianos e os índices de qualidade encontram-se eternamente em condições de superação. De acordo com as políticas adotadas pela Fábrica Uberlândia, esses benefícios são utilizados em mesa de negociações com os trabalhadores, em substituição aos reajustes fixos que devem ser incorporados na base salarial, desconsiderando variáveis importantes como à inflação. O sindicato apresentou dificuldades de conter esses benefícios oferecidos aos trabalhadores, que só surtem efeito de curto prazo e que representam grandes perdas reais. b)gestão de Desempenho: Como forma ampliada da política de Avaliação de Desempenho, surgiu a Gestão de Desempenho. Definida como um processo maior e mais completo, a Gestão de Desempenho utiliza como instrumento, a Avaliação de Desempenho, para orientar o planejamento futuro, ou seja, gerir desempenhos melhores. Na cartilha da empresa: Na Gestão de Desempenho, analisa-se o passado, modifica-se o presente e constrói-se o futuro. Assim, a Gestão de Desempenho é um processo dinâmico e contínuo de gestão de pessoas em que os gestores e cada membro de sua equipe devem ampliar a consciência dos seus objetivos, responsabilidades, desempenho, expectativas e dos resultados esperados (Fonte: Documento da Empresa).

11 Tem-se ainda que, para gerir o desempenho de uma equipe quanto para avaliar e aprimorar o próprio desempenho, os trabalhadores devem ter em mente os sete mandamentos chaves da boa Gestão de Desempenho: Participar da definição de seus objetivos; Participar do planejamento das suas atividades; Ter a oportunidade de conversar sobre suas expectativas em relação à empresa; Ter seu desempenho avaliado; Receber feedback e orientação, visando a melhoria contínua do seu desempenho; Compreender quais são seus objetivos e responsabilidades; Conhecer e entender os resultados que esperam de você. Cumpre dizer que, essa forma de avaliação é aplicada a todos os trabalhadores da Fábrica Uberlândia, exercendo um papel de controle dentro das equipes de trabalho, uma vez que a etapa de avaliação subjetiva exerce coerção entre os membros das equipes (durante a identificação dos problemas), individualmente responsáveis por suas atividades e coletivamente punidos pelos resultados da equipe. Novos Aparatos de Controle: O Trabalho em Equipes na Busca por Resultados A exemplo de outros setores constatou-se no setor de fumo a prática de uma nova cultura organizacional, relacionada às formas de controle social do trabalho através do controle por resultados. Mais além, o controle se aplica a partir da organização do trabalho em equipes. De acordo com Faria (2002), essa também é uma estratégia de gestão organizacional que busca novas formas de expansão do capital envolvendo aspectos manifestos e ocultos no âmbito das relações de trabalho e das relações de poder. Nesse sentido, analiso especificamente o denominado projeto AUGE (autogestão), em fase de experimentação, porém como prática já efetivada. Introduzido como projeto piloto 10, em uma das Mini-fábricas processo secundário o AUGE foi apresentado como: Um modelo de gestão em que a equipe recebe autonomia para a tomada de decisões operacionais e de planejamento de suas atividades, baseadas em regras pré-estabelecidas (Fonte: Material da Empresa, 2004). 10 Os primeiros treinamentos de trabalhadores - a partir do projeto piloto do AUGE - ocorreram no primeiro semestre de 2004.

12 Dessa forma, os objetivos do projeto foram assim definidos: conseguir maior envolvimento das pessoas, facilitar o gerenciamento do processo e melhorar os resultados. Como metodologia adotada, o projeto sugere um modelo evolutivo das equipes de trabalho, inicialmente subordinadas. Veja a figura 1: (Fonte: Material da empresa, 2004) Mas aonde e como atuarão essas equipes? E a antiga gerência, como fica? A reestruturação organizacional iniciada em uma das Mini-fábricas, reorganizou o processo de trabalho, de forma a atribuir aos trabalhadores novas tarefas e responsabilidades que extrapolam suas funções iniciais. Além do mais, o préestabelecimento de regras e a própria estrutura da produção não permitem que a autonomia das equipes seja total, da forma como é propagandiada pelo projeto. Assim, as equipes passaram a atuar em uma nova área, qual a seja, a administrativa. Para tanto, foram criados quatro comitês, particularmente representados por quatro trabalhadores eleitos. Estes passam a ser referência de controle dentro dos comitês, coordenadores da respectiva equipe (formada para cada comitê). Dessa forma, passaram a existir: Comitê de Recursos Humanos (RH), Comitê de Qualidade, Comitê de Produção e Comitê de Custos. Nesse processo, a gerência assume um novo papel dentro da empresa, referente à liderança (coaching) e desenvolvimento das equipes. Em suma, esta se volta à gestão da força de trabalho, conferindo importância ao trabalhador, buscando cooptar sua subjetividade, logo sua colaboração. Quanto à gestão da produção, um dos principais papéis da gerência é atuar diretamente no estabelecimento de metas dentro das Mini-fábricas.

13 O Projeto AUGE encontra-se em consonância com a forma toyotista ou modelo japonês de produção (Hirata, 1993), buscando através do trabalho em equipes, devolver de forma maquiada aos trabalhadores o sentimento de participação no processo produtivo. Na prática restringe todos os pontos decisivos que possibilitariam ao trabalhador algum poder decisório sobre sua atividade de trabalho, retomando o binômio taylorista/fordista de produção. O que se apresentou de fato foi um novo quadro de tarefas, pré-estabelecidas, que são executadas durante o processo de trabalho sob o fetiche da autonomia do trabalhador. Essas novas formas de organizações, encontram seu foco na livre competição e na idéia de que os melhores vencerão, aplicando esses conceitos no seu ambiente interno (Enriquez, 1997) incentivando a busca do sucesso nas unidades e entre os indivíduos, com vistas a maior produtividade. Dessa forma, estimula-se a concorrência entre as equipes de cada comitê, alimentando dessa maneira, um sentimento de ameaça entre os trabalhadores que não atingem as metas estabelecidas dentro de suas equipes. Conclusões As conclusões aqui apresentadas são parciais e referem-se ao processo de reestruturação e a introdução do trabalho em equipes que deram origem as novas exigências de qualificação dos trabalhadores na Fábrica Uberlândia. O que se observa na pesquisa é a maximização dos tempos e movimentos dos trabalhadores envolvidos nas equipes, ainda classificadas como semi-autônomas. Através de reuniões relâmpagos e de constantes treinamentos durante o turno de trabalho, enfatizase a necessidade de participação, envolvimento e dedicação durante o processo de trabalho, minando qualquer porosidade na produção. Convém destacar que as reuniões relâmpagos têm o objetivo de desestruturar as reuniões espontâneas dos trabalhadores que ocorrem sem o controle e supervisão da gerência (Sewell, 1998). A nova organização da Mini-fábrica, sob a forma de comitês, significou a transferência administrativa da Mini-fábrica, para a própria unidade, antes realizada pelo setor administrativo da Fábrica Uberlândia. Por sua vez, essas atividades exigem uma nova qualificação do trabalhador, constantemente submetido a treinamentos durante a jornada de

14 trabalho. Cabe ressaltar, que não ocorreram reajustes salariais perante o acúmulo de tarefas, nem mesmo aos representantes de cada comitê. Além do mais, a autonomia administrativa dada à unidade, significou o comprometimento dos resultados da Mini-fábrica com a própria eficiência da administração, repassando um novo tipo de responsabilidade para o trabalhador. Sem dúvida, esse processo intensificou o processo de trabalho, na medida em que novas funções foram sendo atribuídas ao trabalhador, paralelamente às outras atividades que são realizadas. Nesse processo, ocorreu um achatamento de 80% do quadro gerencial, uma vez que várias funções da gerência passaram a ser exercidas pelos próprios trabalhadores. Assim, esse novo modelo de gestão só vem garantindo aumento de produtividade e benefícios para empresa, a partir da intensificação do controle sobre processo de trabalho. O incentivo à democratização das informações, sob a roupagem da valorização do conhecimento e da eficiência revelam por sua vez a transparência do processo de trabalho, garantindo que, quaisquer mudanças nas etapas do mesmo não permaneçam fora do controle gerencial. Atrelado à democratização das informações ocorre a valorização da decisão das equipes, motivando os trabalhadores a se desempenharem cada vez, devido às recompensas em grande parte subjetivas que a própria ideologia promove. Dessa forma, a competitividade é acentuada entre as próprias equipes e internamente a elas. Na busca pelo reconhecimento individual, a força de trabalho é empregada a favor do capital. Torna-se evidente que após as medidas estruturais da reestruturação na década de 80 a nova fase iniciada após 1998 voltou-se principalmente para a potencialização das capacidades produtivas do trabalhador, ou seja, na capacidade humana de agregar ainda mais valor ao trabalho, fazendo-o pensar para o capital. Referências ALVES, G. O Novo (e precário) Mundo do Trabalho. Reestruturação produtiva e crise do sindicalismo. São Paulo, Boitempo, 2000. ANTUNES, R. Adeus ao Trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade no mundo do trabalho. Campinas, 8ª ed. Cortez/ Unicamp, 2002. ANTUNES, R.(org). Riqueza e Miséria do Trabalho no Brasil, 2006.

15 BRAVERMAN, H. Trabalho e Capital Monopolista. A degradação do trabalho no século XX. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan S. A, 1987. FARIA, F. A. Reestruturação Produtiva no Setor de Fumo: aparatos de intensificação e precarização do trabalho em uma fábrica de cigarros. Trabalho de Monografia. Uberlândia: UFU/ DECIS, 2007. FERRETTI, C. J. Considerações sobre a apropriação das noções de qualificação profissional pelos estudos a respeito das relações entre trabalho e capital. In: Educação & Sociedade, Campinas, vol. 25, n. 87, p. 401-422, maio/ago. 2004. GITAHY, L et al. Relações Interfirmas e Gestão de Recursos Humanos na Cadeia Produtiva de Autopeças. Relatório de Pesquisa: Projeto Reestruturação Produtiva, Trabalho e Educação. Campinas FINEP/CEDES/CNPq. 1997. HIRATA, H. Da polarização das qualificações aos modelos de competência. In: Ferretti, Celso et alli (org.). Novas Tecnologias, Trabalho e Educação: um debate multidisciplinar. Petrópolis: Vozes, 1994. MARX, K. O capital: crítica da economia política. Vol.1. Livro 1º. 23ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. PREVITALLI, F. S. Controle e Resistência na Organização do Trabalho: o caso de uma empresa montadora nos anos 90. Tese de doutorado. Campinas: UNICAMP/IFCH, 2002. SEWELL, Gr. The Discipline of Teams: The Control of Team-based Industrial Work Through Electronic and Peer Surveillance. In: Administrative Science Quarterly, vol. 43, nº2, p. 358-396, June, 1998. SOUZA, N. H. B. de. Os Efeitos Sociais da Nova Tecnologia nas Fábricas. In: Ricardo Toledo NEDER et alli, Automação e Movimento Sindical no Brasil, São Paulo, Hucitec, Cedec, 1988. SOUZA, J. dos S. Os Descaminhos das Políticas de Formação/ Qualificação Profissional: a ação dos sindicatos no Brasil recente. In: ANTUNES, Ricardo. (Org). Riqueza e Miséria do Trabalho no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2006. p.475-498.