OBSTIPAÇÃO CRÔNICA: UMA REVISÃO DE LITERATURA

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Transcrição:

OBSTIPAÇÃO CRÔNICA: UMA REVISÃO DE LITERATURA Júlio Emanoel Damasceno Moura (1); Luana de Souza Vasconcelos (2); Heloísa Fernandes de Araújo (3); Emerson Célio da Nóbrega Casimiro (4); Ana Raquel de Andrade Barbosa Ribeiro (5) (1) Discente do curso de Medicina da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), julioemanoeldgmail.com; (2) Discente do curso de Medicina da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), luana.sv@hotmail.com; (3) Discente do curso de Medicina da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), heloisafernds@gmail.com; (4) Discente do curso de Medicina da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), emersoncncasimiro@gmail.com; (5) Docente do curso de Medicina da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), anarakeu@gmail.com. Resumo: A Obstipação crônica é uma condição clínica caracterizada por defecação insatisfatória com fezes infrequentes, de difícil passagem ou ambos. Tem etiologia primária (disfunção colônica ou anorretal) ou secundária (medicamentos, doenças orgânicas ou doenças sistêmicas. Tem alta prevalência na população geral, o que acarreta diversas consequências a qualidade de vida do indivíduo, além de prejuízos socioeconômicos. O objetivo desta revisão de literatura é discutir os mecanismos fisiológicos do processo normal de defecação, a fisiopatologia das causas de constipação primária e descrever as principais causas da etiologia secundária; além de explanar as principais opções disponíveis atualmente para o diagnóstico e para o manejo terapêutico do indivíduo portador desta morbidade. Palavras-chave: Obstipação Crônica, Constipação Crônica, Disfunção Colônica, Disfunção Anorretal, Obstipação Secundária. Introdução Obstipação crônica é uma condição heterogênea comum, caracterizada por defecação insatisfatória associada com fezes infrequentes, passagem de fezes dificultada, ou ambos [2]. Tem alta prevalência na população geral (2-24%), aumentando nas idades mais avançadas (30% em idosos) [6, 7]. Traz diversas consequências para a qualidade de vida dos pacientes, além da produtividade do trabalho, prejuízos sociais e consumo de recursos em saúde [2,6]. O impacto econômico anual da Obstipação crônica nos Estados Unidos é de cerca de 2,5 milhões de visitas aos médicos e 100 mil hospitalizações [9]. É mais prevalente em mulheres e em idosos institucionalizados; sendo também associado com status socioeconômico baixo, depressão, certas medicações e baixos graus de atividade física e eventos de vida estressantes [7]. De acordo com os critérios ROME IV, a constipação é definida pela presença dos seguintes aspectos por pelo menos 3 meses:

1) Dois ou mais dos Seguintes Sintomas em mais de 25% das evacuações: Esforço Fezes duras ou granulosas Sensação de Evacuação Incompleta Manobras Manuais para facilitar a evacuação Menos de 3 evacuações espontâneas por semana 2) Fezes amolecidas são raramente presentes sem o uso de laxantes, 3) O paciente não vai de encontro ao critério de diagnóstico de Síndrome do Intestino Irritável [7]. Muitas vezes o diagnóstico diferencial de Síndrome do Intestino Irritável com predomínio de Obstipação (SII-O) é difícil; mas este se caracteriza principalmente pela presença de dor abdominal, que não é encontrada normalmente na constipação Crônica [3]. Muito se debate se a verdadeira definição da constipação seja a insatisfação do paciente com a frequência da defecação e da passagem fecal, com este sintoma se tornando clinicamente importante quando for severo o suficiente para causar prejuízo à sua qualidade de vida [2]. A presente revisão da literatura debate os mecanismos fisiológicos da defecação e a classificação da constipação crônica em suas formas primária e secundária; além de explanar os mecanismos fisiopatológicos envolvidos nas formas primárias desta condição e discutir sobre os testes diagnósticos disponíveis e as terapêuticas mais atuais no manejo da Obstipação. Metodologia Foi realizada uma revisão de literatura com buscas nas bases de dados MEDLINE e LILACS indexadas na plataforma BVS utilizando os termos Obstipação Crônica ou Constipação Crônica, o que gerou um total de 63 resultados. Depois, a busca foi filtrada da seguinte forma: texto completo disponível, idiomas inglês e português, anos de publicação de 2012 a 2017. Dentre os 6 artigos encontrados, foi selecionado 1 trabalho como adequado para os fins do atual trabalho, por abranger os aspectos mais gerais relacionados ao tema. Ademais, foi feita pesquisa na base de dados PubMed com os termos Chronic Constipation, com critérios de inclusão ser artigos de Revisão de literatura, com texto completo disponível e publicados nos últimos 5 anos; tendo sido encontrados 61 artigos e selecionados 7 trabalhos. Foi ainda selecionado o

artigo The pathophysiology of chronic constipation, publicado em outubro de 2011 no Canadian Journal of Gastroenterology, por relevância na elucidação da fisiopatologia da obstipação crônica. Resultados e Discussão Fisiologia da Defecação Os músculos colônicos são os responsáveis por propelir as fezes para o reto através de contrações localizadas e repetitivas, chamadas de Contrações de Massa, que em indivíduos saudáveis movem as fezes do colón proximal ao colo distal múltiplas vezes ao dia. Essas contrações usualmente ocorrem pela manhã e são acentuadas pela distensão gástrica pelos alimentos e o reflexo gastrocólico subsequente. O trânsito colônico normal em adultos é de 20 a 72 horas. [1,7]. A serotonina, liberada pelas células Enterocromafins em resposta à distensão da parede intestinal; é a mediadora dos movimentos peristálticos do trato gastrointestinal. Vai agir se ligando a receptores (principalmente o 5-HT4) e estimulando a liberação de neurotransmissores (Acetilcolina), causando contração do músculo liso antes do conteúdo luminal, e ajudando a propeli-los em frente [7]. A defecação vai, então, depender do preenchimento retal, da consciência do preenchimento retal e da habilidade de propelir as fezes e relaxar os músculos do assoalho pélvico de maneira coordenada. O esfíncter anal interno (EAI) é composto por músculo liso e tem controle inconsciente, e mantem 70% do tônus anal de repouso. Já o esfíncter anal externo (EAE) é composto por músculo estriado e é de controle voluntário, sendo responsável pelos 30% restantes. A distensão retal devido às fezes ou gases induzem o relaxamento reflexo do EAI, chamado de Reflexo Inibitório Retoanal. Durante a defecação normal, esse reflexo vai causar o relaxamento do EAI e produzir a sensação da necessidade de defecar. Se a defecação for inconveniente, há contração voluntária do EAE. O desejo de defecar se dissipa com o relaxamento do reto, permitindo que mais fezes sejam acomodadas. Quando apropriado, o sujeito se senta ou se agacha, prende a respiração; contrai o diafragma, os músculos abdominais e retais; e simultaneamente relaxa o EAE e o músculo Puboretal. Essas ações abrem o ânus e expelem as fezes [1].

Classificação da Obstipação Crônica Primária: Ocorre devido a defeitos intrínsecos na função colônica ou malfunção do processo de defecação. A Constipação de Trânsito Normal (ou Constipação funcional) é o tipo mais comum de constipação primária, onde o paciente relata ter sintomas consistente de obstipação (fezes duras, dificuldade de evacuação), mas o transito colorretal é normal [1,6]. Geralmente respondem bem ao tratamento com fibras na dieta ou com a adição de um laxante osmótico ou enterocinético. Podem apresentar estresse psicossocial [1]. Outra causa é a Constipação de Transito Lento é caracterizada por evacuações infrequentes (<1/semana) e trânsito colônico maior que 5 dias. Pacientes não sentem vontade de defecar, podendo relatar inchaço e desconforto abdominal. A frequência de contrações de massa é menor nesses pacientes [1,7]. A terceira causa de obstipação primária é a Disfunção de Saída, onde o trânsito intestinal está atrasado no colorreto distal; devido a alguma causa estrutural (Ex : Retocele, Prolapso Retal, Descida Perineal Excessiva); ou causa funcional, os chamados distúrbios defecatórios (Ex : Dissinergia, Anismo, Relaxamento Incompleto do Esfíncter Anal). Os pacientes podem ter dificuldades de evacuar até fezes líquidas, e o tratamento com laxantes é muitas vezes ineficiente [1, 6, 7]. Secundária: É secundária ao uso de medicamentos ou certas doenças. A redução da dose ou suspensão do medicamento causador; ou o controle da doença de base causa a resolução da obstipação. A principal causa de obstipação secundária é a medicamentosa, incluindo uma vasta gama de medicamentos utilizados na prática clínica de diversas especialidades, incluindo: Opióides (Morfinas), Agentes Anticolinérgicos, Antidepressivos Tricíclicos (Amitriptilina), Antiespasmódicos (Diciclomina, Mebeverina, Óleo de Hortelã-Pimenta), Bloqueadores de Canal de Cálcio (Verapamil, Nifedipino), Drogas Antiparkinson, Anticonvulsivantes (Carbamazepina), Simpatomiméticos (Efedrina), Antipsicóticos (Cloropromazina, Clozapina, Haloperidol, Risperidona), Diuréticos (Furosemida), Anti-Hipertensivos (Clonidina), Antiarrítmicos (Amiodarona), Antagonistas Beta-Adrenérgicos (Atenolol), Antiácidos contendo cálcio ou alumínio, Suplementos de Cálcio, Suplementos de Ferro, Antidiarréicos (Loperamida), Antagonistas 5-HT3 (Ondasentrona), Sequestrantes de Ácido da Bile

(Colestiramina), Anti-Inflamatórios Não Esteroidais (Ibuprofeno) [2, 4]. TABELA 1. Causas de Obstipação Secundária Não Medicamentosa. Estenose orgânica [2] Massas Intra ou Extra Intestinais Estenose Inflamatória, Isquêmica ou Cirúrgica Desordens endócrinas ou metabólicas [2] Hipotireodisimo Hipercalcemia Hiperparatireoidismo Diabetes Porfiria Insuficiencia Renal Crônica Pan-Hipopituitarismo Gravidez Desordens neurológicas [2] Lesão Medular Espinhal Doença de Parkinson Doença Cerebrovascular Paraplegia Esclerose Múltipla Neuropatia Autonômica Espinha Bífida Neuropatias entéricas [2] Doença de Hirchsprung Pseudo-Obstrução Intestinal Crônica Desordens miogênicas [2] Distrofia Miotônica Dermatomiosite Escleroderma Amiloidose Desordens Anorretais [2] Fissura Anal Estenose Anal

Fisiopatologia A fisiopatologia da obstipação primária é multifatorial, incluindo a dieta; Motilidade Colônica e Absorção; Funções Anorretais Motoras e Sensoriais; Fatores comportamentais e Psicológicos. A avaliação desses fatores de forma conjunta evita simplificações e ajuda a compreender de forma mais completa a patogênese da constipação crônica, direcionando uma terapêutica mais adequada [2]. Uma dieta pobre em fibras pode induzir a constipação. As fibras da dieta são resistentes à hidrólise pelas enzimas do intestino delgado, e passam para o cólon não-absorvidas, onde retém água e aumentam o peso das fezes; sendo valiosas especialmente no tratamento de pacientes com trânsito colônico normal. Além disso, aumento no consumo de água potencializa os efeitos positivos da suplementação de fibras na dieta [2, 6, 7]. Trânsito colônico lento está associado com fezes pequenas e endurecidas, que são difíceis de evacuar, devido ao maior tempo do processo de absorção de água. O trânsito intestinal lento pode ser por atividade motora inadequada; principalmente por diminuição da quantidade de células intersticiais de Cajal, que formam uma rede na camada muscular do trato gastrointestinal, gerando e transmitindo atividade elétrica que controla a função do músculo liso [4]; por alterações nos neurônios do plexo mioentérico que expressam a substância P (um neurotransmissor excitatório), ou expressão acentuada de receptores de progesterona nas células musculares circulares do cólon [1,2]. Pacientes constipados frequentemente reclamam dificuldades em evacuar o conteúdo retal satisfatoriamente, e a ausência de uma vontade normal de evacuar. A defecação normal requer uma interação complexa entre as funções colorretais motora e sensitiva. Pacientes com distúrbios de saída podem apresentar falha no relaxamento do EAE e do músculo Puborretal durante a defecação (Anismo); um EAI hipertônico; Propulsão retal inadequada durante a defecação; Hipossensitividade e Hipotonicidade Retal; Alterações anatômicas anorretais (Retoceles, Prolapso Retal); Descida Perineal Excessiva; e Dissociação do componente sensorial e da atividade motora do cólon. Essas disfunções podem coexistir [2]. Além disso, pode estar presente a Dissinergia, onde os pacientes são incapazes de coordenar os músculos abdominais, retoanais e do assoalho pélvico durante a defecação [1]. Fatores comportamentais podem influenciar na constipação. Em crianças, um episódio de evacuação dolorosa e difícil pode induzir constipação funcional, levando a retenção de fezes, distensão retal e incontinência fecal. Nos idosos, especialmente nos hospitalizados, este

problema também é relevante, podendo levar a impactação fecal. Além disso, os fatores psicológicos também influenciam no quadro; podendo estar presente em pacientes com somatização, ansiedade e depressão. Eventos adversos na vida (Ex: Perca de um ente, Abuso físico ou sexual), discrepâncias entre sintomas relatados e alterações objetivas, uma desordem alimentar, insatisfação com os tratamentos padrões e comportamento agressivo sugerem alteração psicológica concomitante ou diagnóstico psiquiátrico. Diagnóstico Inicialmente deve ser feito uma avaliação clínica. A anamnese deve incluir a duração dos sintomas, comorbidades, histórico de cirurgia gastrointestinal ou anorretal, frequência das evacuações, consistência das fezes, sensação de evacuação incompleta, esforço para evacuar, sensação de obstrução durante a defecação, evacuação digital do reto, digitação vaginal para esvaziar o reto, suporte digital do períneo, massagem abdominal, tentativas de defecação sem sucesso, dor abdominal, inchaço, dor durante a evacuação, sinais de prolapso retal, enterocele ou cistocele, tratamento prévio, medicações em uso atual e impacto nas atividades sociais e na qualidade de vida. Sinais de alerta incluem mudança de hábito intestinal após os 50 anos, presença de sangue nas fezes, anemia, perda de peso e histórico familiar de câncer de Colón. Deve ser ainda avaliada a dieta, consumo de líquidos e a realização de atividades físicas [3, 6]. Inicialmente deve-se descartar a constipação secundária, de acordo com a história clínica: e quando necessário solicitar testes laboratoriais (Hemograma, Níveis de Cálcio, Hormônio Estimulante da Tireóide) e colonoscopia [2, 7]. Todos os pacientes com constipação crônica devem passar por exame retal, no intuito de se investigar causas de dor anal (Fissuras, Hemorroidas), procura de impactação fecal, avaliação do tônus esfinctérico de repouso e durante esforço, além de avaliar a parede anterior para verificar presença de retocele. O paciente deve ser orientado a tentar forçar o dedo para fora, onde normalmente o esfíncter anal e o Músculo Puborretal devem relaxar e o períneo descer menos de 3,5cm [2]. Deve-se ainda fazer palpação abdominal para excluir a possibilidade de massas abdominais [6]. Alguns exames complementares, incluindo testes fisiológicos da função anorretal e do trânsito colônico, podem ser solicitados em casos de

constipação persistente e refratária ao tratamento, no intuito de se diferenciar constipações primárias de trânsito lento e de disfunção de saída. TABELA 2. Exames complementares na Avaliação da Obstipação Crônica Teste Mecanismo Valor de Referência Teste de Expulsão Retal de Balão [1, 2] Mede-se tempo necessário para expulsar balão retal contendo 50ml de água, e se o volume induz o desejo sustentado de defecar. < 60 segundos Manometria Anorretal [1, 2] Insere-se cateter sensível à pressão com balão na ponta no canal anal, avaliando-se função neuromuscular e sensorial do ânus e reto. Avalia-se também a pressão anal durante tentativa de evacuação. Defecografia [2] Insere-se pasta de bário no reto e se estuda a função da região anorretal no repouso e durante tentativa de defecação através da fluoroscopia. Pode ser realizada uma variante com ressonância magnética, evitando-se exposição à radiação. Aumento >45mmHg da Pressão Intrarretal e Diminuição >20% da pressão anal. Teste Qualitativo

Teste de Transito Colônico [2] O principal método é a técnica de Metcalf et. Al, ingerindo-se 20 marcadores rádio-opacos por 3 dias, contabilizando os marcadores remanescentes por técnica de alta kilo-voltagem via Raio X no 4ª Dia. < 68 horas Transito Colônico = 1.2 x Nº de marcadores no 4º dia Tratamento Mudança no estilo de vida é fundamental no controle da Obstipação Crônica. Aumento no consumo de fibras na dieta (25-30g/dia), principalmente de fibras solúveis (Ex: Psyllium, Metilcelulose, Inulina), e em pacientes com tempo de trânsito intestinal normal [2, 7]; e maior ingestão de líquidos é recomendada [7]. A constipação também é altamente associada com sedentarismo, com a atividade física estimulando a motilidade colorretal e reduzindo o tempo de trânsito colônico; sendo recomendada atividade física de 30 a 60 minutos por dia com melhora significativa na consistência das fezes [6]. Laxantes são considerados tratamentos de primeira linha, sendo agrupados de acordo com o seu mecanismo de ação. Laxantes osmóticos contém íons não-absorvíveis e moléculas que retém água no cólon, aumentando o volume fecal e melhorando a consistência. Exemplos de Laxantes osmóticos são a Lactulose, Sorbitol (Carboidratos insolúveis, 15-30ml, 1 ou 2 vezes ao dia), o Hidróxido de Magnésio e o Polietilenoglicol. Atuam de 3-6 horas quando administrados por via oral. Alguns efeitos indesejados incluem distensão abdominal, flatulência, cólica e diarreia [2, 5, 6]. Os derivados de Magnésio não devem ser utilizados em pacientes com doença cardíaca ou renal [7]. Laxantes Estimulantes agem estimulando os neurônios por enterocitose no músculo liso intestinal, induzindo a peristalse; devido a estimulação da secreção de fluídos e eletrólitos. Incluem o Bisacodil, Picossulfato de Sódio, Senna e Glicerina (na forma de supositório). Tem efeitos a curto prazo (6-8 horas) e devem ser utilizados por um máximo de 4 semanas. Alguns efeitos adversos incluem destruição das terminações nervosas do cólon, dor abdominal e diarreia [5, 6, 7].

Laxantes Lubrificantes incluem óleos minerais, não trazendo complicações maiores. Em pacientes com doença do refluxo gastroesofágico podem desenvolver pneumonia gordurosa se aspirarem esses óleos para as vias respiratórias. O emprego prolongado desses laxantes lubrificantes pode prejudicar a absorção de vitaminas lipossolúveis [5]. Laxantes Surfactantes ou Emolientes vão facilitar a interação entre as fezes e a água, além da interação de substancias hidrofílicas e hidrofóbicas, gerando amolecimento do bolo fecal e evacuação mais fácil. Incluem o Docusato de Sódio e Docusato de Cálcio. Tem efeito em 1 a 3 dias [5,7]. Os procinéticos são a terapia de escolha para pacientes com trânsito normal ou diminuído em que outras terapias tenham falhado. Incluem a Lubiprostona, Linaclotida e Plecanatida. São utilizados tanto para Obstipação crônica quanto para SII-O; atuando na ativação canais de cloreto nos enterócitos e aumentando a secreção intestinal de cloreto, o que aumenta o efluxo de sódio para manter a eletroneutralidade, gerando secreção de água no lúmen intestinal; facilitando o transito e aumentando a passagem das fezes [2, 7, 8]. TABELA 3. Agentes Procinéticos Agente Dose Efeitos Adversos Lubiprostona [7,8] 24 mcg/dia Náuseas, Cefaléia Linaclotida [7,8] 290 μg/dia Diarréia Plecanatida [7,8] 3mg/dia Diarréia Outra alternativa são os agonistas do receptor de Serotonina, que atuam na ativação do receptor 5-HT4 no intestino levando à liberação de acetilcolina, induzindo a secreção mucosa, ativando neurônios submucosos e aumentando a motilidade intestinal. A Cisaprida e o Tegaserod foram medicamentos dessa classe que foram retirados do mercado por conta de graves efeitos adversos cardiovasculares (Afinidade por canais cardíacos herg-k+). Os novos agentes incluem agonistas de 5-HT4 altamente seletivos, como a Prucaloprida e o Velusetrag [7, 8].

TABELA 4. Agonistas do Receptor de Serotonina Agente Dose Efeitos Adversos Prucaloprida [7, 8] 2mg/dia Cefaléia, Náuseas, Dores Abdominais, Cãibras Velusetrag [7,8] 15mg/dia Diarréia, Cefaleia, Náuseas e Vomitos Uma forma promissora de tratamento não-medicamentoso é o Biofeedback, um tratamento comportamental onde os pacientes aprendem os mecanismos fisiológicos da defecação; e como utilizar seus músculos diafragmáticos, abdominais e do assoalho pélvico no intuito de evacuar. Pode ser provido ainda treinamento sensorial. É principalmente útil no tratamento de pacientes com disfunção de saída. Uma desvantagem é a pouca disponibilidade de terapeutas experientes. É recomendável utilizar essa abordagem após todos os outros tratamentos disponíveis terem sido tentados [2]. Outros tratamentos incluem estimulação dos Nervos Sacrais e cirurgias. Tem morbidade substancial, devendo ser limitada para casos especiais [2]. A estimulação dos Nervos Sacrais é feita por estimulação elétrica continua de baixa amplitude das raízes dos nervos sacrais, sendo indicada em pacientes com constipação intratável [2]. O principal procedimento cirúrgico é a Colectomia com Anastomose Ileorretal, indicada para pacientes com baixo transito intestinal refratário, sem a presença de alguma disfunção de saída. Alguns efeitos adversos incluem dor abdominal, obstrução do intestino delgado e necessidade de re-operação. [2]. Conclusão A Obstipação crônica é uma condição gastrointestinal comum que traz prejuízos significativos à qualidade de vida dos pacientes, com consequências socioeconômicas e psicológicas, sendo mais comum em idosos. Uma história clínica cuidadosa, atenção médica adequada e exame físico ajudam no direcionamento de uma terapêutica mais eficaz; levando em conta todas as características individuais que contribuem para a natureza multifatorial desta condição. Tendo em luz os avanços obtidos nos últimos anos em relação ao manejo da Constipação crônica, deve se dar ênfase a meios de otimizar tanto o diagnóstico, definindo-se de maneira mais objetiva e menos invasiva possível a etiologia

primária ou secundária deste sintoma; como também o tratamento desta condição, com uma ênfase devendo ser dada aos estudos que demonstram a eficácia de diferentes tratamentos. Deve-se levar em consideração também a satisfação dos pacientes com o seu tratamento, tanto em relação a fatores subjetivos e objetivos. Referências 1. ANDREWS, CN; MATSUMOTO, T. The pathophysiology of chronic constipation. Canadian Journal of Gastroenterology., v.25, p-16b-21b, Ouubro, 2011. 2. BASILICO, G et al. Chronic constipation: A critical review. Digestive and Liver Disease, v. 45, n. 11, p 886 893, Abril, 2013. 3. BHARUCHA, AE; PEMBERTON, JH; LOCKE, GR. American Gastroenterological Association Technical Review on Constipation. Gastroenterology; v. 144, n.1 p.218-238, Janeiro, 2013. 4. BIELEFELDT, K, TUTEJA A, NUSRAT, S. Disorders of gastrointestinal hypomotility. F1000Research. v.5, Agosto, 2016. 5. CHEHTER, L. Constipação intestinal funcional crônica. Rev. Brasil. Med. V. 69, n.12, Dezembro, 2012. 6. CHIARONI, G; KROGH, K; WHITEHEAD, W. Management of chronic constipation in adults. United European Gastroenterology Journal. v.5, n.4, Junho, 2017. 7. HAYAT, U; DUGUM M; GARG, S. Chronic constipation: Update on management. Cleveland Clinic Journal of Medicine.;V. 84, n.5, p. 397-408, Maio, 2017. 8. JIANG, C; XU, Q; WEN, X; Sun, H. Current developments in pharmacological therapeutics for chronic constipation. Acta Pharmaceutica Sinica B. 2015;v.5, n.4 p300-309, Julho, 2015 9. ROQUE, MV; BOURAS, EP. Epidemiology and management of chronic constipation in elderly patients. Clinical Interventions in Aging. V. 10, p919-930, Junho, 2015