A EDUCAÇÃO DO CAMPO E O PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO NO MUNICÍPIO DE TIJUCAS DO SUL: MARCOS SIGNIFICATIVOS DE UM PROCESSO COLETIVO EM CONSTRUÇÃO Rosana Aparecida da Cruz Rita das Dores Machado Valdirene Manduca de Moraes RESUMO Este trabalho apresenta parte da pesquisa que vem sendo desenvolvida em quinze instituições localizadas no campo, em um município da Região Metropolitana de Curitiba, tendo como objetivo identificar as ações realizadas no decorrer dos últimos cinco anos de debate no que se refere à Educação do Campo e a reestruturação dos Projetos políticos-pedagógicos. A trajetória e o percurso dessas discussões coletivas, serão destaques nesse trabalho diante do reconhecimento enquanto sujeitos do campo em que a comunidade escolar passa a fazer parte da construção de um projeto coerente com a realidade sociocultural, sendo elaborado pelos próprios sujeitos, valorizando a identidade e a cultura dos povos do campo.a metodologia utilizada parte do processo da investigação-ação, na medida em que os sujeitos envolvidos apresentam uma intencionalidade e comprometimento na busca da transformação da realidade. Os debates realizados reavaliam as situações do contexto escolar, num processo de reflexão e ação, diante de uma concepção problematizadora de Paulo Freire e de formação humana. As ações foram desenvolvidas mediante encontros com a comunidade escolar, em que iniciaram pelas análises dos Projetos político-pedagógicos e grupos de estudos para compreender a concepção da educação do campo. Para este trabalho, utilizou-se como suporte teórico, Arroyo (2011); Caldart (2004); Freire (1987); Veiga (1995); Mion (2001); Constata-se que o desenvolvimento de ações que vem se intensificando no município, trazem marcas de uma construção coletiva e processual e percebe-se impactos de mudanças nas práticas educativas. Palavras - Chave: Escolas públicas localizadas no campo. Construção do Projeto político-pedagógico; Educação do Campo. INTRODUÇÃO O presente trabalho apresenta o andamento de uma pesquisa realizada na Região Metropolitana de Curitiba, no Município de Tijucas do Sul - PR sobre a construção coletiva do Projeto político-pedagógico articulado a concepção da Educação do Campo em quinze instituições de ensino. Cabe ressaltar, que essa trajetória percorre cinco anos de discussões, saindo de um projeto homogêneo e conservador na busca de um projeto coletivo e transformador. Dessa forma, trazemos como objetivo central identificar as 9209
2 ações realizadas no decorrer dos últimos cinco anos de debate no que se refere à Educação do Campo e a reestruturação dos Projetos políticos pedagógicos. Ressalta-se que antes de acontecer às discussões e encontros coletivos os projetos político-pedagógicos, vinham prontos e determinados pela Secretaria Municipal de Educação e eram distantes da identidade e cultura da vida campesina. Cabe destacar, que esse trabalho veicula-se ao Projeto de pesquisa, intitulado Educação do Campo na Região Metropolitana de Curitiba: diagnóstico, diretrizes curriculares e reestruturação dos projetos político-pedagógicos, desenvolvido pela Universidade Tuiuti do Paraná dos quais as autoras são participantes. As indagações problematizadas no coletivo ao elaborar o projeto políticopedagógico suscitam elementos essenciais em uma nova organização do trabalho pedagógico, respeitando o conhecimento historicamente construído, e elaborado pelos próprios sujeitos e não enviados para eles. Nesse sentido, os sujeitos passam a ser protagonistas dessa construção, evidenciando a valorização da identidade e cultura antes não percebida. A metodologia utilizada parte do processo da investigação-ação, na medida em que os sujeitos envolvidos apresentam uma intencionalidade e comprometimento na busca da transformação da realidade. Como afirma Mion, Não basta estarmos comprometidos com transformações, devemos, sobretudo, vivê-las, concretamente. (2001, p. 5). Os debates realizados reavaliam as situações do contexto escolar, num processo de reflexão e ação, diante de uma concepção problematizadora de Paulo Freire e de formação humana. As ações foram desenvolvidas mediante encontros com a comunidade escolar, em que iniciaram pelas análises dos Projetos político-pedagógicos e grupos de estudos para compreender a concepção da educação do campo. Este trabalho se organiza em duas partes a saber:1) Problematiza as questões teóricas sobre a Concepção da Educação do Campo e o Projeto político-pedagógico; 2) Apresenta o percurso de construção dos princípios da Educação do Campo e a construção do Projeto político-pedagógico. EDUCAÇÃO DO CAMPO E O PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO A educação do Campo surgiu como forma de questionar as desigualdades existentes e lutar por uma nova concepção de sociedade e de mundo. Surge no final da década de oitenta pelos movimentos sociais, na luta pela valorização dos sujeitos do 9210
3 campo. O campo é permeado de grandes disputas, pelo modo de produção capitalista, e o que se percebe nos municípios da Região Metropolitana de Curitiba são enfrentamentos que as escolas localizadas no campo disputam constantemente por meio de projetos que se instalam no interior das escolas, muitas vezes atrapalhando e impedindo o caminho inverso dessa lógica que é a formação humana. Enquanto pensase em um projeto emancipador e problematizador, disputamos com um projeto reprodutor ligado ao sistema capitalista.o que fazer diante disso? Mészaros nos diz que Apenas a mais consciente das ações coletivas poderá livrá-los dessa grave e paralisante situação. (2008, p. 45). A educação do Campo caminha em prol da formação humana, é dialógica, problematizadora,contrária ao individualismo e a competitividade, defende a cultura e identidade dos sujeitos, valoriza os conhecimentos historicamente acumulados e defende um conhecimento crítico e emancipador. Souza (2011, p. 28) destaca que a escola do campo precisa ser pensada, organizada e vivida pelos próprios sujeitos. Nesse sentido é que se busca um Projeto político-pedagógico problematizador, em que os sujeitos pensem sobre a escola que pretendem construir, num processo de conscientização política e coletiva e que se organizem e estabeleçam a intencionalidade constituída pelos próprios sujeitos, diante dos desafios enfrentados cotidianamente na busca pela formação humana. Paulo Freire nos ajuda a compreender essa concepção, quando o autor discute que a Consciência emerge do mundo vivido, objetiva-o, problematiza-o, compreende-o como projeto humano ( FREIRE, 1987, p. 9). O projeto político pedagógico é a marca da identidade da escola, é um documento orientador das práticas educativas e dessa forma é necessário elencar alguns princípios que fundamentem um projeto político-pedagógico que expresse a formação humana como: gestão democrática, diálogo, identidade, intencionalidade política, autonomia, consciência critica diante da realidade, reavaliação da prática, organização coletiva. Não caminhamos sozinhos, caminhamos no coletivo, na união entre os sujeitos, pensando no que juntos podemos transformar. Caldart nos fala dessa construção: Este é um traço do projeto político e pedagógico da Educação do Campo que não podemos perder jamais, porque estamos diante de uma grande novidade histórica: a possibilidade efetiva de os camponeses assumirem a condição de sujeitos de seu próprio projeto educativo; de aprenderem a pensar seu trabalho, seu lugar, seu país e sua educação. É a concretização da Pedagogia 9211
4 do Oprimido, talvez entre seus sujeitos mais legítimos. ( CALDART, 2004, p. 18). O processo de conscientização política requer assumir-se enquanto sujeito comprometido com a transformação de seu meio, reavaliando a própria prática, num movimento contínuo de reflexão-ação-reflexão. O conhecimento não é uma cópia da realidade, mas é produto do agir sobre ela, de tentar transformá-la e compreender o processo de sua transformação. É a ação-intervenção que estabelece a relação do sujeito com a realidade. (ARROYO, 2011, p. 257). MARCOS HISTÓRICOS EVIDENCIADOS NESSA CONSTRUÇÃO As discussões iniciaram no município, em 2010 pela mestranda Patrícia de Paula Correia Marcoccia, a qual participava do Projeto Observatório de Educação intitulado Realidade das escolas do campo na Região Sul do Brasil: diagnóstico e intervenção pedagógica com ênfase na alfabetização, letramento, e formação de professores aprovado pelo edital 038/2010 da CAPES/INEP Observatório de Educação núcleo em rede com UFSC, UTP e UFPEL. Essa pesquisa iniciou na escola Rural Municipal Deputado Leopoldo Jacomel, no Município de Tijucas do Sul-PR. Essa comunidade é chamada Matulão, a qual fica próxima a BR 376, rodovia que corta a Serra do Mar no caminho para o litoral do Paraná e de Santa Catarina. O objetivo do trabalho foi tentar uma reaproximação entre comunidade e escola e no entanto a pesquisa procurou identificar as razões que levaram esse distanciamento, constatando que uma das principais causas do desinteresse dos familiares para com a escola teria sido o baixo desempenho da instituição no IDEB de 2007, motivo este que teria desmotivado pais, professores, alunos e funcionários. Com isso foi criando uma imagem negativa da instituição para a comunidade. Nesse sentido, passamos a conhecer melhor as famílias a escola e a comunidade, o reconhecimento e valorização da identidade e dos aspectos inerentes ao contexto social. Novos olhares foram perceptíveis no reconhecimento do campo, valorizando os funcionários, a escola e a comunidade. Ressalta-se que todo trabalho constituído pela comunidade escolar proporcionaram resultados positivos quanto a relação escola e família assim como a melhoria na qualidade de ensino, as práticas contextualizadas, a autoestima dos alunos, professores e familiares. 9212
5 Em 2012, a mestranda Rosana Aparecida da Cruz, pedagoga da Secretaria Municipal de Educação, inicia como bolsista no mesmo Projeto de Pesquisa citado anteriormente, mas tendo como objeto de pesquisa a temática voltada à Reestruturação dos Projetos Político-Pedagógicos das escolas localizadas no campo no Município de Tijucas do Sul. Cabe ressaltar que os Projetos políticos -pedagógicos anteriormente não foram elaborados coletivamente e nem atendiam as especificidades dos sujeitos do campo. Nesse sentido, iniciaram-se em 2013, momentos de estudos coletivos, análises dos projetos políticos- pedagógicos, seminários e participação da comunidade escolar, para reestruturar o documento. Esses encontros partiram do Marco situacional, repensando sobre as limitações e dificuldades enfrentadas em cada escola, refletindo sobre a construção de um PPP construído coletivamente e discutindo a valorização dos aspectos da identidade e da cultura campesina, redimensionando as práticas. Esse foi um importante marco, o reconhecimento da identidade e enquanto sujeitos capazes de elaborar um projeto próprio e coerente, construído pelos próprios sujeitos e não levados para eles. Nesse mesmo ano, entra em cena o Projeto OBEDUC II Educação do Campo na Região Metropolitana de Curitiba: Diagnóstico, Diretrizes Curriculares e Reestruturação dos Projetos Político-Pedagógicos. Os participantes do Observatório da Educação dão início há um intenso movimento de debates e encontros com professores das escolas municipais procurando refletir e discutir as características de cada comunidade e sua relação com os processos escolares bem como as concepções de Educação do Campo anteriormente desconhecidas ao público. Logo após o marco situacional, em 2014, o foco foi com relação ao marco conceitual, pensar numa nova concepção baseada na formação humana e na concepção da Educação do Campo, antes distante da realidade e do contexto social. Nesse período iniciaram-se estudos teóricos em cada instituição de ensino, para fundamentar os princípios filosóficos, epistemológicos e sociais. Os autores que contribuíram nos estudos foram Arroyo ( 2004; 2011); Caldart ( 2004); Souza ( 2011); Freire ( 1987) Veiga ( 1985; 1988); documentos legais além de outros estudiosos que discutem a Educação do Campo e o Projeto político-pedagógico. Concomitante a estas discussões realizadas nas escolas municipais, em 2014 a Universidade Tuiuti do Paraná, com colaboração dos bolsistas do Observatório da 9213
6 Educação, organizou um curso de Especialização em Educação do campo em Tijucas do Sul, o qual contribuiu de forma mais efetiva a discussão no município. Além dos seminários internos realizados no Município, tivemos no mesmo ano em 2014 o I Seminário Intermunicipal de Educação do Campo em parceria com o município da Lapa, com temáticas importantes de discussões levantadas nos Grupos de Trabalhos organizados relação aos temas propostos pelo coletivo de professores: Processo de Nucleação e fechamento de escolas; Currículo e Diversidade. Educação Infantil. Educação Especial. Educação de Jovens e Adultos. Educação Integral. Gestão Democrática. Alfabetização Ecológica. Planejamento e Práticas contextualizadas: relação teoria e prática; Relações humanas na escola. Em 2015, as instituições escolares deram continuidade às discussões nas dez escolas do município e nos Centros Municipais de Educação Infantil sobre o marco operacional, reavaliando todas as ações educativas dessa construção num processo de ação-reflexão-ação. Destaca-se que nesse ano a pedagoga Rosana iniciou seus estudos no Doutorado em Educação pela Universidade Tuiuti do Paraná e dá continuidade na pesquisa. Foi realizado nesse mesmo ano de 2015, o II Seminário Intermunicipal de Educação do Campo realizado em sequência no município da Lapa contando com aproximadamente 700 pessoas distribuídos em grupos de trabalhos coordenados por bolsistas do OBEDUC os quais discutiram as demandas elencadas nos municípios como: Jogos pedagógicos; Literatura (poesia e história da comunidade; Atendimento Educacional Especializado AEE dificuldades/obstáculos de aprendizagem; Diversidade Cultural; Educação Infantil I berçário e maternal; Educação Infantil II pré; Organização do Trabalho Pedagógico para pedagogas avaliação (Ideb/ ensino e escola/ autoavaliação); Currículo; Habilidades básicas para a aprendizagem (pré requisitos para a alfabetização); Geografia local reconhecimento dos espaços (atividades econômicas e culturais; construção/utilização de mapas); Família e comunidade; Saúde do Professor; Ciências observação e intervenção na natureza (experimentos) Projetos na/da escola (interdisciplinaridade/intersetorial); Tecnologias na educação. Cabe ressaltar além dos seminários internos e intermunicipais que foram realizados no município algumas ações que foram extremamente portantes nesse percurso: Discussões e debates sobre a Concepção da Educação do Campo iniciada em 2011 por meio do Observatório de Educação; Encontros constantes com os professores, pais de 9214
7 alunos, coordenadores e diretores das escolas municipais; Formação Continuada de acordo com o contexto do campo, nova perspectiva de articular no PPP aspectos relacionados à identidade, cultura e trabalho; Mudanças nas práticas pedagógicas com ênfase na valorização da identidade dos sujeitos do campo; Formações inicial e continuada fomentando a discussão da Educação do campo; Seminários envolvendo a comunidade escolar e troca de experiências entre as instituições; Debate e reestruturação do Currículo; Debate nas comunidades com os pais de alunos, ressaltando a importância de um PPP construído na coletividade; Extinção do Projeto Agrinho no município nos debates realizados pela comunidade escolar; Extinção do Projeto Comfloresta ; Grupos de estudo com a comunidade escolar para a discussão coletiva sobre o PPP e a Educação do Campo; Sarau da poesia: A identidade dos Sujeitos do Campo de Tijucas do Sul ; Livro coletivo realizado pelos alunos e professores, diretores e coordenadores do 5º ano com o tema: Meu Município e minha cultura ; Inserção no Plano Municipal de Educação de uma meta específica na Educação do Campo e Educação Ambiental; Discussão no coletivo sobre adaptação curricular específica com relação as classes multisseriadas; Projetos no contra turno voltados à cultura e diversidade (aulas de violão, cultura local, artesanato local, ciclismo). Percebe-se que essa trajetória foi significativa para o Município de Tijucas do Sul, pois passamos a desconstruir um projeto contra hegemônico na busca por um projeto hegemônico, alicerçado na formação humana. CONSIDERAÇÕES FINAIS A concepção da Educação do campo ainda é um caminho que percorremos no município, discutimos, debatemos e estamos ainda construindo, pois enquanto lutamos por um projeto social transformador, desafiamos o modo de produção capitalista que chega de forma solícita querendo ocupar os espaços escolares, exemplo disso é o Projeto SEBRAE. Mas podemos afirmar que hoje o município já não é o mesmo, pois dialoga com a educação do campo, as pessoas têm conhecimento das leis e lutam por elas, questionam e não aceitam qualquer forma de imposição vindo hierarquicamente. Percebe-se que a valorização do reconhecimento da identidade foi um dos princípios fundamentais na elaboração do Projeto político-pedagógico, e são evidentes nas práticas 9215
8 dos professores. Ressalta-se que esse processo é contínuo e desafiador, mas que é possível quando há um coletivo buscando essa transformação, é difícil, mas não impossível. É necessário romper com um paradigma de hierarquia, e vivenciar e atuar democraticamente num movimento dialético nessa construção, processo de reflexãoação-reflexão executados num coletivo. Pois como afirma Veiga (1995) que, no processo democrático das decisões, é importante a organização do trabalho pedagógico sem autoritarismo, competitividade e corporativismo diante das relações. REFERÊNCIAS: ARROYO, Miguel González. Currículo: território em disputa. Petrópolis: Vozes, 2011. CALDART, Roseli Salete. Elementos para a construção do projeto político e pedagógico da Educação do campo. In: MOLINA, M. C.; JESUS, S. M. S de. Contribuições para a construção de um projeto de educação do campo. Brasília: Articulação Nacional Por uma Educação do Campo, 2004. p. 10-31 FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. VEIGA, Ilma Alencastro. Projeto Político Pedagógico da Escola: Uma Construção Possível. Campinas, São Paulo: Papirus, 1995. SOUZA, Maria Antônia de. A Educação é do Campo no Estado do Paraná? In: SOUZA, M. A. de (org.). Prátcas Educativas do / no campo. Ponta Grossa: UEPG, 2011.p.25-40. MÉSZÁROS, ISTVÁN. A Educação para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2008. MION, Rejane Aurora. Emancipação e esclarecimento na investigação-ação. In: MION, R. A.; SAITO, H. S. (Orgs.). Investigação-Ação: mudando o trabalho de formar professores. Ponta Grossa: Gráfica Planeta, 2001. 9216