UNITERMOS MONITORIZAÇÃO DO BLOQUEIO NEUROMUSCULAR DOENÇAS NEUROMUSCULARES/prevenção & controle. Fernanda Kern Milagre Alice Becker Teixeira Noslen de Souza Nehemias Lemos Filho Jayme Heck KEYWORDS NEUROMUSCULAR DISEASES/prevention & control. SUMÁRIO Tradicionalmente, o bloqueio neuromuscular é avaliado através de critérios clínicos, entretanto a melhor maneira para se estimar a recuperação de um BNM é através do uso de estímulos elétricos em nervos motores periféricos. Este artigo visa à discutir como pode ser feito o monitoramento de bloqueios neuromusculares e os benefícios alcançados com essas técnicas. Summary Although neuromuscular blockade (NMB) is routinely estimated using clinical criteria, the best way to assess recovery of NMB is using electrical stimulus in peripheral motor nerves. This article aims to describe how neuromuscular blockade can be monitored and the benefits of using these techniques. INTRODUÇÃO Habitualmente, o grau de bloqueio neuromuscular (BNM) é avaliado através de critérios clínicos, 1 que incluem a capacidade de erguer a cabeça por cinco segundos, engolir efetivamente, sustentar a protusão da língua, possuir abertura ocular ao comando, ser capaz de tossir efetivamente, possuir capacidade vital de no mínimo 15mL/kg entre outros. 2,3 Entretanto, maneira mais eficaz para determinar a função neuromuscular é através da avaliação da força de contração de um músculo periférico, em resposta a um estímulo elétrico (resposta evocada). 1
O uso da estimulação de nervos periféricos para avaliar o grau de bloqueio neuromuscular foi inicialmente descrito em 1941 por Harvey e Masland. Em 1958, ChristieChurchill-Davidson apresentaram o primeiro equipamento para estimar o BNM na prática clínica. Os princípios básicos não mudaram desde então: o estímulo de um nervo periférico com um impulso elétrico resulta em uma contração muscular que segue o principio do tudo ou nada e o grau da resposta depende do numero de fibras musculares ativadas. 4 O objetivo da monitorização dos bloqueios na prática clínica inclue a avaliação da reversão do bloqueio, para assegurar que paralisia residual não esteja presente, avaliação para determinar se o bloqueio pode ser farmacologicamente reversível, titulação de doses de bloqueadores neuromusculares para atingir o relaxamento desejado e detecção de uma inesperada sensitividade, resistência ou alteração do clearence do relaxante em uso. 2 POSICIONAMENTO DOS ELETRODOS O local de escolha para o monitoramento deve levar em conta os seguintes fatores: deve ser de fácil acesso, a estimulação direta do músculo deve ser evitada e o monitoramento quantitativo deve ser viável. A unidade motora mais usada para estes fins é o nervo ulnar/músculo adutor do polegar. Outros locais adequados incluem o nervo facial e músculo orbicular do olho, nervo tibial posterior e o músculo flexor do hálux. 1,4 É imprescindível que, antes de fixar os eletrodos, se remova os pêlos do local de fixação e se friccione a pele com gaze e álcool para diminuir a resistência da pele à corrente. 4 O eletrodo negativo (cátodo) deve ser colocado sobre o nervo que se deseja estimular, enquanto do eletrodo positivo (ânodo) é colocado proximalmente ao eletrodo negativo, com uma distância de aproximadamente dois a cinco centímetros. 1 PADRÕES DE ESTIMULAÇÃO Os estímulos são realizados com corrente de intensidade supramáxima em todos os padrões. O que varia é afrequência do estímulo. Na monitorização da transmissão neuromuscular utilizam-se cinco tipos de padrão de estimulação. 1 Estímulo isolado Consiste na aplicação de um estimulo supramáximo em um nervo com uma frequência entre 0,1Hz e 1Hz. O grau de relaxamento é avaliado comparando a medida obtida antes e após a administração de BNM. A resposta ao estimulo isolado começa a diminuir quando pelo menos 75-80% dos receptores estão ocupados pelo BNM e desaparece completamente quando 90-95% dos receptores estão bloqueados. 1 A faixa de receptores bloqueados que
pode ser detectada é muito estreita, limitando sua utilização na prática clínica. 1,4 Seqüência de quatro estímulos (train-of-four TOF) A estimulação do nervo é realizada através de quatro estímulos supramáximos com intervalos de 0,5segundos por um período de 2segundos. Na ausência de bloqueio, as quatro respostas possuem a mesma amplitude. Na presença de um bloqueio adespolarizante, a contração muscular exibe um decréscimo progressivo em amplitude (fadiga), que é proporcional à intensidade do bloqueio. Pode se estimar que a presença de apenas uma contração significa 90% de bloqueio; de duas, 80%; de três, 75% e a ausência de qualquer resposta significa bloqueio total. 1 É através da relação de amplitude (altura) da quarta e da primeira resposta da sequência (T4/T1) que o bloqueio é melhor avaliado. 4 Na prática clínica, durante a recuperação de um bloqueio, a razão com valor T4/T1>0,7 sugerem que o paciente não desenvolverá dificuldade respiratória, apesar de não ser suficiente para prevenir aspiração do conteúdo gástrico ou obstrução de vias aéreas. O valor T4/T1 maior ou igual a 0,8 representa a capacidade do paciente gerar volume corrente, fluxo inspiratório e expiratório e ventilação voluntária. A este valor também está associada a capacidade do paciente manter a cabeça elevada por 5 segundos. A dificuldade de deglutição desaparece apenas quando T4/T1 é maior ou igual 0,9. Durante um bloqueio despolarizante parcial não ocorre fadiga, a altura da contração se reduz igualmente nas quatro respostas (T4/T1=1). 1 Estimulação tetânica Estímulo com frequência entre 5-200Hz aplicado por 5 segundos, que resulta em uma contração mantida do músculo, descrita como tetânica. No caso de uma recuperação incompleta de BNM, pode ser observado o fenômeno da fadiga. 1 Contagem pós-tetânica Na vigência de BNM intenso, não há resposta muscular. Contudo, é possível quantificar a intensidade do bloqueio observando-se a resposta póstetânica à estímulos isolados de 1Hz,aplicados após 3 segundos de uma estimulação tetânica. Se o bloqueio for muito intenso, não haverá resposta (CPT=1). Com o diminuição da intensidade do bloqueio com o passar do tempo, e antes mesmo que reapareça a primeira resposta na sequência de quatro estímulos, aparecerá uma resposta a estímulos isolados após o tétano. 1 Estimulação double-burst
Consiste em duas rajadas de estimulação tetânica de 50Hz separadas por 750ms. No músculo não paralisado, a resposta observada é duas contrações musculares de força igual, enquanto no músculo parcialmente paralisado a segunda resposta é mais fraca que a primeira. 1 Foi desenvolvido com o intuito de avaliar, com precisão, a intensidade da contração muscular, quando é feita de maneira subjetiva (visual ou tátil). 5 EQUIPAMENTOS O equipamento para a monitorização do bloqueio neuromuscular pode ser dividido em dois grupos: estimuladores que permitem monitoramento quantitativo e os que não permitem. Os estimuladores que não possuem a opção de avaliação quantitativa não asseguram uma avaliação confiável. 3 Por isso, os monitores mais recomendados são mecanomiografia, aceleromiografia, eletromiografia, que medem a resposta evocada mecânica, a aceleração e a resposta do músculo, respectivamente. 1 PARALISIA RESIDUAL APÓS BLOQUEIO NEUROMUSCULAR Paralisia residual após bloqueio neuromuscular é definida como paralisia ou fraqueza muscular devido à ausência completa ou parcial do antagonismo aos bloqueadores neuromusculares. A paralisa residual é descrita em diversos estudos, com uma incidência que varia de 5-88%, considerando a razão TOF<0,9. 3 É difícil quantificar de maneira precisa a taxa de complicações e a mortalidade que ocorrem devido à paralisia residual, visto que eventos adversos na grande maioria das vezes não possui apenas uma causa. 6 Em virtude disso, há dados bastante discrepantes na literatura. As intercorrências que podem ser atribuídas à paralisia residual são o aumento do risco de hipoxemia, obstrução de vias aéreas alta, eventos respiratórios adversos, atraso na alta das salas de recuperação, complicações pulmonares e insuficiência respiratória. 3 Baillard et al. através de uma pesquisa em seu próprio departamento, onde o uso de monitoramente neuromuscular e métodos de reversão giravam em torno de 2 e 6% respectivamente, revelaram uma incidência de 62% de paralisia residual; Os autores então tornaram a monitorização neuromuscular disponível em todos salas de cirurgia e implementar guidelines para reversão e monitoramento de bloqueio. Nos 10 anos seguintes, a incidência de paralisia residual diminui de 62 para 3%. 4,7 CONCLUSÃO Embora descrita há mais de 50 anos, a monitorização de bloqueios neuromuscular através de estimulação periférica ainda é alvo de discussões. A
grande maioria dos centros ainda se vale de critérios clínicos para avaliação do relaxamento muscular. 6 REFERÊNCIAS 1. Sociedade Brasileira de Anestesiologia. Monitorização do bloqueio neuromuscular. [Site na Internet]. Curso de Ensino à Distância; 2002. Disponível em: http://www.sba.com.br/arquivos/ensino/21.pdf. 2. Pino R, Ali H. Monitoring and managing neuromuscular blockade. In: Longnecker D, Brown D, Newman M, editors, et al. Anesthesiology. Nova Iorque: The McGraw-Hill Companies; 2008. p. 619-38. 3. Mathias LA, de Bernardis RC. Postoperative residual paralysis. Rev Bras Anestesiol. 2012 May- Jun;62(3):439-50. 4. Fuchs-Buder T, Schreiber JU, Meistelman C. Monitoring neuromuscular block: an update. Anaesthesia. 2009 Mar;64 Suppl 1:82-9. 5. Engbaek J, Ostergaard D, Viby-Mogensen J. Double burst stimulation (DBS): a new pattern of nerve stimulation to identify residual neuromuscular block. Br J Anaesth. 1989 Mar;62(3):274-8. 6. Kopman AF. Neuromuscular monitoring: old issues, new controversies. J Crit Care. 2009 Mar;24(1):11-20. 7. Baillard C, Clec'h C, Catineau J, et al. Postoperative residual neuromuscular block: a survey of management. Br J Anaesth. 2005 Nov;95(5):622-6.