CADERNOS PEDAGÓGICOS/RJ E SUA RELAÇÃO COM OS PROCESSOS POLÍTICOS EDUCACIONAIS Resumo Camila Costa Gigante Juliana Virginia Silva Karina Lima Brito 1 Universidade do Estado do Rio de Janeiro Com objetivo de analisar os documentos referentes aos cadernos pedagógicos, buscamos produzir uma reflexão acerca do papel do professor enquanto norteador, com vistas a contemplar a identidade e os conhecimentos do aluno. Tal material didático foi elaborado pela Secretaria Municipal de Educação da cidade do Rio de Janeiro em 2009 e até então está presente na rede. Para isso, apresentamos, como aporte teórico, conceitos de currículo numa visão pós estruturalista. Entendendo a escola como um espaço de produção e criação de sentidos, pensamos o currículo como uma produção política e cultural (LOPES & MACEDO, 2011), precisando ser repensado e ressignificado constantemente, conforme o andamento do processo educativo. Defendemos que ao serem criados cadernos pedagógicos que pretendem controlar/nortear a prática pedagógica para buscar resultados de processos de alfabetização, as identidades dos alunos podem não vir a serem consideradas de forma satisfatória, e o professor pode não conseguir respeitar as diferenças de sua turma de forma abrangente, pois o processo de aprendizagem e avaliação não consideram a realidade social dos alunos envolvidos, sendo assim suas diferenças podem não ocupar um lugar central nas análises e atividades realizadas pelo professor. Outro objetivo do estudo foi buscar a reflexão do papel que o docente tem no processo educativo ao ter que atuar com provas previamente pensadas para uma determinado ano escolar e optar por trabalhar com documentos formulados a nível municipal. Sendo assim, buscamos verificar até que ponto ele é direcionador do conhecimento pedagógico ou direcionado pelas ferramentas de ensino e avaliação pensadas em um contexto social mais ampliado do que a comunidade em que seus alunos estão inseridos. Palavras chave: Cadernos pedagógicos; Currículo; identidade e diferença. 01287
2 Apresentamos os cadernos pedagógicos, um dos instrumentos norteadores do trabalho docente, como objeto de pesquisa. O contexto analisado é sua aplicabilidade no município do Rio de Janeiro. A problemática em questão é até que ponto tais documentos norteiam ou limitam o professor. Entendemos que essa análise é parcial e provisória devido às discussões sobre essa temática (e qualquer outra) não serem possíveis de se esgotarem. Para embasarmos nossa análise, buscamos descrever como significamos determinados conceitos. Entendemos os cadernos pedagógicos como políticas curriculares, produções constituídas por ações, sempre parciais e provisórias, buscando a negociação de sentidos em disputa para tornarem se hegemônicas (LOPES & MACEDO, 2011). São produções discursivas dependentes do contexto (de sociedade, política, momento histórico) em que ocorrem e para qual se destinam. No ano de 2009, foi produzido pela Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro (SME/RJ) um material didático enviado, desde então, bimestralmente para as instituições escolares e também disponível na internet, denominado cadernos pedagógicos 2. São destinados a professores e alunos e suas atividades são pensadas a partir dos descritores (definindo as habilidades a serem avaliadas a cada bimestre). O objetivo central é garantir a melhora do desempenho dos alunos do Rio de Janeiro nas avaliações externas (MARCONDES & PRADO DE OLIVEIRA, 2012). Após a greve dos professores no ano de 2013 que teve bastante força no Rio de Janeiro foi publicada uma resolução (SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO, 2013) que possibilita o uso ou não do caderno pedagógico pelos professores. Entretanto, independente da escolha, certos conteúdos serão cobrados na Provinha Brasil 3, uma avaliação externa, obrigatória em nível nacional. Essa discussão nos remete a pensar na produção curricular envolvida no processo educativo. Entendemos currículo para além de uma perspectiva organizacional de conteúdos. O compreendemos como uma arena de produção cultural (MACEDO, 2006), no sentido político de espaço de enunciação, em que ocorrem disputas e conflitos por significações atrelados à cultura. Defendemos a (res)significação do currículo para cada realidade escolar, considerando aspectos da comunidade em que a escola está inserida, já que compreendemos que há produção cultural através das interações dos diferentes sujeitos atuantes no espaço escolar. Sua recontextualização e ressignificação devem ser avaliadas e produzidas conforme o andamento do processo educativo, pois acreditamos não haver regras gerais para diferentes contextos, nem uma seleção e organização de 01288
3 conteúdos que dê conta de suprir as necessidades educativas dos alunos, já que os mesmos adquirem novos conhecimentos e, portanto, se modificam constantemente. Pensamos assim que os cadernos precisam ser problematizados, assim como seu uso. Entretanto, não nos opomos à sua utilização como um complemento ao ensino. Segundo Matheus & Lopes (2014), o conhecimento tende a se reduzir popularmente a conteúdos disciplinares, e os mesmos são passíveis de serem medidos e avaliados através de diferentes exames nacionais. Mas, concordando com as autoras, não aderimos a essa visão. Acreditamos que o conhecimento seja demarcado por relações de poder, e que há uma seleção e organização de conhecimentos validados em um universo amplo de conhecimentos existentes (APPLE & KING, 1989). No caso do ambiente escolar, defendemos a consideração da realidade em sala de aula e das interações entre professores e alunos, para que seja possível a (re)significação de conhecimentos validados. Outra inquietação surgida no decorrer da pesquisa foi a questão da autonomia pedagógica. Optamos por analisar os documentos referentes ao 2º ano do Ensino Fundamental, participante do segmento denominado de Casa de Alfabetização (1º bimestre de 2014) e Primário Carioca (2º bimestre de 2014). Essa escolha partiu do fato de ser o primeiro ano escolar em que há a aplicação da Provinha Brasil 4. Os cadernos pedagógicos apresentam atividades a serem desenvolvidas pelos alunos em sala de aula. Juntamente ao seu uso, há o Caderno do Professor, que expõe como as atividades devem ser trabalhadas, o que se pretende com elas e como ampliálas. Exemplos disso são apresentados da seguinte forma: explicação de usos e funções sociais de leitura e escrita (COORDENADORIA DE EDUCAÇÃO, 2014, p.9), pausa para reflexão (Ibidem, p.14), o que se pretende conseguir com uma produção de textos e como ela deve ser pensada (Ibidem, p. 15), desenvolvimento de noções matemáticas (Ibidem, p.17), entre outras. Isso nos propõe uma reflexão sobre como a autonomia pedagógica vem sendo desenvolvida e respeitada nesses documentos, bem como está sendo considerado o papel do professor como norteador da construção do conhecimento dos alunos. Buscamos entender os processos de subjetivação dos principais indivíduos presentes no processo educativo: o aluno e o professor. Para isso, optamos por explicar o conceito de identidade e diferença que estamos trabalhando, em consonância com que Lopes & Macedo discutem no livro denominado Teorias de Currículo. 01289
4 Percebemos a diferença como distinta da diversidade. A diversidade é uma característica desigual que objetiva chegar em uma homogeneidade, a uma característica em comum. A diferença também admite o distinto, mas continua analisando e defendendo o heterogêneo. Do ponto de vista das políticas expostas no trabalho, defendemos que ao se considerar um caderno pedagógico municipal, algumas diversidades podem até ser contempladas, mas a contemplação das diferenças torna se mais difícil. Dessa forma, entendemos identidade como dependente e constituinte da diferença. É uma caracterização mutável (de acordo com o contexto) e não linear (pode se ter várias ao mesmo tempo, não se precisa deixar de ter uma identidade para assumir outras, que dialogam entre si ex.: mãe, mulher, trabalhadora). Por isso, defendemos que pensar em processos de identificação é melhor do que pensar em identidades, pois retiram a ideia de centralidade e admitem uma ideia de processo (LOPES & MACEDO, 2011). Em nossa análise, a construção do conhecimento torna se muito mais difícil ao se limitar a recontextualização dos documentos, ao passo que a diferença não é algo negativo, é preciso conhecer o outro para haver processos de identificação. E os mesmos não são possíveis de serem considerados ao se utilizar uma prova de caráter nacional ou um caderno pedagógico de caráter municipal. Sendo assim, defendemos que essas políticas curriculares regulam e diminuem a autonomia do professor, ao oferecer à sua subjetividade um processo menor se (res)significação e (re)contextualização dentro do ambiente escolar, considerando as avaliações externas impostas. Após realizarmos a leitura desses documentos e apresentarmos o que entendemos por determinados conceitos, nos permitimos concluir provisoriamente, através desse caminho possível de discurso sobre os referidos objetos de pesquisa, que a autonomia pedagógica deveria ser mais valorizada para que o processo de construção de identidade docente e discente pudesse ser melhor considerado. Percebemos também, a partir da leitura destas políticas curriculares, que o ensino passa a ser reduzido a um método que visa a formação de conteúdos considerados importantes socialmente, já que ocorre a utilização de materiais produzidos a níveis nacionais e municipais. Dessa forma, entendemos que eles trabalham com a ideia de que a sociedade é totalmente coerente, uniforme, podendo haver um projeto de avaliação capaz de abranger todas as regiões, estados, municípios e instituições escolares de forma homogênea. 01290
5 Devemos assim nos atentar para as políticas educacionais produzidas para realidades educativas distintas. Nossa defesa é a ampliação do discurso de identidade e diferença, para que os estudantes se sintam mais inseridos na escola e na sociedade em que vivem e o professor tenha mais espaço para criar novas propostas pedagógicas e ideias de ensino. 1 Mestrandas do programa de Pós Graduação em Educação da UERJ (ProPEd/UERJ), da linha de pesquisa Currículo, sujeitos, conhecimento e cultura. E mails: camilagiga@hotail.com; juliana_nine@hotmail.com; karina.limab@gmail.com 2 Produção da Coordenadoria de Educação do Rio de Janeiro. Esses dados que podem ser encontrados na capa do documento. 3 Constituída por discursos oriundos de uma parceria entre o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep); a Diretoria de Avaliação da Educação Básica (Daeb); o Ministério da Educação (MEC); a Secretaria de Educação Básica (SEB/MEC); o Centro de Formação Continuada de Professores da Universidade de Brasília (Cform) e o Centro de Estudos em Educação e Linguagem da Universidade Federal de Pernambuco (Ceel). Dado que pode ser encontrado no início dos documentos citados no parágrafo em questão. BIBLIOGRAFIA: APPLE, Michael & KING, Nancy. Que enseñan las escuelas? In: SACRISTÁN, G.; GÓMES, P. La enseñanza: su teoria y su práctica. Madrid: Akal, p. 37 53, 1989. BRASIL, Ministério da Educação (MEC). Provinha Brasil. Caderno do aluno Leitura/teste 1. Brasília, 2014. COORDENADORIA DE EDUCAÇÃO. Cadernos do Professor, Primário Carioca. 2º ano, 2º bimestre, Rio de Janeiro, 2014. LOPES, Alice & MACEDO, Elizabeth. Teorias de Currículo. São Paulo: Cortez Editora, 2011. MACEDO, Elizabeth F. Currículo: política, cultura e poder. Currículo sem fronteiras, 6(2), p. 98 113, jul./dez., 2006. MARCONDES, Maria Inês & PRADO DE OLIVEIRA, Ana Cristina. O coordenador pedagógico, os professores das séries iniciais e as novas políticas curriculares da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro. Trabalho apresentado no XVI Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino ENDIPE. Campinas: UNICAMP, 2012. MATHEUS, Danielle; LOPES, Alice Casimiro. Sentidos de Qualidade na Política de Currículo (2003 2012). Educação e Realidade. v. 39, n. 2, p. 325 345, abr./jun. 2014. SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO. Resolução nº 1.258. Rio de Janeiro, 29 de agosto de 2013. 01291