1 DEFEITO DE SEPTO INTERVENTRICULAR EM UM CANINO Deyverson Thiago Prates PEREIRA¹, Marilia Avila VALANDRO², Raimy Costa MARTINS², Rochelle GORCZAK² e João Paulo da Exaltação PASCON³ 1Médico Veterinário Autônomo, thiagopratespereira@gmail.com 2Programa de Pós-Graduação em Ciência Animal, Universidade Federal do Pampa (Unipampa), Uruguaiana, RS, Brasil. 3Professor Doutor do curso de Medicina Veterinária da Unipampa. Resumo Estima-se que a frequência de ocorrência de defeito do septo interventricular em cães com cardiopatia congênita seja de 7,5%. Com base na baixa prevalência da doença, objetiva-se relatar um caso de defeito do septo interventricular em um canino de 3 meses de idade, diagnosticado por meio da ecodopplercardiografia. Constatou-se que a ecodopplercardiografia é decisiva para o diagnóstico da doença, auxiliando também na escolha terapêutica e determinação do prognóstico. Palavras-chave: Ecodopplercardiografia; cardiopatia congênita; septo interventricular; canino Key words: Doppler echocardiography; congenital heart disease; interventricular septum; canine Introdução A apresentação de doenças cardíacas congênitas em pequenos animais é considerada infrequente. Estudos ecocardiográficos de pacientes possivelmente acometidos por cardiopatias, a ocorrência das cardiopatias congênitas oscilou entre 1,5% a 6,0% (LARSSON, 2000). Neste contexto, é possível destacar o defeito de septo ventricular (DSV), cuja prevalência pode representar até 7,5% dentre as doenças cardíacas de fundo congênito (OLIVEIRA et al., 2011). A presença do orifício anômalo pode ocorrer em qualquer região do septo. No entanto, a maior casuística do mesmo localiza-se na porção membranosa, presente desde o septo membranoso até o topo do septo ventricular, denominados defeitos trabeculares perimembranosos (KITTLESON, 1998). A fisiopatologia e os efeitos hemodinâmicos do DSV estão atrelados às pressões relativas presentes nos ventrículos e, em especial, a extensão do defeito (CORDEIRO e MARTIN, 2002). Nesse sentido, pequenos defeitos, menores que 5 ANAIS 37ºANCLIVEPA p.0445
2 mm, podem acarretar em efeitos hemodinâmicos insignificativos, ao passo que grandes defeitos, com tamanho superior a 7 mm, geralmente resultam em insuficiência cardíaca congestiva esquerda e síncopes (KITTLESON, 1998; LUCENA, 2007). Defeitos moderados apresentam indicação terapêutica contestável, ocorrendo o fechamento espontâneo em boa parcela dos acometidos, enquanto outro percentual considerável tolera bem os efeitos hemodinâmicos gerados pelo shunt e mantêm-se clinicamente estáveis por longos períodos (KITTLLESON, 1998). O DSV está sujeito a série de complicações, tais como a regurgitação aórtica, prolapso de valva aórtica e endocardite bacteriana (PENNY e VICK 2011). Estes fatores principais são intrínsecos de cada caso, e a determinação do prognóstico é dificultada, sendo capaz de oscilar desde a manutenção subclínica dos cães acometidos, com possibilidade de fechamento espontâneo tardio, até prognóstico de sobrevida médio de 12 meses (CASTRO et al., 2009; KIENLE e THOMAS, 2004). Como o prognóstico e a evolução de cada caso ocorre de forma bastante ampla e diversificada, o tratamento, seja ele clínico ou cirúrgico, pode surgir como um grande desafio ao clínico veterinário. Embora o DSV seja uma das principais afecções cardíacas congênitas na clínica médica de pequenos animais, não há estudos baseados na evolução natural de cães acometidos pela afecção. Com o presente trabalho, objetiva-se a descrever o curso natural de DSV em um canino, caracterizando-o quanto à apresentação clínica, eletrocardiográfica e ecodopplercardiográfica. Relato de caso Foi atendido pelo Serviço de Cardiologia Veterinária um canino, de 3 meses de idade, fêmea, com 1,2 kg, da raça Shih-tzu, com histórico de dispneia e cansaço fácil. Ao exame clínico, foi auscultado sopro sistólico em hemitórax esquerdo (grau IV/VI) e direito (grau VI/VI). Recursos de imagem (eletrocardiografia e ecodopplercardiografia) foram utilizados ao decorrer do atendimento clínico, sendo esses, imprescindíveis para o diagnóstico definitivo de DSV e prognóstico da doença. As alterações eletrocardiográficas foram aumento da amplitude da onda T, desvio à direita do eixo cardíaco e alteração da duração da onda P e do QRS. Ao exame ecocardiográfico, por meio do modo unidimensional, foi possível detectar aumento da espessura da parede livre ventricular esquerda durante a diástole (6,8mm), do ANAIS 37ºANCLIVEPA p.0446
3 septo interventricular em sístole e diástole (6,4mm e 7,7mm), aumento da cavidade ventricular esquerda em sístole e diástole (16,8mm e 25,9mm) e aumento do diâmetro atrial esquerdo (15,93mm), por meio do modo bidimensional, visualizou-se o DSV, medindo 6,5mm. O uso do doppler contínuo permitiu mensurar a velocidade do shunt interventricular (4,65m/s) e quantificação do gradiente de pressão (86,49mmHg). O paciente permaneceu em acompanhamento por um período de 55 meses, devido ao caráter perene do DSV associado a possíveis complicações clínicas da doença. Com os sinais clínicos compatíveis com insuficiência cardíaca esquerda, e visando minimizar as complicações decorrentes da isquemia miocárdica, indicou-se a terapia com diurético de alça (furosemida, 4mg/kg, SID), inibidor da enzima conversora de angiotensina II (enalapril 0,5mg/kg, SID) e betabloqueador (atenolol, 0,25mg/kg, SID). Após a melhora clínica, o animal passou a fazer uso apenas do betabloqueador. No entanto, sem recomendações médicas, a terapia foi interrompida pelo proprietário cerca de 6 meses antes da última consulta, e o animal não apresentou recidiva dos sinais clínicos, sugerindo estabilização do quadro. Discussão Ware (2014) relata que cães com DSV podem apresentar-se assintomáticos ou não. Sendo que os sintomáticos apresentam DSV moderado à grave, apresentam sinais de insuficiência cardíaca esquerda, como dispneia, cansaço fácil e intolerância ao exercício, somados à um sopro grave, holossitólico em bordo cranial direito ao exame físico. Estes sinais são compatíveis com as informações dos respectivos autores, sugerindo assim, que o DSV seja de moderado a grave para o cão do presente relato. A eletrocardiografia tem apresentação variável durante o curso do DSV, sendo dependente das consequências hemodinâmicas. Não foi observada alteração de ritmo cardíaco durante as avaliações, corroborando com a descrição de Penny e Vick (2011), que o DSV é uma afecção sem significativas consequências eletrodinâmicas. Os achados eletrocardiográficos na primeira apresentação do animal sugeriram sobrecarga ventricular e atrial esquerda, enquanto que os achados ecodopplercardiográficos concluíram o diagnóstico de defeito interventricular e shunt ANAIS 37ºANCLIVEPA p.0447
4 da esquerda para direita, caracterizando-o assim, como defeito perimembranoso moderado (KITTLESSON, 1998). Os resultados obtidos, vão de encontro com as afirmações citadas por Alonso e Ramirez (2007) e Lucena (2007), referentes a eletrocardiografia e ecodopplercardiografia respectivamente. Segundo estes autores, as alterações encontradas podem ser justificadas pela sobrecarga de volume e de pressão, decorrente do aumento da pré-carga e pós-carga respecticamente, que implicam consequentemente em remodelamento cardíaco. A maior sensibilidade do exame ecocardiográfico aliado a técnica doppler também foi observada por Kienle e Thomas (2005) e Castro et al. (2009). Após a detecção do shunt da esquerda para direita por meio do doppler colorido, foi utilizado o doppler contínuo para a mensuração da velocidade do shunt interventricular, e consequentemente, a quantificação do gradiente de pressão que, conforme as afirmações de Kittlesson (1998), indicam manutenção das pressões interventriculares relativamente normais, fato esse que favoreceu a manutenção do quadro clínico estável. Em primeiro momento, a terapia realizada com o diurético furosemida, e inibidor da enzima conversora de angiotensina II, para o canino do presente relato, mostrou-se eficiente quanto aos sinais de insuficiência cardíaca esquerda, permitindo a regressão dos sinais clínicos e estabilização do quadro (LUCENA, 2007). Após a melhora clínica, o animal passou a fazer uso apenas do betabloqueador, com o intuito de reduzir o consumo de oxigênio pelo miocárdio, e consequentemente minimizando complicações ligadas a isquemia miocárdica (KITTLESON, 1998). Após 55 meses de acompanhamento, nenhuma alteração foi identificada, mesmo quando a terapia (atenolol) foi retirada inadequadamente, indicando tolerância ao shunt promovido pelo defeito do DSV. Conclusão O DSV consiste uma importante cardiopatia congênita em pequenos animais. A gravidade dos sinais clínicos está diretamente relacionada com o tamanho do defeito. Pequenos defeitos usualmente não são importantes, no entanto, defeitos moderados a grandes cursam com sinais de insuficiência cardíaca congestiva esquerda devido à sobrecarga volumétrica no pulmão e câmaras cardíacas esquerdas principalmente. Exames complementares são de suma importância para o diagnóstico final da doença. A ecodopplercardiografia apresenta maior ANAIS 37ºANCLIVEPA p.0448
5 sensibilidade para o diagnóstico, por possibilitar a identificação direta do DSV e do shunt da esquerda para a direita. O tratamento e o prognóstico da doença dependem diretamente da gravidade do defeito. Referências CASTRO, M.G.; VEADO, J.C.C., SILVA, E.F.; ARAÚJO, R.B. Estudo retrospectivo ecodopplecardiográfico das principais cardiopatias diagnosticadas em cães. Arquivo Brasileiro de Medicina Veterinária e Zootecnia, Belo Horizonte, v. 61, n. 5, p. 1238-1241, 2009. CORDEIRO, F.F; MARTIN, B.W. A ecocardiografia como método de auxílio ao diagnóstico das doenças cardíacas em pequenos animais. Revista Clínica Veterinária. v. 39, p. 22-32. 2002. KIENLE, R.D.; THOMAS, W.P. Ecocardiografia. In: NYLAND, T.G.; MATTON J.S. (Eds.) Ultrassom Diagnóstico em Pequenos Animais. 2ª ed. São Paulo: Roca, 2004. p. 365-438. KITTLESON, M.D. Septal defects. In: KITTLESON, M.D.; KIENLE, R.D. (Eds.) Small Animal Cardiovascular Medicine. St. Louis: Mosby, 1998. p. 231-239. LARSSON, M.H.M.A.L.; BARBUSCI, L.O.D.; SOARES, E.C. Estudo ecocardiográfico das cardiopatias mais frequentemente diagnosticadas em espécimes caninos. Revista Brasileira de Ciências Veterinárias, Rio de Janeiro, v. 7, p. 68. 2000. LUCENA, A. Comunicación Interventricular shunt izquierda-derecha. In: BELERENIAN, G.C.; MUCHA, C.J.; CAMACHO, A.A.; GRAU, J. (Eds.). Afecciones cardiovasculares em pequeños animales. Buenos Aires: Inter-médica, 2007. 237-241. WARE, A.A. Cardiovascular system disorders. In: NELSON, W.R.; COUTO, C.G. (Eds.). Small animal internal medicine. 5ª ed. St. Louis: Mosby, 2014. p. 1-211. OLIVEIRA, P.; DOMENECH, O.; SILVA, J.; VANNINI, S.; BUSSADORI, R.; BUSSADORI, C. Retrospective review of congenital heart disease in 976 dogs. Journal of Veterinary Internal Medicine, Malden, v. 25, n. 3, p. 477-483. 2011. PENNY, D.J.; VICK, G.W. Ventricular septal defect. The Lancet, London, v. 377, n. 9771, p. 1103-1112. 2011. ANAIS 37ºANCLIVEPA p.0449