Eixo Temático ET Energia

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Transcrição:

1426 Eixo Temático ET-06-018 - Energia A EVOLUÇÃO DA SOJA NA CADEIA PRODUTIVA DO BIODIESEL: FALHAS NO ATENDIMENTO AO PEQUENO AGRICULTOR NORDESTINO E À DIVERSIFICAÇÃO DE MATÉRIAS-PRIMAS Francisco das Chagas de Sousa IF Sertão PE, campus Salgueiro. E-mail: sousafrancisco@rocketmail.com. RESUMO Em dezembro de 2004, o Governo Federal criou o Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB). Este programa tinha como principal finalidade estabelecer e solidificar uma cadeia produtiva para o biodiesel no Brasil. O programa do biodiesel brasileiro foi sobre três pilares: o mercadológico, o ambiental e o social. Quanto ao aspecto ambiental, pretendia-se com o uso do biodiesel diminuir as emissões de gases de efeito estufa à atmosfera. Pelo lado mercadológico a intenção foi a diminuição das importações de petróleo. Mas a principal proposta do programa foi a inclusão social. Pretendia-se inserir o Agricultor Familiar do Semiárido Nordestino na cadeia produtiva do biodiesel. Por meio da maior participação da agricultura familiar o Governo federal também esperava uma maior diversificação da matéria-prima para a produção do biodiesel. Entretanto passados dez anos de sua criação, a principal matériaprima na produção do biocombustível é a soja, com participação que gira em torno de 80%. O pequeno agricultor ficou restrito a um mero coadjuvante, com participação que não chega a 2% do total do biodiesel produzido no Brasil. O presente trabalho pretende, por meio de uma análise bibliográfica e uma pesquisa de caráter exploratória e explicativa, traçar um panorama dos dez anos do PNPB, a participação do pequeno agricultor na cadeia produtiva do biodiesel, e a participação das matérias-primas na produção do biodiesel, bem como os motivos que levaram ao quadro atual. Palavras-chave: Biodiesel; Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel; Agricultor familiar; Soja; Matéria-prima. INTRODUÇÃO Programa do Biodiesel e suas premissas Um dos grandes desafios enfrentados por nações desenvolvidas e em desenvolvimento hoje, é a de suprir a demanda energética mundial de forma sustentável. Haja vista a maior parte da matriz energética no mundo ser composta por petróleo, gás natural e carvão mineral, fontes essas não renováveis. A partir da década de 1970 as discussões sobre a utilização de fontes limpas, e renováveis passaram a ser mais discutidas em convenções internacionais. Isso de certa forma impulsionou as pesquisas por novas formas de se produzir energia. O Brasil, apesar de ter sua matriz elétrica composta em grande parte por fonte renovável, no caso a hidroelétrica, consome tanto quanto qualquer outro país, combustíveis fósseis para a movimentação de veículos automotores. Em dezembro de 2004 o Governo Federal criou o Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB). O programa foi criado por meio da Lei nº 11.097/2005, que ficou conhecida como a lei do biodiesel. A finalidade primordial do

1427 programa foi estabelecer uma cadeia produtiva para o biodiesel no Brasil. Mas isso só seria feito por meio do atendimento de três pautas, que ficaram conhecidas como os três pilares do PNPB: mercadológico, social e ambiental, como ilustra a Figura 1 (SILVA, 2015). Figura 1. Fundações do biodiesel no Brasil. Fonte: MME. O viés mercadológico é relacionado ao econômico. Pretendia-se por meio da mistura obrigatória diesel-biodiesel reduzir as importações do petróleo. Essas misturas binárias foram iniciadas com um volume baixo, e tendo gradativos aumentos. Foram designadas pela nomenclatura BX, onde X é a porcentagem do biodiesel. No caso B2, B5, B20 e B100 são combustíveis com concentração de 2%, 5%, 20% e 100% de biodiesel (SANTOS, 2016). Pelo lado ambiental, o biodiesel é considerado isento de compostos sulfurados, o que evita em grande parte a chuva ácida provocada por óxidos de enxofre. Outro ponto positivo é a menor quantidade de compostos particulados emitidos. A esse respeito Pinho e Teixeira (2015) esclarecem que As vantagens obtidas pela utilização do biodiesel são muitas, por ser feito de matérias-primas renováveis, biodegradáveis e não tóxicas. Mas a principal vantagem ambiental vista na utilização do biodiesel é o fato do biodiesel ter um ciclo fechado. Dessa forma o CO 2 produzido na queima do biodiesel é captado para o processo de fotossíntese de novas plantas, esta será novamente utilizada para a extração do óleo e produção do biodiesel. Figura 2. Figura 2. Ciclo de funcionamento do biodiesel. Fonte: Bolzan et al. (2016).

1428 Entretanto o ponto principal do PNPB foi quanto ao aspecto social. O programa pretendia incluir o pequeno agricultor das mais diferentes regiões do país na cadeia produtiva do biodiesel. Para isso o Governo pretendia potencializar o cultivo de oleaginosas das mais diferentes regiões, procurando respeitar a regionalidade de cada uma e suas características. A esse respeito Silva (2015) aponta que o programa foi inovador ao definir como obrigatoriedade, a inclusão de agricultores familiares na cadeia do biodiesel, bem como de sua comercialização. Com isso o Governo Federal pretendia também não cair na situação do etanol. Este combustível foi criado tendo como base apenas uma matéria-prima, apesar de ser possível sua obtenção a partir de outras fontes, como o milho. O programa do biodiesel pretendia dessa forma diversificar as matérias-primas para a obtenção do biodiesel, a partir do óleo proveniente das mais diferentes oleaginosas do país, inclusive de óleo de reuso. A esse respeito Pinheiro e Teixeira (2015) ressaltam que o Brasil é um bom potencial para a utilização desse biocombustível, principalmente pela diversidade de matérias-primas, e à grande extensão territorial, além de condições favoráveis de solo e clima. Mas também o programa visualiza fatores para uma oleaginosa ser usada como matéria-prima. De acordo com Ramos (2016) a viabilidade da matéria-prima dependia de fatores como: competitividade técnica, econômica e sociambiental. Além disso, deverá ter aspectos agronômicos favoráveis, como: (i) Bom teor de óleo vegetal; (ii) Boa produtividade por unidade de área; (iii) Adaptação territorial; (iv) Corresponder a diferentes sistemas produtivos; (v) Bom ciclo de vida. Na Figura 3 estão distribuídas algumas oleaginosas por região do país com potencial de uso para a produção de biodiesel. Figura 3. Distribuição das oleaginosas por região no Brasil. Fonte: Biodieselbr

1429 Biodiesel e seu histórico como combustível Biodiesel é um combustível líquido, renovável e biodegradável. É obtido a partir de matérias-primas que apresentam em sua constituição triacilgliceróis, como óleos vegetais e gorduras animais. As primeiras experiências com biodiesel ocorreram ainda no início do século passado, quando Rudolf Diesel utilizou óleo de amendoim como combustível em um motor de ignição interna. O fato do óleo ser muito viscoso impediu sua utilização. Em 1937 ocorreu a patente do processo de transesterificação do óleo, que o tornava menos viscoso. Na década de 1970, com as crises que alavancaram o preço do barril de petróleo, muitos países passaram a investir mais no biodiesel (PINHO e TEIXEIRA, 2015). O método mais empregado para a produção do biodiesel é por meio de reação de transesterificação, onde óleos vegetais ou gordura animal reagem com álcoois de cadeia curta (metanol ou etanol) com um catalisador básico (hidróxido de sódio ou hidróxido de potássio). O produto da reação são ésteres de cadeia longa, que constituem o biodiesel. Além do biodiesel, essa reação produz glicerina, principal subproduto da reação do biodiesel, como ilustra a Figura 4. O principal emprego da glicerina é na indústria de alimentos e fármacos. Figura 4. Método convencional de produção do biodiesel. Fonte: Rodrigues (2016). Para que o biodiesel possa ser utilizado como combustível é necessário o cumprimento de alguns parâmetros de qualidade. Alguns destes parâmetros são feitos ainda no óleo como: viscosidade cinemática, índice de iodo, índice de peróxido, índice de saponificação, densidade relativa (SCAMILHE et al., 2016). Contraponto nas premissas do biodiesel Desde o período de sua implantação até o momento, o Programa apresentou êxito com relação ao abastecimento, mesmo com o aumento do percentual na mistura de diesel-biodiesel. Mas apesar da grande disponibilidade de matéria-prima para a sua produção, principalmente de origem vegetal, há o predomínio do óleo de soja na produção de biodiesel (PINHO e TEIXEIRA, 2015). Devemos levar em conta que as propostas do programa foram a diversificação das matérias-primas, bem como atender ao pequeno agricultor familiar.

1430 OBJETIVOS O objetivo do trabalho é traçar um paralelo entre o desenvolvimento do Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB), desde a sua criação até o ano de 2014, e verificar a contribuição da soja e do acumulado das outras matériasprimas na participação da cadeia produtiva do biodiesel. Também é objetivo do trabalho obter conclusões a partir das análises dos dados. METODOLOGIA O trabalho se fundamenta em um levantamento bibliográfico de artigos científicos, portais oficiais e portais do governo. Os dados são secundários, pois são obtidos a partir de referências. O objetivo de uma pesquisa dessa natureza é o de recolher, analisar e interpretar contribuições existentes sobre o assunto. Dessa forma os métodos adotados pelo trabalho também apresentam caráter, descritivo, exploratório e explicativo, uma vez que procura chegar à conclusões pela análise das observações e dados coletados. RESULTADOS E DISCUSSÕES Dados de 2015 do Ministério de Minas e Energia (MME) apontaram uma capacidade instalada no Brasil de 7,5 mil m 3 para a produção do biodiesel no ano de 2014, com produção no mesmo ano de 3,44 mil m 3. Com esse incremento produtivo, alcançado com ajuda da promulgação da Lei 13.033/2014 (adição de 7% ao diesel), o país passou a ocupar a 3 posição em produção do biodiesel. Desde a instalação do PNPB a produção brasileira só tem aumentado como pode ser visto na Figura 5, que destaca a entrega do biodiesel produzido ao mercado consumidor. 3,25 2,3 2,6 2,65 2,8 1,5 0,75 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 Figura 5. Entrega de biodiesel pelas usinas produtoras no período de 2008-2014 em bilhões de litro (Fonte: ANP). O Brasil é um país de dimensões continentais com áreas extensas para o cultivo de oleaginosas. Cada região apresenta uma variedade de plantas como potencial matéria-prima para produção do biodiesel. Além disso, de acordo com Guimarães et. al. (2015) Na cadeia produtiva do biodiesel, o Governo brasileiro procura evitar o que

1431 aconteceu com o etanol no que se refere à concentração em uma cultura ou fonte específica a monocultura da cana-de-açúcar. Entretanto, de acordo com o MME (2015) as principais oleaginosas e matérias-primas utilizadas no Brasil em 2014 (e em anos anteriores) foram soja (75,4%), gordura bovina (20,1%), e algodão (3,2%). As outras fontes de matéria-prima chegam apenas a 3,2% de contribuição. Além disso, as regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste concentram 90% da produção do combustível. Pinho e Teixeira em 2015 dirigiram uma pesquisa para saber a matéria-prima predominante em 19 usinas de produção de biodiesel. O pesquisador constatou que 89% dessas usinas utilizam o óleo de soja como matéria-prima principal na produção do biodiesel. Isso apesar de 84% das mesmas possuírem tecnologia para processarem óleos vegetais de quaisquer espécies, e até mesmo óleo residual. A pesquisa ainda revelou que seis usinas (31,58%) usam exclusivamente óleo de soja para a produção do biodiesel. Dessa forma a soja constitui a principal fonte para a obtenção desse biocombustível no Brasil. O que é contrário às premissas do PNPB, que procura a inclusão do agricultor familiar na cadeia produtiva desse combustível. A soja é uma monocultura explorada em sua grande parte, na região Centro-Sul do país (MENEZES et. al., 2013). No Brasil o setor da Agricultura Familiar engloba 4,3 milhões de unidades produtivas, correspondente a 84% do total de unidades, e 14 milhões de trabalhadores (EMBRAPA, 2014). Metade desses agricultores familiares encontra-se na região Nordeste (PIRES e LOURENÇO, 2015). O uso de 95,5% de matérias-primas não oriundas do pequeno agricultor exclui essa região dos empreendimentos ligados ao biodiesel. Como pode ser vista no gráfico da Figura 6, a participação da agricultura familiar na cadeia produtiva do biodiesel sofreu grandes quedas. Demais Regiões Nordeste 59.118 67.069 67.463 70.805 33.336 17.187 17.711 11.469 41.253 37.226 25.210 12.949 2008 2009 2010 2011 2012 2013 Figura 6. Evolução da participação de agricultores familiares na cadeia produtiva do biodiesel entre 2008-2013. Adaptado de PIRES, V. B. L. e LOURENÇO, L. C. B., 2015. Em 2008 a participação do agricultor familiar da região Nordeste chegava a 60% de todo o quantitativo, já em 2013, último ano de levantamento dos dados a participação do pequeno produtor foi de 15,46%. Sendo que essa queda vem em uma constante desde 2010. Um dos fatos a que se pode associar essa diminuição da participação dos agricultores do semiárido, na produção do biodiesel é a alteração ocorrida na concessão

1432 do Selo Combustível Social. As modificações ocorridas permitiram às indústrias produtoras comprarem menos dos produtores do Nordeste e mais dos produtores do Centro-Oeste (AZEVEDO, 2013). Não havendo um mercado consumidor para o óleo produzido no Nordeste, não seria interessante investir nas culturas para a produção de óleo. Até o ano de 2008 os principais produtores de matérias-primas para as usinas de biodiesel eram das regiões Norte e Nordeste. Mas, à medida que a proporção do percentual da mistura biodiesel-diesel ia aumentando, procurava-se cumprir as metas pela inserção da soja na cadeia produtiva do biodiesel (SOUZA et al., 2015). A finalidade do aumento proporcional na mistura era a de aumentar o número de agricultores beneficiados com o programa. Mas como ressalta Azevedo (2013) A introdução do uso obrigatório criou a necessidade de adquirir grandes volumes de matéria-prima, o que desfavoreceu a agricultura familiar, pois apenas grandes produtores poderiam fornecer o volume necessário nos prazos estabelecidos. Para a escolha das matérias-primas que seriam usadas inicialmente na produção do biodiesel, o Governo teve como um dos critérios, o percentual de óleo da oleaginosa. Neste quesito a mamona e apresenta elevados teores de óleo em relação às demais (Tabela 1). O dendê foi outra oleaginosa de escolha. Tabela 1. Percentual de óleo em algumas oleaginosas usadas como matéria-prima na produção do biodiesel. Matéria-prima Teor de óleo (%) Origem do Óleo Dendê 20 Amêndoas Soja 18 Grão Amendoim 40 43 Fruto Girassol 33-48 Grão Mamona 43 45 Bagas Algodão 15 Semente Fonte: adaptado de Paulillo et. al., 2007. Mas como acentua Silva (2016, p. 7): a utilização de mamona e palma como matérias-primas para a produção do biocombustível foi altamente equivocada, sobretudo pela alta viscosidade, baixa produtividade por hectare plantado, alta acidez e custos de produção elevada. Vale ressaltar que a soja apesar de apresentar o menor rendimento de óleo por área, ela se impôs frente às outras oleaginosas no PNPB por constituir um processo já consolidado nas suas estruturas de relações técnicas e de capital no país. O dendê apesar de constituir-se na oleaginosa com maior potencial de produção por hectare, aproximadamente 10 vezes mais do que a própria soja, e todas as somas de incentivos, sua produção ainda é pouca. O portal BIODIESELBR destaca como pontos a serem observados: a colheita manual da matéria-prima; curto espaço para o processamento pós-colheita; rancificação do biodiesel; necessidade de uma usina próxima ao cultivo. Em relação ao óleo de mamona o mesmo portal enumera: a cadeia produtiva é deficiente; produtividade baixa; mão-de-obra escassa; sua cultura promove

1433 erosão; rejeitos tóxicos aos animais; ciclo reprodutivo relativamente longo (DALL AGNOL, 2007). Entretanto deve-se entender que a proposta do programa foi inclusão social e geração de renda da agricultura familiar por meio da diversificação das matérias-primas. O uso de uma única cultura para a fabricação do biocombustível deve concentrar a renda nas mãos de poucos. No caso da soja é necessária uma grande extensão de terras para a sua produção. Isso significa que outras culturas teriam que dá espaço. Ou mesmo áreas de preservação. Isso também pode significa desmatamento e queimadas, o que contribui para o aquecimento global. Indo de encontro mais uma vez às premissas do Programa do biodiesel, que é a redução da emissão de gases poluentes à atmosfera. Como a soja é uma é destinada a alimentação, e há um crescente aumento no consumo do biodiesel, isso tem como resultado maiores áreas agricultáveis. Por isso é necessário uma diversificação das matérias-primas, e que estas apresentem um rendimento elevado de óleo por área plantada (LUZ et. al., 2014). Uma preocupação que pode surgir semelhante ao álcool seria o produtor destinar sua produtividade para a área a qual obterá maior vantagem de preço, assim um dos setores, alimentar ou biocombustível ficaria desassistido. A esse respeito Laviola (2015) coloca como uma das características da oleaginosa a ser usada como matéria-prima para a fabricação do biocombustível, não ser usada também para a alimentação. Vê-se exatamente aqui uma preocupação com a produtividade do combustível. Outras características dadas por Laviola (2015) são: Matéria-prima de alta densidade energética do óleo; Matéria-prima regionalizada; Matérias-primas diversificadas; Pesquisas e tecnologias associadas à oleaginosa como matéria-prima do biodiesel; Prado (2015) ressalta que Embora a soja apresente tais problemas para o PNPB, sua utilização intensiva ocorre devido a alta quantidade disponível em relação as demais oleaginosas, e sua colheita ocorrer a cada três meses no ano. Deve-se entender que para um agricultor familiar passar a produzir mais de uma determinada cultura, apoio financeiro e técnico são imprescindíveis. Prado (2015) ressalta que o acordo entre o governo e o produtor do biodiesel foi inserir o pequeno agricultor na sua cadeia produtiva do biodiesel. Assim, entende-se que esta inclusão não devia ser exclusivamente pela compra da matéria-prima. A falta de assistência técnica prestada a esses agricultores acabaram por prejudicá-los, já que os mesmos, em predominância, sempre praticaram uma agricultura nos moldes extrativistas. Guimarães (2015) aponta que para que sejam alcançados os objetivos do PNPB, devem-se formular políticas públicas voltadas aos pequenos e médios produtores para estimular o cultivo de oleaginosas, pois estes são os responsáveis pelo bom desempenho na produção destas, além de se beneficiarem com o PNPB. CONSIDERAÇÕES FINAIS O Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel foi criado com a finalidade de criar uma cadeia produtiva para o biodiesel. A esse respeito, como foi possível perceber pelos dados expostos, esse objetivo foi alcançado. Entretanto, no que se trata à diversificação das matérias-primas para a produção do biodiesel, o programa

1434 ficou a desejar. Hoje praticamente toda a matéria-prima usada no fabrico do biodiesel provém da soja, e outra parte do sebo bovino. A proposta de inserir oleaginosas na cadeia do biodiesel, como descrito no trabalho, não foi alcançada. Principalmente quando se refere ao pequeno agricultor do Semiárido Nordestino o programa apresentou falhas, que hoje são irreparáveis. O aumento da demanda por biodiesel exigiu muito do pequeno agricultor. A falta de assistência técnica, aliada a uma agricultura extrativista também foram fatores que contribuíram para a pouca participação da agricultura familiar. A principal visão que podemos tirar do presente trabalho é a de que o biodiesel de soja suplantou as propostas sociais do programa, principalmente devido à alta produtiva dessa oleaginosa, e a pouca técnica de produção das oleaginosas do Semiárido Nordestino. Com relação à soja, deve-se levar em conta também que a soja é uma commodity, portanto seu preço é determinado pelo mercado externo. Um preço alto no mercado externo ia dirigir a produção para fora, comprometendo a produção de biodiesel a partir do óleo de soja. REFERÊNCIAS AZEVEDO, A. M. M. de. Análise top-down e bottom-up de um programa de inovação energética: o Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB). Revista Gestão & Conexões, v. 2, n. 2, 2013. BIODIESELBR. Regiões e Oleaginosas. 28 de janeiro de 2006. Disponível em:< https://www.biodieselbr.com/biodiesel/brasil/regioes.htm>. Acesso em 22 de novembro de 2016. BOLZAN, J. et al. Conceitos Básicos. PROMOBIO 221. 26 de novembro de 2012. Disponível em: <http://promobio221.blogspot.com.br/2012_11_01_archive.html>. Acesso em: 25 nov. 2016. DALL AGNOL, A. Porque fazemos biodiesel. 14 de dezembro de 2007. Disponível em: <https://www.biodieselbr.com/noticias/colunistas/convidado/porque-fazemosbiodiesel-de-soja.htm>. Acesso em: 01 out. 2016. EMBRAPA. Embrapa no ano internacional da agricultura familiar. 2014. Disponível em:< https://www.embrapa.br/embrapa-no-ano-internacional-da-agriculturafamiliar>. Acesso em: 22 nov. 2016. GUIMARÃES, L. G. A. et. al. Tomada de decisão no setor da produção de oleaginosas. Revista Raunp, v. 7, n. 1, p. 97-112, 2015. LAVIOLA, B. G. Disponibilidade de matérias-primas e oportunidades de diversificação da matriz energética do biodiesel. Brasília, Distrito Federal. In: CÂMARA SETORIAL DA CADEIA PRODUTIVA DE OLEAGINOSAS E BIODIESEL, 2015, Brasília. Apresentação... Brasília, 2015. LUZ, C. S. C. et. al. Comparação de oleaginosas para a produção de biodiesel. Florianópolis, Santa Catarina. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA QUÍMICA, XX, 2014. Florianópolis. Apresentação oral... Florianópolis: p. 1 8, 2014.

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