Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro



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Transcrição:

Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro A contribuição do PECS no desenvolvimento da comunicação de uma aluna com perturbações do espectro do autismo Dissertação de Mestrado em Ciências da Educação Área de Especialização em Comunicação e Tecnologias Educativas Maria Margarida Vilela de Almeida Guerra Brito Orientador: Professor Doutor Joaquim José Jacinto Escola VILA REAL, 2014 i

Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro A contribuição do PECS no desenvolvimento da comunicação de uma aluna com perturbações do espectro do autismo Dissertação de Mestrado em Ciências da Educação Área de Especialização em Comunicação e Tecnologias Educativas Maria Margarida Vilela de Almeida Guerra Brito Orientador: Professor Doutor Joaquim José Jacinto Escola VILA REAL, 2014 iii

Composição do Júri: v

Agradecimentos Gostaria de expressar os meus sinceros agradecimentos a todos aqueles que de algum modo contribuíram para a realização deste trabalho, nomeadamente: Ao Professor Doutor Joaquim José Jacinto Escola pela sua orientação, pertinência nas suas recomendações e disponibilidade. À Cândida Cruz, Professora de Educação Especial; à Débora Pais, Terapeuta da Fala; ao Nuno Lopes, Terapeuta Ocupacional e à Elisabete Pinto, Assistente Operacional, pela disponibilidade e empenho que permitiram levar a cabo a realização das sessões com a aluna. À aluna e à sua família por me terem permitido o privilégio de os conhecer e de me terem ensinado tanto. Ao meu marido e filhos por me apoiarem na realização deste estudo. vii

Resumo Nesta dissertação pretendemos dar a conhecer a especificidade da problemática do autismo, através de uma investigação fundamentada, séria e rigorosa tanto no ponto de vista do enquadramento conceptual, como no que concerne à metodologia de trabalho de campo. Este projeto está organizado como um estudo de caso, dado que irá consistir numa metodologia de investigação aprofundada acerca de um caso de uma aluna com Perturbação do Espectro do Autismo (PEA), com dificuldades graves na comunicação. No presente trabalho utilizamos as Tecnologias de informação e comunicação (TIC). A utilização das TIC nas práticas pedagógicas dos alunos com PEA contribuem de forma evidente para o desenvolvimento da comunicação e interação social. A revisão da literatura efetuada refere que o sistema de comunicação por troca de imagens (PECS) é uma tecnologia de apoio para a comunicação aumentativa e alternativa (CAA) que permite obter resultados excelentes em crianças/jovens com PEA, a nível comunicativo. No nosso trabalho, este sistema foi implementado a uma aluna com PEA, com limitações na comunicação, na interação e com algumas dificuldades no comportamento. Antes da intervenção a aluna utilizava linguagem oral, palavras isoladas, usava muitas vezes a ecolália, vocabulário descontextualizado e fala estereotipada. No final da intervenção a aluna evoluiu de uma comunicação básica através de palavras isoladas, utilizando a ecolália, para uma comunicação estruturada de pequenas frases. Os dados de avaliação referem que o PECS contribuiu significativamente para o desenvolvimento desta aluna ao nível das competências comunicativas, comportamento e interação social. Palavras-chave: Autismo; Comunicação; Intervenção; PECS; TIC. ix

Summary In this thesis we intend to introduce the specificity of the problem of autism, in a reasoned, serious and rigorous research both in view of the conceptual framework, and as regards the methodology of fieldwork. This project is organized as a case of study, since it will consist of a detailed research methodology about a case of a schoolgirl with Autism Spectrum Disorder (ASD) with severe communication difficulties. In the present work we use the Information and Communication Technologies (ICT). The use of ICT in teaching practices for students with ASD clearly contribute to the development of communication and social interaction. The literature indicates that the PECS system (Picture Exchange Communication System) is an assistive technology for augmentative and alternative communication (AAC) that allow to obtain excellent results in children / youth with ASD, at communicative level. In our work, this system has been implemented to a student with ASD, with limitations in her communication, interaction and with some difficulties in behaviour. Before the intervention the student utilized oral language, single words used often echolalia, decontextualized vocabulary and stereotyped speech. At the end of the intervention the student has evolved from a basic communication through isolated words using echolalia, into a communication with small and structured sentences. Evaluation data indicate that PECS has contributed significantly to the development of the student's level of communication, behaviour and social interaction skills. Keywords: Autism; Communication; Intervention; PECS; TIC. xi

Índice INTRODUÇÃO... 1 PARTE I ENQUADRAMENTO TEÓRICO... 3 CAPÍTULO 1 - PERTURBAÇÕES DO ESPECTRO DO AUTISMO.. 3 1. PERSPETIVA HISTÓRICA... 3 2. CONCEITO DE AUTISMO 5 2.1 PREVALÊNCIA 7 3. ETIOLOGIA 8 3.1. TEORIAS PSICOGENÉTICAS... 8 3.2. TEORIAS BIOLÓGICAS 9 3.2.1 Estudos Genéticos... 10 3.2.2 Estudos Neurológicos. 10 3.2.3 Estudos Neuroquímicos.. 11 3.2.4 Estudos Imunológicos. 11 3.2.5 Fatores Pré-, Peri- e Pós-Natais no Autismo.. 12 3.3. TEORIAS COGNITIVAS 12 4. DIAGNÓSTICO.. 13 4.1 CLASSIFICAÇÃO SEGUNDO DSM-IV-TR. 14 4.2. CLASSIFICAÇÃO SEGUNDO CID 10. 16 4.3. CLASSIFICAÇÃO SEGUNDO DSM-V 18 5. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL... 19 5.1. PERTURBAÇÃO AUTÍSTICA... 19 5.2. PERTURBAÇÃO DE ASPERGER. 21 5.3. A SINDROME DE RETT 22 5.4. PERTURBAÇÃO DESINTEGRATIVA DA SEGUNDA INFÂNCIA.. 23 5.5. PERTURBAÇÃO GLOBAL DO DESENVOLVIMENTO SEM OUTRA ESPECIFICAÇÃO 23 6. CARATERÍSTICAS... 24 6.1 TRÍADE DE DÉFICES. 24 6.1.1. PERTURBAÇÃO NA COMUNICAÇÃO 25 6.1.2. PERTURBAÇÃO NA INTERAÇÃO SOCIAL 28 6.1.3. PERTURBAÇÃO NO JOGO SIMBÓLICO E REPERTÓRIO DE INTERESSES. 29 CAPÍTULO 2 - INTERVENÇÃO EDUCATIVA.. 31 1. NORMAS ORIENTADORAS DAS UEE PARA A EDUCAÇÃO DE ALUNOS COM PERTURBAÇÕES DO ESPECTRO DO AUTISMO 31 xiii

2. MODELOS DE INTERVENÇÃO.. 32 2.1. MODELO TEACCH... 32 2.2. MODELO FLOORTIME..... 35 3. AS TIC E EDUCAÇÃO ESPECIAL...... 37 3.1. TECNOLOGIAS DE APOIO À COMUNICAÇÃO.... 40 4. COMUNICAÇÃO AUMENTATIVA E ALTERNATIVA (CAA) 41 4.1. SISTEMAS ALTERNATIVOS E AUMENTATIVOS DE COMUNICAÇÃO (SAAC)... 42 4.2. SISTEMA SÍMBOLOS PICTOGRÁFICOS PARA A COMUNICAÇÃO (SPC)... 44 4.3. SISTEMA DE COMUNICAÇÃO POR TROCA DE IMAGENS (PECS). 45 PARTE II - ENQUADRAMENTO METODOLÓGICO...... 51 CAPÍTULO 1- JUSTIFICAÇÃO METODOLÓGICA... 51 1. METODOLOGIA QUALITATIVA... 51 2. ABORDAGEM AO ESTUDO DE CASO.. 52 2.1. OBJETIVOS DE UM ESTUDO DE CASO.... 53 2.2. CARATERÍSTICAS BÁSICAS DE UM ESTUDO DE CASO.. 54 3. VALIDADE INTERNA, EXTERNA E FIABILIDADE.... 55 4. TÉCNICAS DE RECOLHA DE DADOS.. 57 4.1. TÉCNICAS DOCUMENTAIS. 58 4.1.1. Processo avaliação CIF.. 58 4.1.2. Programa Educativo Individual (PEI) 58 4.2. TÉCNICAS NÃO DOCUMENTAIS... 59 4.2.1. Entrevista... 59 4.2.2.Análise de conteúdo 60 4.2.3. Observação naturalista... 61 4.2.4. O diário de bordo... 61 CAPÍTULO 2 - CONTEXTUALIZAÇÃO DO ESTUDO...... 63 1. CARATERIZAÇÃO DO MEIO AMBIENTE.... 63 2. CARATERIZAÇÃO DA INSTITUIÇÃO ONDE DECORRE O ESTUDO.. 64 3. CARATERIZAÇÃO DA UNIDADE DE ENSINO ESTRUTURADO (UEE).. 64 4. HISTÓRIA CLÍNICA E PERCURSO ESCOLAR DA ALUNA... 66 5. PERFIL DE FUNCIONALIDADE DA ALUNA... 67 CAPÍTULO 3 INTERVENÇÃO.. 71 xiv

1. PLANIFICAÇÃO DA INTERVENÇÃO.... 72 2. IMPLEMENTAÇÃO DA INTERVENÇÃO..... 76 2.1. REALIZAÇÃO DAS ENTREVISTAS........ 76 2.2. AVALIAÇÃO DA F: A NÍVEL DA LINGUAGEM...... 77 2.3. NÍVEL DE REALIZAÇÕES ATUAIS DA F NA ÁREA DA LINGUAGEM... 78 2.4. DEFINIÇÃO DOS OBJETIVOS DO ESTUDO.. 78 2.4.1. Objetivos do estudo... 79 2.4.2. Objetivos específicos do estudo..... 79 3. A UTILIZAÇÃO DE ROTINAS. 79 3.1. ROTINA-ESCOLA...... 79 3.1.1. Rotina - Casa...... 80 4. PLANIFICAÇÃO, INTERVENÇÃO E REFLEXÃO/AVALIAÇÃO A CURTO PRAZO... 81 5. OPERACIONALIZAÇÃO E AVALIAÇÃO DA INTERVENÇÃO.... 84 CAPÍTULO 4 - RESULTADOS DA INTERVENÇÃO..... 85 1. AVALIAÇÃO.. 85 2. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS.... 86 3. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS... 89 CONCLUSÕES... 91 BIBLIOGRAFIA ANEXOS xv

LISTA DE ABREVIATURAS E DE SIGLAS AEDNEE - Agência Europeia para o Desenvolvimento em Necessidades Educativas Especiais AMA- Associação de Amigos do Autismo APA- Associação de Psiquiatria Americana AVD Atividades da Vida Diária CAA Comunicação aumentativa e alternativa CEI Currículo Especifico Individual CID 9 e 10 Classificação Internacional de Doenças CIF- Classificação Internacional de Funcionalidade DGIDC - Direção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular DIR - Modelo baseado no Desenvolvimento, nas Diferenças Individuais e na Relação DSM I, II, III Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais I, II, III DSM-IV-TR - Manual Diagnostico e Estatístico de Transtornos Mentais IV F- Nome do aluno INCNESI - Iniciativa Nacional para os Cidadãos com Necessidades Especiais na Sociedade da Informação MSI - Missão para a Sociedade de Informação NEE Necessidades Educativas Especiais OCDE - Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico OMS - Organização Mundial de Saúde PEA Perturbação do Espectro do Autismo PECS - Sistema de Comunicação por Troca de Imagens PEI - Programa Educativo Individual PGD - Perturbações Globais do Desenvolvimento PNPCNESI - Programa Nacional para a Participação dos Cidadãos com Necessidades Especiais na Sociedade da Informação PPD - Perturbações Pervasivas do Desenvolvimento SAAC - Sistema Alternativo e Aumentativo de Comunicação SPC - Símbolos Pictográficos para a Comunicação xvii

SPO Serviços de Psicologia e Orientação TEACCH - Tratamento e Educação de Crianças Autistas e com Perturbações da Comunicação TIC Tecnologias da Informação e Comunicação UE - União Europeia UEE -Unidades de ensino estruturado xviii

Introdução INTRODUÇÃO O autismo é uma perturbação grave do desenvolvimento humano, que afeta a educação da criança através de várias dificuldades ao nível da comunicação, interação social e comportamento. A comunicação e a interação social são dois aspetos importantes do ser humano, assumindo a linguagem oral a forma privilegiada de expressão e de relacionamento com os outros. As restrições ao exercício desta função causam enormes constrangimentos no desenvolvimento dos indivíduos. Daqui a importância de proporcionarmos àqueles que apresentam problemas de comunicação os meios para se expressarem e se fazerem entender. Várias são as abordagens educativas que procuram dar resposta a desafios associados a esta perturbação. A utilização do sistema comunicação por troca de imagens (PECS), em contexto escolar com crianças com perturbação do espectro do autismo (PEA) é reportada na literatura como sendo uma metodologia eficaz. O presente estudo pretende averiguar e refletir se a implementação do sistema PECS pode contribuir para o desenvolvimento comunicativo de uma aluna com PEA. A estrutura da dissertação encontra-se organizada em duas partes: Parte I, de cariz teórico, composta por dois capítulos, que pretendem transmitir através de uma revisão de bibliografia científica, uma caraterização teórica da perturbação do autismo e, uma Parte II, com o enquadramento metodológico, organizada por três capítulos. Na primeira parte e no decorrer do Capítulo 1, iremos apresentar uma retrospetiva histórica do que é o autismo, bem como a evolução deste conceito, desde a primeira noção de Kanner até aos nossos dias. Embora sem respostas concretas e definitivas, destacam-se as questões de etiologia, diagnóstico e caraterização, onde será abordada a tríade de défices. No Capítulo 2, faremos referência à intervenção educativa, é descrito o funcionamento das unidades de ensino estruturado (UEE), contemplado na legislação, através do Decreto-Lei 3/2008, de 7 de Janeiro. Serão também apresentadas algumas estratégias educativas mais específicas para auxiliar a criança autista nomeadamente, os modelos de intervenção para alunos com PEA - o modelo Teacch, Floor-time; e a comunicação aumentativa e alternativa (CAA), em particular o sistema PECS. 1

Introdução A segunda parte compreende a metodologia e está dividida por três capítulos. No 1º capítulo iremos apresentar a opção tomada relativamente ao método e técnicas utilizadas na recolha de dados pertinentes na investigação que vai assentar num estudo de caso de uma aluna com autismo que frequenta a escola pública. Os instrumentos utilizados para a recolha de dados foram as entrevistas aos vários intervenientes no processo. Com estes instrumentos procurouse recolher informações que complementem as observações e os registos documentais existentes sobre a aluna. No 2º Capítulo, descrevemos o contexto onde a intervenção decorreu, através da caraterização do meio ambiente, da instituição, bem como das características físicas, dos recursos materiais e humanos e do funcionamento pedagógico da instituição. No 3º Capítulo traçamos o plano de intervenção, referindo os recursos e os intervenientes. Planificamos as sessões e apresentamos a respetiva avaliação. Por último, apresentamos a discussão final, na qual se desenvolveu uma síntese interpretativa, o cruzamento dos dados com a literatura e identificam-se as limitações, assim como as novas propostas de investigação. 2

Parte I - Enquadramento Teórico PARTE I ENQUADRAMENTO TEÓRICO CAPÍTULO 1 - PERTURBAÇÕES DO ESPECTRO DO AUTISMO 1. PERSPETIVA HISTÓRICA No início do século 18 são encontradas na literatura psiquiátrica descrições de casos isolados do que hoje se reconhece como autismo. O psiquiatra suíço Eugene Bleule, descreveu essas crianças como se estivessem fora da realidade e associou o termo de autismo a um conjunto de comportamentos básicos da esquizofrenia (Pereira, 1998; Marques, 2000; Siegel, 2008; Cavaco, 2010). No século 19, Jean Marc Gaspard Itard, estudou Victor, o rapaz selvagem de Aveyron e fez as primeiras descrições de crianças invulgares, no ano de 1801 (Geschwind, 2009). Segundo Marques (2000), alguns autores afirmam que esta criança teria sido autista, pois os comportamentos que Itard descreveu, ajustavam-se à classificação que mais tarde foi descrita por Leo Kanner. O primeiro trabalho científico publicado e reconhecido internacionalmente foi realizado em 1943 por Leo LKanner, médico austríaco, residente nos EUA. As primeiras apresentações clínicas aceites como descrições do autismo (autismo infantil precoce) foram publicadas no artigo intitulado Autistic disturbances of affective contact - Distúrbios autísticos do contacto afetivo. Em 1949, Kanner passou a designá-la Autismo Infantil Precoce, pois acreditava que o comportamento autista tinha a sua manifestação no início da infância, tendo sido descrito como uma síndrome específica, passível de ser observada com pequenas dificuldades nos dois primeiros anos de vida (Pereira, 1998; Marques, 2000; Siegel, 2008). Em 1944, um ano após Kanner ter publicado o seu artigo, Hans Asperger classificou a Síndrome de Asperger, como um dos diagnósticos mais conhecidos dentro do Espectro do Autismo. Este artigo de Asperger foi escrito em alemão no final da segunda guerra mundial, pelo que teve uma audiência limitada só se tornando conhecido do público em geral no início 3

Parte I - Enquadramento Teórico dos anos 80, quando foi traduzido para inglês pela primeira vez e referido por Lorna Wing no seu trabalho de investigação sobre o autismo (Cumine et al., 2006). Apesar de Kanner trabalhar em Baltimore e Asperger em Viena, e desconhecerem o trabalho um do outro, ambos coincidiram na escolha do nome central que utilizaram para designar a perturbação: Autismo. Esta enorme coincidência reflete a crença comum de que o problema social destas crianças é a caraterística mais importante desta perturbação (Pereira, 1998; Marques, 2000; Siegel, 2008). A partir do momento em que Lorna utilizou o termo síndrome de Asperger, o conceito de autismo mudou radicalmente, modificando-se de uma perturbação comportamental de limites bem definidos, quadro clínico preciso e estereotipado, para uma patologia com um espectro de gravidade e sintomas variáveis (Antunes, 2009, p. 78). Apesar do autismo ter sido relatado em 1943, houve uma ausência de estudos acerca deste tema nos vinte anos seguintes. Possivelmente, a razão prende-se com o facto de Kanner ter delineado o autismo como ( ) uma alteração puramente emocional, o que foi logo entusiasticamente aceite pelos autores psicanalíticos ( ) (Baron-Cohen, 1990, p. 408). Durante essas duas décadas acreditou-se que era na frieza da mãe, na ausência de carinho materno, que residia a causa do autismo. Esta teoria contribuiu para que as mães fossem denominadas mães frigorífico e, nesta perspetiva, o autismo seria portanto uma doença da emoção e do afeto (Frith, 1999). Foi no início dos anos 60, com a cr iação da Medical Research Council s Developmental Psychology Unit, que se iniciaram os estudos dos quais resultaram importantes contributos (Baron-Cohen, 1990). Deste modo, só a partir desta data é que se verificou uma alteração no modo de compreender a natureza do autismo, quando os psicólogos passaram a considerá-lo como uma alteração de índole cognitiva (Baron-Cohen, 1990). O termo autismo surgiu oficialmente pela primeira vez na Classificação Internacional de Doenças (CID) 9, em 1975, e foi categorizado como uma psicose da infância. Até então, o DSM I e DSM II, respetivamente em 1952 e 1968, referiam-se apenas à esquizofrenia de tipo infantil. É importante referir que antes do DSM III, o autismo não tinha um estatuto de diagnóstico oficial e só com o DSM IV o distúrbio passou a ser classificado como Perturbação Pervasiva de Desenvolvimento (PPD), tendo passado por alterações do sistema de diagnóstico. No entanto, foi na década de 80 do século passado que se atingiu um consenso quanto ao conceito de autismo como uma síndrome comportamental que afeta uma ampla gama de áreas, tanto 4

Parte I - Enquadramento Teórico cognitivas como afetivas, julgando-a como um transtorno invasivo do desenvolvimento, como indicado nas diferentes classificações nosológicas (DSM-IV, CID-10 e DSM-IV-R). O autismo foi incluído numa nova classe, a de Perturbações Globais do Desenvolvimento (PGD) com início na infância. Segundo Jordan (2000), foi Lorna Wing que identificou em 1988 uma tríade de deficiências que atualmente pautam todos os critérios de diagnóstico relativo ao espectro das perturbações ligadas ao autismo: dificuldades de relacionamento social, dificuldades de comunicação e falta de flexibilidade de pensamento e comportamento. Esta tríade, que define o que é comum a todas as perturbações ligadas ao autismo, ficou conhecida por tríade de Wing (Jordan, 2000) e é, na atualidade, a base do diagnóstico da PEA (Pereira, 1998; Marques, 2000; Pereira, 2006; Siegel, 2008; Geschwind, 2009). Em 1978 Rutter (citado por Leonard et al., 2010) propôs, através de uma vasta revisão da literatura, que o autismo fosse concebido como uma PGD e diagnosticado através da tríade de dificuldades que prevalece atualmente: interação social, comunicação, padrões restritos e repetitivos de comportamentos e interesses. 2. CONCEITO DE AUTISMO A preocupação de muitos investigadores tem sido a procura de uma definição mais precisa e facilmente aceite para o quadro clínico do autismo. Analisando etimologicamente a palavra autismo verificamos que tem origem do grego autos, que significa o próprio, acrescido do sufixo ismo que remete para uma ideia de orientação ou estado. O substantivo autismo indica, latu sensu, uma condição ou estado de alguém que apresenta tendência para o alheamento da realidade exterior, a par de uma atitude de permanente concentração em si próprio (Pereira, 2006, pág.9). Atualmente, o termo autismo é usado para se referir a um espectro de síndromes com caraterísticas em comum PPD, de acordo com o DSM IV de 1994, ou PGD, de acordo com o DSM-IV-TR de 2002, (Siegel, 2008), ou PEA segundo Lorna Wing. 5

Parte I - Enquadramento Teórico Considerado como PPD e PGD, o autismo revela-se, a nível social, através de disfunções envolvendo a relação comunicacional e a nível individual, através de insuficiências afetivas e do jogo imaginativo, para além da realização de um número de atividades restritas e repetitivas (Pereira, 2006). Na opinião de Lo-Castro et al. (2010), o autismo é uma síndrome com graves e complexas perturbações no desenvolvimento neurológico da criança, diagnosticado com base numa interação social e comunicação comprometidas, onde existem comportamentos estereotipados e onde os primeiros sintomas podem aparecer antes de três anos de idade. Segundo Mello e Vatavuk (2007), o autismo consiste numa síndrome definida por alterações presentes desde idades muito precoces, com manifestação típica anterior aos três anos, caraterizando-se por uma alteração qualitativa na tríade, ou seja, na comunicação verbal e não-verbal, na habilidade de interação social e no uso da imaginação. O autismo é hoje entendido não como uma doença, mas como uma perturbação do desenvolvimento que afeta o modo como a criança compreende o mundo que a rodeia e aprendizagem de acordo com as suas experiências (Marques, 2000). De acordo com Wing (1988) citado por Marques (2000), o quadro de autismo pode variar de um modo considerável, daí o autor ter proposto o conceito de Espectro do Autismo. Reconhece-se, assim, a existência de: ( ) um núcleo central de perturbações e características comuns a um conjunto de patologias com uma intensidade e severidade variável [o que], reforça a hipótese de existência de um contínuo de sintomas comuns a este tipo de perturbação. De facto, vai parecendo mais evidente a existência de outras variantes ao autismo de Kanner ou autismo clássico surgindo a noção de existência de um espectro que partilhando numerosos aspetos da síndroma central, não correspondem aos critérios exigidos para esse diagnóstico (Steffenburg e Gillberg, 1986 citados por Marques, 2000, p.31). Neste sentido, foi-se tornando cada vez mais evidente a existência de outras variantes ao autismo de Kanner, surgindo a noção da existência de um espectro que partilhando numerosos aspetos da síndrome central, não correspondem aos critérios exigidos para esse diagnóstico. Deste modo, o grupo composto pelo distúrbio autista e pelos restantes estados de tipo autista passou a ser designado por PEA (Steffenburg e Gillberg, 1986 citados por Marques, 2000). 6

Parte I - Enquadramento Teórico Por definição geral, as PEA consistem em perturbações severas do neuro desenvolvimento e manifestam-se através de dificuldades muito específicas da comunicação e da interação, associadas a dificuldades em utilizar a imaginação, em aceitar alterações de rotinas e à exibição de comportamentos estereotipados e restritos. Estas perturbações implicam um défice na flexibilidade de pensamento e uma especificidade no modo de aprender que comprometem em particular o contacto e a comunicação do indivíduo com o meio (Jordan, 2000; Siegel, 2008; Geschwind, 2009). Em suma, o universo autista é uma realidade complexa que engloba conceitos distintos, mas que se cruzam em determinados pontos. A evolução que se tem verificado ao longo do tempo relativamente à sua terminologia tem convergido para um melhor esclarecimento do autismo, embora seja necessário ter em conta que as caraterísticas identificadas não estão presentes em todos os indivíduos, nem se manifestam sempre do mesmo modo (Siegel, 2008). 2.1 PREVALÊNCIA A prevalência estimada das PEA, incluindo as da síndrome de Asperger, é de 10 a 20 em cada 10.000 casos. Contudo, esta tem aumentado na última década, com estudos que referem valores entre os 1,1 e os 12 por 1.000 casos o que poderá não refletir um aumento efetivo da incidência geral, mas sim um aumento do número de casos identificados. Este aumento pode dever-se a diversos fatores, tais como a existência de definições mais amplas de autismo (noção de espectro), a maior consciencialização do problema por parte dos clínicos, a melhor deteção de casos sem atraso mental, o incentivo à determinação de um diagnóstico (Oliveira et al., 2007). No ponto seguinte são referidas as teorias que foram sendo formuladas à volta do autismo e que permitiram compreender melhor o enquadramento desta patologia. 7

Parte I - Enquadramento Teórico 3. ETIOLOGIA A temática da etiologia é uma questão complexa, polémica e incompleta, na medida em que se entrelaçam diversas teorias. Segundo Marques (2000) há várias teorias que procuram explicar a causa do quadro clínico do autismo ou a problemática da etiologia. Por um lado, as teorias comportamentais que tentam explicar os sintomas caraterísticos desta perturbação com base nos mecanismos psicológicos e cognitivos subjacentes e, por outro, as teorias neurológicas e fisiológicas que procuram fornecer informação acerca de uma possível base neurológica (Marques, 2000). Apesar de todas as teorias desenvolvidas entrarem em conflito, existe uma complementaridade que poderá certamente permitir uma identificação cada vez mais clara e operacional da explicação etiológica. Da consulta bibliográfica realizada, foram encontradas várias teorias que procuram explicar a etiologia ou a causa do quadro clínico do autismo. Destas salientam-se as teorias psicogenéticas, biológicas e cognitivas que irão ser descritas de forma sumária nos pontos seguintes. 3.1. TEORIAS PSICOGENÉTICAS As teorias psicogénicas têm as suas raízes nas teorias psicanalistas que defendem que as crianças com este tipo de patologia eram normais no momento do seu nascimento mas, devido a fatores familiares adversos, no decorrer do seu desenvolvimento desencadearam um quadro autista. Em meados da década de 50 do século passado, alguns autores acreditavam que o autismo poderia surgir devido a traumas (separação dos pais, nascimento de um irmão, entre outros) ou a um ambiente familiar pouco propício ao desenvolvimento normal da criança. Kanner (1943), citado por Marques (2000), colocou a hipótese da existência de uma componente genética no desenvolvimento do autismo. Este autor defendia que as crianças 8

Parte I - Enquadramento Teórico nascem com uma incapacidade inata para proceder de um modo biologicamente correto ao contacto afetivo com os outros. Mais tarde, o psicólogo acabou por se deixar influenciar pelas teorias psicanalíticas. Kanner (1943), citado por Marques (2000), defendeu que as perturbações evidenciadas pelas crianças podiam ter como origem uma frieza emocional, um perfecionismo ou uma rigidez dos pais. Neste sentido, o autismo, seria uma perturbação emocional e atribuía os défices cognitivos e linguísticos, das crianças autistas, ao isolamento social e não a qualquer perturbação biológica. Na década de 60 do século passado, entendia-se que o distúrbio emocional residia na existência de um ambiente próximo da criança e não tinha origem numa perturbação biológica (Pereira, 2006). Esta teoria prevaleceu até meados da década de 70, altura em que foi contestada. Esta contestação teve por base a falta de dados concretos e credíveis que comprovassem que o autismo tem como origem as atitudes parentais. 3.2. TEORIAS BIOLÓGICAS Investigações recentes apontam para uma origem neurológica da perturbação. Estudos realizados evidenciam uma teoria orgânica e defendem a ideia que o autismo ocorre associado a vários distúrbios biológicos, como a paralisia cerebral, rubéola pré-natal, toxoplasmose, infeções por citomegalovírus, encefalopatia, esclerose tuberculosa, meningite, hemorragia cerebral, fenilcetonúria, e vários tipos de epilepsia. Assim, o autismo resulta de uma perturbação em determinadas áreas do sistema nervoso central, afetando a linguagem, o desenvolvimento cognitivo e intelectual, bem como a capacidade de estabelecer relações (Marques, 2000; Pereira, 2006). São diversas as perturbações biológicas que poderão estar na origem desta síndrome, daí que as implicações etiológicas surjam como pouco claras. 9

Parte I - Enquadramento Teórico 3.2.1 Estudos Genéticos Tem havido uma preocupação, por parte dos investigadores, em perceber a influência dos fatores genéticos no desenvolvimento das perturbações do espetro do autismo (Steffenburg e Gillberg, 1989 citados por Pereira, 2006). Estes autores concluíram que pode haver um gene responsável pelo autismo que produz incapacidades variáveis, que é associado a várias anomalias cromossómicas, nomeadamente síndrome de Down e X-frágil. Segundo investigações referenciadas por Marques (2000), a esclerose tuberosa é provavelmente a perturbação genética mais conhecida e documentada que surge relacionada com o autismo. Segundo o mesmo autor, cerca de 5% das crianças autistas sofre de esclerose tuberosa. Recentemente as perturbações cutâneas como a neurofibromatose e a hipomelanoso também foram relacionadas com o autismo (Pereira, 2006). 3.2.2 Estudos Neurológicos Nos últimos anos, têm surgido novos estudos que estão relacionados com a compreensão da base neurológica do autismo (Pereira, 2006). Ocorreram avanços significativos na localização e identificação da área cerebral afetada, graças a investigações na área da neuropatologia. Segundo Pereira (2006) existe um defeito congénito no sistema nervoso central que afeta o comportamento sócio emocional. Este defeito pode ainda produzir malformações ao nível do sistema sensorial e motor, originando atrofia, donde resultam os defeitos linguísticos associados ao autismo. Este autor refere ainda que as caraterísticas cognitivas e linguísticas da perturbação autista são uma consequência do desenvolvimento perturbado, e por isso não são primárias. As conclusões retidas destes estudos apontam para uma anomalia no desenvolvimento cerebral, detetada aquando do nascimento e desenvolvida ao longo da infância, em termos de comportamento e desenvolvimento da linguagem. Citando Marques (2000, p.65), não é surpreendente que as áreas que apresentam anomalias a nível cerebral, em pessoas com autismo, sejam aquelas que envolvem o comportamento 10

Parte I - Enquadramento Teórico emocional e a comunicação, assim como o controlo da atenção, orientação perceptual e acção. 3.2.3 Estudos Neuroquímicos Investigações bioquímicas ligadas ao autismo realçaram o papel dos neurotransmissores como mediadores bioquímicos (Pereira, 2006). O excesso ou défice de neurotransmissores e o desequilíbrio entre um par de diferentes mediadores podem originar alterações de comportamento (Marques, 2000). Relativamente às investigações neuroquímicas da síndroma, concluiu-se existirem três grandes áreas que ( ) no entanto, requerem um posterior aprofundamento: a primeira relaciona-se com o aumento da serotonina em cerca de 1/3 dos autistas ( ). A segunda diz respeito à dopamina disfuncional detetada em vários casos estudados, a partir da urina e do fluido cérebro espenial. A terceira revela que também se têm registado níveis elevados de endórfinas de determinado tipo, sobretudo em pessoas com problemas de automutilação (Pereira, 2006, p. 26). 3.2.4 Estudos Imunológicos De acordo com alguns estudos realizados por Steffenburg e Gillberg (1989), a sintomatologia autista pode ter origem numa infeção viral intrauterina. A rubéola gravídica tem sido considerada um fator patogénico em cerca de 5 a 10% dos casos de autismo (Pereira, 2006). Um outro fator que poderá estar na origem do autismo é a infeção pós-natal por herpes ou, ainda, a infeção congénita com citomegalovirus. Relativamente às perturbações metabólicas, salienta-se a possível relação entre o autismo e a fenilcetonúria (Pereira, 2006). 11

Parte I - Enquadramento Teórico 3.2.5 Fatores Pré-, Peri- e Pós-Natais no Autismo Segundo Pereira (2006), vários fatores ocorridos nos períodos pré-, peri- e pós-natais como hemorragias após o primeiro trimestre da gravidez, uso de medicação, alterações no líquido amniótico ou gravidez tardia podem estar associados ao autismo. 3.3. TEORIAS COGNITIVAS Marques (2000) refere que todas as teorias têm sido importantíssimas para a abordagem da criança autista. Porém, a tendência atual sobre a etiologia do autismo centra-se mais nas teorias afetivas e cognitivas. Segundo Pereira (2006), em meados dos anos 80 do século passado, as teorias psicológicas remetem-nos para conceptualizações que fundamentam a determinação dos défices responsáveis pelas caraterísticas cognitivas e comportamentais. Estas explicam a tríade caraterística do autismo, consequência de um ou mais défices psicológicos a teoria da mente, cujos autores são Uta Frith, Alan Leslie e Simon Cohen. A ausência de uma representação mental interior, referida por alguns autores, faz com que os autistas não reconheçam um dado se não for representado como fora da primeira vez em que lhes foi apresentado. Esta incapacidade traduz-se na dificuldade de generalização manifestada nas dificuldades de aprendizagem destas crianças (Marques, 2000, p.70). Esta teoria procurou identificar os défices sociais no autismo, como a falha no mecanismo mental de metacognição, o qual coordena o pensar acerca do pensamento (Marques, 2000; Pereira, 2006). Segundo esta teoria, os portadores de autismo apresentam uma falha ou atraso do desenvolvimento da competência de comungar com o pensamento dos outros indivíduos, isto é, estão limitadas de certas competências sociais comunicativas e imaginativas (Marques, 2000; Pereira, 2006). 12

Parte I - Enquadramento Teórico Embora a causa do autismo seja um assunto de muitas investigações em curso, esta não deve ser descurada sem um bom diagnóstico (Marques, 2000). Atualmente o seu diagnóstico é realizado através da avaliação direta do comportamento do indivíduo, segundo critérios clínicos descritos DSM IV-TR e na Classificação Estatística de Doenças e Problemas relacionados com a Saúde, da OMS que abordaremos no ponto seguinte. 4. DIAGNÓSTICO Para diagnosticar uma perturbação do comportamento é necessário usar um sistema de classificação que relacione os aspetos comportamentais considerados, ou sinais, com um conjunto de definições, regras e critérios. No entanto, não é a pessoa que é diagnosticada pelo processo de classificação; apenas se classifica ou diagnostica a perturbação comportamental (Rutter, 1965, citado por Pereira, 1998). O diagnóstico do autismo é realizado por uma equipa treinada e especializada, através da avaliação do quadro clínico, não existindo testes laboratoriais específicos para a sua deteção. O médico solicita exames para investigar condições que possam ter causas identificáveis (Mello, 2007; Antunes, 2009). Segundo Pereira (2006, p. 38) Avaliar uma criança autista requer o contributo de uma equipa interdisciplinar experiente, uma vez que existe um atraso em múltiplas áreas do desenvolvimento. De salientar que, embora possam surgir precocemente alguns sinais de alerta que apontem para a presença de autismo, raramente o diagnóstico é conclusivo antes dos 24 meses, sendo os 30 meses a idade média mais frequente em que é diagnosticado (Mello, 2007). Como refere Siegel (2008, p. 119) ( ) o diagnóstico do autista é feito com base numa avaliação do comportamento da criança, incluindo testes às suas interações sociais, à sua inteligência, à sua linguagem recetivo-expressiva, ao seu comportamento adaptativo e à presença, ou ausência, de sinais específicos de autismo. 13

Parte I - Enquadramento Teórico Atualmente, o diagnóstico desta perturbação continua a ser realizado através da avaliação direta do comportamento do indivíduo segundo determinados critérios clínicos descritos nos sistemas de classificação do DSM IV-TR (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, 4 th Edition, American Psychiatric Association, 2002) e a ICD10 (International Classification of Diseases, 10 th Edition, OMS, 1994), citados por Stone e Di Geronimo (2006). De acordo com estes instrumentos, a perturbação de espectro de autismo é por vezes denominada de autismo infantil, autismo infantil precoce e autismo de Kanner. A perturbação autística é classificada dentro das perturbações invasivas do desenvolvimento, fazendo parte destas também a perturbação de Rett, a perturbação desintegrativa da segunda infância e o transtorno de Asperger (Siegel, 2008). Ambos os sistemas de classificação admitem que existe um espectro da condição autista que consiste numa perturbação do desenvolvimento diagnosticada com base na tríade de perturbações descrita por Lorna Wing em 1988. Atualmente, o consenso foi alcançado o que possibilitou a convergência, por parte da maioria dos investigadores, na utilização destes dois sistemas clínicos internacionais de diagnóstico formalmente aceites (Rutter, 1996, citado por Pereira, 1998). 4.1 CLASSIFICAÇÃO SEGUNDO DSM-IV-TR De acordo com o DSM-IV-TR (2002), o espectro do autismo envolve limitações significativas nas relações sociais, na comunicação verbal e não-verbal e na variedade de interesses e comportamentos. O DSM-IV-TR inclui nas PGD, a perturbação autística, a perturbação de Rett, a perturbação desintegrativa da segunda infância, a perturbação de Asperger e a perturbação global do desenvolvimento sem outra especificação..assim, para que se possa diagnosticar a perturbação autista, tem que se verificar a presença de alguns critérios que são apresentados de seguida. Os critérios de diagnóstico do DSM-IV-TR, para a perturbação autista estão divididos em três categorias e itens associados. A primeira categoria refere-se ao défice qualitativo na interação 14

Parte I - Enquadramento Teórico social e é considerado quando há manifestação de pelo menos duas das caraterísticas que se encontram no Quadro 1. Quadro 1 Caraterísticas, na categoria interação social (DSM-IV-TR, 2002 adaptado de Siegel, 2008) (a) Acentuado défice no uso de múltiplos comportamentos não-verbais (b) Incapacidade para desenvolver relações com os companheiros (c) Ausência da tendência espontânea para partilhar com os outros prazeres, interesses ou objetivo (d) Falta de reciprocidade social ou emocional A segunda categoria refere-se aos défices qualitativos na comunicação, e é considerado quando existe manifestação por uma das caraterísticas presentes no Quadro 2. Quadro 2 Caraterísticas, na categoria comunicação (DSM-IV-TR, 2002 adaptado de Siegel, 2008) (a) Atraso ou ausência total de desenvolvimento da linguagem oral (b) Nos sujeitos com um discurso adequado, uma acentuada incapacidade na competência para iniciar ou manter uma conversação com os outros (c) Uso estereotipado ou repetitivo da linguagem ou linguagem idiossincrática (d) Ausência de jogo realista espontâneo, variado, ou de jogo social imitativo adequado ao nível de desenvolvimento. A terceira categoria diz respeito aos padrões de comportamento, interesses e atividades restritas, repetitivas e estereotipadas, que é considerado quando há manifestação de pelo menos uma das caraterísticas que se observam no Quadro 3. Quadro 3 Caraterísticas, na categoria padrões de comportamento, interesses e atividades (DSM-IV-TR, 2002 adaptado de Siegel, 2008) (a) Preocupação absorvente por um ou mais padrões estereotipados e restritivos (b) Adesão, aparentemente inflexível, a rotinas ou rituais específicos (c) Maneirismos motores estereotipados e repetitivos (d) Preocupação persistente com partes de objetos 15

Parte I - Enquadramento Teórico 4.2. CLASSIFICAÇÃO SEGUNDO CID 10 A CID 10 é publicada pela OMS e visa padronizar a codificação de doenças e outros problemas relacionados à saúde. Em 1994, surge o manual de classificação internacional mais recente com novos critérios de diagnóstico de autismo. Neste manual, as PEA encontram-se inseridas no grupo das doenças mentais e do comportamento, mais propriamente nas doenças relacionadas com o desenvolvimento psicológico e são descritas como um grupo de doenças caraterizadas por anomalias qualitativas na interação social recíproca e nos padrões de comunicação e por interesses e atividades restritas, estereotipadas e repetitivas. De seguida, apresentaremos os critérios de diagnóstico para a perturbação autística definidos pela CID 10. - Anomalias qualitativas na interação social recíproca, manifestas em pelo menos dois dos sintomas apresentados no Quadro 4. Quadro 4 Caraterísticas, na categoria interação social (CID-10, 1994 adaptado de Pereira, 2006) 1) Incapacidade de usar adequadamente o olhar, expressão facial, gestual e os movimentos corporais 2) Incapacidade de estabelecer relações com os pares 3) Procura raramente os outros em busca de conforto e afeto 4) Inexistência de procura espontânea para partilha de sentimentos 5) Ausência de reciprocidade social e emocional - Problemas qualitativos da comunicação, manifestada em pelo menos um dos sintomas que podem ser observados no Quadro 5. 16

Parte I - Enquadramento Teórico Quadro 5 Caraterísticas, na categoria comunicação (CID -10, 1994 adaptado de Pereira, 2006) 1) Atraso ou ausência total do desenvolvimento da linguagem falada 2) Ausência do jogo espontâneo de faz de conta ou do jogo social imitativo 3) Incapacidade de iniciar ou manter uma conversa; 4) Utilização estereotipada e repetitiva da linguagem - Comportamentos, interesses e atividades restritas, repetitivas e estereotipadas, manifestação de pelo menos um dos sintomas que se encontram no Quadro 6. Quadro 6 Caraterísticas, na categoria interesses e atividades restritas, repetitivas e estereotipadas (CID-10, 1994 adaptado de Pereira, 2006) 1) Ocupação obsessiva por um ou vários centros de interesse 2) Adesão aparentemente compulsiva a hábitos e rituais específicos 3) Atividades motoras estereotipadas e repetitivas 4) Preocupação persistente e não funcional com partes de objetos, elementos ou peças de um jogo O sistema de diagnóstico CID 10 (1994) não é tão utilizado, comparativamente ao DSM IV- TR, uma vez que este último é mais abrangente e oferece uma maior cobertura de amostra. As diferenças entre estes dois manuais são pouco significativas, isto reflete claramente os esforços desenvolvidos para a procura de um diagnóstico consensual neste domínio. 17

Parte I - Enquadramento Teórico 4.3. CLASSIFICAÇÃO SEGUNDO DSM-V No final do mês de Maio de 2013, durante o congresso anual da Associação de Psiquiatria Americana (APA), foi oficialmente apresentada a 5ª edição do Manual DSM-V, que irá substitui o DSM-IV-TR. O DSM-V não foi ainda traduzido para português e no nosso país está atualmente em estudo e discussão, prevalecendo assim o DSM-IV-TR. De uma forma resumida, apresentaremos as alterações mais significativas. O DSM-V propõe a classificação de Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) em substituição da designação de Transtornos Globais do Desenvolvimento, adotada no DSM-IV-TR (APA, 2003). Anteriormente eram considerados cinco transtornos do espectro do autismo, cada um dos quais com um diagnóstico único. No DSM-V, esses transtornos não são considerados como diagnósticos distintos dentro do espectro do autismo, são incluídos no diagnóstico de PEA, à exceção da Síndrome de Rett. A síndrome de Rett, considerada como uma espécie rara do autismo, com caraterísticas diferentes do autismo típico passa a ser considerada uma entidade própria e sairá do espectro do autismo. No TEA existe apenas uma variação de perturbações, cujo especificador é o grau de gravidade e o nível de funcionalidade do individuo. Uma pessoa com TEA pode ser diagnosticada com nível 1, nível 2 ou nível 3 (APA, 2013). Para os investigadores esta mudança na nomenclatura deve-se ao facto de todas as crianças com a problemática do autismo terem os mesmos sintomas essenciais, mas em diferentes graus de gravidade (APA, 2013). Outra mudança incide sobre os critérios de diagnóstico que são reduzidos apenas a duas áreas principais: a comunicação e a interação social e comportamento. A equipa que elaborou o DSM V concluiu que é difícil separar o défice de comunicação do défice social, uma vez que estas duas áreas se sobrepõem de forma significativa. A comunicação é frequentemente utilizada para fins sociais, e o défice de comunicação pode afetar drasticamente o desempenho social (APA, 2013). De acordo com os critérios de diagnóstico do DSM-V, as primeiras manifestações do TEA devem aparecer antes dos 36 meses de idade e esses sintomas devem comprometer a capacidade do indivíduo em função da sua vida e do dia-a-dia (APA, 2013). 18

Parte I - Enquadramento Teórico Os novos critérios DSM-V podem comprovar que o autismo é um espectro, ao invés de um grupo de doenças distintas. Além disso, estas mudanças irão permitir ainda mais a identificação precoce da problemática (APA, 2013). 5. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL De acordo com Gonçalves et al. (2008), as PEA englobam atualmente, um conjunto de perturbações, as quais passamos a referir: - Perturbação autística (autismo de Kanner, autismo infantil ou autismo clássico); - Perturbação de Asperger (síndrome de Asperger); - Síndrome de Rett; - Perturbação global do desenvolvimento sem outra especificação (autismo atípico); - Perturbação desintegrativa da segunda infância. 5.1. PERTURBAÇÃO AUTÍSTICA A perturbação autística é algumas vezes referida como autismo infantil precoce, autismo infantil ou autismo de Kanner. As caraterísticas essenciais desta perturbação passam pela presença de um desenvolvimento acentuadamente anormal ou deficitário da interação e comunicação social e de um reportório restritivo de atividades e interesses, sendo que a idade cronológica da pessoa, assim como o seu nível de desenvolvimento, influenciam diretamente as manifestações desta perturbação (Siegel, 2008). Nesta perturbação, existe um défice na interação social, importante e persistente, um défice acentuado no uso de comportamentos não-verbais tais como o contacto visual, expressão facial, gestos e postura corporal, que são reguladores da interação social. 19

Parte I - Enquadramento Teórico Pode existir também uma incapacidade no desenvolver de relações com os companheiros, adequadas ao nível de desenvolvimento da pessoa. As crianças mais jovens podem ter pouco ou nenhum interesse em estabelecer amizades, enquanto os indivíduos mais velhos podem manifestar interesse em criar amizades, não compreendendo, no entanto, as convenções da interação social. A ausência de reciprocidade social ou emocional faz com que haja pouca procura na partilha de brincadeiras sociais simples ou jogos, preferindo atividades solitárias ou, envolvendo outros em atividades unicamente como instrumentos de ajuda. Neste caso, as crianças portadoras desta síndrome têm uma consciência deficiente sobre os outros, prescindem das outras crianças e não têm noção das necessidades dos outros ou não percebem o mal-estar nas outras pessoas (Siegel, 2008). Existe também um défice de comunicação manifestado por atraso ou ausência de desenvolvimento da linguagem oral. Nos indivíduos que falam, nota-se uma dificuldade acentuada em iniciar ou manter uma conversa, usam linguagem repetitiva, estereotipada ou idiossincrática (Ozonoff et al., 2003). Verifica-se ainda o uso de uma linguagem metafórica que só é compreendida por quem conhece o estilo próprio da comunicação do sujeito e a fala pode ter um volume, entoação, velocidade, ritmo ou acentuação anormal (voz monocórdica) (Siegel, 2008). Estes indivíduos têm também dificuldades em compreender instruções ou perguntas simples e, por vezes, isso implica uma incapacidade para integrar palavras e gestos no discurso (Siegel, 2008). Nesta perturbação, verifica-se ainda que o jogo imaginativo pode estar ausente, mas, quando presente, encontra-se deficitário. Estas pessoas podem não se envolver em jogos simples de imitação ou de rotinas infantis próprias da primeira e segunda infância ou, se o fazem, é de uma forma mecânica ou desenquadrada do contexto (Siegel, 2008). Na área dos comportamentos e interesses, existem frequentemente interesses absorventes e invulgares, adesão inflexível a rotinas não funcionais, movimentos corporais estereotipados e preocupação com partes ou qualidades sensoriais de objetos (podem ficar fascinados por movimentos, como por exemplo o girar de rodas de um carro) (Ozonoff et al., 2003). Para preencher os critérios de perturbação autística, o sujeito deve manifestar pelo menos 6 de 12 sintomas, com pelo menos dois na área social e um de cada uma das categorias da 20

Parte I - Enquadramento Teórico comunicação e dos comportamentos/interesses. Pelo menos um dos sintomas deve ter-se manifestado antes dos 36 meses de idade (Ozonoff, et al., 2003). 5.2. PERTURBAÇÃO DE ASPERGER A perturbação de Asperger ou (síndrome de Asperger) partilha com o autismo as incapacidades sociais e os comportamentos restritos e repetitivos. As capacidades da linguagem encontram-se bem desenvolvidas (Ozonoff et al., 2003). Os indivíduos com perturbação de Asperger não têm atrasos clinicamente significativos na linguagem (por exemplo, usam palavras simples aos dois anos de vida e as frases comunicativas aos três anos de vida). A linguagem subsequente pode ser invulgar em termos da preocupação do indivíduo com certos temas e com a sua verbosidade (Siegel, 2008). Apresentam um funcionamento cognitivo sem défices e não apresentam atrasos nas aptidões de autoajuda adequadas à idade, no comportamento adaptativo (distinto da interação social) e curiosidade sobre o ambiente na infância (Ozonoff et al., 2003). Culmine et al. (2006), tal como Asperger, mencionam que não incluem nem o atraso da linguagem inicial, nem as dificuldades de coordenação motora como caraterística dos critérios de diagnóstico. De facto, os mesmos autores salientam que os seus sintomas são idênticos aos da perturbação autística, exceto quanto à inexistência do requisito de que a criança manifeste dificuldades na comunicação. Visto que a linguagem e as aptidões cognitivas se encontram dentro dos limites normais, durante os três primeiros anos de vida, regra geral os pais não se preocupam com o desenvolvimento da criança durante esse período, embora, se questionados de forma pormenorizada, possam vir a recordar-se de pormenores invulgares (Siegel, 2008). Pereira (2006) refere que a grande diferença entre autismo e a síndrome de Asperger está na gravidade dos sintomas. Em ambos os casos, as crianças apresentam défices na interação social recíproca, nas capacidades comunicativas e comportamentos pouco comuns. Estas crianças apresentam ainda um desenvolvimento de padrões de comportamento repetitivo, interesses e atividades. 21