Trabalho, cultura, ciência e tecnologia na educação profissional do campo: estudo de caso acerca da formação dos jovens no sudeste do Pará

Documentos relacionados
Formação de Indígenas em agroecologia: Curso Técnico Agroecologia dos Povos Indígenas do Sudeste Paraense

UM DICIONÁRIO CRÍTICO DE EDUCAÇÃO 1

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM NÍVEL DE ESPECIALIZAÇÃO Lato Sensu EM EXTENSÃO RURAL

EDUCAÇÃO, TRABALHO E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: CULTURA, CIÊNCIA, TECNOLOGIA, SAÚDE, MEIO AMBIENTE DOCUMENTO REFERÊNCIA

EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS DAS LICENCIATURAS EM EDUCAÇÃO DO CAMPO NO MARANHÃO RESUMO

RECONHECIMENTO E VALORIZAÇÃO DA FORMAÇÃO POR ALTERNÂNCIA NO BRASIL

EFETIVIDADE DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A EDUCAÇÃO DO CAMPO. Eixo Temático: Política Pública da Educação e da Criança e do Adolescente.

Proposta para a 1ª Conferência Estadual de Educação Básica

Bacharelado Interdisciplinar em Ciências Humanas

Objetivo Geral: Objetivos Específicos:

PORTARIA INTERMINISTERIAL MDA e MDS e MMA Nº 239 DE 21 DE JULHO DE 2009

PLANO SAFRA AMAZÔNIA

II SEMINÁRIO DO PPIFOR

IV ENCONTRO EM EDUCAÇÃO AGRÍCOLA I FÓRUM DE DEBATES SOBRE A PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA

Reflorestamento, ampliação da biodiversidade, como práticas de cuidado do ambiente e da vida do planeta;

RESOLUÇÃO Nº 034/ CEPE DE 23 de Agosto de 2006.

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARA INSTITUTO DE CIENCIAS DA EDUCAÇÃO GRUPO DE ESTUDOS EM EDUCAÇÃO, CULTURA E MEIO AMBIENTE GEAM

Agricultura familiar e mercados: algumas reflexões

Movimentos Sociais do Campo

D E C R E T A. a) dos cursos de licenciaturas; b) das residências pedagógicas; c) das práticas pedagógicas curriculares;

MEMORIAS DEL V CONGRESO LATINOAMERICANO DE AGROECOLOGÍA Archivo Digital: descarga y online ISBN

Didática e Formação de Professores: provocações. Bernardete A. Gatti Fundação Carlos Chagas

ETAPAS E CRONOGRAMA DO PROGRAMA DE REESTRUTURAÇÃO

Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural. Secretaria de Agricultura

Agenda. Contexto. O Nordeste Territorial. Fórum de Governança da Atividade Econômica. Formas de Financiamento

Universidade de São Paulo Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto Enf. Psiquiátrica e Ciências Humanas. Profa. Karina de M. Conte

CURSO: PEDAGOGIA EMENTAS º PERÍODO

ATER PARA MULHERES. O processo de organização das mulheres na construção do Feminismo e da Agroecologia no Brasil

ANÁLISE DOS CURSOS PROMOVIDOS PELO PRONERA NA ZONA DA MATA PERNAMBUCANA

CONFERÊNCIA NACIONAL DA EDUCAÇÃO BÁSICA INTRODUÇÃO

EXPERIÊNCIAS DE PRÁTICA ENQUANTO COMPONENTE CURRICULAR NO CURSO DE LICENCIATURA EM MATEMÁTICA

Propor que os cursos de Pedagogia e outras licenciaturas incentivem o conhecimento e atuação nestes espaços. Incluir algumas horas de

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO COORDENAÇÃO DE APERFEIÇOAMENTO DE PESSOAL DE NÍVEL SUPERIOR DIRETORIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA PRESENCIAL DEB

Educação Escolar Quilombola

CONGRESSO NACIONAL COMISSÃO MISTA DE PLANOS, ORÇAMENTOS PÚBLICOS E FISCALIZAÇÃO PROJETO DE LEI DE REVISÃO DO PLANO PLURIANUAL PARA

REGULAMENTO DO ESTÁGIO SUPERVISIONADO. Licenciatura EM educação básica intercultural TÍTULO I DA CARACTERIZAÇÃO

O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO INSTITUCIONAL

PLANO DE ENSINO Ensino Superior EMENTA

Posicionamento: Centro de Referências em Educação Integral

DCN DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS

TERMO DE REFERÊNCIA (TR)

PLANO DE TRABALHO DOCENTE 2015 PROFESSORA: Daianny de Azevedo Lehn DISCIPLINA: Geografia ANO: 7º A

III ENCONTRO ESTADUAL DE AGROECOLOGIA E II FESTA ESTADUAL DAS SEMENTES CARTA POLÍTICA E AGENDA DE LUTAS

TERMO DE REFERÊNCIA (TR) - TECN MCT 1 VAGA

Programa Educação Inclusiva: direito à diversidade

Ministério da Educação Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica Instituto Federal de Goiás. Adriely Felipe Tatagiba Sueli Correa

Plano de Ensino Docente

O Regimento Escolar é o documento que estabelece as diretrizes administrativas, as orientações, as regras de convivência, os direitos e deveres de

EMENTA OBJETIVOS DE ENSINO

Movimento dos Pequenos Agricultores MPA. Apresentação - Embrapa. Movimento dos Pequenos Agricultores. Brasilia, 18 de Dezembro 2013 MENSAGEM

Agroecologia. Curso Agroecologia e Tecnologia Social um caminho para a sustentabilidade. Módulo 2 Agroecologia aspectos teóricos e conceituais

O Campesinato e a Gestão Ambiental: Limites e Perspectivas

MEMÓRIA PARALELA MOÇÃO COLETIVA DO GRUPO DE PRODUÇÃO. Ao Sr. EDUARDO DECHAMPS Secretário de Educação do Estado de Santa Catarina

09:15 às 09: Estado e povos tradicionais: políticas públicas destinadas ao território tradicional.

Desafios e Oportunidades para o Desenvolvimento da EPT no Brasil até 2024

AGROECOLOGIA TECNÓLOGO Oferta por meio do SiSU 2º semestre

INSTRUÇÃO CONJUNTA N 001/2010 SEED/SUED/SUDE

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAMPA CAMPUS JAGUARÃO CURSO DE PEDAGOGIA

Agricultura Orgânica para a Conservação da Biodiversidade PROBIO II

Palavras-chave: Licenciatura, Formação Profissional, Ciências Agrárias.

PROJETO CINEMAPSI: ESTRATÉGIA DE PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO EM PSICOLOGIA

CURSO POLÍTICAS PÚBLICAS NO SEMIÁRIDO DO NORDESTE: PARTICIPAÇÃO E JUVENTUDE. Profº Guilherme Soares UFRPE

Análise de Territórios

ADVERTÊNCIA. Este texto não substitui o publicado no Diário Oficial da União. Ministério da Saúde Gabinete do Ministro

AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL: UMA CONSTRUÇÃO COLETIVA

Palavras-chave: governança florestal; formação profissional; agroecologia.

TÍTULO: OS DESAFIOS DA GESTÃO DEMOCRÁTICA NAS ESCOLAS PÚBLICAS DA REGIÃO MÉDIO PARAÍBA

O Ordenamento Fundiário no Brasil. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

131 - Núcleo de Agroecologia Ivinhema: ATER diferenciada valorizando saberes, conhecimentos e experiências no Território do Vale do Ivinhema, MS

Unidade 1 Sobre o Trabalho de conclusão de curso

Índice. 1. O Processo de Organização Escolar Pensando para a Prática Grupo Módulo 8

PREFEITURA MUNICIPAL DE VIAMÃO SISTEMA MUNICIPAL DE ENSINO CONSELHO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO RESOLUÇÃO Nº 04, DE 18 DE DEZEMBRO DE 2015.

EDITAL N.º 001 / 2017 PROCESSO DE SELEÇÃO PROFISSIONAL PARA A ESCOLA FAMÍLIA AGRÍCOLA DE VEREDINHA MG.

Subsídios para a Discussão da Proposta de Anteprojeto da Lei Orgânica da Educação Profissional e Tecnológica

RESOLUÇÃO CNAS Nº 6, DE 13 DE ABRIL DE 2016.

Aproximando o debate da saúde ambiental e da soberania alimentar a partir da experiência da Tenda Josué de Castro

Plano de Ensino IDENTIFICAÇÃO. SEMESTRE ou ANO DA TURMA: 5º semestre

SEMINÁRIO PROEJA-FIC/PRONATEC

Território e planejamento de longo prazo: a experiência do Estudo da Dimensão territorial do planejamento

O PLANO DE AÇÕES ARTICULADAS (PAR) ENQUANTO SUPORTE AO PLANEJAMENTO DAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS EM ESCOLAS PÚBLICAS DO MUNICÍPIO DE DOURADOS-MS

ALFABETIZAR PARA E PELA EDUCAÇÃO DO CAMPO: UM DESAFIO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES

S enado Federal S ubsecretaria de I nfor mações DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL

TERMO DE REFERÊNCIA BLUMENAU ARTICULADOR

A educação popular na práxis do ProJovem Campo Saberes da Terra Capixaba. Maria Geovana Melim Ferreira

CURSO TÉCNICO EM AGROECOLOGIA INTEGRADO AO ENSINO MÉDIO

Democratização da Gestão e Qualidade Social da Educação

Cacau e Pecuária na Amazônia: Análise de Meios de Vida em São Félix do Xingu - PA

Resultado Final do Eixo 04 - Currículo e e políticas educacionais Nº TÍTULO CPF

O desenvolvimento rural brasileiro cenário atual e desafios. Movimento dos Pequenos Agricultores MPA. Raul Ristow Krauser

PROJETO DE EXTENSÃO ALFABETIZAÇÃO EM FOCO NO PERCURSO FORMATIVO DE ESTUDANTES DO CURSO DE PEDAGOGIA

Prezadas coordenadoras e Prezados coordenadores de Cursos de Graduação da UFPR

O CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS DO CAMPO

Programa de Extensão do Curso de Licenciatura em Matemática do PARFOR

1. DADOS DA INSTITUIÇÃO Nome: J.I. Serviços de Agronomia e de Consultoria as Atividades Agrícolas e Pecuárias LTDA.

Povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais

Programas de Atendimento aos Estudantes

CEI MUNDO PARA TODO MUNDO. Bases pedagógicas e de gestão

DIFICULDADES, SATISFAÇÕES E EXPECTATIVAS DE APRENDIZAGEM DOS ESTUDANTES DO CURSO DE QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL DO CAMPUS RURAL DE MARABÁ

EB1/PE DE ÁGUA DE PENA

COMERCIALIZAÇÃO NO ÂMBITO DA ECONOMIA SOLIDARIA

Transcrição:

Trabalho, cultura, ciência e tecnologia na educação profissional do campo: estudo de caso acerca da formação dos jovens no sudeste do Pará Shauma Tamara do Nascimento Sobrinho¹ e Romier Paixão Sousa² ¹Licenciada em Educação do Campo pelo IFPA/Campus Rural de Marabá (2013) e Mestranda em Desenvolvimento Rural e Empreendimentos Agroalimentares pelo IFPA/Campus Castanhal (2016-2017). E-mail: shauma_2009@hotmail.com. ²Doutor em Estudios Medioambientales pela Universidad Pablo de Olavide, Espanha (2015). E-mail: romier.sousa.ifpa@gmail.com Resumo: Objetivou-se neste estudo refletir sobre a relação Trabalho-Educação na educação profissional na perspectiva da Educação do Campo. Tal formação se refere à primeira experiência institucionalizada de Ensino Médio integrado ao Técnico em Agropecuária, ofertada pelo Instituto Federal do Pará (IFPA)/Campus Rural de Marabá em parceria com os movimentos sociais e, financiado pelo Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA). Orientando-se pelo materialismo histórico-dialético e pela abordagem qualitativa a presente investigação considerou que o percurso formativo dos jovens do campo aponta para a perspectiva da educação politécnica. Palavras-chave: Currículo integrado; Educação do Campo; Alternância Pedagógica. 1. Introdução A presente pesquisa tem como objeto o currículo integrado na Educação Profissional integrada ao Ensino Médio no IFPA/Campus Rural Marabá. A delimitação e recorte temático se justificam pela necessidade de aprofundar a discussão do currículo integrado e da educação politécnica desde questões concretas que envolvem a realidade do campo. O conhecimento é um processo histórico e dialético, que nasce e se estabiliza no interior de uma formação social. Sendo assim, as motivações e formas de se conhecer surgem historicamente dos problemas que a humanidade se coloca e pelas delimitações e contornos teóricos, metodológicos e políticos que as relações de produção impõem ao processo de produção do conhecimento. Neste 1

sentido, a forma como os homens trabalham e produzem, suas condições de existência material determinam como eles pensam, sentem e representam o mundo em que vivem e, o conhecimento é parte constituinte do trabalho, é a dimensão refletida da experiência que o homem faz da natureza (ROLO; RAMOS, 2012). Entretanto, na dinâmica histórica da sociedade moderna e contemporânea, o conhecimento tem se tornado um dos elementos centrais de reprodução ampliada do capital e efetivação dos interesses da classe dominante. As transformações no modo de produzir, provocado pela agricultura moderna têm impulsionado, na realidade atual, a exacerbação das contradições e a destruição dos recursos naturais (solo, natureza, planeta), colocando em xeque as condições de vida da humanidade. Considerando a realidade brasileira, o processo de modernização da agricultura nas últimas décadas provocou uma radical inversão do princípio tradicional do modo de produzir da agricultura, a partir da internalização da produção de máquinas e insumos para a agricultura; do avanço na divisão do trabalho entre indústria e agricultura; e da ciência e da tecnologia como única forma de produção do conhecimento. Essas transformações provocaram no âmbito social, a ampliação da concentração e exploração da terra e distribuição regressiva da renda, mudanças nas relações sociais de trabalho (avanço do assalariamento temporário, exploração e alienação dos trabalhadores rurais) (ALENTEJANO, 2012; GUHUR; TONÁ, 2012). A permanência dos camponeses na terra e a garantia de sua reprodução social estão diretamente ameaçadas pelo modelo tecnológico hegemônico, que é base de sustentação do agronegócio. Dessa forma, o processo de expropriação dos camponeses deve ser situado no núcleo das relações de produção e de dominação (GUHUR; TONÁ, 2015; 2012). Conforme expressado por Ploeg (2008), a ciência tem ocultado a forma como os camponeses atuam no mundo, a partir da criação de uma imagem/modelo de empresário agrícola e da transformação da unidade agrícola familiar em empresa agrícola, integrada aos mercados de insumos e de produtos totalmente especializada e dotada de novas tecnologias. Esta crítica ao padrão de agricultura hegemônico no campo propõe, em sentido inverso, que os conhecimentos dos camponeses sejam ponto de partida na construção de conhecimentos acerca da 2

dinâmica da natureza, a fim de desenvolver tecnologias apropriadas às especificidades dos agroecossistemas e condições locais, interações ecológicas, sociais, econômicas e culturais, para então agir na sua transformação. É no bojo da luta de classes que vem se forjando uma educação e uma escola para atender aos interesses, identidades e diversidade dos sujeitos sociais do campo, a fim de promover as condições para o desenvolvimento dos seus territórios. Portanto, esta investigação pretendeu adentrar a práxis educativa do IFPA/Campus Rural Marabá, tendo como elemento central o currículo integrado e, como pano de fundo, o processo educativo desenvolvido na escola e a concepção de educação que vem sendo materializada por esta instituição de ensino. A questão balizadora de pesquisa e que orientou o desenvolvimento deste texto foi: De que forma a organização do trabalho pedagógico, no percurso formativo do curso, possibilitou a integração entre o trabalho, a ciência, a tecnologia e a cultura? Em que medida a organização do trabalho pedagógico, a partir da estratégia teórico-metodológica da alternância pedagógica, possibilitou uma vinculação com a prática social concreta dos sujeitos envolvidos? Orientando-se pelo materialismo histórico-dialético e pela abordagem qualitativa através da pesquisa documental e da observação, buscou-se, tomando como objeto de análise a organização do trabalho pedagógico no curso, analisar de que forma a dimensão do trabalho esteve articulada à formação. Na pesquisa documental foram utilizadas como fontes de pesquisa, os relatórios das alternâncias pedagógicas no curso e o Projeto Pedagógico do Curso (PPC). 2. Histórico e objetivo da experiência 2.1. O protagonismo dos sujeitos do campo e suas organizações no Sudeste Paraense A luta pela reforma agrária na mesorregião do sudeste paraense 1 evidenciou o protagonismo e fortalecimento dos sujeitos do campo e suas organizações, a partir da inserção de suas demandas na agenda política do Estado. Estas demandas se referiam, aos direitos sociais básicos, entre estes, saúde, 1 O sudeste paraense está localizado na mesorregião do sudeste do Pará e está inserido em uma das mais importantes áreas de fronteira agrícola da Amazônia Oriental. É formada por 39 municípios agrupados em sete microrregiões, sendo elas: Paragominas, Marabá, Parauapebas, Tucuruí, Redenção, Conceição do Araguaia e São Félix do Xingu, totalizando 39 municípios. A abrangência territorial desta mesorregião é de aproximadamente 297.344,257 km², com uma população estimada em mais de 1.719,989 habitantes (IBGE, 2010). 3

crédito, assistência técnica, educação, etc. às famílias nos mais de 500 2 projetos de assentamentos criados na região. No âmbito do desenvolvimento e fortalecimento dos territórios, a principal temática estava relacionada à demanda de uma formação profissional para o trabalho no campo, produzida desde a agricultura camponesa sustentável, que permitisse o aprimoramento dos aspectos técnicos da produção familiar acerca do ecossistema local, devido à ausência de instituições públicas de pesquisa agropecuária que gerasse tecnologias adequadas à realidade local e predominância de sistemas de produção pouco diversificados. Ou seja, uma formação centrada no trabalho, na apropriação dos meios de produção pelos próprios trabalhadores e na terra como meio de produzir vida e identidade (CALDART, 2010). A necessidade de organizar a juventude em torno de uma formação vinculada à realidade e interesses dos camponeses, após a conquista da terra tornou-se estratégia de permanência, projeção do futuro da terra e a melhoria produtiva do lote a partir do aprendizado técnico, científico e da organização política. Com a experiência inicial do Centro Agroambiental do Tocantins (CAT) 3, intensificou-se o plano da formação profissional e tecnológica na região, mediante a incorporação do Programa de Ciências Agrárias com a criação dos cursos de Licenciatura Plena em Ciências Agrárias (1999-2003) e Bacharelado em Agronomia (2001-2006) na Universidade Federal do Pará (UFPA), em parceria com o Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA)/Superintendência Regional (SR) - 27 e a criação de uma escola que ofertasse uma educação integrada à formação profissional aos filhos dos camponeses, no 2 Conforme dados do Sistema de Informações de Projetos de Reforma Agrária (SIPRA) (INCRA, 2015). 3 Criado no final da década de 1980 em parceria com pesquisadores da Universidade Federal do Pará (UFPA), outras instituições de ensino e pesquisa agronômica, sobretudo francesa e o movimento sindical do sudeste paraense atuando em um projeto de Pesquisa-Formação- Desenvolvimento que buscou construir uma experimentação e formação permanente de agricultores no campo da produção sustentável. Faziam parte deste programa: a Fundação Agrária do Tocantins Araguaia (FATA), a Cooperativa Camponesa do Araguaia Tocantins (COOCAT), o Laboratório Socioagronômico do Tocantins (LASAT) e a Escola Família Agrícola (EFA). 4

âmbito do movimento sindical, baseada nos princípios da agroecologia, da alternância pedagógica e do currículo integrado (MEDEIROS; RIBEIRO, 2006). O primeiro curso desenvolvido na EFA foi o Ensino Médio Profissionalizante de Técnico em Agropecuária com ênfase em Agroecologia, ofertado em parceria com a Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura (FETAGRI) - Regional Sudeste, a UFPA (Colegiados de Pedagogia e Ciências Agrárias), o INCRA SR 27, a Fundação de Amparo ao Desenvolvimento da Pesquisa (FADESP) e a Escola Agrotécnica Federal de Castanhal (EAFC). Tanto os cursos de nível superior quanto médio foram financiados pelo Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA). O acúmulo produzido por estas experiências de formação provocou a ampliação para outras áreas da Reforma Agrária na região, de forma institucionalizada. A Escola Agrotécnica Federal de Marabá 4 emergiu do processo histórico do Movimento de Educação do Campo na região a partir da articulação entre movimentos sociais, universidades e órgãos governamentais das diversas esferas (Federal, Estadual e Municipal). Fruto das experiências desenvolvidas na Escola Família Agrícola (EFA) através do PRONERA, o IFPA/Campus Rural Marabá tem como missão promover uma formação profissional e tecnológica em diferentes níveis e modalidades aos povos do campo (agricultores familiares, camponeses, agroextrativistas, quilombolas, indígenas, pescadores artesanais e ribeirinhos). Traz, como perspectiva histórica, o rompimento com práticas negadoras e silenciadoras dos saberes/conhecimentos dos sujeitos do campo e a relevância fundamental de questões acerca da realidade da agricultura familiar camponesa na região e suas possibilidades de sustentabilidade. Uma escola e uma educação, pensadas e construídas para atender aos interesses dos próprios sujeitos do campo e suas organizações colocou como finalidade educativa a rediscussão de uma Educação Profissional contra hegemônica voltada a preparar os trabalhadores para o trabalho no campo, tendo como base a agricultura, mediante a apropriação dos fundamentos da técnica e das 4 No final dos anos de 2007 foi fundada a Escola Agrotécnica de Marabá (lei n 11.534, de 25 de outubro de 2007) e através da lei n 11.892 de 29 de dezembro de 2008, com o processo de expansão da rede tecnológica, constituiu-se no IFPA, transformando-se no Campus Rural de Marabá. 5

tecnologias, a indissociabilidade entre formação geral e formação profissional e o trabalho como princípio educativo. O Curso Técnico integrado em Agropecuária (CTA) surgiu da necessidade de garantir uma formação profissional aos jovens agricultores da Reforma Agrária da região que pudesse contribuir concretamente com o desenvolvimento de suas comunidades e seus projetos de vida, mas também aprimorar os aspectos técnicos da produção camponesa, tendo em vista a complexidade dos agroecossistemas e a diversidade de situações que configuram a agricultura familiar camponesa, em consonância com a criação de novas alternativas de produções sustentáveis. 2.2. O Curso Técnico em Agropecuária e a organização do trabalho pedagógico no Campus Rural Marabá O curso técnico em agropecuária integrado ao ensino médio constituiu-se a primeira turma institucionalizada do IFPA/Campus Rural Marabá ofertada em parceria com o MST, FETAGRI- Regional Sudeste e, financiado pelo PRONERA. Referenciada pelos princípios sociopolíticos da Educação do Campo e da Agroecologia, a turma foi composta por jovens provenientes das áreas de assentamentos e acampamentos da mesorregião sudeste do Pará. O projeto educativo do IFPA/Campus Rural Marabá encontra-se orientado pela perspectiva da formação humana e tendo a escola como um todo desse projeto. A partir da estruturação de métodos pedagógicos específicos, a formação na perspectiva do currículo integrado, a partir da vinculando com as dimensões estruturantes da vida no processo educativo trabalho, ciência, tecnologia e cultura e à formação geral, técnica e política, visou recuperar as concepções de Educação Omnilateral, Educação Politécnica e Escola Unitária 5. Busca tratar-se a educação como uma totalidade social (CIAVATTA; RAMOS, 2012, p. 306). Analisou-se, neste sentido, sob as diferentes práticas formativas de organização do trabalho pedagógico na escola, a importância da vinculação na formação dos jovens camponeses com as práticas 5 Ver CALDART, Roseli Salete; PEREIRA, Isabel Brasil; ALENTEJANO, Paulo; FRIGOTO, Gaudêncio. (orgs.). Dicionário da Educação do Campo. Rio de Janeiro, São Paulo: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Expressão Popular, 2012. 6

sociais. Através do estudo dos documentos e observações, destacou-se, como categoria de análise desta prática, a organização coletiva do trabalho e como alicerces centrais desta organização escolar: a alternância pedagógica, o trabalho e a pesquisa. O percurso formativo no CTA foi estruturado em 03 ciclos pedagógicos 6, a partir da alternância pedagógica. A alternância pedagógica se refere à organização de tempos-espaços formativos, sendo eles: o Tempo-Escola, momento em que educandos/as permanecem no tempo-espaço da escola e ocorre a elaboração e sistematização da reflexão sobre as questões pesquisadas na comunidade e no lote. A pesquisa realizada pelos educandos/as no Tempo-Comunidade constitui-se a fonte principal dos estudos no Tempo-Escola; e o Tempo-Comunidade, momento de reflexão acerca da realidade e demandas da produção familiar na região, a partir da pesquisa, experimentação e ressignificação dos conteúdos escolares, dos saberes e das práticas próprias dos camponeses, visando à formação geral e técnico-profissionalizante. A organização do trabalho pedagógico na escola desenvolveu-se a partir de três ambientes educativos. O primeiro, o Grupo de Estudo e Vivência Pedagógica (GEVP) centrou-se na organização dos/as educandos/as em grupos de estudos, trabalhos e vivências pedagógicas no espaço da escola, na perspectiva de desenvolver nos educandos, valores de solidariedade, de ética, de relações humanas e o trabalho cooperativo. O segundo, o Plano de Estudo, Pesquisa e Trabalho (PEPT) consistiu na organização pelos docentes, nas orientações de atividades de estudo (leitura), trabalho (realização de reunião, experimentações na comunidade/lote, palestras e outros) e pesquisa (levantamento e sistematização de informações) com questões a serem refletidas, discutidas e aprofundadas pelos educandos no Tempo- Comunidade, sempre antecedendo as sessões pedagógicas do Tempo-Escola. O terceiro, a Experimentação Agroecológica na escola, através das Unidades de Integração Ensino, Pesquisa e Extensão (UNIEPE s), baseou-se na vivência teórica e prática, mediante a 6 I Ciclo: Diagnóstico sociocultural e agroambiental do Campus Rural de Marabá e do PA 26 de Março; II Ciclo: Sistemas de Produção e Experimentação; e, III Ciclo: Desenvolvimento territorial no campo e a função mediadora da Assessoria Técnica, Social e Ambiental (ATES) (Ações de desenvolvimento sustentável para a agricultura familiar (IFPA/CRMB, 2009). 7

construção da experimentação concreta relacionadas às problemáticas e desafios trazidos pelos educandos do Tempo-Comunidade para o Tempo-Escola, relacionados aos aspectos produtivos na comunidade e/ou unidade familiar produtiva. Considera-se que, o conjunto de atividades desenvolvidas durante o percurso formativo do curso materializou uma formação pelo trabalho ao provocar nos educandos reflexões sobre as formas de trabalho que constituem a sociedade atual, a partir dos processos reais vivenciados na realidade (no assentamento, no lote, nas organizações sociais etc.). Além disso, o trabalho na escola, ao assumir uma perspectiva diferenciada apontou caminhos para o estabelecimento de novas relações sociais, entre elas, vivencias no trabalho cooperativo. Portanto, a forma como trabalho pedagógico foi organizado na escola permitiu dois movimentos indissociáveis: o primeiro, no âmbito da própria escola, por meio da auto-organização dos estudantes, gestão e funcionamento da escola, experimentação prática; e, o segundo, no âmbito dos assentamentos/acampamentos e dos lotes através da apreensão ressignificada dos conteúdos escolares em conexão com a vida concreta dos sujeitos. Uma formação baseada no trabalho, na cultura, na tecnologia e na ciência, exigiu do Campus uma nova organização curricular e o estabelecimento de um conjunto de metodologias e práticas pedagógicas que valorizasse os conhecimentos dos camponeses, a partir do momento que ocupou o espaço escolar, historicamente invisibilizado, ressignificando os conteúdos escolares e os processos de trabalho desenvolvidos pelos sujeitos do campo que participaram do processo formativo. Este reconhecimento da escola constitui-se como fundamental importância, na medida em que, engajando-se na construção de uma matriz produtiva camponesa, extrapolou este espaço físico, ao dialogar de forma permanente com outros espaços e tempos dos sujeitos, onde também a construção do conhecimento pode fundamentar uma nova matriz produtiva. Por fim, destaca-se que a cultura camponesa esteve fortemente enraizada no percurso formativo do curso, ao trazer para dentro do espaço escolar os sujeitos sociais, suas histórias e seus saberes produzidos a partir da realidade concreta, transformando a escola em um lugar da memória camponesa. 8

Referências ALENTEJANO, Paulo. Modernização da Agricultura. In: CALDART, Roseli Salete; PEREIRA, Isabel Brasil; ALENTEJANO, Paulo; FRIGOTO, Gaudêncio. (orgs.). Dicionário da Educação do Campo. Rio de Janeiro, São Paulo: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Expressão Popular, 2012. CALDART, Roseli. Educação Profissional na perspectiva da Educação do Campo (Proposições para o debate de concepção). In Caminhos para transformação da Escola: reflexões desde práticas da licenciatura em educação do campo. CALDART (org.); FETZNER et. al. 1ª Ed. São Paulo: Expressão Popular, 2010. CIAVATTA, Maria; RAMOS; Marise. Ensino Médio Integrado. In: CALDART, Roseli Salete; PEREIRA, Isabel Brasil; ALENTEJANO, Paulo; FRIGOTO, Gaudêncio. (orgs.). Dicionário da Educação do Campo. Rio de Janeiro, São Paulo: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Expressão Popular, 2012. GUHUR, D. M. P.; TONÁ, N. Agroecologia. In: Alimentação Saudável: um direito de todos. Jornada Cultural Nacional. São Paulo: MST, 2015 (Boletim da Educação, nº 13, Dezembro de 2015). Agroecologia. In: CALDART, Roseli Salete; PEREIRA, Isabel Brasil; ALENTEJANO, Paulo; FRIGOTO, Gaudêncio. (orgs.). Dicionário da Educação do Campo. Rio de Janeiro, São Paulo: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Expressão Popular, 2012. IFPA. Projeto Pedagógico do Curso Técnico em Agropecuária. Marabá Pará, 2009. INCRA. Sistema de Informações de Projetos de Reforma Agrária. Brasília: INCRA (SR-27), 2015. MEDEIROS, Evandro; RIBEIRO, Beatriz. Articulação de tempos-espaços e saberes na proposta de formação de jovens camponeses no sudeste do Pará. CONTAG: Brasília, DF, 2006.Disponívelemhttp://www.contag.org.br/imagens/f306Tempos_%20e_%20espacos_%20na_%20f ormacao_de_camponeses.pdf Acesso em 30 de junho de 2012. PLOEG, Jan Dowe van der. Camponeses e impérios agroalimentares: lutas por autonomia e sustentabilidade na era da globalização. (Tradução Rita Pereira). Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2008. ROLO, Márcio; RAMOS, Marise. Conhecimento. In: CALDART, Roseli Salete; PEREIRA, Isabel Brasil; ALENTEJANO, Paulo; FRIGOTO, Gaudêncio. (orgs.). Dicionário da Educação do Campo. Rio de Janeiro, São Paulo: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Expressão Popular, 2012. 9

10