LAHIRE, Bernard, Homem plural: os determinantes da ação. Tradução de: Jaime A. Clasen. Petrópolis : Vozes, 2002.

Documentos relacionados
Educar em Revista ISSN: Universidade Federal do Paraná Brasil

1 Uma pesquisa realizada pela professora Marília Silva, revela a evidência de um habitus professoral no

Entrevista com Bernard Lahire

CURSO: PEDAGOGIA EMENTAS PERÍODO

O ACESSO E PERMANÊNCIA DE JOVENS DE ORIGEM POPULAR NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DA BAHIA RESUMO

Nome da disciplina: Formação de grupos sociais diálogos entre sociologia e psicanálise Créditos (T-P-I): (2-0-2) Carga horária: 24 horas

Método fenomenológico de investigação psicológica

PPGED-UFPA Vitor Sousa Cunha Nery 26/01/2017 EDUCAÇÃO CULTURA E SOCIEDADE. O PODER SIMBÓLICO: conceito de habitus PIERRE BOURDIEU

JUVENTUDE E ESCOLA (RELAÇÃO JUVENTUDE E ESCOLA)

RESENHA. CHARLOT, Bernard. Da relação com o saber: elementos para uma teoria. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, João Henrique da Silva 1

Saúde e espaço social: reflexões Bourdieusianas. Ligia Maria Vieira da Silva Instituto de Saúde Coletiva - UFBa

PROJETO CINEMAPSI: ESTRATÉGIA DE PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO EM PSICOLOGIA

Habilidades Cognitivas. Prof (a) Responsável: Maria Francisca Vilas Boas Leffer

Referência Bibliográfica: SOUSA, Charles Toniolo de. Disponível em <

1. Entre o obje.vismo e o subje.vismo UM DILEMA NA TEORIA DA AÇÃO SOCIAL E DO ATOR SOCIAL

Em defesa de uma sociologia em escala individual

CURSO: PEDAGOGIA EMENTAS º PERÍODO

JUVENTUDE RURAL, ESCOLA E PROJETOS DE VIDA

DA RELAÇÃO COM O SABER

OS PENSADORES DA EDUCAÇÃO

ESCOLA SONHO DE CRIANÇA PROPOSTA PEDAGÓGICA DA ESCOLA SONHO DE CRIANÇA

Psicologia da Educação. A Teoria Sociocultural do desenvolvimento e da Aprendizagem

Conteúdos e Didática de História

BENS CULTURAIS E SIMBÓLICOS E A EDUCAÇÃO EM PIERRE BOURDIEU

2 Trajetória da pesquisa

REFLEXÕES SOBRE PRÁTICAS DE LETRAMENTO EM CONTEXTOS SOCIAIS BILÍNGUES

RESENHA. O livro tem como objetivo apresentar um mapa das chamadas sociologias

Ementas curso de Pedagogia matriz

EDUCAÇÃO AMBIENTAL E CONHECIMENTOS TECIDOS NO COTIDIANO DE UMA ESCOLA PÚBLICA DA REGIÃO SUL FLUMINENSE

RELATÓRIO: TRIMESTRAL JANEIRO A ABRIL DE 2011

Agente de transformação social Orientador do desenvolvimento sócio-cognitivo do estudante Paradigma de conduta sócio-política

A CONSTITUIÇÃO DA SUBJETIVIDADE DA CRIANÇA: UMA REFLEXÃO SOBRE A CONTRIBUIÇÃO DA ESCOLA 1

XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

PORTARIA Nº 29, DE 20 DE DEZEMBRO DE 2017

[T] A identidade em psicologia social: dos processos identitários às representações sociais

10 Ensinar e aprender Sociologia no ensino médio

INGRESSO E PERMANÊNCIA NA UNIVERSIDADE PÚBLICA: A LUTA DOS ESTUDANTES DAS CAMADAS POPULARES

uma conexão a explorar Bruno Moretti * CANDIDO, Antonio. Literatura e sociedade. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, p.

APONTAMENTOS SOBRE A CONSTITUIÇÃO DA AUTORIA EM RESENHAS ACADÊMICAS

TÉCNICAS DE ESTUDO E PESQUISA TÉCNICAS DE ESTUDO E PESQUISA

PENSAMENTOS DE PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS SOBRE SABERES DOCENTES: DEFINIÇÕES, COMPREENSÕES E PRODUÇÕES.

Seminário A infância em debate. Uma leitura a partir de Portugal: resposta educativa para as crianças dos 3 aos 6 anos. Salamanca 27 a 30 Abril 2015

Matemática. 1 Semestre. Matemática I 75h. Ementa: Estuda as noções de conjuntos e de funções polinomial, modular, racional, exponencial e logarítmica.

responsável pela diferença inicial das crianças diante da experiência escolar e, conseqüentemente, pelas taxas de êxito. (BOURDIEU, 1999, p.

ENTREGAR ESSE ROTEIRO DIRETAMENTE AO PROFESSOR DA DISCIPLINA. DATA DA ENTREGA: até 26/09/18 (QUARTA-FEIRA)

Habilidades Cognitivas. Prof (s): Maria Francisca Vilas Boas Leffer

DIRETOR DE ESCOLA: A CONSTRUÇÃO DA SUA IDENTIDADE PROFISSIONAL E OS DESAFIOS DA SUA FUNÇÃO

RESUMO. A tese intitulada Educação e prevenção ao abuso de drogas: limites e possibilidades

Formação de grupos sociais diálogos entre Sociologia e Psicanálise

CONCEPÇÕES SOBRE O PEDAGOGO NA FORMAÇÃO ESCOLAR: UM OLHAR SOBRE A COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA

Currículo Integrado: Os desafios do PROEJA Componentes curriculares do processo ensino aprendizagem

Experiências de corpo inteiro: Contribuições de Wallon para a educação

Desejo, afetividade e aprendizagem na perspectiva de Piaget 1

Como pesquisar em educação a partir da complexidade e da transdisciplinaridade?

Sociologia 4 2 Semestre 2017

Componentes Curriculares: Letras Português. 1º Período CÓDIGO CRÉDITOS CARGA HORÁRIA P R O G R A M A

INTRODUÇÃO 12.º ANO ENSINO SECUNDÁRIO OFICINA DE ARTES APRENDIZAGENS ESSENCIAIS ARTICULAÇÃO COM O PERFIL DOS ALUNOS

EMENTÁRIO º PERÍODO EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ETNICORRACIAIS

Material Para Concurso

João Teixeira Lopes (org.) (2012), Registos do Ator Plural. Bernard Lahire na Sociologia Portuguesa

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA

AGRUPAMENTO de ESCOLAS de SANTIAGO do CACÉM Ano Letivo 2015/2016 FILOSOFIA 10º ANO PLANIFICAÇÃO ANUAL

Dinâmica Curricular 2011 versão 8

EVIDENCIANDO O SENSO COMUM COM A RELAÇÃO DE DUAS TEORIAS: REPRESENTAÇÃO SOCIAL E RELAÇÃO COM O SABER

AGRUPAMENTO de ESCOLAS de SANTIAGO do CACÉM Ano Letivo 2017/2018 FILOSOFIA 10º ANO PLANIFICAÇÃO ANUAL

O Serviço Social na cena contemporânea. Profª. Jussara Almeida

Seminário de Metodologia da Pesquisa. Mestradas: Angela Ubaiara Cíntia Cascaes

Palavras-chave: Sentidos. Prática Docente. Exercício Profissional.

Recomendada. Coleção Geografia em Construção. Por quê? A coleção. Na coleção, a aprendizagem é entendida como

INVESTIGAÇÃO QUALITATIVA EM EDUCAÇÃO IFRN/UERN/UFERSA MESTRADO EM ENSINO METODOLOGIA DA PESQUISA EM ENSINO

O MOVIMENTO DOS ESTUDANTES DE UMA TURMA DE PRIMEIRO ANO DE ENSINO MÉDIO: ENTRE OS MOMENTOS DE ESTUDOS E AS MOTIVAÇÕES

PERSPECTIVAS DO ENSINO DE FILOSOFIA NO ENSINO MÉDIO.

A MANUTENÇÃO DO BILINGUISMO PORTUGUÊS/ POLONÊS: UM ESTUDO DA PRODUÇÃO ORAL E ESCRITA DE SEIS FAMÍLIAS BILÍNGUES NO MUNICÍPIO DE DOM FELICIANO/ RS.

DIDÁTICA DAS CIÊNCIAS HUMANAS II PC h

Importância e caracterização da Psicologia da Educação. Profa. Cibelle Celestino Silva

SABER AMBIENTAL E AS PRÁTICAS EDUCATIVAS A CONTRIBUIÇÃO DE ENRIQUE LEFF 1. Janaína Soares Schorr 2, Daniel Rubens Cenci 3.

IV Jornada Brasileira de Sociologia e I Jornada Brasileira de Ciência Política De 3 a 5 de novembro de 2015 Pelotas - UFPel - RS

ESCOLARIZAÇÃO E CLASSES SOCIAIS: ESTRATÉGIAS DE REPRODUÇÃO DOS GRUPOS VIA PROCESSO DE ESCOLARIZAÇÃO SETTON, Maria da Graça Jacintho USP

Curso: Ciência da Computação Faculdade Anglo-Americano

HISTÓRIAS DE VIDA E AS ESTRATÉGIAS DE SUCESSO ESCOLAR DE ALUNOS ORIUNDOS DAS CLASSES POPULARES

Rosangela Ramos AVALIAÇÃO DIAGNÓSTISCA E NIVELAMENTO. 07/02/2019 DE 14:00 ÀS 16:00 Horas

Análise Social 3. Desigualdades Sociais ESCS Sistemas de desigualdades

FAMÍLIA E EDUCAÇÃO: REFLEXÕES SOBRE A CONTRIBUIÇÃO FAMILIAR NO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM. Resumo

COLÉGIO MAGNUM BURITIS

Título: Viajando pelo Universo da Leitura Justificativa:

Matemática. EMENTA: Estuda as noções de conjuntos e de funções polinomial, modular, racional, exponencial e logarítmica.

EMENTA OBJETIVOS DE ENSINO

Universidade Federal de Uberlândia Núcleo de Estudos em Planejamento e Metodologias do Ensino da Cultura Corporal - Nepecc/UFU

A LINGUAGEM NO CENTRO DA FORMAÇÃO DO SUJEITO. Avanete Pereira Sousa 1 Darlene Silva Santos Santana 2 INTRODUÇÃO

Valores e Bases Teóricas da Educação. Profª Ana Maria L. Daibem Profª Elisabete Cardieri

CURSO DE MESTRADO CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO PESQUISA EM EDUCAÇÃO

PRÓ-REITORIA ACADÊMICA ESCOLA DE EDUCAÇÃO, TECNOLOGIA E COMUNICAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇAO STRICTO SENSU EM EDUCAÇÃO

A FORMAÇÃO DO EDUCADOR DE JOVENS E ADULTOS E OS DESAFIOS NA CONSTRUÇÃO DE SUA IDENTIDADE DOCENTE

NÚCLEO TEMÁTICO I CONCEPÇÃO E METODOLOGIA DE ESTUDOS EM EaD

Escola Secundária 2-3 de Clara de Resende COD COD

TÍTULO: A EXPOSIÇÃO ARQUEOASTRONOMIA PRÉ-COLOMBIANA COMO PROVOCADORA NA APROPRIAÇÃO DO CONHECIMENTO E IDENTIFICAÇÃO CULTURAL

Romances latino-americanos subversivos: leitura e escrita a contrapelo da

PARÂ M TROS CURRICU LAR NACION IO AIS

AS RELAÇÕES CONSTITUTIVAS DO SER SOCIAL

Transcrição:

LAHIRE, Bernard, Homem plural: os determinantes da ação. Tradução de: Jaime A. Clasen. Petrópolis : Vozes, 2002. Davi Marangon* Bernard Lahire é sociólogo, professor na Universidade Lumière Lyon II, membro do Instituto do Universitário da França e pesquisador do Grupo de Pesquisa sobre socialização do Conselho Nacional Francês de Pesquisas Sociais. Tornou-se conhecido no Brasil pela publicação da obra Sucesso escolar em meios populares: razões do improvável. O autor inscreve-se dentro de uma linha sociológica crítica que procura estudar o indivíduo como construção singular do social, que atravessa diferentes contextos de socialização, incorporando diferentes formas de agir. Alimenta a idéia de que toda a teoria da ação é, em realidade, uma teoria política, pois, ao se indagar sobre o agir tornam possível a sua mudança, de maneira que seja mais virtuoso e democrático. Na obra o homem plural o autor nos convida a uma instigante reflexão a respeito das diferentes teorias da ação social, traçando um quadro no qual aparecem novas pistas de investigação em que os achados científicos, restritos ou amplos, não podem e não devem ser generalizados. Aponta para as tensõ em delinear uma crítica profunda e consistente de alguns de seus pressupostos. Desta forma, Lahire, vai estabelecer um diálogo com diversos autores de diferentes teorias da ação, dedicando uma atenção especial ao pensamento de Pierre Bourdieu e a sua teoria da prática e do habitus. Apesar de ter nutrido sua própria posição s ociológica nas idéias de Bourdieu, vai lançar sobre ele sua crítica procurando ao mesmo tempo dialogar com seus conceitos e contra eles na perspectiva de ultrapassá-los. A proposta principal do autor foi estabelecer as primeiras noções de uma teoria do ator plural. Procurou delinear sua teoria buscando apoios sociológicos, históricos, filosóficos e psicológicos, sem que suas referên- * Mestrando em Educação na Universidade Federal do Paraná, na linha de pesquisa Saberes, Cultura e Práticas Escolares, sob a orientação da professora Doutora Leilah Santiago Bufrem. Educar, Curitiba, n. 22, p.???-???. 2003. Editora UFPR 409

cias sejam homogêneas ou inscritas num único campo de saber. No entanto, não pretende que haja um caráter pluri ou interdisciplinar nas aparentes misturas, e sim que estejam a serviço da construção coerente da reflexão sociológica. Sua preocupação explícita foi evitar a teorização inconsciente e a generalização de um caso particular do real, como ocorre com as teorias evocadas. A obra está dividida em quatro partes designadas por Atos. O primeiro ato denominado Esboço de uma teoria do ator plural se subdivide em quatro cenas que traçam os principais elementos de sua teoria, são elas: o ator plural; os determinantes da ação; analogia e transferência; a experiência literária: leitura, sonhos e atos falhos. O segundo ato descreve o lugar da linguagem na teoria da ação e se intitula Reflexividades e lógicas de ação, é constituído por ter cenas como se segue: escola, ação e linguagem; as práticas ordinárias de escrita em ação; pluralidade das lógicas de ação. O terceiro ato procura estabelecer como ocorre o processo de interiorização do social designado por As formas de Incorporação, composto de duas cenas: o lugar da linguagem; o que se incorporam? O quarto e último ato, Oficinas e debates, refere-se à emergência de uma sociologia psicológica e dos contextos de pertinência dos estudos, é composto por duas cenas: a sociologia psicológica; campos de pertinência. Estabelece um eixo de análises que gira em torno das teses da unicidade e da homogeneidade do mundo social, salientando que não há nenhuma evidência empírica que as confirme. Defende, em contra partida, a posição que faz articulação entre a heterogeneidade e multiplicidade de nossos sistemas de hábitos incorporados ligados aos diferentes domínios de práticas existentes e universos sociais que atravessamos. Portanto, o ator não é socializado por uma única forma geradora ou princípio único de todas as práticas, como afirma Bourdieu, e sim numa pluralidade de mundos sociais com princípios de socialização heterogêneos e, às vezes contraditórios. No entanto, a mais evidente sustentação de suas críticas está nas generalizações abusivas que as diferentes teorias da ação têm feito de seus resultados, principalmente a teoria de Bourdieu. Assim sendo, vai resgatar a noção de habitus e de campo em Bourdieu, procurando relativizar a universalidade e durabilidade presentes na sua conceituação. Originalmente o habitus tem como campo de pertinência sociedades fracamente diferenciadas (préindustriais e pré-capitalistas) e com baixo grau de objetivação e codificação, não sendo a ferramenta adequada para ser utilizada em sociedades complexas que produzem necessariamente atores mais diferenciados, confrontan- 410 Educar, Curitiba, n. 22, p.???-???. 2003. Editora UFPR

do-se com situação heterogêneas, correntes e até contraditórias do ponto de vista da socialização que desenvolvem. A teoria do ator plural estabelece, também, limites à teoria de campo ao afirmar que não se pode reduzir aos seus hábitos de campo, uma vez que, suas experiências vão além daquelas que podem ser vividas no âmbito de um campo, sobretudo se estão fora de campo.a teoria do campo representa uma forma regional do mundo social relacionada mais especificamente ao domínio das atividades profissionais. Na teoria do ator plural os esquemas de ação são sínteses de experiências sociais que foram constituídas e incorporadas durante uma socialização anterior (passado) em diferentes contextos; eles ficam suspensos depositados e à disposição à espera dos desencadeadores de sua mobilização em contextos específicos no momento presente, A s transferências e transposições dos esquemas de ação são raramente transversais ao conjunto dos contextos sociais, mas efetuam-se no interior dos limites imprecisos de cada contexto social. Na visão do autor no hábito como esquema de ação, ao contrario do que determina o senso prático de Bourdieu, não se põe a reflexividades ou à consciência. Quando postos em ação os hábitos corporais, gestuais, sensório-motores podem deixar o campo de consciência livre para os hábitos de reflexão, de conversação interna. Assim sendo, é possível falar de diferentes lógicas de ação: aquelas ligadas ao senso prático e aquelas ligadas a reflexividade da ação. Grande parte das constatações feitas pelo autor vieram de suas reflexões e estudos sobre as práticas de escrita em ação. Para ele, a escrita faz ruptura com o senso prático na medida em que é uma exceção cotidiana com relação ao ajustamento pré-reflexivo do senso prático a uma situação atual. Desta forma, o registro escrito, como imediatismo das práticas cotidianas; é possível, então, refletir e registrar o planejamento, programar a atividade e organiza-la num período de tempo mais ou menos longo. Procura ao longo dos capítulos ultrapassar os componentes presentes na conceituação do habitus através de uma rica gama de constatações empíricas. Entre os principais elementos analisados estão as noções de disposições, esquemas de ação ou hábitos, incorporação e transferibilidade. Para cada um desses elementos vai tecer suas criticas, relativizando-os e definindo como aspectos fundamentais de sua elaboração uma necessária reflexão sobre as diferentes formas de reflexividade na ação, a pluralidade das lógicas da ação, o lugar da linguagem no estudo da ação, as diferentes Educar, Curitiba, n. 22, p.???-???. 2003. Editora UFPR 411

formas e os processos pelos quais ocorre a incorporação e interiorização do social pelo indivíduo. O autor afirma que os conceitos que procuram focar o estudo sociológico cada vez mais individualizado no ator, foram tomados de empréstimo de uma psicologia piagetiana sem os questionamentos necessários para superar suposições sem base empírica. É assim que ele vai reivindicar para a sociologia um programa de pesquisa e estudo sobre a construção das estruturas internas ao ator, tornando o psiquismo individual seu objeto. Portanto o que ocorre é um deslizamento no foco da escala de contextualização do grupo social mais extenso para o indivíduo mais singular. Assim abre-se um novo campo de investigação denominado pelo autor de sociologia psicológica, na qual o essencial reside no modo sociológico de tratamento do sujeito. É importante acentuar que o social não se reduz às relações sociais entre grupos e principalmente às diferenças socioprofissionais, socioeconômicas ou, ainda, socioculturais, se não se quiser deixar de pensar que as diferenças mais finas não são mais socialmente engendradas e que, por conseguinte as estruturas cognitivas, emotivas, sensíveis..., Individuais estão fora da intelecção sociológica. O social é a relação. (LAHIRE, 2002, p.197) Lahire demonstrou coragem ao questionar, contradizer, refutar e acrescentar novos ângulos em relação a um pensamento clássico como o de Pierre Bourdieu. Suas teses ajudam a evitar abusos nas generalizações em nossos estudos. No entanto, ao fazer suas críticas procurando contrapor a pluralidade à unicidade do ator e a homogeneidade do mundo social, acabou caindo no reducionismo que ele mesmo criticou em Bourdieu. Uma leitura mais concreta e coerente do real vai constatar que a complexidade das experiências sociais são, a um só tempo, homogêneas e heterogêneas, e que a unicidade e a pluralidade são tecidas juntas na formação do indivíduo. Somos singulares e plurais. Um dos méritos da obra foi reunir uma grande quantidade de exemplos recolhidos principalmente da pesquisa empírica. O que é particularmente importante dentro deste livro é o constante apelo ao cotidiano, ao trivial e rotineiro, à análise empírica do mais próximo. Neste sentido, as relações sociais podem ser entendidas como fenômenos de interdependência 412 Educar, Curitiba, n. 22, p.???-???. 2003. Editora UFPR

que podem ser reconstruídos nos diferentes contextos de convivência, ajudando a compreender melhor como se constroem nossos diferentes esquemas de ação, sejam eles ligados ao senso prático, pré-reflexivo, ou reflexivo. A leitura se torna agradável devido à clareza e ao rigor das análises, feitas através de muitas citações; as metáforas utilizadas foram muito justas, sempre tomando o cuidado de apontar os seus limites. É uma obra que se torna importante não só para aqueles que se interessam pelo debate sociológico, mas para todos os que se interessam em compreender e interferir nos determinantes de nossas ações em diferentes contextos complexos, singulares e plurais. Educar, Curitiba, n. 22, p.???-???. 2003. Editora UFPR 413