INTERFACES DA METACOGNIÇÃO, ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO

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Transcrição:

INTERFACES DA METACOGNIÇÃO, ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO Gisleyne Cássia Portela Costa; Dr.ª Mirtes Ribeiro de Lira. Universidade de Pernambuco; gisleyneportela@hotmail.com, mirtes.lira@upe.br Resumo: Este artigo tem por objetivo refletir sobre a importância de se conceber relação entre o caráter cognitivo e social da língua para o processo de ensino e aprendizagem. Para isso, o conceito de metacognição se torna relevante como sendo um dos cernes no ensino de língua materna, visto que ensinar e aprender língua materna é, desde o processo inicial da alfabetização ao intermitente processo de letramento, tornar mais consciente o que já se sabe na prática que é se comunicar. Essa tomada de consciência para o ensino de língua na dimensão cognitiva encontra respaldo nos estudos sobre a metacognição e em sua dimensão social dialogo com o letramento ideológico, crítico, no qual se concebe os sujeitos como agentes e protagonista em sua língua. Palavras Chaves: Metacognição; Alfabetização; Letramento. (83) 3322.3222 contato@conedu.com.br www.conedu.com.br

INTRODUÇÃO A linguagem humana se funda sobre dois alicerces incontestável, sua dimensão social e cognitiva, ainda que não seja pacífico entre os teóricos se uma dimensão se sobrepõe a outra ou se na verdade elas se fundem indissociavelmente. Esse é o pressuposto dialético deste artigo ao tratar da dimensão cognitiva, de que subjaz a todo ato cognitivo da linguagem: o substrato social. No âmbito escolar, especificamente no ensino de Língua Portuguesa, a noção de metacognição se presta a dois processos fundamentais, a alfabetização e ao letramento. O objetivo deste trabalho consiste em uma reflexão sobre a relação entre essas três categorias: a metacognição, alfabetização e letramento; partindo de seus conceitos a sua aplicação pedagógica fundamentada na teoria do letramento. Sobre a luz das teorias do letramento, podemos refletir de forma mais crítica, em que medida ter consciência sobre os processos cognitivos que estão envolvidos na aquisição da escrita (sua leitura e produção) determinam o sucesso de tal aquisição em seus processos de ensino e aprendizagem, além de se refletir as consequências individuais e sociais de se ter o controle dos processos cognitivos da escrita. 1 Metacognição Segundo Silva (2014), o americano John Hurley Flavell, especialista em desenvolvimento cognitivo infantil, foi o primeiro a sistematizar os estudos da metacognição. O teórico foca seus estudos e pesquisas na metacognição e sua relação com a aprendizagem. De forma mais genérica, entende-se por metacognição o pensar sobre o pensamento (SILVA, 2014); ou ainda a cognição sobre a cognição (DAVIS et al.,2005). Davis (et al.,2005) ainda destacam que por cognição deve entender mais como um processo de conhecimento do que os conhecimentos resultantes desse processo, enquanto que metacognição se caracteriza quando os processos mentais são alvo da reflexão. No entanto, Veenman, Van Hout-Wolters & Afflerbach (apud SILVA, 2014) chamam a atenção para o equívoco de se achar que metacognição seja uma atividade cognitiva de ordem superior à cognição, sendo aquela supervisionando esta. Na verdade, a metacognição só é possível por causa da própria cognição.

As discussões em torno da conceitualização de metacognição também se voltam para dois aspectos que tornam o termo polissêmico, pois metacognição pode ser tanto o conhecimento da cognição (FLAVELL apud LOCATELLI, 2014) quanto à regulação da cognição. Em outros termos, pode-se dizer que ter consciência a cerca da cognição possibilita o monitoramento da própria cognição para se atingir um objetivo. Nessa perspectiva, Flavell (apud DAVIS et al., 2005) afirma que há dois componentes centrais na noção de metacognição: o conhecimento cognitivo que é a maneira pela qual o pensamento e as funções superiores tais como atenção, memória, raciocínio, compreensão atuam na resolução de um problema; e as experiências cognitivas que são os processos pelos quais se é capaz de exercer controle e auto-regulação durante a tarefa de resolução de um problema, permitindo ao sujeito tomar consciências do desenrolar da sua própria atividade. Partindo da tomada de consciência sobre a cognição às ações de seu monitoramento, Davis et al. (2005) enfatizam que a noção de metacognição tem papel fundamental na implementação de uma cultura do pensamento, pois assim é possível construir conhecimentos, habilidades e transferir determinadas estratégias. Para Flavell (apud SILVA, 2014, p. 49): A metacognição tem um papel importante na informação oral, no convencimento oral, na compreensão da leitura e escrita, na aquisição da linguagem, na atenção, na memória, na resolução de problemas, na cognição social e em vários tipos de autocontrole e autoinstrução. No âmbito escolar, Silva (2014) enfatiza a importância da metacognição como noção geral que pode ser instruída em diversas situações de aprendizagem; e de forma mais específica, cada disciplina com suas peculiaridades, pode se valer de atividades fundamentadas na metacognição. Entretanto, faz-se necessário que o professor entenda a distinção entre habilidade metacognitiva como sendo algo inato, de estratégia metacognitiva como algo intencional. Esse fato fundamenta a afirmativa de Kleiman (2000) de que não se pode ensinar um processo cognitivo tal como compreender um texto, porém destaca que o papel do professor nesse contexto é criar oportunidade que permitam o desenvolvimento desse processo cognitivo, sendo que essas oportunidades poderão ser melhor criadas na medida em que o processo seja melhor conhecido (2000, p. 9). Faz-se necessário que o professor conheça a dimensão cognitiva da linguagem para ser um facilitador na vida escolar dos alunos desde o processo de alfabetização ao processo de letramento. 2 Alfabetização e cognição

Segundo Soares (2014a), ultimamente, o conceito de alfabetização tem sido demasiado abrangente, considerando-o como um processo permanente, que se estenderia por toda a vida, que não se esgotaria na aprendizagem da leitura e da escrita, o que chega a se confundir com o processo de letramento. A autora considera que é necessário entender a aprendizagem de língua materna como um processo permanente, entretanto enfatiza que é também necessário diferenciar um processo de aquisição da língua, tanto oral quanto escrita, de um processo de desenvolvimento da língua. Ela ressalta que, etimologicamente, o termo alfabetização significa tão somente levar à aquisição do alfabeto, ou seja, ensinar o código da língua escrita, ensinar as habilidades de ler e escrever. Além disso, na dimensão pedagógica, atribuir um significado muito amplo ao processo de alfabetização seria, segundo Soares (2014a), negar-lhe a especificidade, dificultando o entendimento do que são as habilidades básicas de leitura e escrita. Por tanto, alfabetização no seu sentido próprio, específico é para a autora (2014a, p. 15): o processo de aquisição do código escrito e das habilidades de leitura e escrita. Ao observar como algumas teorias que abordam a natureza cognitiva do fenômeno da alfabetização, Soares (2014a) destaca as perspectivas psicológica, psicogenética e a psicolinguística. Segunda a autora, a perspectiva psicológica, tradicionalmente, enfatizou as relações entre inteligência (QI) e a alfabetização. Essa justificou o sucesso e o fracasso na alfabetização por uma ideologia do dom. A aprendizagem da leitura e escrita dependeria do QI e aptidões específicas; portanto, a responsabilidade do fracasso no processo de alfabetização se devia às difusões psiconeurológicas que acarretam distúrbios como afasia, dislexia, disgrafia, disortografia. Apesar de essa perspectiva já ter sido superada por outros estudos, ainda encontramos seus indícios negativos disseminados na escola. Quando se fala na importância do entendimento dos aspectos cognitivos da linguagem, tem-se que ter cautela de não incorrer no equívoco de patologizar qualquer suposto fracasso no processo de ensino e aprendizagem. A abordagem psicogenética superou as limitações dessa abordagem fisiológica. Na perspectiva psicogenética, cujo um dos maiores expoente é Emília Ferreiro fundamentada na Psicologia Genética de Piaget, o sucesso ou fracasso da alfabetização relaciona-se com o estágio de compreensão da natureza simbólica da escrita em que se encontra a criança. Essa perspectiva cognitiva da alfabetização aproxima-se muito dos estudos psicolinguísticos a respeito da leitura e da escrita.

Segundo Soares (2014a, p. 19), os estudos psicolinguísticos se voltam para análise de problemas, tais como a caracterização da maturidade linguística da criança para aprendizagem da leitura e da escrita; as relações entre linguagem e memória; a interação entre a informação visual e não visual no processo da leitura; a determinação da quantidade de informação que é apreendida pelo sistema visual, quando a criança lê, entre outros. Na perspectiva linguística, o processo de alfabetização é, fundamentalmente, um processo de transferência da sequência temporal da fala para a sequência espaço-direcional da escrita, e de transferência da forma sonora da fala para a forma gráfica da escrita. (Silva apud Soares, 2014a, p. 21). Como não correspondência plena entre sistema fonológico e sistema ortográfico, o processo de alfabetização significa um progressivo domínio das regularidades e irregularidades da língua. A partir do conceito de alfabetização como aquisição, há de se fazer uma consideração do duplo sentido dos atos de ler e escrever. A princípio, ler e escrever podem significar o domínio da mecânica da língua escrita, nessa perspectiva alfabetizar é decodificar a língua escrita em língua oral (ler) e adquirir a habilidade de codificar a língua oral em língua escrita (escrever). Isso requer, desde o processo de alfabetização, reflexão sobre a língua, ou consciência linguística não deixa de ser um processo metacognitivo. Vários estudos em torno da aquisição da escrita, como o de Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1999), demonstram que crianças, mesmo antes de serem alfabetizadas, já fazem reflexões sobre a língua na sua modalidade escrita, criando hipóteses baseadas em sua oralidade e em atividades letradas já vivenciadas. Para a Linguística, em síntese, alfabetização seria um processo de representação de grafemas em fonemas (ler) e de fonemas em grafemas (escrever). Ler e escrever também podem significar apreensão e compreensão de significados expressos em língua escrita (ler) ou expressão de significados por meio da língua escrita (escrever). Entretanto, Soares (2014a) chama atenção para o fato de que ambos os conceitos são parcialmente verdadeiros. Primeiramente a escrita não é mera representação da língua oral, pois não há uma correspondência plena entre fonemas e grafemas, além de haver na língua escrita as dimensões morfológica, sintática e semântica. Em segundo lugar, os problemas de compreensão/expressão da língua escrita são diferentes dos problemas de compreensão/expressão da língua oral. Até aí, a autora supracitada afirma que a alfabetização está restrita à sua dimensão individual. Em sua dimensão social, a conceito de alfabetização não é o mesmo em todas as sociedades. Assim o conceito de alfabetização depende de características culturais, econômicas e tecnológicas. Segundo Soares (2014a), uma teoria coerente da alfabetização deve considerar além da abordagem

mecânica de ler e escrever; o enfoque da língua escrita como um meio de expressão/compreensão, com especificidades e autonomia em relação à língua oral, e ainda, os determinantes sociais das funções e fins da aprendizagem da língua escrita. Portanto, é necessário que a noção de letramento como prática social perpasse as atividades didáticas, desde o processo de alfabetização, no ensino de língua para superar certo automatismo. 3 Letramento e cognição Segundo Kleiman (2012), no princípio, os estudos do letramento se debruçavam em analisar as mudanças políticas, sociais, econômicas e cognitivas relacionadas com o uso extensivo da escrita nas sociedades tecnológicas. Sintetizando um panorama dos estudos sobre o letramento, a autora afirma que o conceito de letramento começou a ser usado nos meio acadêmicos numa tentativa de separar os estudos sobre o impacto social da escrita dos estudos sobre a alfabetização. Assim se separava também desses estudos as competências individuais do uso e da prática escrita. A autora ainda informa que o primeiro uso da palavra letramento no Brasil foi de Mary Kato em seu livro No mundo da escrita de 1986, como tradução literal do inglês de literacy, cujo significado engloba ambas as ideias de alfabetização (aquisição da escrita) e de letramento (desenvolvimento da escrita). Kleiman (2012) destaca o aprofundamento dos estudos sobre o letramento que aos poucos tentou descrever as condições de uso da escrita a fim de determinar como e quais eram os efeitos da prática de letramento em grupos minoritários, ou em sociedades não industrializadas que começavam a integrar a escrita como uma tecnologia de comunicação dos grupos sociais que sustentam o poder. Nesse momento, portanto, não se pressupunha mais efeitos universais da escrita, mas o pressuposto era de que as consequências do letramento estariam correlacionadas às práticas sociais e culturais de cada comunidade, sendo esses contextos socioculturais que confeririam valores diferenciados à escrita. Para a realização desses estudos sobre o letramento, Kleiman (2012) afirma que se utiliza na pesquisa atual metodologias que permitam descrever e entender os microcontextos em que se desenvolvem as práticas de letramento, procurando determinar em detalhe como são essas práticas. Esses estudos têm por objetivo conhecer de forma aprofundada, por meio de métodos etnográficos e experimentais, as consequências que diferentes práticas de letramento, socialmente determinada, têm no desempenho desses sujeitos.

O pesquisador inglês Brian Street que tem influenciado os estudos sobre o letramento no Brasil, defende o uso dos relatos etnográfico do letramento como ferramenta importante para analisar o fenômeno do letramento em contextos sociais específicos. Entende-se como relatos etnográficos o método pelo qual antropólogos fazem suas observações sobre um determinado grupo convivendo com este, fazendo descrições minuciosas de padrões sociais e culturais. O mesmo método de observação, quando usado para descrever a relação que determinado grupo social tem com um sistema de escrita, pode gerar um relato do fenômeno do letramento como prática social específica daquele grupo. Street (2014) afirma que pesquisadores da educação já se apoderaram do termo recentemente para se referir às observações detalhadas das interações em sala de aula, às vezes com algum interesse nas vidas e nos papéis dos alunos fora do ambiente escolar. Streee (2014) ressalta uma mudança significativa por parte de vários autores por rejeitarem a visão dominante do letramento como uma habilidade técnica e neutra, e ao contrário disso, passaram a conceitualizar o letramento como uma prática ideológica, envolvida em relações de poder e incrustada em significados e práticas culturais específicos. O autor denomina esses estudos de Novos Estudos do Letramento (NEL). O NEL tenta compreender o impacto sociocognitivo e cultural da escrita e o papel da oralidade na história da cultura e suas inter-relações com as práticas de letramento (STREET, 2014). Assim se tenta substituir o foco de boa parte das pesquisas acadêmicas anteriores que incidia sobre as consequências cognitivas da aquisição do letramento pelo foco de se conceber a natureza social do letramento. Considerar o contexto social como categoria ativa no processo de ensino-aprendizagem, gerador dos sentidos do letramento e dos sentidos da linguagem é superar também a ideia de que primeiro é necessário se dominar os aspectos estruturais da língua escrita e depois se adiciona a esses conhecimentos os aspectos sociais da língua. Na perspectiva do letramento, o processo de alfabetização não pode ser desassociado das questões sociais e culturais da linguagem. O foco no contexto, portanto, é o que torna reais as práticas letradas. Provavelmente as discussões mais polêmicas em torno do letramento se tratem de sua dimensão social. Os teóricos que se empenham nessa dimensão, partem do pressuposto de que o letramento não se resume em habilidades individuais de leitura e escrita; mas, sobretudo, como percebe Soares (2014, p. 72): é o que as pessoas fazem com as habilidades de leitura e escrita, em um contexto específico, e como essas habilidades se relacionam com as necessidades, valores e

práticas sociais. Em outras palavras, como as pessoas fazem uso de suas habilidades letradas, em que medida se tem consciência das possibilidades e impossibilidades de tais habilidades. 3.1 Letramento autônomo x letramento ideológico É de senso comum relacionar ascensão social, cultura e inteligência a quem é mais escolarizado; e ser escolarizado pressupõe o domino da escrita. Dentro desse consenso, portanto, parece legítimo investir no ensino da escrita e possibilitar a todos maiores oportunidades de emprego, mobilidade social, vidas plenas. Esses pressupostos conferem à escrita propriedades que aparentam ser intrínsecas a ela, ou seja, a escrita seria em si mesma, algo que faz com que o sujeito seja mais inteligente e consequentemente tenham mais vantagens sobre quem não a domina. Na verdade, o valor da escrita não está em si mesma, mas nos discursos que a envolvem. Esses discursos, por sua vez, estão alicerçados por ideologias. Street (2014) chama a atenção para a ideia dominante de que a aquisição da escrita e seu desenvolvimento, o letramento, estão relacionados diretamente com o progresso, civilização, liberdade individual e mobilidade social. Em síntese, ascensão econômica e habilidades cognitivas seriam consequências certas dessa noção de letramento que Street (2014) chama de letramento autônomo (LA). A autonomia dessa concepção de letramento advém da crença de que a escrita é uma entidade em si mesma sem vínculo com seu contexto sociohistórico, que ela apenas incide no mundo sem sofrer influências deste; ou seja, seria autônoma por não sofrer influência do meio social. Em contrapartida, Street (2014) defende a concepção de letramento ideológico (LI), que concebe a escrita como um artefato ideológico fundamentado em contextos sociohistórico. Assim, adotar a ideia de um letramento com bases sociohistóricas é ter mais cautela quanto às grandes generalizações sobre a escrita. A orientação deve se dar para as práticas sociais específicas de leitura e escrita, ou seja, a escrita tem valores diversos de acordo com a sociedade e a situação em que está inserida; e as consequências de sua aquisição também variam conforme cada grupo social. Na verdade, o valor da escrita não está em si, mas nos discursos que a envolvem. Esses discursos, por sua vez, estão alicerçados por ideologias. Street (2014) chama a atenção para a ideia dominante de que a aquisição da escrita e seu desenvolvimento, o letramento, estão relacionados diretamente com o progresso, civilização, liberdade individual e mobilidade social. Em síntese, ascensão econômica e habilidades cognitivas seriam consequências certas dessa noção de letramento que Street chama de letramento autônomo. A autonomia dessa concepção de letramento

advém da crença de que a escrita é uma entidade em si mesma sem vínculo com seu contexto sociohistórico, que ela apenas incide no mundo sem sofrer influências deste. Em contrapartida, Street (2014) defende a concepção de letramento ideológico, que concebe a escrita como um artefato ideológico fundamentado em contextos sociohistórico. Assim, adotar a ideia de um letramento com bases sociohistóricas é ter mais cautela quanto às grandes generalizações sobre a escrita. A orientação deve se dar para as práticas sociais específicas de leitura e escrita, ou seja, a escrita tem valores diversos de acordo com a sociedade e a situação em que está inserida; e as consequências de sua aquisição também variam conforme cada grupo social. 3.1.1 Letramento autônomo O letramento autônomo tem como principal pressuposto a dicotomia entre oralidade e escrita. Marcuschi (2010, p. 27) elenca algumas propriedades que advém de tal perspectiva como sendo a fala um fenômeno: contextualizado, dependente, implícito, redundante, não planejado, imprecisa, não normatizado e fragmentário. Em contra partida, em detrimento da fala, a escrita seria: fragmentária, autônoma, explícita, condensada, planejada, precisa, normatizada e completa. Em contraponto a esse paradigma imanentista, Marcuschi (2010) destaca outra tendência que chama de visão culturalista. Nessa visão, observa-se a natureza das práticas da oralidade versus escrita sob uma perspectiva cognitiva, antropológica ou social e desenvolve uma fenomenologia da escrita e seus efeitos na forma de organização e produção de conhecimento. Nesse contexto teórico, Marcuschi (2010) identifica uma perspectiva epistemológica desenvolvida, sobretudo, por antropólogos, psicólogos e sociólogos; que se dedicaram a identificar as mudanças ocorridas em sociedades onde se introduziu o sistema de escrita. Nessa perspectiva é possível ainda perceber uma tendência dicotômica, pois se concebe a cultura oral constituída exclusivamente por pensamento concreto, raciocínio prático, atividade artesanal, cultivo da tradição e ritualismo. A cultura letrada, por sua vez, seria constituída por pensamento abstrato, raciocínio lógico, atividade tecnológica, inovação constante e analiticidade (MARCUSCHI, 2010, p. 29). Marcuschi (2010) considera que essa abordagem deu sua contribuição na divulgação da escrita como um fator nos avanços da capacidade cognitiva para o indivíduo e para os processos que medeiam a fala e a escrita. Citando Biber (1988), Marcuschi (2010) elenca quatro considerações sobre as consequências da inserção da escrita no mundo: 1) transição do mito para a história, apoiando-se no documento, 2)Análise sistemática da língua como um objeto, 3)Novas formas de

expressão como a literatura e 4) Institucionalização do ensino de língua para formação do individuo. No entanto, para o autor, esses teóricos não acrescentam nada substancial sobre as relações textuais de cada uma das modalidades de uso da língua. Além de considerar que é forçoso afirmar que a escrita tenha um valor intrínseco absoluto. O que na verdade existe é um lugar especial que as sociedades letradas reservam para a escrita que a torna relevante e imprescindível, sobretudo, na contemporaneidade. Gnerre (1985 apud MARCUSCHI, 2010) apresenta três problemas nessa abordagem: etnocentrismo, supervalorização da escrita e tratamento globalizante. Etnocentrismo diz respeito ao modo de um pesquisador analisar uma cultura a partir da perspectiva de sua própria cultura. Street (2014) afirma que a concepção autônoma de letramento se sustenta sobre uma base de pensamento ocidentalizante e que se generaliza ao nível global. Marcuschi (2010) aponta que uma visão globalizante do letramento ignora o fato de não existir sociedade letradas, mas sim grupos letrados e cita a afirmação de Tfouni ( apud MARCUSCHI, 2010) sobre o fato de que a forma de raciocínio de grupos ditos analfabetos não é completamente diversa dos grupos letrados, já que o letramento penetra na sociedade independentemente da escolarização formal, como nas já citadas pesquisas na área da Psicogênese da língua escrita Ferreiro e Teberosky (1999) como principais nomes demonstram como crianças fazem hipóteses contundentes sobre a escrita antes mesmo do ingresso na escola. O pensamento abstrato não é um atributo exclusivo da língua escrita, por tanto, a analiticidade e raciocínio lógico não são exclusivos de indivíduos letrados. Considerando que pouco se sabe sobre o mundo interior de outros seres vivos, o máximo que poderíamos afirmar é que a linguagem humana nos dá a condição de ser reflexivo. Nessa condição, a escola é apenas uma entre outras instituições que explora essa capacidade humana, mas é sem dúvida aquela que mais sistematiza o conhecimento ainda que nem sempre explore bem tal potencial reflexivo. 3. 1. 2 Letramento ideológico Street (2014) denomina de Letramento Ideológico (LI) uma concepção oposta ao Letramento Autônomo (LA). Enquanto que o LA é a reificação do letramento em si mesmo em detrimento do reconhecimento de sua localização em estrutura de poder e concentra seus esforços nos aspectos técnicos, independentes do contexto social para mascarar seus aspectos ideológicos; o LI tem a preocupação de ver as práticas letradas como inextricavelmente ligadas a estruturas culturais e de

poder numa dada sociedade. O LI se denomina como ideológico para explicitar que as práticas letradas são aspectos não só da cultura como também das estruturas de poder. Street (2014) explica que o termo ideologia não é por ele empregado no sentido marxista ou antimarxista de falsa consciência e dogma simplório, mas no sentido empregado por grupos radicais como o lugar de tensão entre autoridade e poder de um lado e resistência e criatividade individual do outro. Em se tratando de escrita, não se pode deixar de conceber a dimensão técnica de sua aquisição. Segundo Street (2014), o L.A. foi responsável em estabelecer uma falsa polaridade entre os aspectos técnicos e culturais do letramento. O LI oferece uma síntese entre abordagem tecnicista e sociais, evita a separação dos aspectos técnicos dos sociais, porque não acredita que os aspectos culturais pudessem ser considerados apenas posteriormente aos técnicos. Street (2015, p. 172) adverte que: O modelo ideológico não tenta negar a habilidade técnica ou aspectos cognitivos da leitura e da escrita, mas sim entendê-los como encapsulado em todos culturais e em estruturas de poder. O LA supõe que a escrita facilita as funções lógicas da linguagem, permitindo que elas se separem das funções interpessoais, sendo assim, enunciados escritos seriam menos socialmente determinado e, portanto, teria um uso mais objetivo e científico da linguagem. Para Street (2014, p. 108), a ideia de que a escrita representa simplesmente o significado pleno e inequívoco das palavras registradas é analisada como uma reificação inútil, sem relação com a prática social real. Se assim fosse, tudo aquilo que escrevemos não seria passível de correções, reescritas, revisões, releituras. Marcuschi (2010) chama de perspectiva sociointeracionista, um conjunto teórico sistemático que tratam das relações entre fala e escrita de forma dialógica. Ainda que um tanto difuso, segundo o pesquisador, tal abordagem se fundamenta nos pressupostos de que tanto a fala quanto a escrita apresentam: dialogicidade, usos estratégicos, funções interacionais, envolvimento, negociação, situacionalidade, situacionalidade, dinamicidade... Observa-se nesse quadro que não se tem mais a dicotomia entre fala e escrita, ambas são passíveis das mesmas características. Marcuschi (2010) cita Street (2014) para dizer que para esse autor essa tendência aliada à analise (crítica) do discurso e às investigações etnográficas poderia ser uma das melhores saída para a observação do letramento e da oralidade como práticas sociais. Porém, Marcuschi (2010) observa com perspicácia que essa perspectiva mesmo desprendida de preconceitos anteriores, tem baixo potencial explicativo e descritivo dos fenômenos sintáticos e fonológicos da língua, além das estratégias de produção e compreensão textual, por não se tratar dos

propósitos desses estudos. Ao fazer essa reflexão, Marcuschi (2010) está se preocupando com a aplicabilidade dessa abordagem para o ensino de língua. Por isso ele considera que o ideal seria aliar essa perspectiva a outras, como a perspectiva variacionista. Essa tendência trata do papel da escrita e da fala sob o ponto de vista dos processos educacionais e faz propostas específicas a respeito do tratamento da variação na relação entre padrão e não padrão linguístico nos contextos de ensino formal, e fazem parte dessa linha pesquisadores como Angela Kleiman (1995), Stella Bortoni (1992,1995) e de certa forma, Magda Soares (1986). Essas autoras tem conciliado a teoria do letramento à perspectiva sociointeracionista e, sobretudo, a aplicação pedagógica dos estudos linguísticos. ÚLTIMAS CONSIDERAÇÕES O impacto da escrita nas sociedades e nos indivíduos tem sido objeto de estudo por muitos teóricos em diversas áreas das ciências humanas e entre fatos e especulações, é de senso comum que não podemos regredir negando as consequências da cultura letrada. É necessário que além de se ter consciência de que somos seres verbais, e consequentemente ou não, cada vez mais complexos cognitivamente; a escrita é uma entre outras possibilidades de expressão humana. No entanto, a escola como instituição responsável pela sistematização do ensino da escrita deve se comprometer em possibilitar que esse processo seja cada vez mais consciente para os alunos. Torná-los mais consciente é não só aprender a ler e a escrever, mas saber fazer uso dessa ferramenta de forma competente para finalidades as quais se deseja, e, sobretudo, entender do poder que a sociedade delega ao domínio da escrita, pois se o letramento não garante ascensão intelectual e social, menos ainda dificultará tais ascensões. REFERÊNCIAS BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia. 11ed. São Paulo: Hucitec, 2004. DAVIS Cláudia; NUNES, Marina M. R.; NUNES, Cesar. A. Metacognição e sucesso escolar: articulando teoria e prática. Cadernos de Pesquisa, vol. 35, nº 125, 2005. FAIRCLOUGH, N. Discurso e mudança social. Brasília: Universidade de Brasília, 2001. FÁVERO, Maria Helena. As funções reguladoras cognitivas e metacognitivas na prática das atividades complexas do adulto: questões e propostas para um ensaio conclusivo. In: GUIMARÃES, R. K.; STOLTZ, Tania. Tomada de consciência e conhecimento metacognitivo. Curitiba: Editora, UFPR, 2008.

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