O PROCESSO DE PODER, DO CORPO E DA RACIONALIDADE: ENTRE KAFKA E FOUCAULT

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Nome completo: CRISTINA ELIZABETH VALERO Matrícula: Nome do projeto de pesquisa ao qual o aluno inscrito está vinculado:

Transcrição:

DOI: 10.4025/4cih.pphuem.663 O PROCESSO DE PODER, DO CORPO E DA RACIONALIDADE: ENTRE KAFKA E FOUCAULT Isabelle da Silva de SOUZA (G UENP/CCHE);bella_iss@hotmail.com Ms. Marcio Luiz CARRERI (Orientador UENP); carreri@uol.com.br A História tradicional, predominante até início do século XX, não permitia o diálogo da História com outras disciplinas. Nesta fase prevalecia uma história descritiva, factual, na qual o historiador apenas narrava os fatos, sem questioná-los. Tal condição modifica-se a partir do advento da Escola francesa dos Annales, no fim dos anos 1920, momento em que se amplia o diálogo com outras disciplinas, a interdisciplinaridade, juntamente com a concepção de documento. A história faz-se com documentos escritos, sem dúvida. [...] Mas pode fazer-se, deve fazer-se sem documentos escritos se estes não existirem. Com tudo o que a engenhosidade do historiador pode lhe permitir usar para fabricar seu mel. [...] Paisagens, telhas. Formas de campos e de ervas daninhas. Eclipses lunares e cabrestos [...]. Toda uma parte e sem dúvida a mais apaixonante de nosso trabalho de historiador não consiste num esforço constante para fazer falar as coisas mudas e fazê-las dizer o que não dizem por si sós sobre os homens? (FEBVRE. Apud. TÉTART, 2000, p. 111-112). Partindo de tal referencial, optamos por relacionar duas disciplinas, a História e a Literatura, objetivando um dialogo entre esses diferentes campos do saber, interpretados também a partir da filosofia. Para isso, utilizamos especificamente a obra literária O Processo 1, de Franz Kafka, analisada a partir do pensamento de Michel Foucault nas obras Os Anormais, Vigiar e Punir e a Microfísica do Poder. Outra referência utilizada é o livro Kafka, Foucault: sem medos 2, que realiza algumas aproximações dos autores sob certas perspectivas. Em geral, buscaremos articular os autores de forma a entender as noções de poder, corpo e racionalidade. O PODER O CORPO Kafka pode ser considerado um autor racional e irônico, que utiliza em suas obras uma linguagem realista, dura e seca. Uma das mais fortes características de sua escrita é o

4542 rompimento dos comportamentos pré-estabelecidos e a imprevisibilidade. Suas obras apontam para vários caminhos, mas jamais sugerem um final. Surge, a partir disso, o kafkiano, que apresenta excessos de racionalidade e verdades construídas a partir de sonhos. Essas características da produção de Kafka foram determinantes para a definição de seus leitores, visto que sua escrita era direcionada ao leitor insubmisso, revolucionário. Do pensamento de Michel Foucault, entre os enunciados que já apresentamos, é possível extrair uma série de compreensões e interpretações do que foi escrito por Kafka. Um exemplo disso é a questão do medo, na qual Foucault se debruçou. As personagens kafkianas e o medo nelas presente podem ser vistas, por meio de Foucault, como aquelas que não temem a lei, afinal esta não é clara, na verdade temem e desejam ao mesmo tempo o poder. Isso pode ser observado nas personagens de Kafka a partir de movimentos do corpo, gestos de cabeça, olhar ou não nos olhos. (...) tem de se moderar em suas manifestações, pois quase tudo quanto acaba de dizer podia tê-lo expressado com algumas palavras, e podíamos tê-lo entendido pela sua atitude; tudo isso não fala muito em seu favor. (Kafka: 2007, p. 48) É possível perceber, assim, que esses autores talvez tenham quebrado a visão tradicional sobre a relação violenta entre Estado e Sociedade. Mostram que a disciplinarização dos corpos se dá de outras maneiras, além do tradicional castigo. Desapareceu o corpo como alvo principal da repressão penal (FOUCAULT, 2007, p. 12). Por outro lado, houve uma mudança na perspectiva de castigo. Agora ocorre o aprisionamento, o assujeitamento do indivíduo, que Foucault aborda principalmente em Vigiar e Punir. Trabalha com a perspectiva de que tal normalização é causada pelo poder, conduzindo as pessoas ao espírito de rebanho [...] visa privar o individuo de sua liberdade considerada ao mesmo tempo como um direto e como um bem. Segundo essa penalidade, o corpo é colocado num sistema de coação e de privação, de obrigações e de interdições (FOUCAULT, 2007, p. 14). Foucault também trabalha com a noção de prisão interior na qual o homem não se permite mudar por pensar que, agindo assim, estaria sendo incoerente consigo mesmo. Essa idéia é notada na obra A Metamorfose, de Kafka, na personagem Gregor, um indivíduo conformado, que morreu aprisionado na sua prisão particular, sem disso se dar conta. A partir de suas obras, portanto, é possível notar que Kafka vê o mundo futuro como um mundo de submissos aos poderes. Esse aspecto também é abordado no livro Admirável Mundo Novo 3, de Huxley, quando diz: Decantamos nossos bebês sob a forma de seres vivos socializados (...) (1994, p. 17). Percebe-se não mais a liberdade, mas pessoas

4543 como meras criações científicas que seguem um comportamento pré-estabelecido. Outra parte que comprova essa idéia é quando afirma: nós não precisamos de inteligência humana (HUXLEY, 1994, p. 18) [...] o segredo da felicidade e da virtude: amar o que se é obrigado a fazer. Tal é a finalidade de todo o condicionamento: fazer as pessoas amarem o destino social a que não podem escapar. (HUXLEY, 1994, p. 19). A RACIONALIDADE O termo kafkiano é utilizado para referir-se aos excessos de racionalidades utilizados na literatura de Kafka, como já foi mencionado anteriormente. Isso, porém, não nos permite tratá-lo como um racionalista. Visto que tais excessos são baseados em sonhos e pesadelos, são construções de realidades a partir desses aspectos, dos quais jamais se espera o previsível. Rompe-se assim com o que pretende ser global, ao se desviar da rota, do comportamento pré-estabelecido: A cerimônia dos suplícios puros não é mais irracional em si do que o aprisionamento em uma cela; mas ela é irracional em relação a um tipo de prática penal que faz parecer uma nova maneira de alcançar, através da pena, determinados efeitos, de calcular sua utilidade [...] Digamos que não se trata de julgar as práticas com a régua de uma racionalidade que permitiria apreciá-las como formas mais ou menos perfeitas de racionalidade; mas, antes, de ver como as formas de racionalização se inscrevem nas práticas ou nos sistemas de práticas, e que papel desempenham nelas. Porque, certamente, não há práticas sem um determinado regime de racionalidade (FOUCAULT, 1994, p. 26) A partir desta citação podemos notar que, para Foucault, a razão funciona como uma técnica que objetiva conduzir a um final, organizando o modo de fazer ou agir. Tais práticas tornaram-se objeto de estudo de Foucault por influenciarem principalmente no âmbito poder e no discurso. Foucault aproxima-se de Kafka quanto ao racionalismo, chegando a ser chamado algumas vezes de pensador kafkiano, como é citado na obra Kafka, Foucault: sem medos, pois construiu uma leitura da História na qual restou pouco espaço para o sujeito, rompendo, assim, com o obvio, aquilo que já era traçado e determinado. Por outro lado Foucault também se próxima de Kafka por gostar das personagens e dos temas bizarros. É possível ate mencionar que Foucault pode ter apreendido essa questão da prática com Kafka, porque este modificou as práticas que ate então eram fixas.

4544 Isso pode ser relacionado ao tempo, visto que ambos romperam com a linearidade e a idéia de tempo contínuo. Essa abordagem essa que é trabalhada na obra Os Anormais, de Michel Foucault, quando este afirma ser o descontínuo que ilumina a continuidade. Rompese assim com o linear, demonstrando que fato histórico inicia-se a partir de um momento raro, de um acontecimento e não mais na plenitude da razão. Tais pressupostos são observados também na obra O Processo, quando a personagem é simplesmente surpreendida em seu quarto. É a partir desse episódio que se desenrola o enredo. No decorrer da narrativa nota-se, também, que há um falta de preocupação com o futuro. K. sempre manifestara inclinação para encarar todas as coisas com a maior ligeireza possível, em acreditar no pior somente quando o pior se apresentava, a não nutrir grandes cuidados pelo futuro mesmo quando tudo tivesse um aspecto ameaçador. (KAFKA, 2007, p. 42) Pretendemos, em um estágio posterior de desenvolvimento da pesquisa, o entendimento, de questões fundamentais como o Estado, a burocracia, as relações de poder inerentes a elas, na linguagem literária e filosófica, especificamente de Kafka e Foucault, aproximando tais conversas ao âmbito da História. Notas 1 O Processo, de Franz Kafka retrata os acontecimentos vividos por Josef K., um funcionário de um banco, que na manhã em que completou trinta anos de idade foi surpreendido por dois policiais, os quais sem nenhum motivo lhe dão ordem de prisão. No começo o personagem acreditava não passar de um engano, mas no decorrer da narrativa percebe que está submetido a um processo real e passa a buscar o verdadeiro motivo disso. 2 Kafka, Foucault: sem medos: obra elaborada a partir de um evento com o mesmo título que teve por objetivo problematizar questões da vida cotidiana, realizado pelo núcleo da Sociabilidade Libertária do pós em ciências sociais. 3 Em Admirável Mundo Novo, Aldous descreve uma sociedade perfeita que era dominada por um único governante, onde o estado distribuía uma droga chamada SOMA para os cidadãos, e todos tinham uma vida muito calma, sem estresse e que ajudava na disciplina de todos os habitantes.

4545 Referências Bibliográficas FOUCAULT, Michel. Ditos e Escritos, volume IV. Paris: Gallimard, 1994. FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 34. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007. JANOUCH, Gustav. Conversas com Kafka. Tradução de Celina Luz. Osasco, SP: Novo Século Editora, 2008. KAFKA, Franz. O Processo. Tradução e prefácio de Torrieri Guimarães. São Paulo: Editora Martin Claret, 2007. PASSETI, Edson (org). Kafka, Foucault: sem medos. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2004. TÉTART, Philippe. Pequena História dos historiadores. Tradução de Maria Leonor Loureiro. Bauru, SP: EDUSC, 2000.