REV. BRAS. MED. INTERNA 2015; 2(2):68-76. REVISTA BRASILEIRA DE MEDICINA INTERNA www.rbmi.com.br Artigo Original Determinantes da mortalidade na cirurgia de valva mitral na disfunção grave do ventrículo esquerdo Mortality determinants of mitral valve surgery in the severe dysfunction of left ventricle Mariana Schumacher Welling, Mário Augusto Cray da Costa, Elise Souza dos Santos Reis Instituição Proponente: Serviço de Cardiologia e Cirurgia Cardíaca, Santa Casa de Misericórdia de Ponta Grossa (SCMPG), Paraná, Brasil. RESUMO Objetivo: Determinar os principais fatores que interferem na mortalidade dos pacientes submetidos à troca de valva mitral e que apresentam disfunção importante do ventrículo esquerdo. Métodos: Analisados 32 pacientes que realizaram troca de valva mitral com preservação do aparelho subvalvar e que tinham fração de ejeção inferior a 40% pelo ecocardiograma. Esses pacientes foram divididos em dois grupos. No grupo I, pacientes que receberam alta hospitalar. No grupo II, pacientes que evoluíram para óbito. Foram analisadas as seguintes variáveis: idade, gênero, classe funcional, diabetes, DPOC, arteriopatia periférica, cirurgia cardíaca prévia, AVC, flutter e fibrilação atrial, creatinina, diâmetro do átrio esquerdo, diâmetro diastólico do ventrículo esquerdo, diâmetro sistólico do ventrículo esquerdo, pressão na artéria pulmonar, fração de ejeção, grau da insuficiência mitral, estenose mitral associada, insuficiência tricúspide associada, uso de droga vasoativa e balão intra-aórtico. Resultados: Nenhuma das variáveis analisadas foi determinante para mortalidade neste grupo de estudo, sendo o valor de creatinina o único parâmetro que apresentou tendência à significância (p=0,05). O erro beta, para todas as variáveis analisadas, foi superior a 20% e o erro alfa superior a 5%. Conclusão: Creatinina elevada apresenta tendência a ser significativa como determinante de mortalidade, entretanto a determinação dos fatores prognósticos nessa modalidade operatória é dificultada pelo número reduzido e homogêneo da amostra, sendo necessária a ampliação do número de pacientes. PALAVRAS-CHAVE: válvula mitral, cirurgia torácica, procedimentos cirúrgicos cardiovasculares, mortalidade Artigo recebido em: 23/03/2015 Aceito para publicação: 01/05/2015 Autor para correspondência: E-mail: drmarioaugusto@uol.com.br (Mário A C da Costa)
2 REV. BRAS. MED. INTERNA 2015; 2(2):68- ABSTRACT Objective: The objective of the study is to determine the main factors affecting the mortality of patients undergoing mitral valve replacement and who have severe left ventricular dysfunction. Methods: The study included 32 patients who underwent mitral valve replacement with preservation of subvalvular apparatus and had an ejection fraction less than 40% by echocardiography. These patients were divided into two groups. In group I, patients were discharged. In group II, patients who died. We analyzed the following variables: age, gender, functional class, diabetes, COPD, peripheral artery disease, previous cardiac surgery, stroke, atrial flutter and fibrillation, creatinine, left atrial diameter, left ventricular diastolic diameter, left ventricular systolic diameter, pulmonary artery pressure, ejection fraction, degree of mitral regurgitation, associated mitral stenosis, associated tricuspid insufficiency, use of vasoactive drugs and intra-aortic balloon. Results: None of the variables analyzed was determinant for mortality in this study group, and the amount of creatinine is the only parameter that showed a tendency to significance (p = 0.05). The beta error for all variables was higher than 20% and alpha error was higher than 5%.Conclusion: Creatinine level has a tendency to be significant as a determinant of mortality, however the determination of prognostic factors in this surgery is hampered by the small number of patients and homogeneous sample, it is necessary to increase the number of patients. KEYWORDS: mitral valve; thoracic surgery; cardiovascular surgical procedures; mortality INTRODUÇÃO Um dos maiores desafios da medicina ainda é o tratamento da insuficiência cardíaca congestiva (ICC) em fase avançada. Como é a via final da maioria das cardiopatias, essa síndrome é um problema de saúde pública, responsável por inúmeras internações, gastos elevados, associados à perda de produtividade e aposentadoria precoce. Estima-se que 400 mil novos casos de miocardiopatia são diagnosticados por ano nos Estados Unidos, gerando 15 milhões de internações e 200 mil óbitos anuais 1. No Brasil, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as doenças cardiovasculares representaram a terceira causa de internação pelo Sistema Único de Saúde (SUS), sendo a ICC a causa mais prevalente entre elas. Há estimativas que aproximadamente 3% dos recursos disponibilizados pelo SUS são gastos no tratamento dos doentes com ICC. 2. A insuficiência mitral secundária à insuficiência cardíaca, independente de sua etiologia, é fator determinante na falha do tratamento medicamentoso e na redução da expectativa de vida. O que, em um primeiro momento, é tido como mecanismo adaptativo do ventrículo esquerdo para trabalhar com uma pós-carga baixa devido à regurgitação para uma câmara de baixa pressão na sístole ventricular, gera também queda do volume ejetado, superestimando a fração de ejeção ventricular 3,4,5. Estudos revelam que a disfunção da valva mitral está presente em até 20% dos doentes com ICC em fase avançada (Classe III e IV, NYHA) 6. Na gênese da disfunção ventricular, a falência valvar é responsável pela piora na classificação funcional e tem impacto negativo na sobrevida dos doentes. Há estudos que demonstram aumento na mortalidade em até 70% nos primeiros doze meses após o diagnóstico da insuficiência mitral 7,8. Nos casos de disfunção cardíaca grave, refratária ao tratamento medicamentoso, o tratamento cirúrgico é uma opção. Até o presente momento, o transplante cardíaco é reconhecido como a melhor modalidade de tratamento. Entretanto, ao se considerar o número reduzido de doadores e as dificuldades logísticas envolvidas no procedimento, o desenvolvimento de outras intervenções cirúrgicas foi necessário para atender ao grande contingente de pacientes com ICC grave 9. Como conduta alternativa, a troca de
REV. BRAS. MED. INTERNA 2015; 2(2):68-76. valva mitral é descrita como intervenção benéfica nos indivíduos com ICC terminal, com melhora da sua classe funcional. Observa-se diminuição da fração regurgitada pela válvula incompetente e o ventrículo esquerdo desempenha uma sístole efetiva 10. Há várias técnicas cirúrgicas descritas para correção da insuficiência mitral associada à disfunção ventricular esquerda grave. Uma das mais difundidas foi proposta por Miki et al., na qual a implantação da prótese valvar está acompanhada da preservação do aparelho subvalvar. Os autores desse estudo demonstraram melhora no volume sistólico final e na fração de ejeção do ventrículo esquerdo quando comparados às técnicas convencionais previamente descritas 11. Técnica similar foi descrita por Buffolo et al., em que há preservação dos folhetos anteriores e posteriores e implantação de uma bioprótese de tamanho reduzido no anel atrioventricular esquerdo, permitindo a remodelação ventricular. Os autores evidenciaram melhora clínica e ecocardiográfica, principalmente após redução da esfericidade do ventrículo. Sua mortalidade foi semelhante a transplantes cardíacos, de modo que a técnica passou a ser difundida 12. Apesar do aprimoramento das técnicas cirúrgicas propostas, de um modo geral, a mortalidade nas operações de troca de valva mitral ainda oscila entre 1 a 15% 12,13. O objetivo deste trabalho é demonstrar quais os fatores que influenciaram na mortalidade dos doentes com disfunção importante do ventrículo esquerdo submetidos à troca de valva mitral com preservação do aparato subvalvar seguindo a técnica proposta por Buffolo et al. MÉTODOS Após aprovação pela Comissão de Ética em Pesquisa (COEP) da Universidade Estadual de Ponta Grossa e pela Comissão de Ética da Santa Casa de Misericórdia de Ponta Grossa (COAP), foram selecionados para este trabalho os pacientes com disfunção importante do ventrículo esquerdo, cuja fração de ejeção era inferior a 40% no ecocardiograma pelo método de Teicholz e que foram submetidos à cirurgia de implante de valva mitral com preservação do aparelho subvalvar entre os anos de 2006 a 2012. O estudo consta com 32 pacientes que foram avaliados até a alta hospitalar e divididos em dois grupos de variáveis dependentes: - Grupo I pacientes que receberam alta hospitalar. - Grupo II pacientes que evoluíram para óbito hospitalar. As variáveis independentes, ou seja, variáveis potencialmente preditivas de mortalidade, foram selecionadas de acordo com a literatura já existente e os principais fatores relacionados à mortalidade na cirurgia cardíaca e foram: idade, sexo, classe funcional, diabetes, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), arteriopatia periférica, acidente vascular cerebral (AVC) prévio, cirurgia cardíaca prévia, presença de fibrilação atrial e flutter, dosagem de creatinina, diâmetros do átrio esquerdo, diâmetro diastólico do ventrículo esquerdo, diâmetro sistólico do ventrículo esquerdo, pressão sistólica na artéria pulmonar, fração de ejeção, grau de insuficiência mitral, estenose mitral associada, cirurgia cardíaca prévia, outro procedimento concomitante a troca de valva, uso pós-operatório de balão intra-aórtico e de drogas vasoativas. Na análise univariada, utilizou-se o teste de qui-quadrado com correção de Yates para avaliação das variáveis categóricas e o teste t de Student para as variáveis numéricas. Para o cálculo da razão de chance (RC), realizou-se análise multivariada por regressão logística condicional, sendo p considerado significativo quando < 0,05. Foram calculados os valores de beta e alfa para poder e tamanho da amostra. RESULTADOS As características de base dos pacientes analisados encontram-se demonstradas na tabela 1. A idade média dos pacientes estudados foi de 51 anos, sendo aproximadamente metade do sexo masculino
4 REV. BRAS. MED. INTERNA 2015; 2(2):68- TABELA 1: Características de base dos pacientes analisados n=32 Idade (média) 51 (± 10,74) Sexo M 18 (56,25%) F 14(43,75%) NYHA III 19 (59,37%) IV 13 (40,62%) Diabetes 14 (43,75%) Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica 3 (9,37%) Arteriopatia periférica 1 (3,12%) Cirúrgia prévia 7 (21,87%) Acidente Vascular Cerebral 2 (6,24%) Ritmo sinusal 11 (34,37%) Creatinina 1,35 (± 0,52) Ecocardiograma Diâmetro do Átrio Esquerdo 53,25(±6,72) Diâmetro Diastólico do Ventrículo Esquerdo 69,43(±9,90) Diâmetro Sistólico do Ventrículo Esquerdo 60,09(±9,88) Pressão Artéria Pulmonar 40,09(±13,36) Fração de ejeção 29,18(±6,86) Grau de Insuf. Mitral Moderada 13 (40,62%) Acentuada 19 (59,37%) Estenose Mitral 3 (9,37%) Insuficiência Tricúspide 27 (84,37%) Droga Vasoativa 29 (90,62%) Cirurgia Concomitante 14 (43,75%) Balão Intra-aórtico 6(18,74%)
REV. BRAS. MED. INTERNA 2015; 2(2):68-76. (56.2%), 59,37% estavam em classe funcional III e 40,62 em classe IV(NYHA), 43,75% eram diabéticos, 9,37% tinham DPOC, apenas um paciente (3,12%) apresentava doença arterial periférica. 21,87% dos pacientes já realizaram cirurgia cardíaca prévia, 6,24% dos pacientes já tiveram acidente vascular encefálico, 34,37% estavam em fibrilação ou flutter atrial. A média da creatinina dos doentes analisados foi de 1,35mg/dl. As médias do diâmetro do átrio esquerdo foi de 53,25, diâmetro diastólico do ventrículo esquerdo foi de 69,43, diâmetro sistólico do ventrículo esquerdo de 60,09, pressão na artéria pulmonar de 40,09 mmhg e fração de ejeção ventricular esquerda de 29,18%. Mais da metade dos pacientes (59,37%) apresentavam insuficiência mitral acentuada segundo ecocardiograma, 9,37% apresentavam estenose mitral concomitante, 84,37% tinham insuficiência tricúspide associada. 90,62% dos doentes utilizaram droga vasoativa e 43,75% foram submetidos a procedimentos concomitantes durante a troca valvar (revascularização do miocárdio e valvuloplastia tricúspide). O uso de balão intra-aórtico foi verificado em 21,87% dos pacientes. Os resultados da análise estatística são demonstrados na tabela 2. A mortalidade dos pacientes submetidos à troca de valva mitral neste estudo foi de 31,25%. A diferença média de idade entre os pacientes com alta hospitalar e os que evoluíram para óbito foi aproximadamente seis anos, porém sem significância estatística (p=0,12). Em relação ao gênero, apesar da maior mortalidade nos homens, não observamos diferenças entre os grupos (p=0,96). Ao analisarmos o estado funcional, observou-se que doentes em classe grau III (NYHA) tiveram maior mortalidade, em números absolutos, quando comparados a doentes classe grau IV, 60% versus 40%, respectivamente (p=0,96). Quando analisadas as variáveis diabetes (p=0,1), DPOC (p=0,77), arteriopatia periférica (p=0,49), valores de creatinina (p=0,05), cirurgia cardíaca prévia (p=0,11), acidente vascular encefálico (p=1,00) e presença de fibrilação atrial ou flutter (p=0,84), também não foi encontrada diferença estatisticamente significativa entre os dois grupos. Em relação aos dados do ecocardiograma, nota-se maior mortalidade nos pacientes que tinham hipertensão pulmonar mais elevada (PSAP>65mmHg), entretanto, novamente o valor de p encontrado foi inferior a 0,05. Os demais dados do ecocardiograma também não demonstraram diferença estatisticamente significativa: diâmetro do átrio esquerdo (p=0,36), diâmetro diastólico final do ventrículo esquerdo (p=0,53), diâmetro sistólico final do ventrículo esquerdo (p=0,69), fração de ejeção (p=0,29), grau de insuficiência mitral (p=0,96), estenose mitral associada (p=0,16) e insuficiência tricúspide associada (p=0,94). O uso de droga vasoativa, apesar de não ter sido classificado como estatisticamente significativo (p=0,56), foi verificado em todos os pacientes que evoluíram para óbito. A realização de procedimentos associados como revascularização do miocárdio e plastia de válvula tricúspide, não demonstraram diferença estatisticamente significativa no aumento da mortalidade nos pacientes submetidos à troca de válvula mitral. (p=0,38). DISCUSSÃO Um grande número de doentes em fases avançadas de insuficiência cardíaca (classe funcional III e IV (NYHA) apresenta comprometimento associado da válvula mitral, de acordo com Baskett et al. a presença de insuficiência mitral nos pacientes com disfunção ventricular esquerda está associado de maneira independente à mortalidade e hospitalização por falência cardíaca 10. A fisiopatogenia do quadro envolve remodelamento cardíaco secundário ao aumento de volume e da esfericidade do ventrículo esquerdo com dilatação do anel mitral. Como consequência ocorre deslocamento lateral dos músculos papilares, estiramento das cordas tendíneas e consequente restrição da excursão sistólica dos folhetos mitrais. Estas alterações biome-
6 REV. BRAS. MED. INTERNA 2015; 2(2):68- TABELA 2: FATORES DE RISCO PARA ÓBITO Vivos Óbitos p OR (IC 95%) (n=22) (n=10) Idade (média) 54,2 (+/- 11,22) 60.7 (+/- 9,23) 0,12 Sexo 0,96 0,96 (0,20-4,42) M 13(68,42%) 6(31,57%) F 9(69,23%) 4(30,77%) NYHA 0,96 0,96 (0,20-4,42) III 13 (68,42%) 6(31,57%) IV 9(69,23%) 4(30,77%) Diabetes 7(50%) 7(50%) 0,1 0,20 (0,03-1,01) DPOC 3(75%) 1(25%) 0,77 1,42(0,12-15,63) Arteriopatia periférica 1(100%) 0(0%) 0,49 1,46(0,05-39,11) Cirúrgia prévia 7(100%) 0(0%) 0,11 10,16(0,52-197,67) AVC 2(100%) 0(0%) 1 2,56(0,11-58,35) Ritmo sinusal 8(66,66%) 4(33,33%) 0,84 0,85(0,18-3,97) Creatinina 1,23 (+/- 0,29) 1,62 (+/- 0,8) 0,05 Dados ecocardiográficos Diâmetro átrio esquerdo 53,95 (+/- 6,43) 51,7 (+/- 8,19) 0,36 Diâmetro diastólico do VE 69,5 (+/- 10,29) 69,3 (+/- 7,79) 0,53 Diâmetro Sistólico do VE 60 (1+/- 0,65) 60,3 (+/- 6,97) 0,69 Pressão artéria pulmonar 40,36(+/- 13,36) 39,5 (+/- 14,76) 0,87 Fração de ejeção 30 (+/- 6,84) 27,2 (+/- 7,64) 0,29 Grau de Insuficiência Mitral 0,96 1,03(0,22-4,76) Moderada 9(69,23%) 4(30,77%) Acentuada 13(68,42%) 6(31,58%) Estenose Mitral 0(0%) 2(100%) 0,16 0,07(0,00-1,74) Insuficiência tricúspide 18(66,66%) 9(33,33%) 0,94 0,5(0,04-5,15) Droga vasoativa 19(86,36%) 10(100%) 0,56 0,26(0,01-5,63) Cirurgia concomitante 8(57,14%) 6(42,86%) 0,38 0,38(0,08-1,76) Balão Intra- aórtico 5(83,33%) 1(16,66%) 0,86 2,64(0,26-26,24) cânicas secundárias são um indicador de mau prognóstico. 9
REV. BRAS. MED. INTERNA 2015; 2(2):68-76. O melhor tratamento para tais doentes é o transplante cardíaco, entretanto, o número reduzido de doadores impede que um contingente maior de pacientes sejam beneficiados 9. Nesse contexto, a plastia ou a troca da valva mitral foram introduzidas como alternativas cirúrgicas coadjuvantes ao tratamento clínico convencional e uma opção frente ao transplante 15. Atualmente, são realizadas, aproximadamente, 275.000 cirurgias para troca de valvas cardíacas em todo o mundo, com mortalidade operatória oscilando de 1 a 15%. No Brasil, em estudo realizado recentemente, a mortalidade relatada foi de 8% 16. Entretanto, nenhum desses estudos analisou a taxa de mortalidade em um grupo específico de doentes que foram submetidos à troca valvar, especialmente na vigência de disfunção do ventrículo esquerdo. A mortalidade encontrada na amostra deste trabalho (31,25%) está relacionada diretamente a condição clínica e funcional do doente no momento pré-operatório, pois esses já apresentavam comprometimento grave da função do ventrículo esquerdo, com insuficiência mitral secundária a cardiopatia, que independente de outras variáveis já são considerados fatores determinantes para óbito nessa modalidade operatória 18. Vários estudos demonstram outros fatores que influenciam na mortalidade das cirurgias valvares 9,14,15,16,17,18. Entretanto, nenhum deles tem por finalidade identificar quais os fatores que determinam o óbito em pacientes que já apresentam disfunção grave do ventrículo esquerdo. Como a mortalidade nesses doentes é maior que a encontrada na literatura, faz-se necessário a análise de quais variáveis apresentam maior impacto no desfecho desfavorável. Nesse contexto, o presente estudo analisa as variáveis já descritas na literatura, mas para pacientes que apresentavam ICC em fase avançada (III e IV da NYHA) que foram submetidos à técnica cirúrgica descrita por Miki e difundida por Buffolo et al 11,12. A correção da insuficiência mitral proposta por Buffolo et al., fundamenta-se na preservação dos folhetos anteriores e posteriores. Implanta-se uma bioprótese de tamanho reduzido no anel atrioventricular esquerdo, de modo a remodelar a base ventricular e encurtar o eixo longitudinal ventricular ao tracionar a ponta dos músculos papilares. O folheto posterior é pregueado no anel posterior e o folheto anterior seccionado na sua posição mediana de modo que os dois vértices são levados às comissuras correspondentes. Essas manobras eliminam a regurgitação valvar, remodela-se o ventrículo esquerdo e conserva-se a função papilar. Os autores evidenciaram melhora clínica, funcional e ecocardiográfica, principalmente após redução da esfericidade do ventrículo. Sua mortalidade foi semelhante a transplantes cardíacos, de modo que a técnica passou a ser difundida 12. Segundo Guaragna et al., os principais fatores que influenciam na mortalidade das cirurgias valvares são idade acima de 60 anos, prioridade cirúrgica, sexo feminino, fração de ejeção <45%, cirurgia de revascularização miocárdica concomitante, hipertensão pulmonar, classe funcional III ou IV da NYHA e creatinina elevada 17. De acordo com Bueno et al. os principais fatores de risco para cirurgias valvares são idade, sexo, reoperação, valva acometida, fibrilação atrial, técnica operatória, tipo de prótese (biológica ou mecânica), classe funcional pré-operatória, função ventricular e associação com outros procedimentos cirúrgicos. Há também estudos que demonstram que doentes com doenças cerebrovasculares, hepáticas e renais preexistentes apresentam maior mortalidade quando submetidos à cirurgia cardíaca. Em contrapartida não há estudos que demonstrem a influência dos fatores de risco na mortalidade dos doentes submetidos à troca de valva mitral com insuficiência cardíaca terminal 14. Neste estudo, houve maior mortalidade, em números absolutos, em doentes do sexo masculino, classe funcional III (NYHA), diabéticos, em ritmo não sinusal, níveis elevados de creatinina, insuficiência mitral acentuada pelo ecocardiograma e cirurgia cardíaca prévia. Entretanto, devido ao
8 REV. BRAS. MED. INTERNA 2015; 2(2):68- número reduzido de doentes da amostra, não se encontrou significância estatística em nenhuma das variáveis analisadas, sendo os valores mais altos de creatinina o único fator que teve tendência à significância (p=0,05). Foi realizado o cálculo do erro beta para todas as variáveis analisadas e seu valor foi superior a 20%. Também foi calculado o erro alfa que foi superior a 5%. Dados esses que corroboram com a necessidade de seguimento do estudo com envolvimento de maior número de pacientes. O tratamento cirúrgico alternativo ao transplante cardíaco em casos de insuficiência cardíaca terminal ainda é um desafio, porém o conhecimento dos fatores prognósticos relacionados aos tratamentos cirúrgicos alternativos, entre esses a cirurgia de valva mitral proposta por Buffolo et al. é de suma importância para essa afecção prevalente e com altos índices de mortalidade. REFERÊNCIAS [1] Parmley W. W. Cost-effective management of heart failure. Clin Cardiol 1996;19: 240 242. [2] Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia para o Diagnóstico e Tratamento da Insuficiência Cardíaca. Arq Bras Cardiol 1999; 72; I:4-30. [3] Puig Boro L, Antonio Gaiotto F, Lima Oliveira Junior J, Magalhães Pardi M, Bacal F, Mady C, Fernandes F, Bellotti G, Franchini Ramires J, Almeida Oliveira S.Troca de válvula mitral e remodelamento do ventrículo esquerdo na miocardiopatia dilatada com insuficiência mitral. Arq Bras Cardiol 2002; 78(2):224-9. [4] Junker A, Thayssen P, Nielsen B et al. The hemodynamic and prognostic significance of echo-doppler proven mitral regurgitation in patients with dilated cardiomyopathy. Cardiology 1993; 83: 14-20. [5] Romeo T, Pellicia F, Cianfrocca C et al. Determinants of end-stage idiopathic dilated cardiomyophaty: a multivariate analysis of 104 patients. Clin Card 1989; 12: 387-92. [6] Bocchi E A, Marcondes Braga F G, Bacal F, Ferraz A S, Albuquerque D, Rodrigues D, et al. Atualização da Diretriz Brasileira de Insuficiência Cardíaca Crônica. Arq Bras Cardiol 2012; 98(1 supl. 1): 1-33. [7] Blondheim DS, Jacobs LE, Kotler MN, Costacurta GA, Parry WR. Dilated cardiomyopathy with mitral regurgitation: decreased survival despite a low frequency of left ventricular thrombus. Am Heart J. 1991;122(3 Pt 1):763-71. [8] Acker M. Mitral Valve Repair in Patients With Advanced Heart Failure and Severe Functional Mitral Insufficiency Reverses Left Ventricular Remodeling and Improves Symptoms. Heart Failure doi: 10.1161/ 108.810200. [9] Oliveira Caprini JV, Walter Vilella Andrade V, Rodrigues Alfredo José, Ferreira Cesar Augusto, Alves Lafaiete J, Bassetto Solange et al. Cirurgia da insuficiência mitral no tratamento da insuficiência cardíaca avançada. Rev Bras Cir Cardiovasc 2009; 24(4): 540-551. [10] Baskett RJ, Exner DV, Hirsch GM, Ghali WA. Mitral insufficiency and morbidity and mortality in left ventricular disfunction. Can J Cardiol 2007;23(10):797-800. [11] Miki S, Kasuhara K, Veda Y et al. Mitral valve replacement with preservation of chordae tendinae and papillary muscles. Ann Thorac Surg 1998; 45: 28-34. [12] Buffollo E, Machado de Paula I, Branco JN, Carvalho AC, Mantovani C, Caputi G et al. Tratamento da insuficiência cardíaca terminal através da correção da insuficiência mitral secundária e remodelação ventricular. Rev Bras Cir Cardiovasc 2001; 16(3): 203-211. [13] Biglioli P., Di Matteo S, Parolari A, Antona C, Arena V, Sala A - Reoperative
cardiac valve surgery; a multivariable analysis of risk factors. Cardiovasc Surg 1994; 2: 216-22. [14] Bueno Machado R, Ávila Neto V, Melo R. Fatores de risco em operações valvares: análise de 412 casos. Rev Bras Cir Cardiovasc. 1997; 12(4): 348-358. [15] Brandão Almeida CM, Pablo Maria A. Anuloplastia posterior a céu fechado: promessa ou realidade?. Rev Bras Cardiol Invasiva 2009;17:163-164. [16] Brandão Almeida CM. Avaliação do risco em cirurgia cardíaca valvar. Doença valvar. Barueri: Manole 2006. p. 199-201. [17] Guaragna Vieira da Costa JC, Bodanese LC, Bueno F, Goldani MA. Proposta de escore de risco pré-operatório para pacientes candidatos à cirurgia cardíaca valvar. Arq. Bras. Cardiol 2010; 94(4): 541-548. [18] Montes Pena F, Souza Peixoto R, Silva Soares J, Rosa Pires Junior H, Souza Areas Pena G, Rosa Neto M, Tose Costa Paiva B, Oliveira Silva M, Vieira Dias Moraes F, Chicharo Engel P, Campos Gomes N. Aplicação do Euroscore em pacientes submetidos à troca valvar. Rev SOCERG 2009; 22 (3): 170-175. REV. BRAS. MED. INTERNA 2015; 2(2):68-76.