A INFLUÊNCIA DO CURRÍCULO OCULTO NA FORMAÇÃO SOCIAL DOS SUJEITOS: RELAÇÕES DE GÊNERO NO AMBIENTE ESCOLAR.

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Transcrição:

A INFLUÊNCIA DO CURRÍCULO OCULTO NA FORMAÇÃO SOCIAL DOS SUJEITOS: RELAÇÕES DE GÊNERO NO AMBIENTE ESCOLAR. Nathally Gomes Lucatelli. Mestranda em educação pela Universidade Federal de Alfenas Unifal/MG. Alfenas, Minas Gerais, Brasil. nathylucatelli@yahoo.com.br Eixo Temático: Currículo, Metodologias e Práticas de Ensino. Resumo: Este artigo tem por objetivo demonstrar que o currículo oculto da escola é um importante elemento na construção dos papeis sociais de seus estudantes. Um desses papéis diz respeito aos padrões de gênero e à formação da feminilidade e masculinidade no ambiente escolar. Observações realizadas em uma escola pública demonstram que ela, apesar de ser repleta de diversidade, define bem como cada indivíduo deve se comportar de acordo com seu gênero, normalizando determinadas formas de agir e patologizando outras. Para embasar teoricamente as questões relacionadas a gênero e educação, será feito uso dos conceitos pensados por Guacira Lopes Louro (1999) e para discutir o currículo oculto, as concepções de Peter McLaren (1997) serão utilizadas. Palavras-chave: Currículo oculto. Gênero. Escola. Papéis sociais. 1

1. Introdução A escola é um importante ambiente de produção e reprodução de ideias que são um reflexo claro de como a sociedade se expressa por meio dela. Os indivíduos que se encontram no ambiente escolar, sejam alunos, professores, gestores ou demais funcionários, carregam uma bagagem de valores e crenças pessoais formadas ao longo de suas vidas e influenciadas pelo meio onde vivem, e, claro, acabam por expressar seus pensamentos dentro da escola. É dentro do ambiente escolar que uma série de regras de comportamento relacionadas às mais diversas esferas da vida serão transmitidas aos estudantes, moldando-os conforme as exigências do meio social em que estão inseridos. A questão é que nem sempre isso é feito de maneira explícita, pois esses conhecimentos são inculcados na mente dos alunos por meio de limitações, recriminações e proibições disfarçadas de regras da escola, mas que na verdade deverão se encaixar na maioria dos ambientes fora dela. Uma dessas regras diz respeito diretamente aos papéis sociais masculinos e femininos que a escola ajuda a construir. As relações de gênero tem sido uma temática recorrente em discussões atuais e a todo o momento se ouve falar sobre as consequências do machismo para a vida da mulher e sobre como o feminismo luta pela igualdade e pela valorização social feminina. Dessa forma, é importante pensar, refletir e investigar como essa questão é tratada dentro da escola, focando a reprodução dessa desigualdade dentro dela. Observações do ambiente escolar demonstram que a todo o momento regras de comportamento diferentes são transmitidas aos estudantes de acordo com seu gênero. Por exemplo, ainda é muito comum a valorização social da ideia da mulher recatada e do homem sério e a escola, como influente instituição socializadora, reitera esses comportamentos direta ou indiretamente. Dessa maneira, o presente texto tem por objetivo relatar as conclusões preliminares obtidas por meio de observações realizadas em uma escola pública do Sul de Minas Gerais, tendo por foco o modo como o corpo escolar transmite padrões de gênero aos seus alunos. Para isso será considerada a relevância do currículo oculto no processo, visando destacar que as ideias e pensamentos expressos pela escola não são neutros, mas pelo contrário, são guiados por uma base ideológica, não havendo a possibilidade do ensino, conhecimento, opções ou da própria escola serem neutros. 2. O currículo oculto e as questões de gênero Ao se estabelecer um parâmetro entre o currículo formal (aquele elaborado a partir de leis e diretrizes gerais) e o real (aquele que efetivamente é executado no processo escolar) já é possível perceber que há uma considerável distância entre o que se planeja para a educação e como ela realmente acontece. Quando o currículo oculto entra nessa equação, mais uma variável deve ser considerada, pois ele ultrapassa ainda mais o currículo formal, representando aquilo que inicialmente não se desejava ensinar, mas que, por algum motivo, acaba por ser transmitido aos estudantes. Como especialmente o professor está situado em uma posição privilegiada em relação aos alunos dentro do contexto escolar, já que é visto como o detentor e 2

transmissor de conhecimentos, muitas vezes acaba por passar suas ideias e valores morais como verdades absolutas. É preciso enfatizar que essas ditas ideias englobam todo um modo de vida e se relacionam aos mais diferentes temas, como vestimenta, tom de voz, maneira de se sentar, de andar, de falar e de se relacionar, levando muito em conta, inclusive, os padrões sociais de feminino e masculino. É essa influência específica que interessa a esse trabalho. A influência do currículo oculto nesse fenômeno é indiscutível, já que a todo o momento o ambiente escolar expressa e legitima determinadas maneiras de ser, agir e pensar consideradas tipicamente femininas e masculinas, ajudando a construir um padrão socialmente aceitável do que é ser mulher e homem. Desde cedo, indivíduos são influenciados pelo ambiente escolar a se comportar de acordo com seu gênero. Claro que esses padrões de comportamento não partem apenas da escola, já que ela é apenas uma das instituições que os (re)produzem. Contudo é nela que muito do que se aprende sobre como ser ou não ser é interiorizado ou descartado, o que a faz participar ativamente do processo de reprodução e manutenção social da desigualdade de gênero. McLaren(1997) exemplifica alguns comportamentos sexistas, como quando o professor cria esteriótipos de gêreno (meninas são mais falantes) ou quando dá maior atenção aos questionamentos e respostas dos meninos. Essas atitudes, por mais que não sejam intencionais ou não tenham por meta menosprezar as meninas da sala de aula, acabam por desestimulá-las a pensar academicamente, além de incitá-las a se tornar dependentes de opiniões e pensamentos masculinos. Nas palavras do autor: O sexismo em sala de aula como uma função do currículo oculto resulta na concessão inconsciente e não intencional de poder e privilégio para os homens sobre as mulheres. (MCLAREN,1997). Observações realizadas em uma escola pública do Sul de Minas Gerais confirmaram de muitas maneiras o que mostra McLaren. Um bom exemplo desse fato foi o modo como uma professora conduziu discussões com os alunos sobre como ser um homem ou uma mulher de verdade. Ela estava tentando trabalhar ética e moral com duas turmas consideradas difíceis e indisciplinadas, objetivando que os estudantes melhorassem seu comportamento. Então, dividiu a sala entre homens e mulheres para promover uma discussão na qual cada um deveria dizer o que o fazia gostar de alguém. Após isso, ela tentou, com base no que os próprios alunos falavam, traçar um perfil ideal de masculino e outro de feminino. Esses perfis, moldados pelos alunos e enfatizados pela professora, não fogem muito do que já é socialmente reconhecido como ideal: uma mulher que fala baixo, não usa roupas curtas e chamativas, não fala palavrão e não chama a atenção de meninos; um homem sério, que trabalha/estuda com afinco e que não precisa aparecer ou fazer graça para se evidenciar. O mais interessante é que ela deixou que os perfis fossem traçados pelo gênero oposto, isto é, foram formados tipos ideais de homens por mulheres e de mulheres por homens: como devo me comportar para agradar o outro? O ápice da discussão foi quando algumas meninas disseram: Mas, professora, as meninas que fazem essas coisas ruins e que são desse jeito que não devemos ser são aquelas que os meninos mais se interessam!, então a professora responde: Meninas, temos que ter sempre em mente que os homens 3

separam muito bem as mulheres que são para pegar e as que são para um compromisso sério. Qual delas vocês querem ser?. Esse exemplo demonstra muito bem a como a maneira que os valores morais transmitidos pelo corpo escolar aos alunos variam em relação ao gênero destes. É interessante observar como as regras, mesmo as informais, são ensinadas diferentemente para garotos e garotas e pensar como isso define o adulto que esse jovem um dia será. A escola, de acordo com Louro (1999) funciona como uma marca distintiva nos indivíduos. Levando em conta esse aspecto, a autora identifica que as determinações de gênero dentro do ambiente escolar são tão imbuídas na formação dos sujeitos, que podem ser identificadas até pelos seus corpos por meio da maneira de andar, de vestir e se comunicar socialmente. Isso significa, portanto, que os padrões masculinos e femininos são social e culturalmente pensados e, a partir disso, ensinados aos indíviduos desde sempre, de modo a fazê-los encaixar-se no que se considera desejável. Assim, as instituições sociais, dentre elas a escola de maneira excepcional, ensinam como uma mulher e um homem devem ser dentro do contexto social e sem necessariamente fazer uso a todo o momento de mecanismos de repressão e censura, mas sim pelas práticas cotidianas de indução de comportamento. Tal fato pôde ser corroborado pelas observações aqui descritas, pois estas demonstraram que, como já mostra Louro (1999), por meio de mecanismos de classificação, ordenamento e hierarquização, a escola colabora para a constistuição de diferenças de gênero, sexualidade, raça, classe. 3. Considerações Finais Como foi possível perceber, a escola se mostra como uma instituição de extrema relevância social, exercendo papel determinante na transmissão dos padrões de comportamento aceitáveis ou não pela sociedade. Esses padrões, no entanto, nem sempre são expressos de maneira clara e direta, pois normalmente encobrem-se pelo currículo oculto que cumpre sua função sem necessariamente explicitá-la. Talvez a questão mais pertinente à reflexão a partir das discussões aqui retradatas girem em torno de como a escola se inscreve nos indivíduos de um modo que ultrapassa os saberes escolares que eles adquirirão, pois quem passa por uma instituição escolar pode ser diferenciado à primeira vista por outros aspectos comportamentais. Dessa forma, a escola cria sujeitos uniformes que devem agir, pensar e se portar de acordo com o que lhes foi ensinado. Tal fato pode demonstrar a falta de apego às diversidades que a instituição escolar reproduz quando, ao invés de exaltar as diferentes maneiras de ser que podem coexistir, estipulam qual é a correta e mais desejável em relação a praticamente todos os aspectos da vida do estudante. Isso tira a liberdade e a vontade dele de ter contato com o novo, bem com a coragem de se assumir como diferente. No entanto, McLaren argumenta que ao se pensar dialeticamente, não se deve contemplar o estudante como um ser passivo e excluído do seu próprio processo de socialização. Pelo contrário, os indivíduos, por mais que diretamente 4

influenciados pela perspectiva escolar, são sujeitos ativos e protagosnistas, de alguma forma, da sua história. Nas palavras do autor: A natureza dialética da teoria crítica permite ao pesquisador em educação ver a escola não simplesmente como uma arena de doutrinação ou socialização ou um local de instrução, mas também como um terreno cultural que confere poder ao estudante e promove sua autotransformação. (1997, p.200) Assim, para se chegar a algumas conclusões sobre o assunto, é preciso considerar esse duplo viés da escola, que ao mesmo tempo em que inculca padrões de comportamento nos alunos possibilita a eles uma espécie de empoderamento. Não se deve desconsiderar que muito ainda precisa ser feito nesse aspecto para se construir uma escola justa, igualitária e inclusiva. Ao que parece, só a partir do momento em que uma mudança na maneira de conceber e ilustrar padrões for cogitada será possível pensar em uma real de transformação escolar e, quiçá, social, onde a diversidade será mais valorizada e exaltada como essencial à convivência em sociedade. 4. Referencial Bibliográfico LOURO, G.L. Currículo, Gênero e Sexualidade. Porto: Porto Editora, 2000. LOURO, G.L. Gênero, Sexualidade e educação: uma perspectiva pósestruturalista. 3ª edição, Petrópolis: Vozes, 1999 MCLAREN, P. Pedagogia Crítica: Uma visão geral. In.: MCLAREN, P. A vida nas escolas. Porto Alegre: Artmed, 1997. 5