COMO TRABALHAR A CULTURA E OS VALORES DOS AFRICANOS E AFRODESCENDENTES NAS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA?



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Transcrição:

COMO TRABALHAR A CULTURA E OS VALORES DOS AFRICANOS E AFRODESCENDENTES NAS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA? ANA PAULA DE LIMA (UNICAMP), DENISE MARIA MARGONARI (UFSCAR). Resumo Esta comunicação é baseada em uma proposta de um mini curso realizada como atividade prática (Estágio Supervisionado de Língua Portuguesa I) do Curso de Letras da Universidade Federal de São Carlos. O mini curso, intitulado A cultura e os valores dos africanos e afrodescendentes na literatura africana de Língua Portuguesa, foi desenvolvido com os alunos do 9º ano do Ensino Fundamental de uma escola particular de Rio Claro, durante o ano de 2008. Nesse mini curso foram abordadas questões relacionadas à história e cultura africanas a partir de textos de escritores africanos de Língua Portugesa, em uma tentativa de apresentar e sensibilizar os alunos quanto aos valores defendidos pelos povos africanos e afrodescendentes, conscientizando os de que a sociedade é formada por pessoas pertencentes a grupos étnico raciais distintos, que possuem cultura e histórias próprias, igualmente valiosas, assim como apontam as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro Brasileira e Africana (2005). Por meio do trabalho com a teoria das Inteligências Múltiplas e os Pontos de Entrada, do psicólogo norte americano Howard Gardner, foram exploradas as diversas inteligências dos alunos. O trabalho também contou com a colaboração dos demais professores de Português da escola, além dos professores de História, Geografia, Ciências, Educação Religiosa e Filosofia. Nesta comunicação pretendemos apresentar algumas das atividades desenvolvidas, bem como os resultados obtidos, que refletem que os estudantes mostraram se interessados nas discussões, revelando um amadurecimento muito maior do que o esperado. Palavras-chave: Literatura Africana, Inteligências Múltiplas, proposta de mini curso. Introdução As disciplinas Estágio Supervisionado e orientação para a prática profissional em Língua Portuguesa 1 e 2, do Curso de Graduação em Letras da UFSCar, estão na grade curricular do último ano do Curso de Licenciatura e tem como objetivo formar professores conscientes de seu papel como educadores e construtores críticos de uma prática pedagógica teoricamente consistente. Além da teoria estudada, na parte prática da disciplina, que corresponde ao estágio de observação e regência, feito em duplas em escolas e/ou instituições de Ensino Fundamental ou Médio, públicas ou particulares da região de São Carlos, esses estagiários observam aulas com o objetivo de detectar o contexto escolar da clientela a ser trabalhada, e, posteriormente, no estágio de regência, são estimulados a preparar e a ministrar um mini-curso, com carga horária total de 30 horas.

Assim, buscando a integração entre as teorias estudadas nas diversas disciplinas do curso de licenciatura em Letras e a prática pedagógica, os estagiários tiveram a oportunidade de escolher o tipo de mini-curso que queriam ministrar, a instituição em que realizariam as atividades práticas e foi ainda proposto que eles planejassem e implementassem as aulas, sempre refletindo acerca de seu trabalho, conforme defende Abrahão (2000/2001). Essa liberdade resultou em mini-cursos de temas variados, como um projeto de ensino de Língua Portuguesa para estrangeiros, um mini-curso de redação para alunos de uma escola particular de ensino de idiomas, em mini-cursos de ensino de redação e literatura voltados à preparação para o vestibular para alunos de escolas públicas e particulares, em um mini-curso para portadores de necessidades especiais, além de um projeto com menores em liberdade assistida. Neste trabalho, considerando a obrigatoriedade do ensino da história da África e dos africanos no currículo escolar do Ensino Fundamental e Médio (Lei nº 10.639), bem como a determinação de que o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana, e a educação das relações étnico-raciais se devem se desenvolver no cotidiano das escolas, nos diferentes níveis e modalidades de ensino (Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana[1]), apresentamos uma proposta de mini-curso intitulada "A cultura e os valores dos africanos e afrodescendentes na literatura africana de Língua Portuguesa", desenvolvido com alunos do 9º ano do Ensino Fundamental de uma escola particular de Rio Claro, durante o ano de 2008. Nesse mini-curso foram abordadas questões relacionadas à história e cultura africanas a partir de textos de escritores africanos de Língua Portugesa, em uma tentativa de apresentar e sensibilizar os alunos quanto aos valores defendidos pelos povos africanos e afrodescendentes, conscientizando-os de que "a sociedade é formada por pessoas pertencentes a grupos étnico-raciais distintos, que possuem cultura e histórias próprias, igualmente valiosas que em conjunto constroem, na nação brasileira, sua história" (Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana). Por meio do trabalho com a teoria das Inteligências Múltiplas e os Pontos de Entrada, do psicólogo norte-americano Howard Gardner (1985), foram exploradas as diversas inteligências dos alunos. O trabalho também contou com a colaboração dos demais professores de Português da escola, além dos professores de História, Geografia, Ciências, Educação Religiosa e Filosofia. Apresentamos, além do planejamento do mini-curso, os resultados obtidos e apontamos outros projetos desenvolvidos na mesma escola a partir deste. Planejamento do mini-curso Atualmente, no Brasil, a cultura e o padrão estético negro e africano convivem de maneira tensa com um padrão estético e cultural branco europeu. No entanto, mesmo a presença da cultura negra e o fato de 45% da população brasileira ser composta por negros, não tem sido suficientes para eliminar as desigualdades que os afetam desde a época colonial (Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana).

A vinda de africanos para o Brasil inicia-se, oficialmente, em 1559, quando a metrópole portuguesa decide permitir o ingresso de escravos vindos da África em nosso país. A mão-de-obra africana foi inserida nas lavouras brasileiras, sendo obtida por meio do tráfico de escravos vindos, principalmente, das colônias portuguesas na África. O tráfico negreiro era de grande interesse para a metrópole, já que, além dos traficantes, lucravam também a Coroa portuguesa e até a Igreja Católica, que ganhava uma porcentagem sobre cada escravo que entrava no Brasil. A atividade do tráfico negreiro foi extremamente lucrativa e perdurou até 1850, sendo extinguida nesse ano com a Lei Eusébio de Queirós. Outras leis vieram em anos seguintes, como a do Ventre Livre (1871), dos Sexagenários (1887), mas a escravidão só foi extinta no Brasil em 13 de maio de 1888, com a Leia Áurea, assinada pela Princesa Isabel. Nesses cerca de 300 anos em que durou, a escravidão fez dos negros elementos essencias para a formação da cultura brasileira, tão importantes quanto as influências européias, asiáticas e indígenas. Porém, embora a Constituição Federal nos seus Art.5º, I, Art. 210, Art. 206, I, 1º do Art. 242, Art. 215 e Art. 216, e os Art. 26, 26 A e 79 B da Lei 9.349/96, de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) assegurem o direito à igualdade de condições de vida e de cidadania, garantam igual direito às histórias e culturas que compõem a nação brasileira e o direito de acesso às diferentes fontes da cultura nacional a todos brasileiros, não vemos a valorização da História e Cultura Afro- Brasileira e Africana, que, muitas vezes, não estão inclusas nos planos de Ensino das escolas da rede pública e privada. Assim, a fim de resgatar historicamente a contribuição dos negros na construção e formação da sociedade brasileira, em março de 2003, o governo federal sancionou a Lei nº 10.639/03-MEC, que altera a LDB e estabelece as Diretrizes Curriculares, tornando obrigatório o ensino da História da África e dos Africanos no currículo escolar do ensino fundamental e médio. Mesmo reconhecendo que o fim da desigualdade social e racial não é tarefa exclusiva da escola, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Ético-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana consideram que as instituições de ensino têm um papel preponderante na eliminação das discriminações e emancipação dos grupos discriminados, uma vez que proporciona: [...] acesso aos conhecimentos científicos, a registros culturais diferenciados, à conquista de racionalidade que rege as relações sociais e raciais, a conhecimentos avançados, indispensáveis para consolidação e concerto das nações como espaços democráticos e igualitários. As diretrizes garantem que o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana pode ocorrer nos diferentes níveis e modalidades de ensino, como conteúdo de disciplinas como Educação Artística, Literatura e História do Brasil. Afirmam, ainda, que as instituições têm autonomia para compor projetos relacionados à proposta. Assim, foi proposto um mini-curso, voltado aos alunos do 9º ano do ensino fundamental, para tratar de questões relacionadas à história e cultura africanas baseada em textos literários produzidos nos países africanos de língua portuguesa.

As atividades elaboradas levaram em consideração o conhecimento prévio dos alunos acerca do assunto e a Teoria das Inteligências Múltiplas de Howard Gardner (1985). Prodedimentos Metodológicos O mini-curso foi ministrado em quatro turmas de 9º ano de um colégio particular da cidade de Rio Claro. Em cada turma foram ministradas 8 aulas de, totalizando 32 horas/aula. Foram selecionados para o mini-curso três contos de autores africanos (Estória da galinha e o ovo, de Luandino Vieira; Mulato de sangue azul, de Manuel Rui; e A Menina Vitória, de Arnaldo Santos) que visam mostrar a visão de mundo do próprio negro. Para evitar que as aulas ficassem cansativas e tentar envolver os alunos nas atividades propostas optou-se por trabalhar com a Teoria das Inteligências Múltiplas, do psicólogo americano Howard Gardner, que propõe uma mudança de paradigma que influencia a Educação como um todo, uma vez que se distancia da visão de ensino tradicional e passa a observar nos alunos suas múltiplas inteligências. Gardner (1985) considera que todos nascem com sete tipos de inteligência, a saber: a inteligência lingüística, a lógico-matemática, a visual-espacial, a corporalcinestésica, a musical, a naturalista, a interpessoal e a intrapessoal. Neste tipo de trabalho o professor deve ser um facilitador, um organizador de conhecimento que propõe conteúdos e atividades, a fim de estimular a produção de seus alunos e o desenvolvimento de suas inteligências. Segundo Moita Lopes (2001, p. 184), o professor deve ter: [...] uma visão de conhecimento como processo. Nesta visão, a sala de aula deixa de ser o lugar da certeza, ou de aplicação de um conhecimento pronto e acabado, e passa a ser o espaço da procura do conhecimento, em que o professor e os alunos, aqueles mais diretamente interessados no que ocorre em sala de aula, passam a ter papel central na prática social de construção de conhecimento sobre a sala de aula. Este conhecimento, por envolver o professor na produção de conhecimento sobre sua prática social, tem, inclusive, um caráter emancipatório [...]. Abreu-e-Lima (2002) acrescenta que os professores podem sugerir atividades, mas devem também aceitar as sugestões dos alunos. Segundo a autora, cabe ai professor organizar o material de pesquisa e orientar os alunos durante as atividades. De acordo com a teoria das Inteligências Múltiplas, o professor pode desenvolver seu plano de aula através dos Pontos de Entrada, em que ele organiza diferentes formas de abordar, estudar e apreender o mesmo conteúdo.

Planejamento das aulas Foi proposto, para a realização do mini-curso, o seguinte plano de ensino: 1ª Aula: O afro-descendente na sociedade brasileira Inteligências trabalhadas: Lingüística, visual-espacial e interpessoal. Ponto de entrada: Experiencial - Contextualizar os alunos quanto ao tema que será abordado no mini-curso, retomando questões históricas e geográficas do continente africano. - Permitir que os alunos reflitam a respeito da influência e importância dos africanos e afro-descendentes em nossa sociedade. - Permitir que os alunos reflitam a respeito da discriminação social e racial, ainda presentes em nossa sociedade. Proposta de trabalho: Após a contextualização do tema que será abordado no mini-curso, os alunos devem produzir, em grupos, cartazes que mostrem as influências dos africanos e afro-descendentes na sociedade brasileira e a realidade vivida por eles em nosso país. Materiais necessários: Cartolina, revistas e jornais. 2ª Aula: Os valores dos povos africanos Inteligências trabalhadas: Lingüística, visual-espacial e interpessoal. Ponto de entrada: Lógico-Matemático - Permitir que os alunos tenham contato com a literatura africana. - Permitir que os alunos reflitam a respeito de alguns valores dos povos africanos: a valorização da mulher (sociedade matriarcal) e a valorização dos idosos. - Permitir que os alunos discutam de maneira crítica o problema proposto, trabalhando com causas e conseqüências. Proposta de trabalho: Baseados na leitura do conto Estória da galinha e o ovo, do escritor angolano Luandino Vieira, os alunos devem responder algumas questões e participar de um debate, defendendo uma das personagens do conto. Materiais necessários: Atividade fotocopiada 3ª Aula: Os padrões da sociedade brasileira e o racismo Inteligências trabalhadas: Lingüística, visual-espacial e interpessoal. Ponto de entrada: Estético - Mostrar aos alunos que a cultura e o padrão estético negro e africano convivem de maneira tensa com um padrão estético e cultural branco europeu. - Permitir que os alunos reflitam sobre as formas de assimilação. - Permitir que os alunos, ao realizarem a atividade, reflitam sobre a

ideologia do branqueamento. Proposta de trabalho: Baseados nas fotos e entrevistas de duas atrizes afro-descendentes os alunos devem responder algumas questões que visam mostrar a necessidade dos negros em seguir os padrões estéticos europeus para serem aceitos. Materiais necessários: Atividade fotocopiada 4ª Aula: O racismo entre os negros Inteligências trabalhadas: Lingüística e interpessoal. Ponto de entrada: Filosófico - Permitir que os alunos reflitam sobre as formas de assimilação. - Permitir que os alunos reflitam sobre a assimilação da cultura ocidental pelos afro-descendentes e suas conseqüências. Proposta de trabalho: - Baseados na leitura do conto Mulato de sangue azul do escritor angolano Manuel Rui, os alunos devem responder algumas questões e discutir suas respostas com o grupo. Materiais necessários: Atividade fotocopiada 5ª Aula: As conseqüências do racismo Inteligências trabalhadas: Lingüística, interpessoal e intrapessoal. Ponto de entrada: Narrativo - Permitir que os alunos reflitam sobre o preconceito e o racismo. - Permitir que os alunos percebam o sofrimento e os traumas que o preconceito pode causar aos afro-descententes em nosso país. - Mostrar aos alunos que o preconceito não prejudica apenas os negros, mas os brancos também. Proposta de trabalho: Baseados no conto A Menina Vitória, do escritor angolano Arnaldo Santos, os alunos devem responder algumas questões e produzir um breve texto expressando como se sentiriam se fossem vítimas de algum tipo de preconceito. Materiais necessários: Atividade fotocopiada 6ª Aula: A real situação dos afro-descendentes no Brasil Inteligências trabalhadas: Lingüística, lógico-matemática, visual-espacial e interpessoal. Ponto de entrada: Lógico-matemático - Permitir que o aluno, utilizando fontes de pesquisa virtuais, coletem dados sobre a situação dos afro-descendentes em nosso país, a fim de que tenham consciência de que o preconceito está presente na sociedade brasileira (nas escolas, no mercado de trabalho, etc.) Proposta de trabalho: Os alunos, em duplas ou pequenos grupos, devem pesquisar na internet notícias que se referem aos afro-descendentes no Brasil e responder algumas questões que visam mostrar a realidade vivenciada por eles. Materiais necessários: Atividade fotocopiada 7ª Aula: Concretizando o conhecimento Inteligências trabalhadas: A inteligência trabalhada dependerá do tipo de trabalho que o aluno ou o grupo quiser desenvolver. Ponto de entrada: Experiencial

Proposta de trabalho: Proposta de trabalho: - Permitir que os alunos, baseados nos textos lidos e nas discussões realizadas em sala, possam representar o que aprenderam da maneira como se sentirem mais confiantes. Em pequenos grupo, ou individualmente, os alunos devem transmitir o que aprenderam durante o mini-curso. Eles podem elaborar cartazes, escrever textos, poemas, encenar uma pequena peça, etc. 8ª Aula: Fechamento - Permitir que os alunos reflitam sobre o tema abordado no minicurso de maneira crítica, expondo os trabalhos realizados e analisando os trabalhos desenvolvidos pelos demais colegas da sala. Apresentação dos trabalhos desevolvidos na aula anterior: cartazes, textos, poemas, teatros, etc. Avaliação do mini-curso. Salientamos que o referido planejamento sofreu alterações no decorrer das aulas, conforme as necessidades e interesses dos alunos. Análise e discussão dos resultados: reflexões acerca do trabalho desenvolvido O mini-curso, pelo fato de privilegiar o desenvolvimento da competência aplicada da aluna-professora, colocando-a em contato com aspectos teóricos e práticos do magistério, promoveu a sua conscientização acerca das responsabilidades de sua futura profissão e das várias competências que a envolvem.

Nesse sentido, o estudo sobre a educação inclusiva associado aos valores da cultura africana e afrodescendente, assim como à Teoria das Inteligências Múltiplas, de Howard Gardner, à motivação, à interação, às novas maneiras de ensinar, aprender e avaliar os conteúdos de Língua Portuguesa, elaborando planos de ensino com vistas à produção e à aplicação de materiais didáticos e projetos tendo como público-alvo, preferencialmente, adolescentes, levou a aluna-professora a refletir e questionar sua capacidade de, como educadora, se posicionar frente a uma sala de aula, proporcionando e construindo a formação daqueles que deverão atuar nos processos de transformação social. Além disso, a possibilidade de aplicação imediata do que é estudado, planejado e produzido nas disciplinas de Língua Portuguesa cursadas durante a Graduação em Letras em uma instituição escolar escolhida, proporcionou a verificação da adequação do plano de ensino, dos conteúdos selecionados, dos recursos didáticos e materiais utilizados pela aluna-professora para serem trabalhados com o públicoalvo, avaliando-os por meio da organização, da diversificação do material confeccionado e, principalmente, pela adequação àquela realidade específica. No mini-curso apresentado, recebemos grande apoio da direção, coordenação e professores do colégio, que contribuíram para que o projeto fosse interdisciplinar, enriquecendo assim, nosso trabalho. Através da Literatura foi possével conhecer um pouco mais da cultura aficana e ter acesso a uma outra cultura nos torna, além de mais cultos, mais tolerantes para aceitar o "diferente". Mais do que trabalhar com a língua, o objetivo deste mini-curso era sensibilizar os alunos, mostrando uma realidade que, muitas vezes, eles nem imaginam que existe. Pelo retorno obtido por meio da participação dos alunos nas atividades propostas e discussões, bem como pelo envolvimento dos professores no projeto, acreditamos que esse objetivo foi atingido e despertou, ainda, outras iniciativas. No segundo semestre de 2008, foi realizado um outro projeto na mesma escola, envolvendo alunos dos 6ºs anos e em novembro do mesmo ano, na semana da Consciência Negra, foi realizado um evento com atividades culturais, desenvolvidas pelos alunos, professores e convidados, a fim de proporcionar um momento de reflexão, aprendizagem e partilha acerca da cultura e dos valores africanos e afrobrasileiros. Acreditamos que conscientizar os alunos é a melhor maneira de fazer com que eles se empenhem em fazer a diferença, iniciando por rever pequenas ações que podem mudar nossa sociedade. Considerações finais

A inclusão suscita novos desafios e levanta questões para os que direta e indiretamente atuam na área de ensino. Para tanto, a preparação adequada dos futuros professores é um ponto de extrema importância. As feições das instituições de ensino em tempos de grandes transformações sociais estão mudando e os futuros professores precisam adquirir novas habilidades para trabalhar com seus alunos, como foi o caso do mini-curso desenvolvido. Embora os objetivos traçados para o mini-curso tenham sido atingidos, conforme citado anteriormente, acreditamos que algumas alterações poderiam ser realizadas a fim de atender as necessidades específicas de cada turma. Consideramos ainda que os projetos deveriam ter continuidade, envolvendo alunos de diversos segmentos e professores de áreas distintas. Referências Bibliográficas ABRAHÃO, M. H. Uma abordagem reflexiva na formação e no desenvolvimento do professor de língua estrangeira. Contexturas: Ensino Crítico de Língua Inglesa, Indaiatuba, n. 5, 2000/2001, p. 153-159. ABREU-E-LIMA, D. P. M. As Inteligências Múltiplas na Formação de Educadores em Língua Estrangeira - Inglês: Relato de Experiência. Versão Beta, São Carlos, v. 4, n. 1, p. 1-6, 2002. GARDNER, H. Frames of mind. New York, Basic Books Inc., 1985. MOITA LOPES, L. P. A formação teórico-crítica do professor de línguas: o professorpesquisador. In: MOITA LOPES, L. P. Oficina de lingüística aplicada. 3ª reimp. Campinas: Mercado de Letras, 2001. p. 179-190. RUI, M. Mulato de sangue azul. In: RUI, M. Regresso adiado. Lisboa: Edições 70, 1978. p. 11-31. SANTOS, A. A menina Vitória. In: SANTOS, A. Kinaxixe e outras prosas. São Paulo: Ática, 1981. VIEIRA, L. Estória da galinha e do ovo. In: VIEIRA, L. Luuanda. São Paulo: Ática, 1982. 99-123. Bibliografia Consultada FARIA, Maria Cristina Brandão de; FERNANDES3, Danubia de Andrade. Representação da identidade negra na telenovela brasileira. Disponível em:. Acesso em: 07 mar. 2008.

. Acesso em: 07 mar. 2008.. Acesso em: 07 mar. 2008. [1] O referido documento está disponível no site: http://www.espacoacademico.com.br/040/40pc_diretriz.htm. Acesso em: 15 de julho de 2009.