A impropriedade de manifestações sobre suposto índice de prescrições de ações penais na Justiça Militar Estadual



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Transcrição:

A impropriedade de manifestações sobre suposto índice de prescrições de ações penais na Justiça Militar Estadual Sergio Antonio Berni de Brum * Diante de frequentes manifestações equivocadas, segundo as quais, no 2º grau da Justiça Militar Estadual, existiria um grande número de processos com a prescrição da ação penal decretada, abordamos aqui o tema da prescrição no âmbito da Justiça Militar, buscando elucidar a questão da conceituação e da previsão legal da matéria e, por consequência, apontando possíveis incongruências conceituais manifestas. A abordagem a seguir, acerca do tema prescrição, estará centrada nos artigos previstos no Código Penal Militar, e, não pretendemos aprofundá-la além do necessário para a compreensão do nosso ponto de vista, visto que o objetivo está delimitado a identificar o equívoco e provar que, no 2º grau da JME/RS não existe número significativo de processos com a prescrição da ação penal decretada. A prescrição, no âmbito da Justiça Militar, está regulada no Código Penal Militar, Decreto-Lei nº 1001, de 21 de outubro de 1969, no seu capítulo VI Dos Efeitos da Condenação, TÍTULO VIII - Da Extinção da Punibilidade. Com relação à extinção da punibilidade Jorge Cesar de Assis leciona 1 : Leciona Celso Delmanto (1986:159) que enquanto a Lei penal não é violada, o Direito que o Estado tem de punir os eventuais infratores da lei é apenas abstrato. Entretanto, quando ocorre efetiva violação da lei penal pela prática de crime ou de contravenção aquele direito, que então era somente abstrato, torna-se concreto e faz então nascer a possibilidade de o Estado aplicar sanção ao infrator da lei penal. Essa possibilidade jurídica de impor pena ao violador da lei penal é chamada de punibilidade. Não é, portanto, a punibilidade, o requisito do crime, mas sua consequência. Podem, porém, surgir fatos ou atos jurídicos que impeçam o direito de punir do Estado, isto é, extinguir a punibilidade. Por isso, diz-se que causas de extinção da punibilidade são aqueles * Juiz-Presidente do Tribunal de Justiça Militar do Estado do Rio Grande do Sul. 1 ASSIS, Jorge Cesar de. Comentários ao Código Penal Militar. Curitiba: JURUÁ, 2002, p. 237-238.

fatos ou atos jurídicos que impedem o Estado de exercer seu direito de punir os infratores da lei penal. Entre as causas extintivas da punibilidade contidas no art. 123 do Código Penal Militar destaca-se a sua implementação: IV - pela prescrição [...] Sobre a prescrição penal, Celso Delmanto ensina: Prescrição penal é a perda do poder de punir do Estado, causada pelo decurso do tempo fixado em lei. O Estado tem o direito de exigir a aplicação da pena que a lei violada prevê em abstrato (pretensão punitiva). Uma vez imposta a pena o Estado tem o direito de executar aquela pena que foi concretamente aplicada (a pretensão punitiva transforma-se em pretensão executória). A punibilidade, porém, não é eterna, sendo delimitada no tempo: a lei fixa prazos, dentro dos quais o Estado pode exercer o Direito de exigir a aplicação da pena (pretensão punitiva) ou o Direito de executá-la (pretensão executória). Ultrapassados tais prazos, há a prescrição, que faz desaparecer a punibilidade, ou seja, extingue a punibilidade de fato 2. Ainda, no artigo 124 do mesmo diploma legal consta que a prescrição refere-se à ação penal ou à execução da pena. Na lição de Ênio Luiz Rossetto 3, a prescrição da pretensão punitiva subdivide-se em: a) prescrição da pretensão punitiva da pena em abstrato, a qual ocorre antes da aplicação da pena e o prazo prescricional é calculado pelo máximo da pena em abstrato; b) prescrição retroativa, prevista no art. 125, 1º - da sentença condenatória até a primeira causa interruptiva (instauração do processo) - o prazo prescricional verifica-se de acordo com a pena aplicada. Acerca do tema decisão do STJ e desta Corte: Habeas corpus - Penal militar Constrangimento ilegal e lesão corporal - Prescrição retroativa - Inocorrência - Ordem denegada. - Inocorre a alegada prescrição retroativa tendo em vista que o réu foi condenado a pena inferior a 01 ano e entre a última causa interruptiva ou seja, o recebimento da denúncia, que se deu em 10/09/1999 - e a sentença condenatória recorrível, datada de 22/06/2001, não incidiu o lapso prescricional de 02 anos, ex vi art.125, inciso VII e 1º e 5º, do Código Penal Militar. - Ordem denegada. (HC 27758/RS. Habeas Corpus 2002/0051287-9. Relator Ministro Jorge Scartezzini. Órgão Julgador: Quinta Turma. Data do Julgamento: 01/04/2004. Data da publicação: 24/05/2004). c) prescrição intercorrente, que ocorre da sentença condenatória recorrível para frente e o prazo prescricional é verificado de acordo com a pena aplicada; 2 DELMANTO, Celso et al. Código Penal Comentado. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 215 3 ROSSETTO, Ênio Luiz. Código Penal Militar Comentado. São Paulo: Revista dos TRibuanis, 2012, p. 437.

d) prescrição antecipada ou virtual, que se verifica pelo máximo da pena privativa cominada ao crime. Temos um exemplo no caso de o Ministério Público verificar, ainda na fase inquisitorial (IPM), que embora se aplique o máximo da pena de tal delito ao réu, restará prescrita em virtude do tempo já decorrido. Vale frisar que há entendimento contrário à prescrição antecipada no sentido de que o réu tem o direito de receber uma decisão de mérito. Nessa esteira: PROCESSUAL PENAL. CRIME EM TESE. AÇÃO PENAL. TRANCAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. PRESCRIÇÃO (VIRTUAL) DA PRETENSÃO PUNITIVA. PENA A SER CONCRETIZADA NO FUTURO. IMPOSSIBILIDADE DE DECRETAÇÃO ANTECIPADA. 1 - Conforme luzidia corrente doutrinária e jurisprudencial, a justa causa apta a justificar o trancamento da ação penal é aquela perceptível ictu oculi, onde a ilegalidade é patente e evidenciada pela simples enunciação dos fatos a demonstrar a ausência de qualquer elemento indiciário que dê base à acusação. No entanto, se há descrição pelo Ministério Público de crime em tese, com apoio em inquérito policial, impõe-se o prosseguimento da ação. 2 - Antes da sentença a pena é abstratamente cominada, calculando-se o prazo prescricional pelo máximo que, na espécie (12 anos), não dá ensejo à prescrição. Não pode ser decretada a extinção da punibilidade pela possibilidade futura de ser concretizada a pena mínima, ante a primariedade e os bons antecedentes do réu. 3 - Ordem denegada. (STJ HC 9210 / SP HABEAS CORPUS 1999/0036244-6 6ª T, j. 18.5.1999) Vejamos agora o que é previsto em relação ao tempo para a prescrição da ação penal. Dispõe o art. 125: A prescrição da ação penal, salvo o disposto no 1º deste artigo, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se: I - em trinta anos, se a pena é de morte; II - em vinte anos, se o máximo da pena é superior a doze; III - em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito e não excede a doze; IV - em doze anos, se o máximo da pena é superior a quatro e não excede a oito; V - em oito anos, se o máximo da pena é superior a dois e não excede a quatro;

VI - em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo superior, não excede a dois; VII - em dois anos, se o máximo da pena é inferior a um ano. Esse mesmo artigo, em seu 2º, regula o termo inicial da prescrição da ação penal, in verbis: - A prescrição da ação penal começa a correr: a) do dia em que o crime se consumou; b) no caso de tentativa, do dia em que cessou a atividade criminosa; c) nos crimes permanentes, do dia em que cessou a permanência; d) nos crimes de falsidade, da data em que o fato se tornou conhecido. Traz-se à colação julgado desta Corte: HÁBEAS-CÓRPUS Nº 1249-38.2014.9.21.0000 HÁBEAS-CÓRPUS. CRIME DE LESÃO CORPORAL. ART. 9, CAPUT, DO CPM. PRESCRIÇÃO. INCIDÊNCIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ORDEM CONCEDIDA. UNÂNIME. In casu, verifica-se que os pacientes foram denunciados por lesão corporal leve, praticada em 16 de agosto de 2009 (art. 209, caput, c/c 70, II, na forma do art. 53, caput, e 79, caput, duas vezes, todos do Código Penal Militar). O delito de lesões corporais, previsto no art. 209, caput, do Código Penal Militar, comina uma pena de detenção de três meses a um ano. Assim, a pena máxima prevista no referido tipo penal enseja prazo prescricional de quatro anos (art. 125, inc. VI, do CPM), contados do dia em que o crime se consumou (art. 125, 2º, a, do CPM). Logo, como a denúncia foi recebida em 21/1/2014 e a consumação delitiva ocorreu em 16/8/2009, tendo decorrido mais de quatro anos entre as datas, inexistindo causas suspensivas ou interruptivas, imperiosa é a declaração da prescrição da pretensão punitiva em abstrato, devendo haver o trancamento da ação penal por falta de justa causa, em face da extinção da punibilidade dos pacientes. Ordem concedida por unanimidade. (HC 1249-38.2014.9.21.0000 Juiz Relator: Juiz Fernando Guerreiro de Lemos, 2014). No caso de concurso de crimes ou crime continuado, diz o art. 125, 3º do Código Penal Militar que a prescrição é referida, não à pena unificada, mas a de cada crime considerado isoladamente. Quanto à suspensão do instituto, prevê o mesmo diploma legal em seu art. 125, 4º que a prescrição da ação penal não corre:

I - enquanto não resolvida, em outro processo, questão de que dependa o reconhecimento da existência do crime; II - enquanto o agente cumpre pena no estrangeiro. Já os casos de interrupção do prazo prescricional, matéria deveras importante a advogados, magistrados e demais operadores da área do direito, estão previstos no art. 125, 5º e 6º, in verbis: O curso da prescrição da ação penal interrompe-se: I - pela instauração do processo; II - pela sentença condenatória recorrível. 6º - A interrupção da prescrição produz efeito relativamente a todos os autores do crime; e nos crimes conexos, que sejam objeto do mesmo processo, a interrupção relativa a qualquer deles estende-se aos demais. Quanto à interrupção do prazo de prescrição de pretensão punitiva, Guilherme de Souza Nucci, em seu magistério, instruiu que 4 : Interromper a prescrição significa recomeçar, por inteiro, o prazo prescricional. Exemplo: se após o decurso de dois anos do lapso prescricional, de um total de 4, houver a ocorrência de uma causa interruptiva, o prazo recomeça a correr integralmente. No art. 126 do CPM encontramos a prescrição da execução da pena ou da medida de segurança que a substitui, a qual é regulada pelo tempo fixado na sentença e verificada nos mesmos prazos estabelecidos no art. 125 e aumentada de 1/3 caso seja o criminoso habitual ou por tendência. Neste diapasão, colaciona-se decisão do TJM /RS e do Superior Tribunal Militar: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. PRELIMINAR. JUIZ. FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO. RAZÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGALIDADE. RECURSO ESPECIAL E RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INADMISSIBILIDADE. EFEITOS RETROATIVOS. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. NÃOCONSUMAÇÃO. PRESCRIÇÃO EXECUTÓRIA. NÃO INCIDÊNCIA. REGIME DE CUMPRIMENTO DE PENA. FIXAÇÃO NA SENTENÇA. DIREITO PENAL MILITAR. NÃO OBRIGATORIEDADE. RECURSO IMPROVIDO. UNÂNIME. In casu, preliminarmente, 4 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 609.

não há nenhuma ilegalidade na decisão atacada, porquanto a magistrada fundamentou a sua decisão na manifestação do Ministério Público. No mérito, tem-se que a defesa ingressou com recurso especial e recurso extraordinário, porém, como foram considerados inadmissíveis, os efeitos desse reconhecimento retroagiram e não foi considera consumada a denominada prescrição intercorrente. Quanto à prescrição da pretensão executória do Estado, tem-se, por força do art. 126, 1º, alínea a, do CPM, que começa a correr do dia em que passa em julgado a sentença condenatória para ambas as partes. Desta forma, afasta-se a sua incidência, uma vez que o trânsito em julgado ocorreu em 27/2/2009 e o recorrente foi preso em 27/6/2011. O juízo a quo não tem necessidade de fixar na sentença o regime de cumprimento de pena, uma vez que no Direito Penal Militar não são previstos os regimes semiaberto e aberto, ou seja, o sistema previsto é rigorosamente o fechado. Ademais, o Tribunal de Justiça Militar, há muito, consolidou o entendimento da não aplicação da progressão de regime em processo de execução de militar recolhido a presídio militar, como é o caso em comento. Preliminar rejeitada por unanimidade. No mérito, sem divergência de votos. Recurso em sentido estrito improvido. (RSE nº 2238-2011 Juiz Relator: Fernando Guerreiro de Lemos). RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. Recurso defensivo contra decisão a quo que indeferiu pedido de declaração da prescrição da pretensão da execução da pena imposta ao Sentenciado. Pretende a Defesa fazer valer o Código Penal comum que dispõe que a prescrição da pretensão executória começa a correr do dia em que transita em julgado a sentença condenatória para a acusação. O Código Penal Militar, entretanto, não é omisso com relação ao tema, de modo a justificar a aplicação subsidiária da legislação penal comum. Somente após o trânsito em julgado para ambas as Partes é que se pode falar na prescrição da pretensão executória (art. 126, 1º, alínea "a", do CPM). Recurso defensivo improvido. Unânime. (STM/AM. RSE nº 020-46.2011.7.12.0012. Ministro Relator Marcus Vinicius Oliveira dos Santos. Data da Publicação: 31/05/2011). Vale lembrar também o art. 127 do CPM, o qual refere a prescrição no caso de reforma ou suspensão de exercício, bem como o dispositivo 128 do aludido diploma, que prevê disposições comuns a ambas as espécies de prescrição. Já a redução dos prazos de prescrição está prevista no art. 129 do CPM, in verbis: são reduzidos de metade os prazos da prescrição, quando o criminoso era, ao tempo do crime, menor de vinte e um anos ou maior de setenta. Consideramos ainda que as penas acessórias são imprescritíveis, conforme prevê o art. 130 do CPM.

Com relação à imprescritibilidade das penas acessórias, menciona-se o magistério de Jorge Cesar de Assis 5 : Há que se atentar para duas situações que podem ocorrer em relação às penas acessórias: 1º) Militar (praça) condenado, por exemplo, à pena superior a dois anos sem aplicação da pena acessória, com sentença transitada em julgado. Exemplo do art. 102 do CPM, surge a possibilidade da exclusão das forças armadas. Se, entretanto, por qualquer motivo, ocorrer a prescrição (in abstrato ou in concreto) da pena principal, prescreveria a pena acessória que não foi imposta na sentença (o acessório segue o principal); 2º) No mesmo exemplo, o militar (praça) é condenado, com trânsito em julgado, à pena principal de reclusão superior a dois anos e à pena acessória de exclusão, imposta na mesma sentença. Mesmo que venha a ocorrer a prescrição da pretensão executória da pena privativa de liberdade, a execução da pena acessória (rol no art. 98, I a VIII) não prescreverá nunca. Aliás, tal mandamento está e consonância com a regra do art. 104 do CPM. No caso de insubmissão, a prescrição está regulada no art. 131 do Código Penal Militar, e, no caso de crime de deserção, a previsão está no art. 132 do mesmo codex que reza: No crime de deserção, embora decorrido o prazo da prescrição, esta só extingue a punibilidade quando o desertor atinge a idade de quarenta e cinco anos, e, se oficial, a de sessenta. Diante do breve estudo, lembramos, por fim, que a prescrição, embora não aferida, deve ser declarada de ofício, a teor do art. 133 do CPM. Tomamos, pois, o ensinamento de Guilherme de Souza Nucci 6, com relação à declaração de ofício da prescrição: Sendo matéria de ordem pública a prescrição pode ser reconhecida pelo juiz do processo (conhecimento ou execução), que dela tomar conhecimento. Diante do abordado, o tema acerca da prescrição, com fundamento nos artigos previstos no Código Penal Militar, poderia merecer aqui uma abordagem mais aprofundada, porém, nossa meta é apenas identificar e eliminar o equívoco da afirmação segundo a qual 5 ASSIS, Jorge Cesar de. Comentários ao Código Penal Militar. Curitiba: JURUÁ, 2002, p. 253. 6 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 616.

no 2º grau da JME/RS existe um grande número de processos que tiveram a prescrição da ação penal decretada. Destarte, apenas citamos estes referenciais e colacionamos algumas decisões, de vez que nosso intento, após esta preliminar que se entende necessária, é detectar, com base nos atos e nas sessões de julgamento do 2º grau da JME/RS, nos últimos cinco anos, os números pontuais de prescrição da ação penal. Vejamos o demonstrativo a seguir: Ano Total de Prescrição % de Processos Processos Decretada Prescritos Julgados 2010 456 07 1,53% 2011 428 04 0,93% 2012 395 06 1,51% 2013 393 11 2,79% 2014 379 08 2,11% TOTAL 2051 36 1,75% Fonte: Secretaria do Órgão Julgador do TJM/RS Podemos afirmar, com base nos dados coletados na secretaria do órgão julgador do TJM/RS, que dos 2.051 processos julgados nos últimos cinco anos, tão somente 36 processos tiveram a prescrição decretada, marca que atinge o pequeno percentual final de 1,75%, frise-se, muito aquém das médias de prescrição que ocorrem em outros segmentos da Justiça brasileira. Ademais, dos 25.799 processos referentes à improbidade

administrativa em tramitação até 2011 nos tribunais brasileiros, 2.918 prescreveram, ou seja, um percentual superior a 10% 7. Em levantamento realizado, o Conselho Nacional de Justiça apontou que nos tribunais do país existem mais de 41 mil processos contra acusados de assassinatos ou tentativa de homicídio e que, destes, aproximadamente 24 mil correm o risco de prescrição, ou seja, mais de 58,5% 8, e, ainda, conforme notícia veiculada 9, em uma vara criminal de um Estado brasileiro, 30 processos do Tribunal do Júri já se encontravam prescritos no ano de 2009. É sabido que a maior parte das reclamações recebidas na Ouvidoria do Conselho Nacional de Justiça se refere à morosidade processual no Poder Judiciário, assunto que, segundo o Ouvidor-Geral, Conselheiro Gilberto Martins aflige todos os segmentos da população e faz com que muitas pessoas recorram à Ouvidoria do CNJ na tentativa de resolver o problema 10. Tais reclamações representaram 45,26% (2.306) dos registros recebidos entre abril a junho de 2014. As tabelas apresentadas pelo CNJ mostram que a Justiça Militar Estadual ostenta percentual de 0% de reclamações, diferentemente do que ocorre na Justiça estadual em que foi apontado um percentual de 73,13% no relatório do órgão que atua como canal de comunicação entre o Conselho e a população 11. De tudo, infere-se que a incidência do instituto jurídico da prescrição se deve, principalmente, à morosidade do judiciário. Assim, é importante registrar que na JME não se verifica o índice de morosidade constatado nos demais ramos da justiça. Este fato comprova o assentamento da Justiça Militar estadual em um dos princípios constitucionais balizadores deste ramo especializado, 7 PORTAL CNJ. Justiça condena 205 por corrupção, lavagem e improbidade em 2012. Disponível em: < http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/24270-justica-condena-205-por-corrupcao-lavagem-e-improbidade-em-2012>. Acesso em: 10 jun. 2013. 8 POVO online. 24 mil processos correm o risco de prescrever em tribunais do País. Disponível em: <http://www.opovo.com.br/app/opovo/brasil/2013/03/14/ noticiasjornalbrasil, 3021987/24-mil-processos-corremo-risco-de-prescrever-em-tribunais-do-pais.shtml>. Acesso em: 07. Jun. 2013. 9 CONSULTOR JURÍDICO. CNJ encontra muitas ações prescritas em Alagoas. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2009-out-14/cnj-identifica-grande-quantidade-processos-prescritos-alagoas>. Acesso em: 07 jun. 2013. 10 PORTAL CNJ. Morosidade da Justiça é a principal reclamação recebida pela Ouvidoria do CNJ. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/29765-morosidade-da-justiça-e-a-principal-reclamação>. Acesso em: 18 mar. 2015. 11 Conselho Nacional de Justiça. 18º Relatório Trimestral da Ouvidoria do Conselho Nacional de Justiça, 03/09/2014.

qual seja o da celeridade. Sábios os dizeres de Cezar Bitencourt acerca do tema: a pretensão do Estado de punir e de executar a pena não pode eternizar-se como uma espada de Dâmocles pairada sobre a cabeça do indivíduo 12. Para o insigne autor Aury Lopes Jr. 13 : A demora na prestação jurisdicional constitui um dos mais antigos problemas da Administração da Justiça. [...] Os principais fundamentos de uma célere tramitação do processo, sem atropelo das garantias fundamentais, é claro, estão calcados no respeito à dignidade do acusado, no interesse probatório, no interesse coletivo no correto funcionamento das instituições, e na própria confiança na capacidade da Justiça de resolver os assuntos que a ela são levados, no prazo legalmente considerado como adequado e razoável. E desta forma, não resta dúvida de que a Justiça Militar, em harmonia com o princípio da prestação jurisdicional em tempo hábil, cumpre sua finalidade com eficácia, atendendo, deste modo, ao princípio da razoável duração do processo, introduzido no art. 5º, inc. LXVIII, da Carta Magna, em razão da Emenda Constitucional nº 45/04. 12 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 769. 13 LOPES JR., Aury; BADARÓ, Gustavo H. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 225-226.