ENSINANDO FENÔMENOS DE TRANSPORTE EM UM AMBIENTE COMPUTACIONAL INTERATIVO USANDO O MAPLE Fabiana Vassallo Caldas, fvcaldas@terra.com.br Rosenir Rita de Cassia Moreira da Silva, rosenir@vm.uff.br Arlindo de Almeida Rocha, arsumalu@vm.uff.br Universidade Federal Fluminense, Departamento de Engenharia Química, Escola de Engenharia Rua Passos da Pátria, 156, CEP. 24210-240, Niterói, RJ, Tel. (21)2620-7070 R. 342, Fax. 2717-4446 GESET Grupo de Estudos Sobre o Ensino Tecnológico Resumo - O presente trabalho apresenta a montagem de um ambiente computacional interativo utilizando o software Maple, tendo como objetivo a análise de problemas de Fenômenos de Transporte de massa, calor e quantidade de movimento para estudantes em nível de graduação na área de engenharia. Trata-se de um ambiente computacional interativo com uma interface amigável e de fácil comunicação com o software de forma que o usuário não precise ser um expert em Maple para resolver os problemas. O usuário pode partir de conceitos fundamentais obter a solução das equações, culminando com as aplicações da teoria apresentada na forma de equações, tabelas ou de gráficos. A utilização desse ambiente interativo globalizado na forma de livro digital inteligente possibilita ao estudante uma análise mais completa, rigorosa e com profundidade da transferência de massa, calor e quantidade de movimento em diferentes situações de interesse prático e teórico. Em particular é apresentado um exemplo de aplicação considerando uma reação catalítica sujeita às limitações difusionais internas de transporte de massa e calor. Palavras-Chave: Maple. Ambiente Computacional Interativo. Difusão em catalisador poroso.
1. INTRODUÇÃO Este trabalho é parte de um projeto educacional que visa dinamizar o Ensino de Tópicos Matemáticos, Fenômenos de Transporte II, Fenômenos de Transporte III e Cinética Heterogênea do Curso de Engenharia Química da UFF. O ponto chave desta abordagem está no fato de que com o avanço tecnológico da informática, problemas complexos podem ser facilmente resolvidos por meio de softwares especializados. Assim, o reconhecimento da informática no mundo da engenharia, corresponde a um ponto fundamental no processo de ensino-aprendizagem. Problemas relativos ao mecanismo de transferência de massa, calor e quantidade de movimento geralmente apresentam um grau de dificuldade considerável para os alunos do curso de graduação em engenharia química. Na maioria dos livros encontramos métodos simplificados para a solução de tais problemas. Esses métodos, em muitos casos, somente se aplicam a determinadas situações e dependem da utilização de gráficos, os quais implicam em soluções aproximadas e imprecisas para esses problemas. Porém, utilizando como ferramenta um software matemático podemos obter rapidamente soluções mais exatas e resultados mais precisos de forma mais rápida e simples. O presente trabalho buscou desenvolver um ambiente computacional com características didáticas que possibilite o conhecimento dos passos necessários para o desenvolvimento de modelos algébricos, simbólicos e numéricos de problemas de transferência de calor, massa e quantidade de movimento em sistemas de coordenadas cartesianas, cilíndricas e esféricas. Através da definição do sistema de coordenadas, o software gera as equações gerais da conservação de massa, energia e quantidade de movimento. A partir daí, simplificando essas equações gerais, o aluno pode verificar passo a passo como é formulado o problema de valor de contorno e inicial, visualizar a solução analítica desse problema e finalmente, o aluno também pode dispor rapidamente de resultados exatos ou aproximados de complexidade e precisão variáveis. A utilização do software possibilita integrar todo o conhecimento necessário para a solução deste problema desde a formulação básica das equações de conservação, obtenção da solução e aplicação final. Neste trabalho é apresentado um exemplo de aplicação considerando uma reação catalítica sujeita às limitações difusionais internas de transporte de massa e calor. Desta forma, acredita-se que o uso da informática no ensino de engenharia pode trazer muitos benefícios, fazendo com que o senso crítico seja incentivado e mais conhecimento seja agregado. 2. O SOFTWARE MAPLE O software Maple consiste em um sistema de computação algébrica (às vezes chamada de manipulação algébrica ou computação simbólica), que pode ser definida (Gonnet e Grunz) como a computação com variáveis e constantes de acordo com as regras da álgebra, análise e outros ramos da matemática. O software realiza manipulação de expressões que envolvem símbolos, variáveis e operações formais. O Maple permite resolver problemas levando a soluções analíticas e exatas, em diversas áreas da matemática, destacando-se o cálculo diferencial e integral, os sistemas de equações algébricas, as equações diferenciais e os sistemas de equações diferenciais, a álgebra linear, entre outras. Além de trabalhar com operações algébricas, o Maple possui ferramentas gráficas para a visualização de resultados, podendo elaborar gráficos em duas ou três dimensões e gráficos animados. Devido a sua grande potencialidade, o Maple pode ser utilizado em diversas áreas, como matemática, física, química, estatística, finanças, e em especial, na engenharia. Neste trabalho, a atenção será focada na utilização do Maple para a resolução de problemas de transferência de calor e massa, mais especificamente na análise do desempenho de um catalisador esférico considerando a transferência de calor e massa no interior da partícula do catalisador e a determinação da sua efetividade. 3. O AMBIENTE COMPUTACIONAL INTERATIVO PARA ANÁLISE DA TRANSFERÊNCIA DE MASSA, CALOR E QUANTIDADE DE MOVIMENTO O ambiente computacional desenvolvido possibilita descrever o comportamento reacional em catalisadores porosos sujeitos às limitações difusionais internas à transferência de massa e calor de forma
interativa. Pode-se acompanhar todas as etapas do processo, variando-se os diversos parâmetros. A modelagem desse fenômeno facilita o estudo de fenômenos de transporte e cinética heterogênea, resolvendo numericamente as equações que governam o problema. O ambiente utilizado é estruturado em módulos, onde por meio de um menu principal o usuário seleciona o módulo desejado e pode acompanhar na seqüência todos os passos necessários para a obtenção da solução de qualquer problema de transmissão de calor, transferência de massa e quantidade de movimento. A Figura 1 apresenta a tela do menu principal, onde cada módulo pode ser acessado apertando o botão de + à esquerda do modulo desejado. Figura 1. Demonstração do Ambiente Computacional Interativo Ao acessar o primeiro módulo correspondente às equações da conservação no sistema de coordenadas adequado o usuário deverá entrar com o sistema de coordenadas que será utilizado para solução do problema: cartesiano, cilíndrico ou esférico. A partir daí o software gera automaticamente as equações gerais da conservação de massa (para um componente puro e para misturas binárias), energia e quantidade de movimento. A Figura 2 mostra o resultado final das equações geradas.
Figura 2. Equações Gerais da Conservação no Maple No módulo SIMPLIFICAÇÕES é realizada a simplificação das equações, para isso o usuário deverá fornecer os seguintes dados: componentes do vetor velocidade e a dependência funcional das mesmas e a dependência funcional da pressão e as componentes da aceleração da gravidade; dependência funcional da temperatura e a dependência funcional da taxa de geração de calor por unidade de volume; dependência funcional da concentração de componente A e a expressão da taxa de reação de A por unidade de volume. Os resultados são mostrados na Figura 3. Após o fornecimento das simplificações, estas são efetivamente aplicadas a cada equação de conservação. Posteriormente, no módulo PROBLEMA FORMULADO são evidenciadas as equações a serem resolvidas para o problema proposto e suas respectivas condições de contorno. Em seguida, efetua-se a adimensionalização do problema, definida pelo próprio usuário. Resolve-se o sistema de equações, no presente caso, uma diferencial (equação 8) e outra algébrica (equação 5). As equações 5 e 8 serão descritas no próximo item (Formulação do Problema). A definição de parâmetros para a determinação da equação 8 pode ser visualizada na Figura 4. Além da formulação do problema esse é resolvido numericamente e a sua solução é apresentada na forma de gráficos de maneira a facilitar a compreensão dos dados.
Figura 3. Simplificação das equações de conservação de massa e energia e obtenção da relação analítica entre temperatura e concentração Figura 4. Adimensionalização das equações
4. FORMULAÇÃO DO PROBLEMA O problema a ser estudado considera a reação química catalítica irreversível A B, cuja taxa de reação (-r A ) é de primeira ordem em relação à concentração de A (C A ), ocorrendo num grão de catalisador, sujeito às limitações difusionais internas à transferência de calor e massa. Os grãos podem ter geometrias esféricas, cilíndricas e de placa plana. Partindo-se das equações de conservação de massa e de energia, em regime permanente e considerando-se que os fluxos radiais predominam, obtém-se para um catalisador esférico, por exemplo, as seguintes equações diferenciais simplificadas: D A, ef d 2 dc A r ra = 0 2 r dr dr λ d 2 dt r + H ( ) = 2 R r A r dr dr ( ) 0 Sendo (-r A ) = kc A, onde k é a constante de Arrhenius que depende da temperatura e pode ser descrita como k = k o exp(-e/rt). Desta forma, verifica-se que a taxa de reação é uma função fortemente dependente da concentração e da temperatura. As condições de contorno são definidas na superfície e no centro de forma a garantir simetria radial e podem ser relacionadas a seguir: (1) (2) dc A dt = 0 = 0 em r = 0 (3) dr dr C = C T = T em r R (4) As s = A solução dessas equações para determinação dos perfis de concentração e calor ao longo de r é difícil de ser obtida analiticamente, pois devem ser resolvidas simultaneamente. No entanto, é possível, obter-se uma relação analítica entre a concentração e a temperatura em cada ponto do grão. T T s = ( H ) r λ D A, ef ( C C ) As A (5) Para resolver este problema e obter-se o fator de efetividade, η, que expressa a razão entre a taxa real sujeita a limitação difusional e a taxa intrínseca (sem limitação), em função do módulo de Thiele, φ, definido como: s φ = R (6) D k A, ef sendo k s = k o exp(-e/rt s ), é preciso dividir as equações diferenciais pela taxa de reação nas condições de superfície. Pode-se então adimensionalizar as equações, introduzindo os parâmetros e as variáveis adimensionais sugeridas por Weisz e Hicks (1966): γ = E RT s β = ( H ) R D λt A, ef s C As x = r R e y = C C As (7)
Após as devidas substituições chega-se a seguinte equação: ) y) ( 1 y 2 d y 2 dy 2 γβ ( 1 + = φ y exp (8) 2 dx x dx 1+ β dy dr com as seguintes condições de contorno: ( 0 ) = 0 e y( 1) = 1 A resolução dessa equação não é trivial, pois trata-se de um problema não linear de elevada complexidade, inclusive possuindo soluções múltiplas para certos valores dos parâmetros. (9) 5. RESULTADOS OBTIDOS Para o problema em questão, foram escolhidos valores de =40, = -0.3, 0, 0.3 e um intervalo de de 0.2 a 20, como exemplo. O valor de negativo corresponde às reações endotérmicas, o positivo para reações exotérmicas e o nulo para reações isotérmicas. ( A partir desses valores foram executadas as rotinas construídas resolvendo numericamente a equação obtida. Os gráficos para o fator de efetividade ) versus os valores de para coordenadas esféricas, cilíndricas e retangulares são apresentados nas Figuras 5, 6 e 7. Para reações exotérmicas ( >0) devido ao aumento significativo da temperatura na superfície e no interior dos catalisadores, as taxas de reação tornam-se maiores resultando em valores altos para o fator de efetividade, maiores do que 1. Para valores elevados de e na zona dos baixos valores de, correspondem três valores de não mostrados no intervalo analisado para o exemplo. Este comportamento resulta da solução da equação do balanço de energia ser uma função fortemente não linear da temperatura, conduzindo a soluções múltiplas da equação, o que corresponde a uma instabilidade físico-química. Nessa situação de múltiplo estado estacionário somente os valores mais altos ou mais baixos de são atingidos conforme a direção da aproximação, correspondendo os valores médios a um estado instável. Figura 5. Fator de Efetividade (η) versus o Módulo de Thiele (φ) Grão esférico
Figura 6. Fator de Efetividade (η) versus o Módulo de Thiele (φ) Grão retangular Figura 7. Fator de Efetividade (η) versus o Módulo de Thiele (φ) Grão cilíndrico Também se verifica os perfis adimensionais para concentração e temperatura em função da distância para coordenadas esféricas, pelas Figuras 8 e 9.
Figura 8. Perfil de Temperatura e Concentração para Reações Endotérmicas Figura 9. Perfil de Temperatura e Concentração para Reações Exotérmicas É possível analisar os resultados para cada parâmetro proposto. Em particular neste caso, pode-se verificar que para reações na qual a limitação difusional interna exerce extrema importância a reação química ocorre quase completamente na superfície do catalisador. Essa concentração é nula no interior do catalisador para reações exotérmicas, como conseqüência das altas taxas de reação observadas. Já para reações endotérmicas, essa concentração converge para um pequeno valor positivo, pois como a velocidade da reação é baixa, sempre haverá um vestígio de concentração de reagente no interior do catalisador. A visualização dessas soluções de forma interativa faz com que o aluno perceba as influências dos diversos fatores, pois ele pode escolher os parâmetros, verificar suas influências e decidir os novos caminhos. O problema aqui proposto pode ter uma série de variações, que podem ser analisadas. Por exemplo, a forma do catalisador como visto, a ordem da reação, os valores de β que podem variar de valores negativos a positivos, geralmente na prática variam de -0,5 até 0,5, passando pelo zero (reações isotérmicas). Os valores de γ podem assumir qualquer valor positivo, comumente estão entre 0 e 60, e os valores de módulo de Thiele, também positivos, podem assumir valores acima de zero e à medida que crescem, aumentam as limitações difusionais internas. Isto visto, a utilização deste software propicia um entendimento maior do assunto em sala de aula, tornando a aula mais dinâmica. É uma ferramenta que permite ao aluno juntamente com o professor fazer os cálculos em qualquer momento, para qualquer hipótese, sem ter que recorrer a gráficos ou tabelas, préexistentes e limitados. Didaticamente representa uma alternativa promissora, um avanço na forma de ensinar. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS O uso do ambiente computacional usando MAPLE é interessante para solucionar problemas complicados como esse apresentado, tornando o ensino mais facilitado. Certamente torna o aprendizado mais dinâmico e voltado à análise conceitual, fazendo com que o usuário, com base nos resultados que vão sendo obtidos, venha a decidir os novos parâmetros a serem inseridos, já que o software permite uma abordagem seqüencial. Além disso, quando se planeja a formação de engenheiros capazes de atender às necessidades da sociedade, preparados para solucionar problemas em ambiente de elevada complexidade tecnológica, há que se fazê-lo buscando uma ampla e sólida base nos fundamentos da análise conceitual. A introdução de um software de matemática com um pacote didático no curso de engenharia traz consigo uma dinâmica diferenciada onde o aluno tem uma participação mais efetiva e menos passiva, pois terá
a oportunidade de colocar o conhecimento adquirido nas aulas teóricas em prática para analisar e resolver um problema proposto, especialmente se o problema proposto for baseado num caso de interesse industrial, ou seja num caso real do ponto de vista do corpo discente. 7. REFERÊNCIAS ABEL, M. L.; et al. MAPLE V by Ex-ample New York: Academic Press, 1999 BIRD, R. B.; et al. Transport Phenomena New York: John Wiley & Sons, 1960. BOAS, L. M. Mathematical Methods in the Physical Sciences New York: John Wiley & Sons, 1983 CREMASCO, M. A., Fundamentos de Transferência de Massa, Editora da Unicamp, 2004. FIGUEIREDO, J. I.; RIBEIRO, F. R. Catálise Heterogênea. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1989 FOGLER, H. S. (2002). Elementos de Engenharia das Reações Químicas. Ed. Livros Técnicos e Científicos, Rio de Janeiro, RJ. Traduzido por Flávio Faria de Moraes e Luismar Marques Porto, da 3 a ed. em inglês Elements of Chemical Reaction,. 1999. HECK, A. Introduction to Maple New York: Springer-Verlag, 1993. INCROPERA, F. P.; et al. Fundamentos de transferência de calor e de massa: LTC-Livros técnicos científicos editora, Rio de Janeiro, 1998. MAYMO, J. A.; SMITH, J. M. Catalytic Oxidation of Hydrogen Intrapellet Heat and Mass Transfer. A.I.Ch.E. Journal, vol. 12, n o 5, pp. 845-854, 1966. MEADE, D. B.; HARAN, B. S.; WHITE, R. E.. The Shooting Technique for the Solution of Two-Point Boundary Value Problems. Mapletech Computer Algebra, vol. 3, n o 1. South Carolina: Waterloo Maple Inc., 1996. MITRE, J. F., ROCHA,.A. A., LACERDA, R. F., SILVA, R. R. C. M. Alicação do maple como um ambiente didático para ensino, modelagem e simulação de reatores PFR. Anais do IX EEE. 2003. WEISZ, P. B.; HICKS, J. S. The Behaviour of Porous Catalyst Particles in View of Internal Mass and Heat Diffusion Effects. Chemical Engineering Science, vol. 17, pp. 265-275. London: Pergamon Press Ltd., 1962.