Universidade Federal de Pernambuco CCEN - Departamento de Física Física Experimental L1 Instrumentação para o ensino 1 2 o semestre de 2014

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Transcrição:

Universidade Federal de Pernambuco CCEN - Departamento de Física Física Experimental L1 Instrumentação para o ensino 1 2 o semestre de 2014 Sumário 1 Introdução 1 2 Gráficos 1 2.1 Regras para a confecção de gráficos......................... 3 3 Ajustes lineares 4 3.1 O ajuste visual.................................... 4 3.2 O método dos mínimos quadrados.......................... 7 3.2.1 Desvio quadrático médio........................... 7 4 Bibliografia 11

1 Introdução Nas apostilas anteriores vimos como descrever nossa medida com incerteza instrumental e estatística. Conhecemos a função de probabilidade que geralmente está envolvida com a distribuição de erros estatísticos que cometemos no laboratório, a função normal, e construímos histogramas para observar o perfil dessa distribuição. Com isto conhecemos um dos princípios fundamentais de nossa disciplina: o princípio de que quanto maior a quantidade de dados, melhor é a nossa estimativa da distribuição que rege a medida. Tanto a média quanto o desvio padrão tem estimativas melhores quanto mais dados forem retirados. Vamos agora discutir métodos para retirar informação física dessas distribuições. 2 Gráficos Suponha que agora queremos medir não uma dada grandeza Y, mas a dependência desta grandeza com a variação de outra grandeza X. Podemos medir tanto a grandeza X quanto a grandeza Y sem problemas. Nosso problema agora passa a ser descobrir qual a dependência que a variável Y tem com a variável X. Uma maneira simples e efetiva de estimar a dependência envolve a construção de um gráfico. A visualização dos pontos no gráfico auxilia de forma mais efetiva do que a observação dos dados em uma tabela, por exemplo. Exemplo 1 Uma moça decide registrar o peso de seu bebê nos primeiros meses de vida. Para tanto constrói a tabela abaixo. Com os dados da tabela, construímos o gráfico que está abaixo. Qual das duas maneiras de exibir os dados você acha mais simples para visualizar a dependência do peso com os meses de vida do bebê: Pela tabela ou pelo gráfico? 1

Tempo (meses) Peso (Kgf) 0 2,750 1 3,124 2 4,033 3 4,621 4 5,175 5 5,583 6 6,104 7 6,638 8 7,278 9 7,697 10 8,256 11 8,683 12 9,368 Podemos ver que os dados retirados pela moça na tabela tem incerteza de 1 grama enquanto esta informação é perdida no gráfico. Por outro lado, para confirmar o crescimento do peso com o passar dos meses através da tabela, é preciso fazer uma conta de cabeça. Por exemplo, entre o mês 2 e 3 o peso passou de 4,033 Kgf para 4,621 Kgf, e uma conta é necessária para saber se o peso aumentou ou não. Isto não é um problema para quem observa o gráfico, pois é direto que o peso aumenta com o tempo. Naturalmente, existem vantagens e desvantagens em se usar uma tabela, assim como em se usar um gráfico. Para alguns de nossos propósitos, o uso do gráfico será indicado. O seguinte exemplo ilustra mais uma vantagem da visualização dos dados em um gráfico. A figura ao lado mostra como a variável Y depende da variável X de três maneiras diferentes. Note que todas as três funções são crescentes assim como o gráfico do crescimento do bebê na página anterior. Em tabelas seria mais complicado perceber que estas curvas são tão diferentes entre si! Esta figura também ilustra um fato bastante curioso: nós conseguimos perceber que uma das curvas apresentadas é uma reta, enquanto não fazemos a menor idéia de quais são as outras curvas. O ser humano, por algum motivo, detecta 2

facilmente retas. Isto torna o método gráfico bastante poderoso. Esta sensibilidade à reta nos permite fazer ajustes aos nossos dados, como veremos na seção 3. Antes de passar aos ajustes, vamos ver algumas regrinhas para confecção de gráficos. 2.1 Regras para a confecção de gráficos No eixo horizontal (abscissa) é lançada a variável independente, isto é, a variável cujos valores são escolhidos pelo experimentador; no eixo vertical (ordenada) é lançada a variável dependente, isto é, aquela obtida em função da primeira. Em outras palavras, lança-se a causa no eixo horizontal e o efeito no vertical. Deve-se agrupar convenientemente os pontos experimentais mediante a escolha de uma escala adequada. O gráfico da figura (a) é de pouca utilidade para análise se comparado com o da figura (b). Use todo o espaço disponível, se possível. A escala deve ser simples. Adotam-se valores múltiplos ou submúltiplos de números inteiros (0, 1, 2, 3,...; 0,1; 0,2; 0,3;..., 10, 20, 30,..., 100, 200,...). Uma escala complicada e/ou confusa pode dificultar muito a obtenção rápida de informações a partir do gráfico. A escala adotada num eixo não necessita ser igual à do outro. A escolha da escala pode, às vezes, ser imposta por razões teóricas. Por exemplo, desejando-se incluir a origem (0,0) no gráfico para verificar se a curva passaria lá (extrapolação). Se uma curva for traçada sobre o gráfico, esta deve ser suave e contínua. Nunca una os pontos experimentais por segmentos de reta, isto tem um significado em física experimental que certamente você não irá precisar usar. 3

Quando se trabalha com números muito grandes ou muito pequenos, a escala pode ser simplificada lançando-se as potências de 10 juntamente com a unidade sobre os eixos ou usando-se múltiplos ou submúltiplos das unidades. Símbolos diferentes (como quadrados, círculos, triângulos, etc) num mesmo gráfico são empregados para distinguir pontos experimentais relativos a condições diferentes. Importante: Escreva o nome ou a inicial da grandeza em cada eixo com letras maiúsculas e entre parênteses coloque a unidade correspondente. Deixe sempre legível, evitando ter que colocar o nome dos eixos nas bordas do papel ou na ponta dos eixos onde a visibilidade é prejudicada. Após colocar cada ponto no gráfico, não escreva nos eixos os valores relativos a cada ponto, a não ser algum destes valores coincida com os da divisão adotada na escala. A representação gráfica de uma grandeza afetada de uma incerteza é feita por uma barra de incerteza que é um pequeno segmento de reta que abrange o intervalo no qual o valor verdadeiro da grandeza deve estar contido. Se houver incerteza nos dois eixos o ponto será representado por uma cruz ou uma figura geométrica cujas dimensões na direção dos eixos representam as barras de incertezas correspondentes. Em um espaço livre, na parte superior ou inferior da folha, escreva o título do gráfico de forma clara e completa. 3 Ajustes lineares Nesta seção vamos explorar dois tipos de ajustes: o ajuste visual e o ajuste de maior probabilidade. Ambos os ajustes serão estudados sobre funções lineares por duas razões: a primeira é a facilidade que o ser humano tem em detectar retas, daí é útil saber como obter os parâmetros desta reta a partir de um gráfico; a segunda é devido à dificuldade, sendo a reta o ajuste mais simples depois da constante (média). 3.1 O ajuste visual Vamos tomar os cinco últimos valores da tabela que a moça da seção 2 construiu com o peso de seu bebê. 4

Tempo (meses) 8 9 10 11 12 Peso (Kgf) 7,278 7,697 8,256 8,683 9,368 Construindo um gráfico com as expecificações da seção anterior, obtemos um gráfico semelhente ao mostrado abaixo, na esquerda. É possível reconhecer um comportamento aproximadamente linear. O gráfico da direita ilustra possíveis retas que descrevem aquele conjunto de pontos. Note que algumas delas sequer passam pelos pontos experimentais. Qual destas retas você acha que é mais provável de ter dado origem a este conjunto de dados? Colocamos rótulos nas retas. A mais acima chamamos de reta A, a mais baixa de reta C e a do meio de reta B. Existem infinitas retas no plano, com diversas inclinações e passando por infinitos pontos, mas acreditamos que existe uma reta mais provável e, dentre as desenhadas na figura acima, a reta B parece ser a mais provável. Bem, é assim que funciona o método de ajuste visual: Uma reta é traçada aos dados experimentais usando o próprio olho humano como critério. A reta que melhor se ajustar aos pontos é a reta mais provável. Depois de traçada a reta, basta obter seus coeficientes angular e linear. Exemplo 2 Segundo o gráfico acima, o peso da criança cresce linearmente com o tempo de vida. Para conhecer a velocidade de crescimento, é útil conhecer os coeficientes da reta obtida visualmente. Para medir a reta precisamos tomar dois pontos desta reta. Observamos que a reta passa pelo ponto (X 1, Y 1 ) = (7,5; 6,6) e pelo ponto (X 2, Y 2 ) = (13; 9,8). A reta é descrita pelo seu coeficiente angular A e seu coeficiente linear B pela expressão: Y = AX + B, logo: Y 1 = AX 1 + B, 5

subtraindo obtemos o coeficiente angular: Y 2 = AX 2 + B, A = Y 2 Y 1 X 2 X 1 = 9,8-6,6 13-7,5 = 3,2 5, 5 = 0, 582Kgf/mês; o coeficiente linear pode ser obtido utilizando a fórmula principal: B = Y k AX k, onde tanto faz usar k =1 ou k = 2, dá o mesmo resultado (verifique!) Kgf). B = (6, 6) (0, 582)(7, 5) = 2,235 Kgf, Logo, a equação da melhor reta ajustada visualmente é Y = (0,582 Kgf/mês) X + (2,235 Note que os coeficientes da reta possuem significado importante para a descrição do fenômeno: O bebê provavelmente nasceu com 2,235 Kgf de peso e cresce a uma taxa de 0,582 Kgf a cada mês. Isto só é válido para o trecho que tomamos, isto é, para os cinco meses finais de vida, por isto vemos que a estimativa do peso de nascimento do bebê está dentro de um desvio alto de 19%, devido ao fato de que o crescimento no início da vida é diferenciado. Para obter uma incerteza para os coeficientes, é necessário traçar uma segunda reta. Esta segunda reta deve ser feita em gráfico separado para que os erros envolvidos na medida da primeira reta não influencie na nova medida. Repetindo o procedimento acima para a segunda reta, pode-se calcular seus coeficientes e, finalmente, coeficientes médios e seus desvios padrões (lembre-se que já sabemos como tirar a incerteza da média!). Exemplo 3 Suponha que uma segunda reta foi traçada cujos coeficientes deram A = 0,467 Kgf/mês e B = 3,563 Kgf. Agora temos uma segunda medida de uma reta boa para os dados. O resultado final será dado pela reta média, isto é, a reta construída com a média dos coeficientes. A = 0,52 ± 0,04 Kgf/mês B = 2,9 ± 0,5 Kgf A rigor, quanto mais retas traçarmos, mais dados tomamos, portanto, mais nos aproximamos do valor verdadeiro dos coeficientes, com incertezas cada vez mais baixas. No entanto, este método se torna bastante trabalhoso por repetição. Interessantemente, apenas duas medidas já deram resultado com dois algarismos significativos, o que é mais que suficiente quando se trata do crescimento mensal de um bebê. 6

O método do ajuste visual, se bem feito, dá resultados muito bons para experimentos analisados sem o uso do computador. Trata-se de um método simples e rápido para estimar os parâmetros da reta quando a precisão não precisa ser muito elevada. 3.2 O método dos mínimos quadrados 3.2.1 Desvio quadrático médio Dados são conjuntos conjuntos de pares ordenados de medidas {X i, Y i }, com i = 1, 2,... N. Queremos encontrar a reta Y (X) = AX + B (1) que melhor se ajuste aos dados obtidos (note que X e Y podem ter sido obtidos por alguma substituição de variáveis, caso em que podem ser dados e.g. pelos logaritmos de valores medidos). Para tanto, precisamos nos resignar primeiro ao fato de que a relação linear observada em qualquer experimento não é uma relação perfeita, e que portanto é quase impossível encontrar uma reta que passe por todos os dados de um conjunto com mais de dois pontos. Isso ocorre porque medidas possuem flutuações e incertezas, existindo uma dispersão natural nos valores obtidos: pragmaticamente, a melhor reta será sempre aquela que erra menos. Precisamos nesse cenário realista definir o que significa errar menos. Precisamos de uma quantidade que nos forneça o desvio da reta com relação ao conjunto de dados, e nos contentar em minimizar esse desvio. A reta a minimizá-lo será a melhor reta possível (ou menos ruim, para os pessimistas) dentro do conjunto de dados disponível. Para cada medida n, esse desvio é quantificado pelo resíduo δy i, definido como δy i = Y i Y (X i ) (2) O resíduo nos fornece o quão distante uma reta escolhida passa de cada dado Y i. No entanto, o resíduo δy i pode ser tanto positivo quanto negativo, e portanto não possui mínimo. Precisamos então encontrar a reta que minimize os tamanhos dos resíduos de todas as medidas ao mesmo tempo. Uma forma de definir uma quantidade possitiva simples, que seja suave (ao contrário da função módulo) e que possua significado mais profundo em distribuições de probabilidade é tomar o quadrado de δy i. Definimos, assim, o resíduo quadrático pela expressão (δy i ) 2 = [Y i Y (X i )] 2. (3) 7

Para avaliarmos a qualidade da reta com relação a todos os dados, somamos os resíduos quadráticos para obter sua variância, denotada como σ Y, da forma σy 2 = (δy ) 2 [Y i Y (X i )] 2 = N (4) Segunda a Eq. (1), no ponto X i a reta com parâmetros quaisquer A e B possui valor Y (X i ) = AX i + B. Com essa substituição, a equação acima se torna σy 2 = (δy ) 2 (Y i AX i B) 2 = N (5) Em outras palavras, a quantidade a ser minimizada é a variância das distâncias δy i entre Y i medido e o valor Y (X i ) da reta no ponto X i correspondente. Onde a maximização da variância está associada à minimização da soma dos quadrados: Q(X i, Y i ) = (Y i AX i B) 2. (6) Por isto este método é conhecido como o método dos mínimos quadrados, mas vemos que se trata de uma manifestação do princípio da máxima probabilidade. Que valor de A minimiza a soma dos quadrados (equação 6)? Vamos variar A e encontrar quando a derivada é nula: A Q(X i, Y i ) = 2(Y i AX i B)( X i ) = 0, utilizando que a soma é comutativa, vemos que a expressão acima pode ser escrita como: ( N ) ( N ) ( N ) Y i X i A Xi 2 B X i = 0, (7) onde a resposta precisa de uma valor para o coeficiente B. Por isto vamos procurar que valor de B minimiza a soma dos quadrados: B Q(X i, Y i ) = ( 2)(Y i AX i B) = 0, e utilizando que a soma é comutativa, vemos que a expressão pode ser escrita como: onde usamos que a soma de todas as medidas é N: ( N ) ( N ) Y i A X i BN = 0, (8) B = B 1 = BN. 8

Observe bem as equações 7 e 8. Elas correspondem a um sistema linear de duas equações e duas incógnitas (é importante entender que aqui as variáveis são A e B, enquanto as somas podem são dadas pelas medidas realizadas): S X 2A + S X B = S XY S X A + NB = S Y onde os coeficientes S i da esquerda são dados por: S X 2 = Xi 2, S X = X i (9) e os coeficientes S i da direita são dados por: S XY = Y i X i, S Y = Y i. (10) Calculando, apartir dos dados obtidos, os coeficientes via as equações 9 e 10, o sistema pode ser resolvido e encontramos os valores de A e de B da reta mais provável: onde é dado por: A = NS XY S Y S X, B = S Y S X 2 S XY S X, (11) = NS X 2 (S X ) 2, (12) isto é, basicamente o determinante da matriz dos coeficientes da esquerda. Exemplo 4 Vamos resolver o exemplo 3 procurando agora qual a reta que mais se ajusta àquela do crescimento do peso do bebê. Segundo as equações 9, 10, 11 e 12, precisamos apenas realizar algumas somas. Repetimos na próxima página a tabela com os dados e fazemos as respectivas somas na última linha. Não é necessária a construção da tabela para resolver o problema, mas resolvemos exibir aqui para melhor entendimento do processo envolvido na solução do problema. A partir dos dados da tabela, calculamos o valor de : = NS X 2 (S X ) 2 = 5 510 (50) 2 = 50. Usando as equações 11 encontramos os coeficientes da reta mais provável, o coeficiente angular é: e o coeficiente linear é: A = NS XY S Y S X = B = S Y S X 2 S XY S X 5 417,986 41,282 50 50 = 41,282 510 417,986 50 50 = 0,5166 Kgf/mês, = 3,0904 Kgf. Note que este resultado está incluído no resultado do método de ajuste visual. No entanto, agora o procedimento nos garante que estes são os coeficientes da reta mais próxima ao conjunto de dados. 9

X Y X 2 XY 8 7,278 64 58,224 9 7,697 81 69,273 10 8,256 100 82,56 11 8,683 121 95,513 12 9,368 144 112,416 Soma: Soma: Soma: Soma: S X = 50 S Y = 41,282 S X 2 = 510 S XY = 417,986 Uma outra interpretação Até agora interpretamos que encontramos a curva que melhor se ajusta aos dados experimentais, no entanto, é comum se dizer que o método dos mínimos quadrados serve para encontrar a curva mais provável de ter dado origem aos dados experimentais. Esta é uma outra interpretação. Suponha que os dados que foram tomados por um estudante tenham sido sujeitos a erros sistemáticos. Desta forma, os dados incluem estes erros e, dependendo do caso, podemos identificar a presença do erro e, talvez, a origem deste erro. Vamos a um exemplo final: Exemplo 5 Um estudante que deseja conhecer o peso de uma viga metálica de 5000 cm 3 resolveu pesar pequenas partes de volume substancialmente menores. Suas medições deram origem à tabela abaixo. Volume (cm 3 ) 10 20 30 40 50 60 70 80 90 Massa (g) 138 199 299 364 426 526 581 665 743 De acordo com esta tabela, quanto deve pesar os 5000 cm 3? Como a densidade é a razão entre a massa e o volume, seria compreensível dividi-los, o que daria como resultado os valores mostrados na tabela abaixo. Densidade (g/cm 3 ) 13.8 9.97 9.97 9.09 8.52 8.77 8.30 8.31 8.25 Seu valor médio seria (9,4 ± 0,6) g/cm 3. No entanto, note que os números mostrados possuem uma tendência decrescente. Para visualizar melhor o erro que estamos cometendo, vamos construir um gráfico. Como podemos ver, os pontos vibram devido a erros aleatórios. Ajustamos, então, a melhor reta que passa pelos pontos dados. Calculando os coeficientes para a reta temos S X = 450, 10

S X 2 = 28500, S Y = 3941 e S XY = 242490. Isto implica = 54000, logo A = 7,57 g/cm 3 e B = 59,2 g. A reta com estes coeficientes é mostrada na figura acima. Note que o coeficiente B é não-nulo, isto é, a reta não passa pela origem. Bem, esperamos que a massa de uma viga de metal vá a zero quando o volume for a zero. Este é um exemplo de como erros sistemáticos atuam em nossas experiências. Por exemplo, o metal pode ter sido pesado junto com algum recipiente de 59,2 gramas, este erro soma valor à massa em todas as medidas e por isto o gráfico continua linear, mas não passa pelo valor nulo. Um erro sistemático na medida do volume também explicaria B 0. Uma vez que a densidade é a constante de proporcionalidade entre a massa e o volume, a inclinação da reta será uma medida mais apurada da densidade do material, portanto ρ = 7,57 g/cm 3. Compare este valor com os da tabela da página anterior. Aqueles pontos estão sujeitos ao erro sistemático que conseguimos eliminar na densidade ρ. Agora podemos afirmar que, provavelmente, a massa da viga de metal de 5000 cm 3 será 5000 7,57 = 37850 gramas ou 37,85 Kg (agora entendemos porque o estudante não mediu tudo de uma vez: muito pesado para se pôr na balança!). Com a influência do erro sistemático, seria medido pelo estudante algo em torno de 37,85 + 0,06 = 37,91 Kg. 4 Bibliografia Qualquer dúvida quanto a esta apostila pode ser endereçada ao professor Thiago Sobral no email tsobral2004@gmail.com. O desenvolvimento foi inspirado no livro: Vanin, V. R., and O. Helene. Tratamento estatístico de dados em física experimental. 2 a edição, E. Blutcher (1991). 11