RESENHA DA OBRA. Ionice da Silva Debus *

Documentos relacionados
REFLEXÕES SOBRE ALFABETIZAÇÃO

A CRIANÇA NO PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO SEGUNDO EMÍLIA FERREIRO 1

A ALFABETIZAÇÃO E A FORMAÇÃO DE CRIANÇAS LEITORAS E PRODUTURAS DE TEXTOS¹. Aline Serra de Jesus. Graduanda em Pedagogia

PROGRAMA DE DISCIPLINA

Conceptualizando Alfabetização e Letramento

Dinâmica Curricular 2011 versão 8

ALFABETIZAÇÃO E A NECESSIDADE DE SE CRIAR UMA HISTÓRIA DIFERENTE

APRENDIZAGEM DA LÍNGUA ESCRITA: MODELO EMPIRISTA VERSUS MODELO CONSTRUTIVISTA. Disciplina: Alfabetização e Letramento Angélica Merli 2018/2

A IMPORTÂNCIA DA LEITURA E ESCRITA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO INFANTIL E APRENDIZAGEM DA ESCRITA. Disciplina: Linguagem e aquisição da escrita Angélica Merli Março/2018

Índice. 1. O Alfabetizador Ao Desenhar, A Criança Escreve?...5

Angélica Merli Uninove Agosto/2018

ALFABETIZAÇÃO DAS PRÁTICAS ATUAIS DE ENSINO À UMA PROPOSTA CONSTRUTIVISTA DO ATO EDUCATIVO

PLANO DE ENSINO. Curso: Pedagogia. Disciplina: Conteúdos e Metodologia de Alfabetização. Carga Horária Semestral: 80 horas Semestre do Curso: 5º

Aprendizagem da escrita de crianças menores de 7 anos. Linguagem e aquisição da escrita Angélica Merli Março/2018

Métodos de Alfabetização

Resumo Pretendo, nesta pesquisa, apresentar um estudo sobre a posição que a alfabetização ocupa

FRACASSO ESCOLAR NA ALFABETIZAÇÃO/LETRAMENTO

Aulas CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS Aula/Data Ficha-Resumo % Questões Revisão Prefeitura de Cerquilho/SP - Prova 21/05/2017

Psicogênese da língua escrita: proposta construtivista de Emilia Ferreiro e Ana Teberosky

Conceito de método. Os métodos tradicionais de alfabetização. Métodos de marcha sintética. Métodos de marcha analítica.

perspectivas para o futuro

Caminho para se chegar a um fim; Modo ordenado de fazer as coisas; Conjunto de procedimentos técnicos e científicos.

A CONSTRUÇÃO DA ESCRITA: CONTRIBUIÇÕES E PRINCÍPIOS DIDÁTICOS DA TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL E DA PSICOGÊNESE DA LÍNGUA ESCRITA

A OBSERVAÇÃO E A INTERVENÇÃO NA CONSTRUÇÃO DOS SABERES E NO PROCESSO DE AQUISIÇÃO DA ESCRITA

Alfabetização. Tendências Epistemológicas

CONCEPÇÕES DE ALFABETIZAÇÃO, LEITURA E ESCRITA

TECENDO OLHARES EDUCATIVOS SOBRE O PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO: RELEXÕES ACERCA DE UMA CRIANÇA ALFABETIZADORA

CONTEÚDOS PROGRAMÁTICOS

CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM E CONSTRUÇÃO DA ESCRITA. Disciplina: Aquisição da língua escrita Angélica Merli Abril/2018

Conteúdo e Didática de Alfabetização

Educador A PROFISSÃO DE TODOS OS FUTUROS. Uma instituição do grupo

Repensando o Ensino do Português nas Universidades. Prof. Oscar Tadeu de Assunção

PEDAGOGIA. Aspecto Psicológico Brasileiro. Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem Parte 3. Professora: Nathália Bastos

ARTIGO. As concepções de desenvolvimento e aprendizagem na teoria psicogenética de Jean Piaget.

ALFABETIZAÇÃO: DA HISTÓRIA DOS MÉTODOS AO TEXTO

ALFABETIZAÇÃO, ENSINO E APRENDIZAGEM NA EDUCAÇÃO INFATIL

RESENHA. Pró-Discente: Caderno de Prod. Acad.-Cient. Progr. Pós-Grad. Educação Vitória v. 16 n. 2 Jul./dez. 2010

HIPÓTESES DE ESCRITA: ATIVIDADES QUE DÃO CERTO E POTENCIALIZAM O APRENDIZADO DAS CRIANÇAS NA ALFABETIZAÇÃO.

A Informática na Educação Infantil

CURSO O JOGO COMO ESPAÇO DE ALFABETIZAÇÃO CORPORAL II FORMAÇÃO INTERNACIONAL EM EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR. Prof. Fabio D Angelo Novembro 2017

Índice. Grupo Módulo 4

A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE E O ENSINO AULA 2

O DIÁLOGO ENTRE O ENSINO E A APRENDIZAGEM Telma Weisz

Concepções de Desenvolvimento: Inatista, Empirista e Construtivismo PROF. MARCOS ROMÃO

GT 4 - LETRAMENTO E LITERATURA INFANTIL REFLEXÃO DA ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO: UM CARTILHA

ALFABETIZAÇÃO MATEMÁTICA DAS CRIANÇAS NOS ANOS INICIAIS NO ENSINO FUNDAMENTAL: A IMPORTÂNCIA DA ARGUMENTAÇÃO

Amauri de Oliveira Jesus Universidade do Estado da Bahia

A FORMAÇÃO INICIAL DO ALFABETIZADOR: UMA ANÁLISE NOS CURSOS DE PEDAGOGIA

não conter informações referentes à Alfabetização e Letramento nas séries iniciais de escolarização.

PEDAGOGIA. Aspecto Psicológico Brasileiro. Teorias do desenvolvimento e da aprendizagem Parte 6. Professora: Nathália Bastos

Curso: Pedagogia Componente Curricular: Psicologia da Educação Carga Horária: 50 horas. Semestre letivo/ Módulo. Professor(es):

ETAPAS DE DESENVOLVIMENTO DA ESCRITA: RESPOSTAS A UMA EXPERIÊNCIA

ALFABETIZAÇÃO: PRIMEIRAS MANIFESTAÇÕES DA LEITURA E ESCRITA NA CRIANÇA

PRÉ-REQUISITOS Haver concluído a disciplina Introdução aos Estudos Linguísticos ou disciplina equivalente..

Produção de texto Ensino Fundamental - anos iniciais

Resenha (recesso) - Aprendizagem, Arte e Invenção de Virgínia Kastrup

JOGOS E SEQUÊNCIAS LÚDICAS PARA O ENSINO DO SISTEMA DE ESCRITA ALFABÉTICA COM CRIANÇAS DOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL

Desafios e boas práticas de alfabetização. DOM+ Professor

O processo de ensino e aprendizagem em Ciências no Ensino Fundamental. Aula 2

CABE A ESCOLA TANTO A APRENDIZAGEM DAS HABILIDADES BÁSICAS DE LEITURA E ESCRITA (Alfabetização), QUANTO O DESENVOLVIMENTO, PARA ALÉM DESSA HABILIDADE

CONHECIMENTOS GERAIS (5 questões)

O ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA

PREFEITURA MUNICIPAL DE ECOPORANGA ESTADO DO ESPÍRITO SANTO CONCURSO PÚBLICO Nº 01/2018. RETIFICAÇÃO Nº 01 Ao Edital 01/2018

O PIBID COMO DIVISOR DE ÁGUAS PARA UMA PEDAGOGIA LIVRE E CRIATIVA

ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO: DOIS CONCEITOS, UM PROCESSO

ENTENDENDO O CONSTRUTIVISMO E O ENSINO-APRENDIZAGEM NA SALA DE AULA.

CURSO 6 ELABORAÇÃO DE ITINERÁRIOS DE FORMAÇÃO DE FORMADORES

TENDÊNCIA SÓCIO INTERACIONISTA APLICADA AO ESTUDO DAS MATRIZES: UMA INICIATIVA PIBID/CAPES/IFCE

OS PENSADORES DA EDUCAÇÃO

Índice. 1. A Escola e a Linguagem Escrita Aprendizagem Significativa da Linguagem Escrita...3

PLANO DE ENSINO Projeto Pedagógico: Disciplina: Alfabetização e Letramento Carga horária: 80

VMSIMULADOS. ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO 1

REFLEXÕES INICIAIS SOBRE LETRAMENTO

PIBID UMA BREVE REFLEXÃO ENTRE TEORIA E PRÁTICA DOCENTE

SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL - MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA CAMPUS DE ROLIM DE MOURA DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO DO CAMPO

PEB I - PROFESSOR DE EDUCAÇÃO BÁSICA I (Ensino Fundamental 1ª. Fase) (Professores de Anos Iniciais)

Avanços, obstáculos e superação de obstáculos no ensino de português no. Brasil nos últimos 10 anos 1 Tânia Maria Moreira 2

Como você foi alfabetizado?

RELAÇÃO ESCOLA E UNIVERSIDADE: REFLEXÕES A PARTIR DO PROJETO LER & EDUCAR

01/04/2014. Ensinar a ler. Profa.Ma. Mariciane Mores Nunes.

UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA PLANO DE ENSINO DA DISCIPLINA

AULA 04. Profª DENISE VLASIC HOFFMANN,Jussara Avaliar respeitar primeiro, educar depois.

Desenvolvimento, aprendizagem e educação: a influência da abordagem histórico-cultural na escola

A TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA DO GÊNERO BILHETE: UM CAMINHO DE APRENDIZAGEM PARA O ALUNO SURDO

Os verdadeiros analfabetos são os que aprenderam a ler e não leem. (Mário Quintana).

EXPERIÊNCIA COMO ORIENTADORA DO PACTO NACIONAL PELA IDADE CERTA EM CATALÃO-GO.

SOBRE O CURRÍCULO E A METODOLOGIA DE ENSINO DO MNPEF

CURSO PÓS-GRADUAÇÃO EM ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO

CURSO 6 ELABORAÇÃO DE ITINERÁRIOS DE FORMAÇÃO DE FORMADORES

PNAIC PIOS. UNIDADE 1, ANO 1. Equipe do PNAIC-CEAD

DIVISÃO DE ASSUNTOS ACADÊMICOS Secretaria Geral de Cursos PROGRAMA DE DISCIPLINA

II Congresso Nacional de Formação de Professores XII Congresso Estadual Paulista sobre Formação de Educadores

Letra Viva. Episódio: O Planejamento na Prática Pedagógica

JEAN PIAGET: UM APORTE TEÓRICO PARA O CONSTRUTIVISMO E SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA O PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM DA LÍNGUA PORTUGUESA

CONCURSO PÚBLICO DE PROVAS E TÍTULOS Nº 002/2018 RERRATIFICAÇÃO DO EDITAL DE ABERTURA DAS INSCRIÇÕES

PRÁTICA DE ESCRITA NO ENSINO FUNDAMENTAL I E FORMAÇÃO DO PROFESSOR: DA TEORIA À PRÁTICA PEDAGÓGICA

A MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA NA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA SOB A ÓTICA CONSTRUTIVISTA: UMA ANÁLISE DO CURSO DE TURISMO DA CATÓLICA VIRTUAL

EXPERIMENTOS E EXERCÍCIOS DE MECÂNICA NO ENSINO MÉDIO

PÓS-GRADUAÇÃO ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO

Transcrição:

RESENHA DA OBRA Reflexões sobre Alfabetização Ionice da Silva Debus * O livro Reflexões sobre Alfabetização é uma significativa contribuição de Emília Ferreiro para os educadores da contemporaneidade. A obra nos traz importantes reflexões que nos fazem repensar a prática escolar da alfabetização, como resultados de suas pesquisas científicas. Assim, no primeiro tópico A representação da linguagem e o Processo de Alfabetização, a autora nos mostra que o processo de aprendizagem da alfabetização inicial é caracterizado por somente os dois polos, quem ensina e quem aprende, sem levar em conta o terceiro, a natureza do objeto de conhecimento envolvendo esta aprendizagem. Dentro deste tópico, apresenta três subitens, A escrita como sistema de representação, As concepções das crianças a respeito do sistema de escrita e As concepções sobre a língua subjacentes à prática docente, os quais serão exemplificados posteriormente. No segundo tópico, Processos de aquisição da língua escrita no contexto escolar, nos traz que dificilmente reconhecemos que o desenvolvimento da leitura e da escrita começa muito antes da escolarização. No terceiro tópico, O espaço da leitura e da escrita na educação pré-escolar, ela discute os questionamentos feitos na educação pré-escolar de quando se deve começar a introduzir a leitura e a escrita, pois este acesso começa no dia e hora que os adultos decidem.

Ionice da Silva Debus O subitem A escrita como sistema de representação trabalha a diferença essencial entre codificação, em que as relações e os elementos já estão predeterminados e a criação de uma representação, onde nem os elementos, nem as relações estão predeterminados. Esta dicotomia de conceitos se torna dramática, pois se a escrita é concebida como um código de transcrição, sua aprendizagem é concebida como aquisição de uma técnica; mas se for concebida como um sistema de representação, sua aprendizagem se converte em um novo objeto de conhecimento, em uma aprendizagem conceitual. No subitem 2, As concepções das crianças a respeito do sistema de escrita, nos traz que as crianças são seres que ignoram que devem pedir permissão para começar a aprender, que, portanto, possuem suas próprias concepções que devem ser levadas em consideração. O que predomina nas escolas é o modo tradicional de considerar a escrita infantil, onde se presta atenção apenas nos aspectos gráficos das produções, ignorando os construtivos. Diante disso, a autora nos mostra alguns exemplos de suas pesquisas, nas quais crianças foram reprovadas porque a professora não levou em consideração todo processo construtivo utilizado na sua escrita. Fica, assim, ressaltada a importância de levar em consideração que as crianças são produtoras de conhecimento. No subitem 3, As concepções sobre a língua subjacentes à prática docente, questiona a prática alfabetizadora, centrada nos métodos, os quais não oferecem mais do que sugestões, incitações, práticas rituais ou conjuntos de proibições, não podendo criar conhecimento. As práticas baseadas nesses métodos levam a criança à convicção de que o conhecimento é algo que os outros possuem, sem nunca ser participante da construção desse. Neste processo, o 528 Revista Pedagógica - UNOCHAPECÓ - Ano -16 - n. 29 vol. 02 - jul./dez. 2012

RESENHA DA OBRA Reflexões sobre Alfabetização adulto já alfabetizado tem tendência a reduzir o conhecimento do leitor ao convencional. Neste sentido, a partir dos anos 1980 observa-se um desinvestimento no estudo dos métodos de alfabetização, visto que surgiram pesquisas e discussões sobre a Teoria Construtivista de Jean Piaget, as Teorias Sócio-interacionistas de Lev Vygotsky e Henri Wallon, e os estudos de Emília Ferreiro e Ana Teberosky sobre a Psicogênese da Língua Escrita. Estas autoras, em especial, deram importante contribuição para as discussões no Brasil, pois trazem que o construtivismo não é um método de ensino, voltado para como o/a professor/a deve ensinar, pelo contrário, é uma teoria psicológica da aprendizagem que tem como objeto a psicogênese da inteligência e dos conhecimentos, portanto, voltada para como o sujeito aprende (FERREIRO; TEBEROSKY, 1985). Estes novos conceitos trazidos pelas autoras causaram um grande impacto sobre a concepção que se tinha no Brasil sobre o processo de alfabetização, influenciando, inclusive, as normas dos Parâmetros Curriculares Nacionais. Assim, as autoras fazem uma crítica importante à alfabetização tradicional, que dá um peso excessivo para o aspecto exterior da escrita, saber escrever, ou seja, o produto e deixa de lado a compreensão da natureza da escrita e sua organização. Por esse viés as crianças têm um processo ativo na aprendizagem, implicando uma transferência do foco da escola no conteúdo ensinado, para o sujeito que aprende, ou seja, o aluno. A partir da obra de Emília Ferreiro na alfabetização, o uso das cartilhas começou a ser recusado, pois, como defende, as cartilhas oferecem um universo artificial e desinteressante. Segundo ela, a escrita tem uma importante função social, e deve ser estimulada Revista Pedagógica - UNOCHAPECÓ - Ano -16 - n. 29 vol. 02 - jul./dez. 2012 529

Ionice da Silva Debus com o uso de textos atuais, jornais, livros, revistas, histórias. Com isso, a sala de aula se transforma em ambiente alfabetizador. Neste sentido, a alfabetização é uma forma de se apropriar da função social da escrita, pois crianças de classes sociais diferentes apresentam desempenhos desiguais, em que nem todos têm o mesmo acesso a textos lidos e escritos desde os primeiros anos de vida. Com todas estas problematizações, a autora conclui que são necessárias mudanças nas bases para a alfabetização inicial, mas não no sentido de novos métodos ou materiais didáticos, mas de uma revolução conceitual a respeito da alfabetização. No tópico Processos de aquisição da língua escrita no contexto escolar, problematiza a questão dos educadores terem dificuldades em aceitar que as crianças comessem a aprendizagem da leitura e escrita antes da escolarização, onde deixam transparecer a ideia de que querem controlar o processo de aprendizagem e que a escola é a instituição criada para realizar este processo. Com a utilização de métodos tradicionais, a alfabetização introduz aos alunos à leitura de palavras simples e sonoras, como papa, babá, bebê, mas que, quanto à assimilação da criança, não se ligam a nada, porém, a relação que a criança estabelece com o texto inteiro é enriquecedora desde o início do processo. Porém, felizmente as crianças não esperam ter uma professora a sua frente para começar a aprender, desde que nascem são construtoras de conhecimento, no esforço de compreender o mundo que as rodeia, levantam problemas difíceis e abstratos e por si próprias descobrem respostas para eles. A aprendizagem da lecto-escrita é muito mais que aprender a conduzir-se de modo apropriado com este tipo de objeto cultural, é a construção de um novo objeto de conhecimento, que não pode ser diretamente observado de fora. 530 Revista Pedagógica - UNOCHAPECÓ - Ano -16 - n. 29 vol. 02 - jul./dez. 2012

RESENHA DA OBRA Reflexões sobre Alfabetização Com isso, as crianças testam diversas hipóteses estranhas a nosso modo de pensar, para compreender a natureza do sistema de escrita que a sociedade lhes oferece e, para isso, são obrigadas a reconstruí-lo internamente, em vez de recebê-lo como um conhecimento pré-elaborado. O tópico O espaço da leitura e da escrita na educação pré-escolar nos traz a crítica a respeito do questionamento de ensinar ou não a ler e escrever na pré-escola. Esta dúvida está mal colocada, segundo a autora, porque tanto a resposta negativa quanto a positiva apoiam-se em um pressuposto que não é discutido, que o acesso à língua escrita começa no dia e hora que os adultos decidem. Esta reflexão é muito positiva, pois nos mostra que, quando se decide que não devemos ensinar a ler e escrever na pré-escola, as salas sofrem um processo de limpeza, no qual são retirados quaisquer traços da língua escrita. Até mesmo a professora tem um cuidado com a leitura na frente das crianças, em que conta histórias, mas nunca as lê em voz alta. Já quando se decide ensinar, a sala e a prática docente passam a se assemelhar a do primeiro ano, seguindo modelos tradicionais de exercícios de motricidade, com cópias intermináveis e nenhum uso funcional da língua escrita. Estes exemplos nos dão a dimensão do trabalho na sala de aula, em que alguns professores pensam o ensino como momentos separados, não há uma continuidade, e sim uma ruptura no processo. Geralmente, no primeiro ano, desconsidera-se tudo que estava sendo desenvolvido e se passa a priorizar a leitura e a escrita de maneira mecânica, deixando de lado outras aprendizagens necessárias nesta fase do desenvolvimento. Ainda, quando estão escrevendo, é somente aquela palavra, descontextualizada de tudo que a criança já conhece. Algo pronto, que geralmente o professor impõe por entender que é importante Revista Pedagógica - UNOCHAPECÓ - Ano -16 - n. 29 vol. 02 - jul./dez. 2012 531

Ionice da Silva Debus e que está na hora do aluno aprender. Como também, é da mesma maneira para todos, desconsiderando que cada um tem seu tempo de assimilação e cada aluno aprende de um jeito diferente. Outra discussão trazida é em relação à diferença no processo de aprendizagem das crianças do meio rural e do meio urbano. Os professores precisam entender que o meio tem muita influência em como as crianças aprendem e também em que nível elas estão no processo, que conhecimentos prévios trazem para a escola. As crianças do meio urbano iniciam seu processo de aprendizagem muito antes da escola, porque a escrita faz parte da paisagem urbana e a vida requer continuamente o uso da leitura, onde as crianças desde muito cedo tentam compreender informações das mais variadas procedências, recebendo informação sobre a função social da escrita participando desses atos. Porém, as crianças do meio rural ficam em desvantagem em relação às urbanas, onde a escrita não é tão presente na paisagem, ficando este papel à escola, de proporcionar às crianças a liberdade de experimentar os sinais escritos e a leitura. A autora encerra esta discussão afirmando que é papel das escolas darem às crianças ocasiões de aprender, em que a língua escrita deve ser entendida muito mais que um conjunto de formas gráficas, mas um objeto social parte de nosso patrimônio cultural. Cabe salientar que a autora defende os esquemas conceituais que as crianças elaboram não como simples reproduções das informações recebidas do meio, ao contrário, são processos construtivos em que a criança leva em consideração parte da informação recebida e introduz sempre algo subjetivo. Neste sentido, o meio serve de estímulo, mas o resultado é sempre algo a mais, uma construção da própria criança. 532 Revista Pedagógica - UNOCHAPECÓ - Ano -16 - n. 29 vol. 02 - jul./dez. 2012

RESENHA DA OBRA Reflexões sobre Alfabetização Nesta mesma perspectiva está o papel do professor, que tem suas intervenções também como mediadoras do processo de aprendizagem na alfabetização, em que a passagem de um nível para outro é gradual e depende de como vai ser trabalhada cada etapa. Assim, como nos traz a obra de Emília Ferreiro, alfabetizar é construir conhecimento, em que, para ensinar a ler e escrever, faz- -se necessário compreender que os alfabetizandos terão de lidar com dois processos paralelos: as características do sistema de escrita e o uso funcional da linguagem. Após a leitura da obra, pode-se destacar a importância dessa para os educadores, pois a autora traz importantes contribuições para as discussões da alfabetização e seus desafios, tema este muito presente no cotidiano escolar e no meio docente. Sendo assim, constitui-se em leitura obrigatória a todos aqueles que almejam exercer a docência com coerência. Referências FERREIRO, Emília. Reflexões sobre Alfabetização. 24. ed. São Paulo: Cortez, 2001. ; TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da Língua Escrita. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985. 284 p. Revista Pedagógica - UNOCHAPECÓ - Ano -16 - n. 29 vol. 02 - jul./dez. 2012 533

Ionice da Silva Debus Notas * Pedagoga. Mestranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Maria. 534 Revista Pedagógica - UNOCHAPECÓ - Ano -16 - n. 29 vol. 02 - jul./dez. 2012