Regulação e Autoregulação em Saúde: a experiência portuguesa e em países europeus

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Transcrição:

Regulação e Autoregulação em Saúde: a experiência portuguesa e em países europeus Licínio Lopes Martins (Prof. da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra)

I Introdução: os sistemas de saúde no contexto Europeu (o modelo Bismarck e o modelo Beveridge) 1. A institucionalização do modelo Bismarck : lançaria as bases organizatórias do primeiro sistema de saúde (e também as bases organizatórias do primeiro sistema nacional de segurança social) Na Alemanha, em 1883, as entidades patronais foram, por lei, obrigadas a contribuir para um esquema de seguro-doença em favor dos trabalhadores mais pobres, tendo, posteriormente, o esquema do seguro-obrigatório, sido alargado aos trabalhadores, que passaram a ser obrigados a contribuir para o esquema-seguro doença, que cobria os riscos de doença temporária, invalidez permanente, velhice e morte prematura.

1.1. A racionalidade do modelo de Bismarck: a sua racionalidade económica (e não social). A sua finalidade reside na melhoria dos níveis de saúde dos trabalhadores, de forma a diminuir as perdas de produtividade laboral devido a doença 1.2. A generalização do modelo: no final do século XIX e inícios do século XX, o modelo de sistemas de saúde baseados no esquema jurídico do seguro, sustentado pelo esforço contributivo dos empregados e dos empregadores, viria a ser adoptado por outros países da Europa (p. ex., Áustria, Bélgica, Suíça, França, Luxemburgo e Países Baixos)

2. A Segunda Guerra Mundial, as funções sociais do Estado e o modelo Beveridge: a Segunda Guerra Mundial fez repensar o papel e as funções do Estado, designadamente no âmbito das políticas sociais 2.1. O Relatório Beveridge : é neste contexto que, em 1948, com base nas propostas do Relatório Beveridge, é criado, no Reino Unido, o Serviço Nacional de Saúde (National Health Service), de inteira responsabilidade do Estado. O Serviço Nacional de Saúde deveria ser: 1) Completo (no sentido de que deveria dispor todos os cuidados de saúde); 2) Universal (isto é, para toda a população e sem qualquer discriminação económica, social ou geográfica); e 3) Gratuito (pelo menos inicialmente), sendo essencial ou predominantemente financiado com base nos impostos

2.2. A generalização do modelo de Beverigde: o Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido, concebido segundo o modelo de Beverigde, seria, no essencial, replicado por outros países da Europa (p. ex., Dinamarca, Finlândia, Noruega, Suécia, Grécia, Espanha, Itália e Portugal) 2.3. O modelo de financiamento: o Estado financia os cuidados de saúde e assegura a sua directa prestação à população, nomeadamente através de hospitais e de centros de saúde (p. ex., ao nível das camas hospitalares, a sua grande fatia pertence ao Serviço Nacional de Saúde de responsabilidade exclusiva do Estado: cerca de 90% na Dinamarca, Suécia, Finlândia e Reino Unido; entre 60% e 70% na Itália e Portugal; e entre 50% e 70% na Espanha, Grécia e na Irlanda)

2.4.2. Introdução de novos princípios: tem vindo a proceder-se à separação entre as entidades financiadoras/pagadoras e as entidades prestadoras de cuidados de saúde, reflectindo um processo de substituição do modelo modelo integrado - em que o Estado cumulava todas as funções (funções de gestão, prestação e de financiamento) por um modelo estruturalmente contratual Tema do painel: A Autorregulação como Estratégia 2.4. A progressiva introdução de novos métodos de gestão 2.4.1. Introdução de métodos e regras de gestão dos agentes privados: em alguns países, desde a década de 90 do século XX, têm vindo a transpor as regras de gestão do mercado para o interior das unidades públicas e a promover a competição destas com as unidades privadas

II. Caracterização, neste contexto, do Sistema de Saúde Português 1. O Serviço Nacional de Saúde (criado pela Lei nº 56/79, de 15-9) 2. Serviço Nacional de Saúde e Sistema Nacional de Saúde 2.1. Rede Nacional de Cuidados Diferenciados (hospitais empresa) 2.2. Rede Nacional de Cuidados Primários (Agrupamentos de Centros de Saúde) 2.3. Rede Nacional de Cuidados Paliativos

3. A Lei de Bases da Saúde (Lei nº 48/90, de 24 de Agosto): veio enquadrar o papel do SNS num contexto mais diversificado e alargado 3.1. Introdução do conceito experiências inovadoras de gestão : viria a revelar-se revolucionário, constituindo, a partir de então, a base legal para a renovação das formas e dos instrumentos jurídicos de gestão dos estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde 3.2. A valorização dos actores privados: a Lei de Bases da Saúde traria também um novo papel para o sector privado na área da saúde e numa dupla vertente:

a) O sector privado da saúde enquanto sector no qual os agentes/operadores actuam na qualidade de privados e no exercício de uma actividade privada; b) E também enquanto agentes que colaboram nas experiências inovadoras de gestão, isto é, enquanto agentes que, contratualmente, podem, na vez e por conta do Estado, assumir a prestação directa de cuidados de saúde e, inclusivamente, ser investidos na gestão de estabelecimentos. O que acontece desde 1995, ano em que a gestão do Hospital Fernando da Fonseca (Hospital Amadora-Sintra), que foi entregue, através de um contrato de gestão, a uma entidade privada Vejamos, neste quadro, qual o papel do sector privado na saúde:

III - O papel do sector privado da saúde no sistema de saúde português: de sector meramente complementar do Serviço Nacional de Saúde a sector concorrencial com os estabelecimentos deste Serviço Nacional 1. A crescente importância dos agentes privados na gestão de estabelecimentos públicos de saúde e na prestação do serviço público de saúde 1.1. A contratação da prestação de cuidados de saúde aos agentes privados (lucrativos e não lucrativos), designadamente através do regime das convenções (Decreto-Lei n.º 139/2013, de 9 de Outubro)

1.2. A contratação da prestação de cuidados de saúde aos agentes privados (lucrativos e não lucrativos) no combate às listas de espera para cirurgia (Sistema de Gestão de Inscritos para Cirurgia - SIGIC) 1.3. O financiamento e a gestão de estabelecimentos públicos pelos actores privados da saúde: as parcerias público-privadas em saúde (Decreto-Lei n.º 185/2002, de 20 de Agosto) 1.4. A Rede Nacional de Cuidados Paliativos e o papel (essencial) das entidades do terceiro sector ( sector da economia social ). Lei n.º 52/2012, de 5 de Setembro (Lei de Bases dos Cuidados Paliativos)

2. A crescente relevância do sector privado da saúde (não obstante os utentes do Serviço Nacional de Saúde ainda - não disponham de plena liberdade de escolha): a regulação da concorrência entre o mercado público da saúde e o mercado privado da saúde e dentro do mercado privado da saúde 2.1. A liberdade de acesso ao exercício da actividade privada na área da saúde (excepto quanto aos requisitos habilitacionais): - liberdade de acesso na área da medicina geral e familiar; - liberdade de acesso em todas as especialidades da medicina; e - liberdade de acesso na área dos meios complementares de diagnóstico e terapêutica

2.2. A regulação do acesso: o licenciamento e o registo das unidades de saúde privadas pela Entidade Reguladora da Saúde (o Decreto-lei n.º 126/2014, de 22-8, que aprovou os novos - Estatutos da Entidade Reguladora da Saúde ERS, e o Decreto-lei n.º 127/2014, de 22-8, que aprovou o regime de licenciamento das unidades de saúde privadas) 2.2.1. Licenciamento: a abertura e funcionamento de uma unidade privada de saúde dependem da verificação dos requisitos técnicos de funcionamento aplicáveis a cada uma das tipologias (p. ex., medicina dentária, oftalmologia, etc.), definidos por portaria do membro do Governo responsável pela área da saúde

a) Licenciamento simplificado por mera comunicação prévia: os interessados iniciam a actividade através de uma declaração electrónica na qual se responsabiliza pelo cumprimento integral dos requisitos de funcionamento exigíveis para a actividade que se propõem exercer (assim sucede com: clínicas e consultórios dentários; clínicas e consultórios médicos; centros de enfermagem; unidades de medicina física e reabilitação; unidades de radiologia) b) Licenciamento ordinário: é aplicável a todas as outras entidades privadas com cuidados de saúde diferentes daqueles. A licença de funcionamento depende, nestes casos, de uma vistoria prévia, a realizar pela ERS, nos 30 dias subsequentes à data de apresentação do pedido de licença

c) Declaração de conformidade: para as entidades da economia social (instituições particulares de solidariedade social) a verificação dos requisitos de funcionamento é titulada por mera declaração de conformidade. O Decreto-Lei n.º 138/2013, de 9-10, define as formas de articulação do Ministério da Saúde e dos estabelecimentos e serviços do Serviço Nacional de Saúde com as instituições particulares de solidariedade social, enquadradas no regime da Lei de Bases da Economia Social 2.3. A regulação do exercício das actividades de saúde pelas unidades privadas de saúde: a regulação pública; a autoregulação pública; e a auto-regulação (privada)

2.3.1. Regulação pública feita através de entidades do Estado a) A Entidade Reguladora da Saúde (Decreto-lei n.º 126/2014, de 22-8) i) Regula o acesso ao exercício da actividade privada pelos profissionais legalmente habilitados: isto é, procede ao licenciamento das unidades privadas de saúde e de consultórios nos termos que antes referimos ii) Fiscaliza e supervisiona o exercício da actividade (p. ex., preços, práticas anti concorrenciais, respeito pelos direitos dos utentes, cumprimentos de normas de qualidade e de boas práticas) iii) Sanciona os infractores

b) Inspecção Geral das Actividades em Saúde (Decreto-Lei n.º 33/2012 de 13-2) i) Realiza: inspecções temáticas, normativas e à qualidade; auditorias de gestão, financeiras e técnicas, acções de fiscalização, verificação ou acompanhamento e outras não tipificadas destinadas à prevenção e detecção da corrupção e da fraude; ii) Determina: providências que em cada caso se justifiquem para prevenir ou eliminar as situações de que possa resultar perigo grave para a saúde das pessoas

2.3.2. Auto-regulação pública das ordens profissionais (associações públicas profissionais p. ex., Ordem dos Médicos, Ordem dos Médicos Veterinários, Ordem dos Médicos Dentistas, Ordem dos Farmacêuticos, Ordem dos Enfermeiros, Ordem dos Psicólogos, Ordem dos Biólogos, Ordem dos Nutricionistas) 2.3.3. A auto-regulação privada 2.3.3.1. A APHP - Associação Portuguesa de Hospitalização Privada 2.3.3.2. A auto-regulação das associações mutualistas: a crescente importância destas entidades privadas sem fins lucrativos

2.3.3.3. A auto-regulação contratual, ainda que sob a supervisão de uma autoridade pública reguladora (o Instituto de Seguros de Portugal) a) Os seguros de saúde (planos de saúde baseados em seguros) têm o seu regime no Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril (Lei do Contrato de Seguro). A dados de 2007, o número de pessoas abrangidas ascendia já a cerca de dois milhões

b) O sistema privado de assistência/saúde baseado em seguros de saúde pode funcionar em articulação com o SNS: pois Estatuto do SNS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 11/93, de 15 de Janeiro, aplica-se às instituições e serviços que constituem o Serviço Nacional de Saúde e às entidades particulares e profissionais em regime liberal integradas na rede nacional de prestação de cuidados de saúde, quando articuladas com o Serviço Nacional de Saúde (artigo 2.º)

c) Este mesmo Estatuto, contem um capítulo dedicado ao «Seguro alternativo de saúde»: estabelece que podem ser celebrados contratos de seguro por força dos quais as entidades seguradoras assumam, no todo ou em parte, a responsabilidade pela prestação de cuidados de saúde aos beneficiários do SNS, salvaguardando-se sempre o direito de opção dos beneficiários

d) O seguro de saúde pode ser contratado como seguro/plano individual ou de seguro/plano de grupo (artigo 176.º), sendo individual quando esteja em causa uma das seguintes situações: a) Uma pessoa individualmente considerada; b) Agregado familiar; c) Conjunto de pessoas vivendo em economia comum

e) Seguros de grupo: no sistema português de seguros de saúde, o seguro de grupo tem tanta importância como o seguro individual, já que muitas empresas oferecem seguros de saúde para os seus trabalhadores e assumem o pagamento do prémio no todo ou em parte, ficando o remanescente do valor do prémio a cargo do segurado trabalhador, podendo incluir na cobertura do seguro os membros do agregado familiar f) Tendência da evolução: a complementaridade dos seguros/planos de saúde com o SNS tende a ser cada vez mais geral e universal, possibilitando-se aos cidadãos a contratação dos serviços mais apropriados às suas necessidades

e) Cumulação de seguros: para os seguros de pessoas permite-se cumulação de seguros g) Mas os seguros/planos de saúde individuais ou de grupo constituem uma prática comum à generalidade dos países europeus, com modalidades que podem variar entre seguros/planos de enfermidade e de assistência sanitária e seguros de dependência ou ambos simultaneamente 2.3.4. Por último, temos os sistemas mistos de autoregulação pública e de auto-regulação privada: os subsistemas de saúde (alguns deles também baseados em seguros/planos de saúde privados e profissionais)

IV Em síntese, em Portugal, temos a coexistência de diversos sistemas sobreponíveis: - o Serviço Nacional de Saúde; - os esquemas especiais de seguro para determinadas profissões (subsistemas de saúde); - os seguros voluntários de saúde privados - o sector cooperativo e social, em especial as associações mutualistas É, pois, um sistema misto, com uma combinação de prestadores públicos e privados e de financiamento público e privado

V Alguns dados sobre a prestação mista do sistema de saúde português (despesa corrente em saúde em 2011 -» fonte Instituto Nacional de Estatística, 2013) Despesa corrente hospitalar (em % de milhões de euros) - Hospitais públicos 78% - Hospitais privados 22% (mas com acentuada tendência para crescer) Despesa corrente em prestadores de ambulatório (em % de milhões de euros) - Prestadores públicos - 27% - Prestadores privados 73%

VI Alguns dados sobre a rede de prestadores de cuidados de saúde Unidades de cuidados de saúde sem internamento - Públicos 5% -Privados e sector cooperativo e social 95% Meios complementares de diagnóstico - Públicos 1% - Privados 99% Unidades de cuidados de saúde com internamento - Públicos - 42% - Privados - 31% - Sector social - 27%

Cuidados Continuados - Públicos 0% - Privados 29% - Sector social 21% Termas Públicos 29% Privados 71% Tema do painel: A Autorregulação como Estratégia Dentistas - Público 0% - Privados - 99% (e sector social 1%)

VII - Gestão empresarial em todos os subsectores da saúde - Entidades públicas empresariais (hospitais, Unidades Locais de Saúde) - Parcerias público-privadas - Agente económicos do sector privado - Sector social sem objectivos de lucro VIII - Entidades empresariais são geridas em função de objectivos/ resultados

IX Mas há riscos da gestão empresarial na ausência de regulação: 1. Indução artificial da procura (excesso de consumo de serviços de saúde e, portanto, também de despesa) 2. Selecção de utentes, em função das suas características: 2.1. Prestadores: restrições a patologias com pior relação preço/custo de produção 2.2.2. Financiadores: restrições de coberturas (implícitas ou explícitas)

3. Redução da qualidade dos serviços prestados: 3.1. Com preços predeterminados, a procura de maior rendibilidade passa pela redução dos custos 3.2. Redução dos custos pode ser conseguida à custa da qualidade do serviço X Em face deste quadro de potenciais riscos, quais devem ser os objectivos da intervenção pública no mercado, público e privado, da saúde Vejamos:

1. Garantir o acesso universal aos cuidados de saúde 2. Assegurar o financiamento dos cuidados de saúde 3. Supervisão do acesso universal, sem discriminação de utentes 4. Assegurar níveis de qualidade/desempenho (pelo menos, satisfatórios), através: - do licenciamento dos operadores - da avaliação da qualidade dos operadores

5. Promover e garantir uma concorrência que produza relação qualidade/preço (pelo menos, satisfatória) 6. Garantia de equidade entre todos os prestadores 7. Promover a capacitação dos utentes (prestação de informação, capacidade de reclamação)

XI Outras experiências de países europeus 1. Reino Unido 1.1. Todos os cuidados de saúde do Serviço Nacional de Saúde (National Health System NHS), criado em 1948, sempre foram prestado quer por entidades do sector público quer do sector privado, existindo actualmente uma economia mista, de acordo com a qual qualquer entidade devidamente licenciada pode prestar serviços de saúde para pacientes do NHS

1.2. Modelo regulatório 1.2.1. As organizações que prestam serviços de saúde são, portanto, reguladas to ensure they meet essential standards : estas entidades têm a responsabilidade de assegurar a qualidade e a segurança dos serviços prestados, e as entidades reguladoras garantem o cumprimento destas obrigações 1.2.2. A regulação da saúde no Reino Unido compreende dois elementos essenciais: a) E a regulação do mercado da prestação de serviços de saúde, da responsabilidade do Monitor e do Department of Health:

- O Department of Health é responsável pela fixação de uma tarifa nacional para a maior parte das actividades dos hospitais, para encorajar a concorrência com base na qualidade do serviço e não nos custos; - o Monitor foi criado como o regulador sectorial dos serviços de saúde, com o objectivo de protecção e promoção dos interesses dos pacientes, assegurando o funcionamento do mercado no seu benefício;

- O Monitor tem os seus poderes delegados pelo Parlamento, que lhe atribui competências para definir e implementar um quadro de regras a aplicar aos prestadores de serviços de saúde e assegurar o bom funcionamento das organizações de mental health and community care, detendo ainda outros poderes (p. ex., emitir licenças aos organismos integrantes do NHS);

b) A regulação da qualidade e da segurança do serviço de saúde prestado, actualmente a cargo da Care Quality Commisssion (CQC) A Care Quality Commission é um organismo público que pertence ao Department of Health e trabalha em colaboração com o Monitor e com o Foundation Trust e tem como principal objectivo assegurar que os hospitais, lares, dentistas, clínicas médicas e outros prestadores de serviços de saúde cumprem os padrões de qualidade, segurança e efectividade no exercício das suas funções. Este organismo assume-se como um regulador independente no sector da saúde (e também da acção social no Reino Unido)

1.2.3. Ao nível da regulação sectorial para cada área de saúde, temos: - The Medicines and Healthcare Products Regulatory Agency, relativa aos aparelhos médicos e às componentes do sangue; - The Human Tissue Authority, autoridade encarregue do licenciamento e inspecção das organizações que armazenam e utilizam tecidos e órgãos humanos para investigação; - The Human Fertilisation and Embryology Authority, reguladora voltada para os procedimentos de fertilização; - NHS Blood and Transplant, respeitante à colheita de órgãos e testes de sangue; - e a The Health Research Authority, para os centros de investigação

1.2.4. Regulação profissional (existe um regulador para cada profissão/especialidade): - General Medical Council (médicos, em geral); - General Optical Council (especialistas dos olhos); - General Dental Council (dentistas); - General Pharmaceutical Council (farmacêuticos); - Nursing and Midwifery Council (enfermeiras e parteiras); - General Chiropractic Council (quiropráticos); - General Osteopathic Council (osteopatas); - Health and Care Professions Council (profissionais da saúde, psicologia e acção social)

2. França 2.1. França dispõe igualmente de um sistema de saúde universal, em grande parte financiado pelo Estado através de um sistema de seguro nacional de saúde (em 2005, a França gastou 11,2% do PIB em saúde, um valor muito superior à média de gasto por países da Europa e menor do que os Estados Unidos. Cerca de 77% dos gastos com saúde são cobertos pelo Estado) 2.2. A Haute Autorité de Santé (HAS): é uma entidade pública de carácter independente, criada em Agosto de 2004 com a Loi de Santé

2.2.1. É a autoridade responsável por: - garantir a qualidade dos serviços médicos prestados aos pacientes; - garantir a igualdade na prestação do serviço de saúde; - garantir o acesso sustentável aos cuidados tão eficaz e eficiente possível 2.2.2. As actividades da HAS vão desde: - a avaliação de medicamentos, de equipamentos técnicos e procedimentos; - até à publicação de guias informativos; e - acreditação de entidades prestadoras de serviços médicos e profissionais da saúde

2.2.3. Relativamente às actividades de acreditação e certificação das actividades médicas É a HAS que tem competência para avaliar e melhorar a qualidade do atendimento e segurança do paciente nas unidades de saúde e na prática geral, certificando os estabelecimentos e acreditando os profissionais de saúde, tendo vindo a substituir, desde 2005, a Agence Nationale d'accréditation et d'évaluation en Santé

2.2.4. O papel do sector privado a) O sector privado com fins lucrativos assume um papel muito relevante: no ano 2000, 20% das camas para medicina, cirurgia e obstetrícia estavam em hospitais privados com fins lucrativos. Os prestadores de cuidados médicos de ambulatório são, na sua maioria, privados e pagos através de seguros de saúde, de contribuições dos empregadores e trabalhadores, e cada vez mais por impostos sobre o rendimento; também os leitos hospitalares podem ser de natureza pública ou privada

b) Considerando que cerca de dois terços dos profissionais da saúde são trabalhadores independentes, a Lei de Reforma de Seguro de Saúde de 2004, estabeleceu uma organização para todos os profissionais de saúde no sector privado - a Union Nationale des Professions de Santé (UNPS). Trata-se de uma organização de cúpula que representa os profissionais de saúde e define a agenda de negociações com os sistemas de saúde; no entanto, não substitui as já existentes organizações profissionais

Muito Obrigado pela Vossa atenção! Rio de Janeiro, 2-12-2014 Licínio Lopes Martins licinio@fd.uc.pt