DOI: 10.4025/4cih.pphuem.416 O PAPEL DO HISTORIADOR NO SÉCULO XXI: NOVAS TECNOLOGIAS, MÍDIAS E HIPERMÍDIAS NA CONSTRUÇÃO DA HISTORIOGRAFIA Neemias Oliveira da Silva [1] (Universidade Presbiteriana Mackenzie SP). Há que tomar a palavra documento no sentido mais amplo, documento escrito, ilustrado, transmitido pelo som, a imagem, ou qualquer outra maneira. Le Goff. Com o avanço das tecnologias de informação, o computador passou a ser o agente determinante na transmissão de informações. Conceitos novos surgiram para atender a demanda do mercado globalizado, tais como Web (World Wilde Web), sites, e-mails, links, Software, Hardware, Download, Upload etc. Toda essa mudança no mundo das tecnologias, conhecida como Revolução Tecnológica permitiu ao homem abrir um leque de possibilidades de conhecimento e informação em um curto prazo de tempo. No entanto, frente a estas mudanças tecnológicas, novos problemas surgiram, tal como a desigualdade de acesso às informações, que de forma paradoxal a Inclusão Digital ocasionou também a Exclusão Digital, delimitando espaços entre os indivíduos e provocando um maior distanciamento das classes sociais. Apesar de muitas propostas de políticas governamentais para reverter o problema da Exclusão Digital muito há ainda para se fazer na tentativa de amenizar ou buscar solucionar este problema característico da Sociedade do Conhecimento. É com este pensamento que passamos a questionar o papel do historiador no século XXI frente à utilização das mídias no âmbito da produção historiográfica. Como este profissional esta buscando se atualizar, como lidar e usar as muitas informações que lhe são transmitidas e de que forma esse profissional da História filtra os muitos dados que lhe são impostos por essas novas Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs). O que é conhecimento e informação nesses meios eletrônicos e como fazer uso dos recursos hipermidiáticos (reunião de várias mídias num suporte computacional, suportado por sistemas eletrônicos de comunicação) na construção de ambientes virtuais de cunho histórico. Sobre o
4576 uso do hipertexto e da hipermídia, o Prof. Dr. Moacir Gadotti da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), justifica que: O grande diferencial da Internet num futuro próximo estará no uso intensivo do hipertexto e da hipermídia. O hipertexto introduziu uma nova linguagem na educação. O texto é linear, isto é, construído, organizado, tecido a partir de uma seqüência de linhas que permitem saídas ou links, elos com outros textos, imagens, sons, etc. A Internet é essencialmente uma aplicação desta linguagem do hipertexto e principalmente do uso de diversas mídias (hipermídias). Com essa nova linguagem podemos navegar pelo assunto tratado, nos detendo no que mais nos interessa, aprofundando o que mais nos convém. [2] Esse novo modelo de ver a sociedade, sobre a ótica da Informação, levou a uma maior reflexão na construção da narrativa historiográfica. Neste viés, para que o historiador possa trabalhar com estas novas ferramentas tecnológicas para produção do conhecimento, o mesmo deve estar aberto a mudanças, estar disposto a colocá-las em prática, superando seus limites e propondo desafios, na tentativa de construir algo novo, isto é, o conhecimento. Assim sendo, a Interdisciplinaridade vêm trazer a possibilidade do indivíduo se integrar com o meio social e o tecnológico, no sentido da inter-relação com os diferentes campos do saber. É por meio de uma formação holística que o profissional de história vai desenvolver competências para pensar e refletir de forma ativa nessa Sociedade do Conhecimento. Sobre o conceito de interdisciplinaridade, o Prof. Dr. Marcos Maseto da Universidade Presbiteriana Mackenzie UPM revela que a Interdisciplinaridade é: [...] a produção de um conhecimento científico novo a partir de duas ou mais áreas de conhecimento que se integram para tal. [...] Na interdisciplinaridade os olhares se integram permitindo que um novo conhecimento se produza: um conhecimento que não se encontra nem em uma e nem em outras disciplinas isoladamente, mas que surge pelo embate e integração de aspectos de ciências diversas. A Interdisciplinaridade coloca as disciplinas em diálogo entre si de modo que permite uma nova visão da realidade e dos fenômenos. [3] Apesar de a interdisciplinaridade propor uma maior compreensão do mundo devido ao uso das diferentes linguagens e métodos do conhecimento humano, nosso sistema educacional de aprendizagem e de docência no ensino superior, na melhor das hipóteses, ainda é multidisciplinar, dividido por disciplinas autônomas e que na maioria das vezes não estabelece diálogos entre si.
4577 Cada vez mais se tem uma fragmentação do conhecimento por meio das especializações, limitando a capacidade de observar e refletir perante o diferente. Portanto é com a Interdisciplinaridade que se torna possível preparar-se para as mudanças do século XXI, formando um profissional de história reflexivo, que não se encontra isolado do mundo Globalizado e das novas mídias e tecnologias. Com a expansão da Internet, a partir dela, criou-se variados dispositivos tecnológicos permitindo o seu acesso. Entre estes dispositivos, destacamos a realidade virtual, que é um conjunto de tecnologias e aplicativos usados para criar ambientes interativos, podendo representar características reais ou não de elementos do presente ou do passado. Os aplicativos para a construção da realidade virtual são inúmeros, dependendo do conhecimento e do objetivo que o pesquisador deseja alcançar. Podemos citar como exemplo, a possibilidade de navegarmos ou andarmos pelo Museu do Louvre, conhecendo seu acervo por meio de um Tour Virtual (www.louvre.fr). Dessa forma, neste universo das mídias e das tecnologias [4], o historiador encontra-se em constante aprendizado, pois novas ferramentas são disponibilizadas na confecção de ambientes digitais. O profissional da história, assim denominado, o agente que constrói a narrativa historiográfica, este o faz por meio de sua visão de mundo, de sua postura ideológica, dos valores que condicionam a sua forma de pensar e agir inserido em um processo histórico, características estas que por sua vez refletem na forma de construir seu texto digital ou de reproduzir ambientes históricos de multimídia (apresentação da informação, de forma linear, em vários tipos de mídias, sendo: texto, som, imagens, animações e vídeo). Sobre as competências e habilidades do profissional de História, vejamos o parecer do Ministério da Educação sobre o uso das novas tecnologias: Conhecer e saber usar as novas tecnologias implica a aprendizagem de procedimentos para utilizá-las e, principalmente, de habilidades relacionadas ao tratamento da informação. [...] Como a presença desses recursos ainda é recente na sociedade, é muito comum a falta de conhecimento, a subutilização e alguns mitos em relação ao uso de recursos tecnológicos. [5] A relevância para se pensar neste assunto é a possibilidade de disponibilizar para o público em geral o contato com uma realidade distinta da atualidade, os monumentos históricos que atualmente encontra-se em ruínas permite ao observador deslocar-se no tempo e espaço e recriar suas características cotidianas, urbanas e arquitetônicas. A visão do
4578 ambiente virtual é condicionada pela abstração de cada indivíduo conforme sua própria visão de mundo. No entanto, o que mais se discuti na reconstrução de ambientes virtuais e hipermidiáticos é a sua veracidade histórica e científica, o que resulta em inúmeras versões de reconstrução de ambientes históricos. Assim, para se chegar a um rigor quanto à utilização desses ambientes virtuais é necessário conhecer os fragmentos da construção original e acompanhar estudos acadêmicos sobre o período de reconstrução do objeto proposto. Por meio do diálogo Interdisciplinar, a metodologia para se recriar estes espaços interativos vai se formando aos poucos através do próprio objeto hipermidiático, ou seja, a metodologia não se encontra pronta e acaba, isto é, engessada, mas é resultante do conhecimento adquirido sobre o objeto de estudo e do diálogo com outros campos e áreas do saber, resultando em algo novo, em uma nova forma de Escrita da História. Assim sendo, com as mídias e as novas mídias o leitor também exerce o papel de autor. Esta característica permite que a História e a historiografia não sejam vistas como fechadas, acabadas em si, pois toda documentação utilizada pelo historiador para construir o texto histórico pode ser disponibilizada on-line para o usuário das mídias, e este pode reconstruí-la em consonância com a narrativa historiográfica. A especialista em conservação de acervos fotográficos do Centro de Memória da Universidade Estadual de Campinas- UNICAMP e mestre em Multimeios, Marli Ap. Marcondes, sublinha em seu trabalho sobre Hipermídias e o resgate da História que [6]: O objetivo dessa nova escrita, desse novo discurso é deixar o leitor livre para compor sua própria história, com base na documentação disponível. Isso não significa um retorno ao positivismo, no qual a interpretação do fato possuía apenas uma vertente. Com o recurso hipertextual, torna-se possível a disponibilização de obras já publicadas sobre o assunto e o acesso a diferentes discursos relativos ao fato estudado. [...] Assim como no texto linear, no hipertexto o discurso histórico utiliza alguns recursos que lhe garantem verossimilhança, tal como as notas de rodapé. Mas, por se tratar de um suporte técnico bastante diferente, no hipertexto esse recurso dá maior credibilidade ao texto, dado que permite o acesso imediato à referência e deixa de funcionar como uma simples citação escolhida e recortada pelo historiador. Caberá ao leitor utilizar o que lhe parecer melhor nessa referência, e cada leitor, por sua vez, fará um uso diferente dessa mesma referência. Essas conexões só são possíveis pela existência de links e hiperlinks acionados durante a navegação. [...] Portanto, é através da navegação, das inúmeras conexões pelas estradas virtuais é que se produz uma multiplicidade de discursos e se extingue portanto a fronteira do saber historiográfico.
4579 A partir desta citação, ressaltamos que, com a Nova História o conceito de documento ampliou-se. A fotografia, o cinema e o vídeo passaram a constituir fontes de investigação para o historiador contemporâneo. A Hipermídia e o Hipertexto [7] também são documentos, pois apresentam informações sobre determinados períodos Históricos, todos os quais próprios de seu tempo. Como ressaltamos são muitas as vantagens do uso das mídias e das novas tecnologias para a historiografia, entre estas acha a possibilidade de se explorar conceitos e linguagens. A ampliação das potencialidades da atuação humana, principalmente por meio dos novos dispositivos de comunicação, resultou em novas formas de conceber o pensamento. A linearidade do pensamento já não é mais uma alternativa. A leitura não está mais restrita a uma única direção, mas tem múltiplas direções e concomitantes rumos. A multimídia, utilização de vários recursos (visual e sonoro, simultâneos) dentro do novo espaço, evolui, o assunto é hipermídia, e a preocupação é a informação percebida, não apenas recebida. Em um mesmo ambiente é possível expor o receptor às mais diversas formas de informação, por meio de uma união de diversas linguagens (escrita, visual, sonora etc.). A exposição à informação em muitos níveis de apresentação e aprofundamento privilegia outros modos de cognição que não apenas o textual. A ênfase em conceitos como a não-linearidade, a utilização de objetos visuais, confirmando a preocupação cognitiva aliada do projeto de interface, reforça o caráter artístico da nova mídia, a hipermídia. [8] Dessa forma, essa característica da hipermídia é resultante da constante busca pelo novo e da utilização de novos recursos. A utilização desses recursos hipermidiáticos e das novas tecnologias, principalmente no que concerne a produção da escrita da história já é algo comum nos EUA e Europa, apesar de ser uma tecnologia não muito recente, ainda muitos historiadores e pesquisadores no Brasil relutam em utilizar desses meios para se pensar na elaboração de uma nova narrativa. Com base nesta perspectiva, este estudo torna-se relevante para se discutir as transformações oriundas dessas tecnologias de comunicação e informação, fazendo com que o leitor também possa ser autor, não ficando preso ao reducionismo interpretativo. O historiador deve conscientizar-se que além do material escrito existe um mundo de tecnologias a ser desvendado e explorado, com isto, cabe ao historiador construir sua própria narrativa. Notas: [1] Professor de História da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, titular de cargo, mestre em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie SP (UPM). [2] Cf: GADOTTI, Moacir. História das Idéias Pedagógicas. São Paulo: Ed. Ática, 1999, p: 06.
4580 [3] Cf: MASETO, M. Um paradigma Interdisciplinar para a formação do cirurgião dentista. In: CARVALHO, Antônio Cesar Perri; KRIGER, Léo (Org). Educação Odontológica. São Paulo: Artes Médicas, 2006, v. 1, p. 31-50. [4] Segundo o Prof. Dr. Vicente Gosciola: Mídia é uma apropriação da pronúncia em inglês do latim media, que significa meios. O prefixo hiper, de acordo com Michael Heim (Virtual Realism. Nova York: Oxford University, 1998, p: 214), significa estendido, ampliado. Isso sugere, portanto, que hipermídia são meios estendidos, ampliados. Em muitos autores, o termo mídia é utilizado para identificar o recurso pelo qual uma informação é transmitida, ou seja, o canal ou o meio de comunicação através do qual se desenvolve uma comunicação. Na situação atual, no mercado e no dia-a-dia do usuário de novas tecnologias utiliza-se o termo mídia para identificar o suporte onde será replicado (de acordo com Renato Oshima, diretor de CareWare, pioneiro da autoração em DVD no Brasil, replicar significa fazer um objeto perfeitamente igual a um primeiro, como uma clonagem. Isso só é possível em mídias digitais.) um conteúdo ou toda um hipermídia. Cf: VICENTE, Gosciola. Roteiro para as novas mídias: do cinema às mídias interativas. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2003, p: 24 e 25. [5] Cf: BRASIL. Parâmetros Curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: introdução aos parâmetros curriculares nacionais. Brasília: Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria do Ensino Fundamental, DF, 1998, p: 139. [6] Cf: MARCONDES, M. Ap. História e informática: o uso da hipermídia no resgate da historia da "Estrada de Ferro Funilense" (1899-1924). Campinas: Instituto de Artes, 2001, p: 66 e 67. (Dissertação de mestrado) [7] George P. Landow situa o termo hipertexto em um campo maior de, pelo menos, mais quatro possíveis termos de palavra digital: representações gráficas de texto: produção de imagens que não podem ser procuradas, analisadas gramaticalmente ou manipuladas lingüisticamente, mas podem ser animadas, mudar de tamanho, acompanhadas de áudio e assim por diante; estas são freqüentes em anúncios de televisão e, muitas vezes, criadas em Macromedia Director, conhecido software de autoração de hipermídia; texto digital alfanumérico simples: correio eletrônico, quando de informes e ambiente de palavra-processo; texto não linear: não permite, como hipertexto, leitura multisseqüencial; são formas de textualidade não linear os jogos de computador (games), o texto baseado em ambientes colaborativos, como domínios de multiusuário (Mucti-User Dungeons ou Multiple-User Domains ou Dimensions MUDs) e que utilizam programação de Métodos ao Objeto-Orientado (MOOs) e cibertexto, ou texto gerado na Web; simulação: ambientes de simulação de texto podem variar de texto alfanumérico produzido em computador e conseqüentemente tem muito em comum com a forma não linear para exemplos de completa imersão em realidade virtual (ou artificial). Cf: LANDOW, P. George. Hypertext 2.0: the Convergence of Contemporary Critical Theory and Technology, 2º ed. Rev. e ampl. Baltimore: Johns Hopkins University, 1997, p: 309-310 Apud (VICENTE, Gosciola. Roteiro para as novas mídias: do cinema às mídias interativas. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2003, p: 30 e 31.) [8] Cf: MELLO, Paulo Cezar Barbosa. Mídia Digital, o reflexo de uma estética contemporânea. Cadernos Unibero de Produção Científica, v.4, 2005, p: 05 e 06. Referências Bibliográficas BAIRON, Sérgio. Multimídia. São Paulo: Global Editora, 1995. BRASIL. Parâmetros Curriculares nacionais: o terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: introdução aos parâmetros curriculares nacionais. Brasília: Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria do Ensino Fundamental, DF, 1998. BURQUE, Peter. A Escrita da História: novas perspectivas. São Paulo: Editora Unesp, 1992. CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo (Orgs). Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de janeiro: Campus, 1997.. A Escola dos Annales 1929 1989. São Paulo: Ed. Unesp, 1997. GADOTTI, Moacir. História das Idéias Pedagógicas. São Paulo: Ed. Ática, 1999.
4581 HEIM, Michael. Virtual Realism. Nova York. Oxford University, 1998. LANDOW, P. George. Hypertext 2.0: the Convergince of Contemporary Critical Theory and Technology, 2º ed. rev e ampl. Baltimore: Johns Hopkins University, 1997. LEÃO, Lúcia. O labirinto da hipermídia. São Paulo: Editora Iluminuras, 1999. LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas: Editora da Unicamp, 1994. LÉVY, Pierre. As Tecnologias da Inteligência: o futuro na era da informática. Rio de Janeiro: Editora 34, 1994. MACLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como Extensões do Homem. São Paulo: Cultrix, 1971. MARCONDES, Marli Ap. História e informática: o uso da hipermídia no resgate da história da Estrada de Ferro Fluminense (1899-1924). Campinas: Instituto de Artes, 2001. (Dissertação de Mestrado). MASETO, M. Um paradigma Interdisciplinar para a formação do cirurgião dentista. In: CARVALHO, Antônio Cesar Perri; KRIGER, Léo (Org). Educação Odontológica. São Paulo: Artes Médicas, 2006, v. 1, p: 31-50. MELLO, Paulo Cezar Barbosa. Mídia Digital, o reflexo de uma estética contemporânea. Cadernos Unibero de Produção Ciêntífica, v.4, 2005. VICENTE, Gosciola. Roteiro para as novas mídias: do cinema às mídias interativas. São Paulo: Editora Senac. São Paulo, 2003.