AS ONGD E A COOPERAÇÃO PORTUGUESA - PARCEIRAS DE UMA AGENDA DE DESENVOLVIMENTO MAIS JUSTA,

Documentos relacionados
Estratégia Nacional de Educação para o Desenvolvimento. ( ) ENED Plano de Acção

nossa vida mundo mais vasto

INOVAÇÃO PORTUGAL PROPOSTA DE PROGRAMA

SESSÃO DE CAPACITAÇÃO

Protocolo de Colaboração Rede Embaixadores para a Responsabilidade Social das Empresas dos Açores

ACQUALIVEEXPO. Painel A INTERNACIONALIZAÇÃO DO SECTOR PORTUGUÊS DA ÁGUA EVOLUÇÃO DO SECTOR DA ÁGUA NOS BALCÃS: O EXEMPLO DA SÉRVIA

PLANO DE ACÇÃO E ORÇAMENTO PARA 2008

Os principais constrangimentos, recomendações e sinergias emanados do Annual Review mee9ng

ROJECTO PEDAGÓGICO E DE ANIMAÇÃO

MINISTÉRIO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS. Coerência das Políticas: O Desafio do Desenvolvimento. Sessão Pública ABERTURA

REU IÃO I FORMAL DOS CHEFES DE ESTADO E DE GOVER O DE 7 DE OVEMBRO VERSÃO APROVADA

Plano de Atividades 2014

Programa Local de Responsabilidade Social de Ferreira do Alentejo

Estratégia Europeia para o Emprego Promover a melhoria do emprego na Europa

PROTOCOLO DE COLABORAÇÃO

1 Ponto de situação sobre o a informação que a Plataforma tem disponível sobre o assunto

ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA

Programa Operacional Regional do Algarve

EIXO PRIORITÁRIO VI ASSISTÊNCIA TÉCNICA

Comemoração dos 30 Anos APAF Análise Financeira: alicerce do mercado de capitais e do crescimento económico Intervenção de boas vindas

Código de Conduta do Voluntariado para a Cooperação

Addis Ababa, ETHIOPIA P. O. Box 3243 Telephone 517 Fax:

Prefeitura Municipal de Botucatu

Território e Coesão Social

DOCUMENTO DE TRABALHO

PROJECTO DE CARTA-CIRCULAR SOBRE POLÍTICA DE REMUNERAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS

Linhas de Acção. 1. Planeamento Integrado. Acções a desenvolver: a) Plano de Desenvolvimento Social

PARLAMENTO EUROPEU. Comissão do Desenvolvimento PROJECTO DE PARECER. destinado à Comissão dos Assuntos Externos

49 o CONSELHO DIRETOR 61 a SESSÃO DO COMITÊ REGIONAL

EXPERIÊNCIA DE MOÇAMBIQUE NA IMPLEMENTAÇÃO DA SEGURANÇA SOCIAL BÁSICA

Das palavras à [monitoriz]ação: 20 anos da Plataforma de Acção de Pequim na perspetiva das organizações de mulheres em Portugal

Consultoria Para Mapeamento os Actores e Serviços de Apoio as Mulheres Vitimas de Violência no País 60 dias

Uma agenda para a mudança: conseguir acesso universal à água, ao saneamento e à higiene (WASH) até 2030.

PROJETO de Documento síntese

Passe Jovem no SVE KIT INFORMATIVO PARTE 2 PASSE JOVEM NO SVE. Programa Juventude em Acção

REGULAMENTO INTERNO. Preâmbulo

Projecto de Lei n.º 408/ X

DIRETRIZES DE FUNCIONAMENTO DO MOVIMENTO NACIONAL PELA CIDADANIA E SOLIDARIEDADE/ NÓS PODEMOS

Seção 2/E Monitoramento, Avaliação e Aprendizagem

Fórum Crédito e Educação Financeira 25 de Janeiro de António de Sousa

REGULAMENTO DO CONSELHO MUNICIPAL DE JUVENTUDE DE TRANCOSO

Prémio Redes para o Desenvolvimento

Apoio à Empregabilidade e Inclusão dos Jovens

Perguntas mais frequentes

Desafios da Implementação dos Novos. Basileia nos PALOP s. Cidade da Praia, 2014

Restituição de cauções aos consumidores de electricidade e de gás natural Outubro de 2007

Center for Innovation, Technology and Policy Research Centro de Estudos em Inovação, Tecnologia e Políticas de Desenvolvimento

Em ambos os casos estão em causa, sobretudo, os modos de relacionamento das empresas com os seus múltiplos stakeholders.

Avaliando o Cenário Político para Advocacia

Europa e África: que futuro comum? Conferência Sala 1 da Fundação Gulbenkian, Lisboa, 12 de Março de Declaração Final

Programa de Desenvolvimento Social

Regulamento. Núcleo de Voluntariado de Ourique

CARTA DAS ONGD EUROPEIAS

Membro da direcção da Revista Intervenção Social Investigadora do CLISSIS Doutoranda em Serviço Social

O modelo de balanced scorecard

GRANDES OPÇÕES DO PLANO 2008 PRINCIPAIS ASPECTOS

CÂMARA MUNICIPAL MONCHIQUE. Preâmbulo

Dinâmicas de exportação e de internacionalização

Proposta de Alteração da Lei de Bases do Sistema Educativo

VICE-PRESIDÊNCIA DO GOVERNO REGIONAL, S.R. DO TRABALHO E SOLIDARIEDADE SOCIAL Despacho n.º 492/2009 de 28 de Abril de 2009

Introdução 02. CRER Metodologia Integrada de Apoio ao Empreendedor 04. Passos para criação do CRER Centro de Recursos e Experimentação 05

Programa de Apoio às Instituições Particulares de Solidariedade Social

Case study. II Encontro de Parceiros Sociais Microsoft CAMINHOS PARA A SUSTENTABILIDADE EMPRESA

PROBLEMAS E PERSPECTIVAS ORÇAMENTAIS DA C&T EM PORTUGAL

Síntese da Conferência

EIXO PRIORITÁRIO VI ASSISTÊNCIA TÉCNICA. Convite Público à Apresentação de Candidatura no Domínio da Assistência Técnica aos Órgãos de Gestão

3. OFERT FER AS PÚBLICAS

NORMAS INTERNACIONAIS DO TRABALHO Convenção (n.º 102) relativa à segurança social (norma mínima), 1952

ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA. site do programa, comunicou a suspensão, a partir de 11 de Fevereiro de 2011, de

AGENDA 21 escolar. Pensar Global, agir Local. Centro de Educação Ambiental. Parque Verde da Várzea Torres Vedras 39º05'08.89" N 9º15'50.

Cimeira do Fórum Índia África

DESENVOLVER E GERIR COMPETÊNCIAS EM CONTEXTO DE MUDANÇA (Publicado na Revista Hotéis de Portugal Julho/Agosto 2004)

Criar Valor com o Território

SISTEMA DE APOIO À MODERNIZAÇÃO E CAPACITAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA CRITÉRIOS DE SELEÇÃO (PI 2.3 E 11.1)

Regulamento do Conselho Municipal de Juventude. de S. João da Madeira. Artigo 1º. Definição. Artigo 2º. Objecto. Artigo 3º.

PARCERIA BRASILEIRA PELA ÁGUA

SISTEMA DE APOIO A ACÇÕES COLECTIVAS (SIAC)

Estratégia de parceria global da IBIS Estratégia de parceria global da IBIS

A percepção da responsabilidade social em Portugal

Software Livre Expectativas e realidades

REGIMENTO INTERNO CAPÍTULO I DOS PRINCÍPIOS

Documento em construção. Declaração de Aichi-Nagoya

Exmo. Presidente do município da Murtosa, Joaquim Santos Baptista; - na sua pessoa uma saudação aos eleitos presentes e a esta hospitaleira terra!

Plano de Ação 2016 GRACE

Autores: Fatima Proença, ACEP / Luís Vaz Martins, LGDH. Lisboa, 17 de Setembro de 2015

Regulamento Interno da Comissão Especializada APIFARMA VET

POLÍTICA DE SUSTENTABILIDADE E RESPONSABILIDADE SOCIOAMBIENTAL

III COLÓQUIO INTERNACIONAL SOBRE SEGUROS E FUNDOS DE PENSÕES. Sessão de Abertura

Portugal 2020: Investigação e Inovação no domínio da Competitividade e Internacionalização

Integração de uma abordagem de género na gestão de recursos hídricos e fundiários Documento de Posição de organizações e redes dos PALOPs

GUIA PARA A COOPERAÇÃO SUL-SUL E TRIANGULAR E O TRABALHO DECENTE

AGENDA 21 LOCAL UM DESAFIO DE TODOS RESUMO

Indicadores Gerais para a Avaliação Inclusiva

REGULAMENTO DO BANCO LOCAL DE VOLUNTARIADO DE AZAMBUJA

Guia Informativo. 8ª Edição do Prémio Empreendedorismo Inovador na Diáspora Portuguesa (2015)

«Sê voluntário! Isso faz a diferença»: Comissão Europeia lança o Ano Europeu do Voluntariado em 2011

Transcrição:

Factsheet Papel das ONGD AS ONGD E A COOPERAÇÃO PORTUGUESA - PARCEIRAS DE UMA AGENDA DE DESENVOLVIMENTO MAIS JUSTA, EQUITATIVA E EFICAZ

002-003 NOTA PRÉVIA A monitoria e o trabalho de advocacy da política da Cooperação Portuguesa, junto do Governo e das instituições públicas, afiguram-se como os objectivos centrais do Grupo de Trabalho Aid Watch, da Plataforma Portuguesa das Organizações Não Governamentais para o Desenvolvimento (ONGD). Porém, este boletim exerce uma dupla função, ao dirigir-se também às próprias ONGD, procurando influenciar a adopção de princípios e práticas que garantam uma maior qualidade do Desenvolvimento. Na primeira parte deste documento, analisamos o relacionamento entre o Governo e as ONGD portugueses ao longo de 2013 e, num segundo momento, analisamos o movimento internacional e o contributo das Organizações da Sociedade Civil para a adopção de uma agenda de Desenvolvimento mais justa, equitativa e eficaz. A RELAÇÃO GOVERNO/ONGD EM PORTUGAL A PARTICIPAÇÃO FORMAL DAS ONGD PORTUGUESAS NA DEFINIÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS O relacionamento entre o Governo e as ONGD portuguesas é pautado por diversos avanços e retrocessos ao longo dos últimos anos, tendo-se degradado qualitativamente desde a tomada de posse do último Governo em Junho de 2011. Em 2013, essa degradação é notória, dada a instabilidade na direcção política da Cooperação Portuguesa com a passagem pela Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação (SENEC) de três governantes com perfis e posturas distintas relativamente ao papel da sociedade civil na Cooperação Portuguesa Luís Brites Pereira (que ocupou a pasta de Julho de 2011 a Abril de 2013); Francisco Almeida Leite (vindo da direcção do CICL, que não chegou a completar quatro meses no cargo e foi entretanto nomeado administrador da SOFID Sociedade para o Financiamento do Desenvolvimento) e Luís Campos Ferreira (desde Julho de 2013). Durante o mandato de Luís Brites Pereira, assistiu-se a diversos momentos de crispação e a uma certa esterilidade do diálogo com o SENEC, apesar de este reforçar por diversas vezes que mantinha um diálogo construtivo com a sociedade civil. Durante meses, a Plataforma Portuguesa das ONGD apresentou insistentemente propostas concretas para a definição da nova Estratégia da Cooperação Portuguesa, que o SENEC garantia estar em fase de discussão, porém o contributo da Plataforma Portuguesa das ONGD não foi reconhecido, até então, no processo de redacção do novo documento estratégico. A 26 de Março, foi organizada mais uma sessão do Fórum da Cooperação para o Desenvolvimento 1, plataforma privilegiada de discussão entre Governo e actores da sociedade civil na área do Desenvolvimento. Além da apresentação da Avaliação Preliminar do CAD/ OCDE a Portugal, o encontro serviu para constituir o Grupo de Trabalho sobre a Estratégia de Ajuda Humanitária, o Grupo de Trabalho sobre a Estratégia de Segurança Alimentar e Desenvolvimento Rural e a Reunião Temática sobre a Agenda para o Desenvolvimento pós 2015. Desde então, diversos representantes de ONGD portuguesas têm estado a colaborar na elaboração dos documentos estratégicos sectoriais, que servirão de guião à intervenção nessas áreas. Note-se, porém, que iniciar a discussão sobre as estratégias sectoriais sem a apresentação pública da nova estratégia de Cooperação Portuguesa parece-nos, no mínimo, incoerente. A nova estratégia, que deverá orientar a Cooperação para o Desenvolvimento portuguesa nas mais diversas áreas de intervenção, encontra-se actualmente em fase de conclusão, porém não foi colocada à discussão em fórum aberto e alargado. Prova disso foi a apresentação da proposta de Conceito Estratégico, em circuito fechado, à Direcção da Plataforma Portuguesa das ONGD, aquando da reunião com o SENEC, em Dezembro de 2013. O documento foi apresentado praticamente finalizado e sob reserva, tendo sido facultado o prazo de uma semana para a recepção de contributos por parte da Direcção da Plataforma das ONGD (não foi permitido o debate alargado às associadas, por exemplo). 1 Para mais informações sobre o Fórum, consultar factsheet Cooperação Portuguesa: uma Política de Estado?, Plataforma Portuguesa das ONGD, 2013

004-005 Esta mera formalidade no processo de participação das ONGD na elaboração da nova estratégia demonstra uma vez mais a insuficiente valorização do seu papel enquanto entidades essenciais nos processos de definição e execução das políticas públicas na área da Cooperação para o Desenvolvimento e espelha um conceito de participação muito redutor e que ultrapassa em pouco o aspecto formal. O próprio documento remete para segundo plano o contributo da sociedade civil na Cooperação para o Desenvolvimento, valorizando sobretudo o envolvimento do sector privado nas iniciativas de Desenvolvimento. A parca referência aos Direitos Humanos enquanto base e elemento orientador do novo Conceito Estratégico em coerência com a agenda em debate nas Nações Unidas para o Pós-2015 e o risco de sobrepor uma agenda de internacionalização da economia à política de Cooperação para o Desenvolvimento tornam ainda mais premente o envolvimento das ONGD neste processo de definição estratégica. Neste contexto, a Plataforma Portuguesa das ONGD solicitou ao SENEC a discussão do documento, antes da sua finalização, em plenário do Fórum da Cooperação para o Desenvolvimento, de forma a integrar os contributos dos diversos actores de Desenvolvimento, nomeadamente da sociedade civil, e para que seja um processo realmente participativo e abrangente. CORTE EM 53% NA LINHA DE FINANCIAMENTO DE PROJECTOS ÀS ONG PORTUGUESAS Em 2012 e 2013, quando comparado com o volume de 2011, assistiu-se a um corte abrupto de cerca de 53% no financiamento de projectos às ONGD portuguesas, através da linha disponibilizada pelo Camões Instituto da Cooperação e da Língua (CICL), contra os cerca de 40% de média global de cortes no orçamento geral daquele instituto, em 2012. Em ambos os anos, o montante disponibilizado a projectos de Cooperação para o Desenvolvimento ronda os 1,2 milhões de euros, enquanto as iniciativas de Educação para o Desenvolvimento se fixam nos 400 mil euros. CAIXA 1. IATI ENQUANTO MECANISMO DE TRANSPARÊNCIA TAMBÉM PARA AS ONGD A Transparência é a peça vital para uma maior eficácia das ONG, na medida em que permite que as organizações prestem contas e sejam responsabilizadas perante os seus parceiros e outros stakeholders, desde financiadores, aos Governos dos países parceiros e às próprias comunidades onde intervêm. A transparência das contas e das suas actividades de Desenvolvimento permitem também demonstrar como estão comprometidas em melhorar a sua prática e o seu desempenho no terreno. Ao longo dos últimos anos, as ONG têm defendido a adesão dos seus Governos a mecanismos internacionais de disponibilização de informação pública, como a Iniciativa Internacional de Transparência da Ajuda (IATI), porém a adesão das próprias ONG a este tipo de iniciativas é ainda residual (salvo as organizações internacionais). Em Portugal, não há registo de ONG disponibilizarem dados e informação através de ferramentas internacionais. Neste contexto, a Plataforma Portuguesa das ONGD pode desempenhar um papel central ao desenvolver acções de sensibilização junto das ONG portuguesas e apoiar a publicação de informação de acordo com os padrões definidos pela IATI (seguindo o exemplo da plataforma congénere britânica BOND).

006-007 GRÁFICO 1. Co-Financiamento do IPAD / CICL às ONGD, de 2009 a 2012 10000 8000 6000 4000 2000 0 7029 8351 3400 3400 3400 Financiamento total No Relatório Aid Watch 2012 Uma Leitura da Cooperação Portuguesa desde 2013, já havíamos alertado para as repercussões gravosas do corte abrupto em 2012, que coloca as ONGD numa situação de bloqueio face a novos projectos e até à manutenção da própria actividade globalmente. Estes cortes foram acompanhados pela alteração das regras de elegibilidade das ONGD a novos projectos, centrando a prioridade naqueles que tenham visto aprovado previamente co-financiamento europeu ou outro tipo de financiamento internacional, o que num quadro de redução drástica do financiamento, arrisca a excluir a esmagadora maioria dos projectos que não estejam 9362 Fonte: CICL e Plataforma Portuguesa das ONGD, 2013 5973 linhas de co-financiamento 1600 1600 naquelas condições. Por outro lado, estes critérios excluem, à partida, grande parte das ONGD portuguesas, na medida em que um número muito limitado de ONGD cumpre os requisitos necessários de acesso a financiamento internacional e compromete sobretudo as iniciativas de Educação para o Desenvolvimento, desenvolvidas pelas ONGD no contexto nacional, na medida em que o financiamento europeu sofreu também alterações que excluem na prática a quase totalidade, se não a totalidade, das ONGD portuguesas (por exemplo através da obrigatoriedade de cada projecto envolver pelo menos 10 países e um orçamento mínimo de 3,5 milhões de euros). Assiste-se, assim, em Portugal a um total desinvestimento no que diz respeito à Educação para o Desenvolvimento, ignorando-se o papel que esta área desempenha na sensibilização e consciencialização dos cidadãos, na promoção da cidadania global, e na mobilização e influência das políticas com repercussão na área do Desenvolvimento. Este desinvestimento ignora ainda a elevada qualidade da Educação para o Desenvolvimento portuguesa, nomeadamente da Estratégia Nacional de Educação para o Desenvolvimento, reconhecida por diversas instituições públicas europeias, e outras ONG e Plataformas como uma boa prática. A Cooperação Portuguesa carece de peso político, no contexto das políticas públicas, o que torna ainda mais premente a aposta em iniciativas de Educação para o Desenvolvimento, junto das diversas camadas da população portuguesa (desde professores a jornalistas, municípios, estudantes, empresas). Além disso, uma das principais áreas de intervenção das ONGD portuguesas é, efectivamente, a Educação para o Desenvolvimento, com uma experiência acumulada de trabalho nesta área que vem já dos anos 80, e a sua articulação com as iniciativas de Cooperação para o Desenvolvimento é central para o sucesso da própria política de Cooperação. Além dos cortes na linha de financiamento, também o volume de financiamento total (que engloba o montante disponibilizado por via do concurso anual e também por adjudicação directa) sofreu um corte de cerca de 30% em 2012. Como demonstra o Gráfico 1, foram disponibilizados pelo CICL quase 6 milhões de euros, contra os 9,3 milhões de euros registados em 2011. Ainda assim, o volume de financiamento às ONGD por adjudicação directa, não sujeita a normas e critérios mínimos de transparência continua a representar cerca de dois terços do valor total. Contudo, a lista das ONGD beneficiárias, bem como os montantes alocados por adjudicação directa não são nunca publicados no site do CICL, o que agrava o problema da falta de transparência. A divulgação é feita apenas através do Diário da República, cumprindo assim a obrigação legal mínima de divulgação semestral dos subsídios aprovados, mas o próprio CICL não informa nunca sobre essa publicação, que não é assim facilmente acessível. Os cortes no financiamento às ONGD acompanham a tendência geral de restrições no Orçamento do Estado e da necessidade de controlo do défice público. As ONGD reconhecem o actual momento do país e confrontam-se, aliás, diariamente com os efeitos nega-

008-009 DEPOIMENTO. QUAL O PAPEL DAS ONG NA MONITORIZAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DE COOPERAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO? AIRES BRUZACA DE MENEZES DOUTOR EM ESTUDOS DE DESENVOLVIMENTO, SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE Entender o papel das Organizações Não-Governamentais para o Desenvolvimento (ONGD) na avaliação de políticas públicas, sobretudo nas políticas públicas de Cooperação para o Desenvolvimento, urge sobretudo saber qual é o verdadeiro papel e significado de cada um destes conceitos: ONGD, monitorização e políticas públicas. ONGD, sigla bem conhecida nos meios institucionais dispensa qualquer apresentação. Basta dizer que são associações de pessoas que desenvolvem actividades, não estatais, mas complementares viradas para o desenvolvimento. Por seu turno, políticas públicas, vistas na perspectiva estatal, constituem- -se naquilo que os governos fazem, um curso de acção para atingir determinados fins. A Cooperação para o Desenvolvimento é, neste prisma, considerada uma política pública. Ora a monitorização neste caso, constitui-se num instrumento de acompanhamento, de registo e análise de factos sobre o processo de concepção e implementação de políticas públicas. Colocados os três conceitos em confronto facilmente se pode estabelecer a intrínseca relação entre eles. As ONGD podem aparecer assim como instrumentos válidos, com custos reduzidos e certo grau de independência (vivem também do erário público), de monitorização de acções estatais, quer nos países receptores como nos seus próprios países fornecedores da ajuda. Aí está uma base legítima de actuação das ONGD na monitorização das políticas públicas de cooperação para o desenvolvimento. tivos da crise económica mundial. Porém, a crise financeira e económica não deve colocar em causa o trabalho sustentado que tem sido desenvolvido por diferentes actores da Cooperação Portuguesa, e que tem permitido projectar Portugal como um parceiro essencial na prossecução de modelos de desenvolvimento sustentáveis com os países parceiros, nomeadamente com os países africanos de língua portuguesa e com Timor-Leste. DAS ONGD? QUAL O VALOR ACRESCENTADO Mesmo num contexto de crise, não nos parece fazer sentido o corte abrupto no financiamento disponibilizado às ONGD, já que este representa cerca de 3% do total da Ajuda Pública ao Desenvolvimento canalizada por Portugal, muito abaixo da média europeia que se fixa nos 10%. As ONGD, bem como outras Organizações da Sociedade Civil (OSC), são hoje entendidas internacionalmente como actores de pleno direito na Cooperação para o Desenvolvimento, sendo reconhecido o seu papel não só como executoras de projectos, mas também como parceiras estratégicas na concepção, implementação e avaliação dos programas de Cooperação para o Desenvolvimento, e na definição de políticas públicas com impacto na área do Desenvolvimento. Dada a sua natureza, as OSC são actores diferentes dos Governos e do sector privado, muitas vezes posicionadas de forma privilegiada no terreno, detendo grande conhecimento das dinâmicas locais de Desenvolvimento. São, igualmente, canais de solidariedade internacional e de mobilização, através das quais as pessoas expressam activamente a sua cidadania, no que toca à responsabilização dos Governos pelos seus compromissos e pelo respeito pelos Direitos Humanos. Em Portugal, como vimos atrás, o seu reconhecimento enquanto actor da Cooperação Portuguesa é mais formal que efectivo, já que no discurso público é-lhes reconhecido esse papel, porém não é realmente integrado na definição estratégica no contexto das políticas públicas. Neste contexto, as ONGD portuguesas precisam cada vez mais reforçar a sua organização e capacidade de intervenção e não ficar à margem dos debates e alianças internacionais de sociedade civil que permitem ampliar o seu reconhecimento enquanto actores de Desenvolvimento de pleno direito, ao mesmo tempo que facultam instrumentos essenciais para promover a qualidade da sua intervenção.

010-011 AS ONGD E A AGENDA SOBRE A QUALIDADE DO DESENVOLVIMENTO Ao longo da última década, as OSC estão fortemente empenhadas no debate sobre a promoção de uma agenda de Desenvolvimento inclusiva e equitativa e na ampliação do reconhecimento do seu papel enquanto actor de Desenvolvimento. Para isso, têm-se organizado a nível internacional, em plataformas como a Better Aid, criada em 2007 na preparação para o Fórum de Alto Nível sobre a Eficácia da Ajuda (Acra) e, mais tarde, já no rescaldo do Encontro, o Fórum Aberto para a Eficácia do Desenvolvimento das OSC. Graças a esta mobilização, as OSC viram pela primeira vez reconhecido o seu papel enquanto actores de Desenvolvimento, na Agenda para a Acção de Acra (2008), nomeadamente no parágrafo 20, em que os signatários se comprometem a aprofundar o seu compromisso com as organizações da Sociedade Civil: 20. Aprofundaremos o nosso compromisso com as OSC, enquanto actores de desenvolvimento a título próprio, cujos esforços complementam os dos governos e do sector privado. Partilhamos um interesse em garantir que os contributos das OSC para o desenvolvimento atinjam o seu pleno potencial. Com este objectivo: 1. Convidamos as OSC a reflectir sobre o modo como podem aplicar os princípios de Paris sobre Eficácia da Ajuda, de um ponto de vista das OSC. 2. Acolhemos com agrado as propostas das OSC para nos empenharmos conjuntamente num processo envolvendo múltiplos intervenientes, liderado pelas OSC, que promova a Eficácia das OSC no Desenvolvimento. Como parte desse processo, procuraremos: A. melhorar a coordenação dos esforços das OSC com programas governamentais, B. incrementar a responsabilização com vista a resultados das OSC, e C. melhorar a informação sobre as actividades das OSC. 3. Trabalharemos com as OSC de modo a criar um ambiente favorável, que potencie os seus contributos para o desenvolvimento. Desde então, as OSC têm vindo a discutir qual o seu contributo para a agenda de Eficácia do Desenvolvimento, constituindo- -se como força de pressão sobre os seus Governos, ao mesmo tempo que encetam esforços à escala global para se tornarem mais transparentes, mais responsáveis perante os financiadores, as comunidades, e os cidadãos em geral. Nesta perspectiva de alinhar as acções das OSC com aquilo que reivindicam a outros actores, o Fórum Aberto desencadeou uma ampla consulta à escala global, durante dois anos, que culminou com a definição dos Oito Princípios de Istambul para a Eficácia do Desenvolvimento das OSC 2 (ver caixa 2), que constituem os critérios orientadores das acções das OSC no terreno. Através da adopção destes princípios, que funcionam como mecanismos de auto- -regulação, as OSC comprometem-se a desencadear acções pro-activas que melhorem significativa e eficazmente as suas práticas e acções de Desenvolvimento. No último Fórum de Alto Nível sobre a Eficácia da Cooperação para o Desenvolvimento (em Busan, 2011), as OSC foram finalmente reconhecidas enquanto actores de Desenvolvimento em pleno direito, o que despoletou a criação da Parceria Global das OSC para a Eficácia do Desenvolvimento (CPDE, na sigla em inglês, de CSO Partnership for Development Effectiveness) e que resulta da fusão das duas plataformas internacionais de sociedade civil a Better Aid e o Fórum Aberto. Esta nova parceria nasce assim como uma resposta global da sociedade civil à arquitectura pós-busan, procurando concertar acções e unir esforços para o pleno reconhecimento do seu contributo enquanto actores de Desenvolvimento. Recentemente oficializada, a CPDE prevê a promoção e realização dos direitos humanos, da justiça social, da igualdade (nomeadamente a de género), e a sustentabilidade do Desenvolvimento à escala global. Trata-se de uma plataforma voluntária, centrada na promoção da qualidade do trabalho da Sociedade Civil e da Eficácia do Desenvolvimento. Um ano após Busan, e depois de um longo processo de consultas nacionais e regionais, as OSC desencadearam um processo de criação de um quadro comum para a Eficácia do Desenvolvimento interno ao seu trabalho, que culminou na adopção da Declaração de Nairobi para a Eficácia do Desenvolvimento 3. Apesar de amplamente divulgado, o documento não é ainda do conhecimento de muitas das OSC e ONGD que operam na Cooperação para o Desenvolvimento, tanto nos países financiadores como a nível local, o que torna ainda mais premente a sua divulgação em acções de advocacy e de formação ao nível nacional, bem como em acções de capacitação com os parceiros locais (existem diversas ferramentas de auxílio da implementação dos Princípios de Istambul, da promoção do ambiente favorável e da agenda de Eficácia do Desenvolvimento). 2 Originalmente eram oito princípios, aos quais foi acrescentado um nono referente à Promoção do Ambiente Favorável 3 Aceda à declaração em http://cso -effectiveness.org/img/pdf/es_declaracion_de_ nairobi_final.pdf

012-013 CAIXA 2. PRINCÍPIOS DE ISTAMBUL PARA A EFICÁCIA DO DESENVOLVI- MENTO DAS OSC Os Princípios de Istambul foram desenvolvidos enquanto guião do trabalho e das práticas das OSC, de forma a garantir a Eficácia do Desenvolvimento. O movimento internacional de sociedade civil apela à sua implementação à escala global, respeitando porém os contextos específicos de cada país ou região. Em termos gerais, as OSC devem: 1. Respeitar e promover os Direitos Humanos e a Justiça Social 2. Incorporar a igualdade e equidade de género, promovendo, em simultâneo, os direitos das mulheres e das raparigas 3. Centrar-se no empoderamento das pessoas, na apropriação e na participação democráticas 4. Promover a sustentabilidade ambiental 5. Praticar a transparência e a prestação de contas 6. Estabelecer alianças equitativas e solidárias 7. Criar e partilhar conhecimento e promover a aprendizagem mútua 8. Comprometer-se com a criação de uma mudança sustentável e positiva 9. Garantir o ambiente favorável A nova aliança global das OSC está, portanto, empenhada neste momento na ampla difusão dos Princípios de Istambul a nível regional e local, na melhoria das capacidades das OSC sobre questões como a Eficácia do Desenvolvimento e na concepção de uma ferramenta de auto-avaliação para as OSC 4. Além disso, a CPDE está igualmente centrada na mobilização das OSC, a nível mundial, em torno da Nova Parceria de Busan sobre a Eficácia da Cooperação para o Desenvolvimento, representando formalmente a voz das OSC no Comité de Gestão da Nova Parceria. Trata-se de um marco histórico, na medida em que, pela primeira vez, as OSC são oficialmente representadas por uma aliança global de Sociedade Civil e reconhecidas como membro executivo numa estrutura oficial desta natureza. Isto significa que a CPDE assume um compromisso político para o sucesso da agenda de Eficácia da Cooperação para o Desenvolvimento e está directamente envolvida no processo de monitorização da Nova Parceria de Busan. Note-se, porém, que o envolvimento das OSC nestes processos oficiais é ainda insuficiente, sendo necessária uma aposta em iniciativas de advocacy dirigidas à própria sociedade civil de forma a capitalizar a sua posição. O DEBATE SOBRE A QUALIDADE DO DESENVOLVIMENTO EM PORTUGAL A Plataforma Portuguesa das ONGD, bem como outras ONGD associadas a título individual, tem organizado diversas iniciativas de debate e formação sobre a qualidade da Cooperação e do Desenvolvimento, porém a participação das organizações de sociedade civil portuguesas nestes processos é ainda muito limitada e quase exclusivamente realizada no quadro da Plataforma Portuguesa das ONGD. Em 2011, a Plataforma encetou um inquérito às ONGD associadas, que revelou a grande diversidade entre organizações, no que diz respeito a referentes, a conhecimento e práticas em torno das questões da qualidade do Desenvolvimento 5. Neste contexto, é importante continuar o reforço e a aposta neste domínio, através de iniciativas dinamizadas, por exemplo, pelos Grupos de Trabalho Aid Watch ou o de Ética, da Plataforma Portuguesa das ONGD, ou por iniciativas realizadas a título individual por ONGD, envolvendo outros actores da sociedade civil como a academia ou as fundações. 4 A BOND, por exemplo, adoptou já o seu próprio mecanismo de auto-avaliação, intitulado Health Check e disponível em http:// www.bond.org.uk/effectiveness/health-check 5 Os resultados do inquérito podem ser consultados no estudo As ONGD e a Qualidade, em todos os campos e latitudes, em http://goo.gl/fbvclx

014-015 RECOMENDAÇÕES Posto isto, no que diz respeito ao relacionamento do Governo com as OSC, recomendamos: _ uma maior abertura e um diálogo mais efectivo e consequente entre as OSC e o Governo, seja no relacionamento com a Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, seja com o Camões Instituto da Cooperação e da Língua; _ um maior investimento por parte do Governo português a projectos da iniciativa das ONGD, nomeadamente na área da Educação para o Desenvolvimento, considerada fundamental para a sensibilização e mobilização da sociedade para questões relativas ao Desenvolvimento; _ a alteração das normas de acesso às linhas de financiamento disponibilizadas pelo Camões Instituto da Cooperação e da Língua de forma a que fique claro o acesso por parte de ONGD e projectos que não têm co-finacimaneto europeu ou internacional; _ uma maior abertura e transparência no financiamento às ONGD, através de normas e candidaturas públicas a projectos, e na disponibilização de informação sobre o financiamento por adjudicação directa; _ a discussão, no âmbito do Fórum da Cooperação para o Desenvolvimento, do novo Conceito Estratégico da Cooperação Portuguesa, de forma a recolher contributos adicionais das várias entidades ali representadas antes da finalização do documento. Relativamente às ONGD, de forma a capitalizar o seu contributo enquanto actores para um melhor Desenvolvimento, recomendamos: _ a adopção de mecanismos internos de auto-regulação, nomeadamente a adopção e apropriação dos Princípios de Istambul sobre a Eficácia do Desenvolvimento das OSC (ver caixa 2); _ a promoção de uma cultura de auto-avaliação do seu trabalho e de responsabilização perante os parceiros, financiadores e organizações inter-pares; _ a adopção de mecanismos de transparência, não só a nível interno, como também externo, que permitam a comparabilidade com outras iniciativas desenvolvidas por outros actores (sejam estatais ou não- -estatais) e uma melhor responsabilização em geral; - um maior envolvimento nos grandes temas em debate a nível internacional, procurando influenciar os processos e integrando na sua actividade boas práticas reconhecidas nacional e internacionalmente. GRUPO DE TRABALHO AID WATCH DA PLATAFORMA PORTUGUESA DAS ONGD MONITORIZA A AJUDA PÚBLICA AO DESENVOLVIMENTO E O ESTADO ACTUAL DA COOPERAÇÃO PORTUGUESA TÍTULO As ONGD e a Cooperação Portuguesa - Parceiras de uma agenda de desenvolvimento mais justa, equitativa e eficaz AUTORIA Ana Filipa Oliveira / ACEP COMENTÁRIOS Grupo de Trabalho Aid Watch da Plataforma Portuguesa das ONGD EDIÇÃO Plataforma Portuguesa das ONGD DATA Dezembro 2013 APOIO CONCORD - Confederação Europeia das ONG DESIGN GRÁFICO Ana Grave PRÉ-IMPRESSÃO, IMPRESSÃO E ACABAMENTO Agora Lx - Agência de Produção

LIGAÇÕES ÚTEIS BETTER AID www.betteraid.org CIVICUS civicus.org CSO PARTNERSHIP csopartnership.org CSO WIKI wiki.cso-effectiveness.org GLOBAL PARTNERSHIP FOR EFFECTIVE DEVELOPMENT CO-OPERATION effectivecooperation.org OPEN FORUM FOR CSO DEVELOPMENT EFFECTIVENESS cso-effectiveness.org COM O APOIO DE