CAPÍTULO 3 CONDUTA NAS INFECÇÕES DE SÍTIO CIRURGICO Laryssa Portela Joyce Façanha FC Medeiros A incidência de infecção pós-operatória é de aproximadamente 38% das infecções nosocomiais. Entre as infecções pós-operatórias, a infecção do sítio cirúrgico (ISC)é uma das maiores causas de morbidade e mortalidade. Trata-se da 3ª causa mais comum de infecção nosocomial. O termo infecção de sítio cirúrgico compreende 3subgrupos: INFECÇÃO SUPERFICIAL (pele e tecido celular subcutâneo), INFECÇÃO PROFUNDA (abscessos no nível subaponeurótico ou submuscular) e INFECÇÃO DE ÓRGÃOS E ESPAÇOS (infecção/abscessos cavitários). Uma proporção importante de infecções pós-operatórias desenvolvese após a alta hospitalar. Um grande número de infecções do sítio cirúrgico ocorre até o 7º dia de pós- operatório. Segundo o CDC (Centers for DiseaseControlandPrevention), 19 a 84% das ISC podem ser diagnosticadas durante a vigilância pós-alta. A maioria das cirurgias em obstetrícia e ginecologia envolve algum grau de contaminação bacteriana. A taxa média esperada de infecção da ferida é 4% em ginecologia e 6% após a cesariana. Estas taxas são aumentadas, na presença de outros fatores de risco (quadro1). Quadro 1. Fatores de Risco para Infecções do Sitio Cirúrgico.CIRÚR Cirurgias Ginecológicas Cesarianas Não utilização de antibioticoprofilaxia. Imunossupressão sistêmica da gestação. Reabordagem cirúrgica. ASA 3. Tempo prolongado de hospitalização. Diabetes mellitus/gestacional. Obesidade. Idade materna > 35 anos. Tabagismo. Partos cesáreos anteriores. Diabetes mellitus. Obesidade. 25
Protocolos de Conduta Baixo nível socioeconômico. Idade avançada (> 60anos). Tabagismo. Tempo de permanência pré-operatória > 2 dias. Ruptura prematura de membranas. Trabalho de parto > 6hs. Líquido amniótico meconial. ITU na gestação. Tempo cirúrgico aumentado (>2hs) Uso de drenos. Imunossupressão. Perda excessiva de sangue intraoperatória. Cirurgia em local infectado. Anemia severa. Desnutrição. Uso de antibióticos na gestação. Excesso de tecido desvitalizado. Tricotomia. Presença de infecções vaginais Utilização de sonda vesical. (especialmente vaginose bacteriana e tricomoníase). GIC Uma das nossas preocupações deve ser identificar ou tratar empiricamente, pensando nos seguintes agentes etiológicos (quadro 2). Quadro 2. Principais Patógenos Responsáveis por Infecção Pós-Cirurgia Ginecológica e Obstétrica. Cocos Gram-Positivos Aeróbios Anaeróbios Staphylococcus aureus Peptostreptococcussp. Staphylococcusepidermitis Peptococcussp. Grupo do Streptococcusviridans Prevotellabivia Estreptococos do grupo B Prevotelladisiens Enterococcusfaecalis Clostridium perfringens Enterococcus Fusobacterium SP Bacilos gram-negativos aeróbios Bacteroides sp Escherichia coli Eubacteria Gardnerellavaginalis Proteusmirabilis Enterobacter Klebisiella SP As infecções pós-cirúrgicas são geralmente polimicrobianas. Bactérias aeróbias podem iniciar o processo infeccioso e, quando o tecido está desvitalizado e o potencial de oxirredução está alterado, os anaeróbios proliferam e aumentam a lesão tecidual.as infecções no pós-operatório de cirurgias ginecológicas e obstétricas são, na sua maioria, provocadas por bactérias endógenas. 26
Profilaxia: Para a maioria das cirurgias ginecológicas e cesarianas, uma dose única de drogas de espectro limitado, como a cefazolina (<80 kg: 1 g IV; 80 kg: 2 g IV), é tão eficaz quanto um regime de mais amplo espectro ou de multidoses.deve ser feito de 30 minutos a1 hora antes da cirurgia (nunca mais que 2 horas). Repetir se o processo se extender por mais de 4 horas. Para cesarianas a dose pode começar com pinçamento do cordão, a menos que haja tempo anterior como parte da profilaxia do Streptococcus Grupo B. Regimes que continuam a profilaxia no pósoperatório não conferem qualquer benefício adicional e não são recomendados. Outras opções de antibioticoprofilaxiapara as cirurgias ginecológicas: cefoxitina ou cefuroxima ou ampicilina/sulbactam (Unasyn 3g IV). Quando a paciente é alérgica a beta- lactâmicos temos as opções: clindamicina + aminoglicosídeo; clinda + quinolona (ciprofloxacina); clindamicina + aztreonam; ou Metronidazol + aminoglicosídeo; Metronidazol+ quinolona; ou clinda como monoterapia. Conduta Diagnóstica Investigar (Quadro 3) Febre (Tax 38ºC) em 2 ou mais ocasiões com intervalo mínimo de 4hs, mais de 24hs após o procedimento cirúrgico, exceto se houver infecção preexistente no local da cirurgia ou contaminação grosseira do local. Calafrios Taquicardia (PULSO >100) FR > 20 Infecção Pélvica Associada a Cirurgia Ginecológica Dor abdominal e/ou pélvica intensa à deambulação Dor à palpação de abdômen inferior e/ou cúpula vaginal Sinais de irritação peritoneal Aumento da temperatura vaginal ao toque bidigital Ausência de ruídos hidroaéreos Drenagem purulenta da cúpula vaginal Presença de hiperemia, induração e/ou massa com flutuação, dolorosa, próxima à cúpula vaginal Palpação de massa pélvica Sensação de pressão retal Infecção Pélvica Associada a Cirugia Obstétrica Drenagem purulenta pelo colo uterino Subinvolução uterina Dor à palpação e/ou mobilização uterina Dor à palpação e/ou mobilização anexial Infecção de Parede no Local da Incisão Eritema circunscrevendo a incisão Dor Calor Induração Drenagem purulenta da incisão cirúrgica A anamnese e o exame físico devem excluir outros focos infecciosos. 27
Protocolos de Conduta Conduta Diagnóstica (Individualizar): Hemograma completo: Repetir a cada 2 dias Sumário de urina Urocultura Dosagem de Uréia e Creatinina Função Hepática Proteína C Reativa: Repetir a cada 3 dias Hemocultura (2 amostras) Cultura do conteúdo do sítio cirúrgico colhido por aspiração, swab ou biópsia Ultrassonografia transvaginal Tomografia computadorizada pélvica: se o exame ultrassonográfico for inconclusivo Conduta Terapêutica: 1. Infecção em Local de Incisão Cirúrgica na Pele Retirada de pontos da pele. Drenagem do conteúdo purulento. Debridamento de todo tecido necrosado ou desvitalizado. Curativo: 2-3 vezes ao dia com solução antisséptica e compressa de gazes. (Uma mistura 1:1 de peróxido de hidrogênio e salina pode ser usada para facilitar remoção de exsudato. Solução de iodopovidine não é aconselhada.) 2. Infecção de Cúpula Vaginal Retirada de pontos. Drenagem do conteúdo purulento. Lavagem diária da cavidade vaginal com soro fisiológico (sem imprimir pressão com a seringa). 3. Abscesso Pélvico Antibioticoterapia isolada inicialmente Drenagem do abscesso guiado por ultrassonografia transvaginal 28
associada a antibioticoterapia no caso de insucesso da antibioticoterapia isolada Abordagem cirúrgica do abscesso em caso de insucesso da associação terapêutica de drenagem guiada por US com antibioticoterapia. O tratamento antimicrobiano deve seguir as recomendações no quadro 4. Quadro 4. Esquemas de Antibióticos para Tratamento de ISC Pós- Cirurgias Ginecológicas e Cesarianas Infecção Associações Pós-Operatória Recomendadas Leve a Moderada Grave Abscesso Pélvico Penicilina de amplo espectro Ou Cefalosporina de 2ª. Ou 3ª. Geração 3 Clindamicina + Gentamicina Ou Metronidazol + Gentamicina + Ampicilina Nas Falhas (Febre Após 48-72Hs) Caso Haja Alergia a Penicilina Clindamicina + Gentamicina Ou Clindamicina +Gentamicina Metronidazol + Gentamicina Imipenem Clindamicina + Gentamicina Associar drenagem do Ou abscesso guiado por Metronidazol + Gentamicina US Transvaginal + Ampicilina Em caso de insucesso deste: Ou Drenagem do abscesso por Imipenem abordagem laparotômica. Clindamicina + Gentamicina * Febre da droga deve ser considerada se paciente permanece febril, não tem sinais de localização da infecção, e tem eosinofilia. Outras Medidas para Prevenção e Controle de Infecção Pós-Operatória: Higienização das mãos Antissepsia da pele Evitar tricotomia Preparo vaginal com iodo-povidine Técnica cirúrgica adequada; hemostasia cuidadosa; destruição tecidual mínima; Controle glicêmico rigoroso Retirar sonda vesical nas primeiras 24 horas 29
Protocolos de Conduta Vigilância pós-alta Orientar cessar o tabagismo no mínimo4 semanas antes da cirurgia REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: 1. Matthaiou D.K., Peppas G., Falagas M.E., Meta-analysis on Surgical Infections. Infect Dis Clin N Am 23 (2009) 405 430 2. Berek J.S. Berek&Novak Tratado de Ginecologia. 10ª edição. Guanabara Koogan, 2008, Cap.20,513-518 3. Rock J.A., Thompson J.D. Te Linde Ginecologia Operatória. 8ª.edição. Guanabara Koogan,1999, Cap.12,182-190 4. Amorim M.M.R., Santos L.C., Guimarães V. Fatores de risco para infecção pós-histerectomia total abdominal. RGBO 2000; 22(7):443-448 5. Kamat A.A., Brancazio L., Gibson M. Wound Infection in Gynecologic Surgery. InfectiousDiseases in ObstetricsandGynecology 2000; 8:230-234 6. Faro C.,Faro S. Postoperative Pelvic Infections. Infect Dis Clin N Am 2008;22:653-663 7. Larsen J.W., Hager W.D., LivengoodC.H.,Hoyme U.Guidelines for the diagnosis, treatment and preventionof postoperative infections. Infect Dis ObstetGynecol 2003;11:65 70 8. Capuzzi I.F., Pereira A.H., Silveira C. Análise dos fatores de risco em puérperas com infecção de sítio cirúrgico em unidade hospitalar de obstetrícia. Perspectivas Médicas 2007;18(2):11-16 9. Weekes L.R., Gandhi S.A., Gandhi A.K. Surgical complication of Gynecologic surgery. Journal of the National Medical Association 1977;69(12):881-890 10. Makuski J.E., Solomkin J.S. Intra-Abdominal infections. SurgClin N Am 2009;89:421-437 11. Allen H.H. Prevention and Treatment of Post-Operative Anaerobic Infections in Obstetrics and Gynecology. Phil J MicrobiolInfectDis1985;14(2):83-84 12. Oliveira A.C., Ciosak S.I. Infecção de sítio cirúrgico em hospital unversitário: vigilância pós-alta e fatores de risco. RevEscEnferm USP 30
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