ENSINAR E APRENDER COM TECNOLOGIAS NA CONCEPÇÃO DE FUTUROS PROFESSORES DE MATEMÁTICA: QUEBRANDO O PARADIGMA GIZ E LOUSA Rosemara Perpetua LOPES, Universidade Federal de Goiás, UFG, Regional Jataí Monica FÜRKOTTER, FCT, UNESP, Univ. Estadual Paulista Eixo Temático 01: Formação Inicial de Professores da Educação Básica Agência Financiadora: FAPESP rosemaralopes@ufg.br 1. Introdução Apresentamos resultados de uma pesquisa de doutorado, que teve como objetivo geral investigar a formação para o uso das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC) em dois cursos de Licenciatura em Matemática de uma universidade pública do Estado de São Paulo. Amparadas em Afonso (2002), concebemos TDIC como aquelas que compõem o conjunto das Tecnologias de Informação e Informação (TIC), porém não se confundem com essas últimas, distinguindo-se pela presença do digital. Priorizamos computador e Internet, tidos por Marinho e Lobato (2008) como centrais, por serem essas as tecnologias atualmente existentes na maioria das escolas de Educação Básica brasileiras para uso de professores e alunos no processo de ensino e aprendizagem dos conteúdos curriculares. O estudo partiu de uma pesquisa de mestrado, em que investigamos se a formação do professor que atuará na Educação Básica contemplava conhecimentos sobre TDIC e sob qual paradigma pedagógico os mesmos se articulavam. Desenvolvida por análise documental, inicialmente focalizou os currículos de 123 cursos de formação de professores das três universidades estaduais de São Paulo e, após delimitação desse universo, pelos critérios a) modalidade licenciatura, b) formação para o exercício da profissão na Educação Básica e c) ocorrência de TDIC em disciplina obrigatória, os projetos pedagógicos da área de Exatas de uma dessas universidades. Tal análise apontou dois cursos de Licenciatura em Matemática de uma das universidades cujos projetos pedagógicos preveem a formação do egresso para o uso das TDIC. No doutorado foi dada continuidade a essa investigação, realizando pesquisa de campo que envolveu 25 alunos concluintes, 13 professores e três coordenadoras dos dois cursos acima mencionados. A partir dos dados fornecidos por esses sujeitos, por meio de questionário e de entrevista semiestruturada, buscamos responder à questão: como ocorre a formação para uso das TDIC contemplada nos projetos pedagógicos dos cursos de Licenciatura em Matemática de uma universidade pública do Estado de São Paulo, segundo as concepções inferidas dos dados fornecidos pelos que a protagonizam 2932
e as práticas declaradas pelos mesmos? Nossa hipótese era a de que a formação para o uso das tecnologias existia no plano real, porém não exatamente como delineada no projeto pedagógico dos cursos pesquisados. A análise foi realizada em quatro unidades. Neste trabalho, priorizamos resultados relativos a uma delas, na qual buscamos identificar as concepções dos licenciados sobre ensino e aprendizagem com TDIC. A relevância da pesquisa está nas premissas de que os professores são fundamentais a toda inovação que se pretenda na Educação (NÓVOA, 1997) e é necessário repensar a formação inicial do professor no contexto das tecnologias (PATRÍCIO, 2009; GUERRERO; KALMAN, 2010; VISEU; PONTE, 2012; SAMPAIO; COUTINHO, 2015), corroboradas pela legislação educacional, que prevê a integração de tecnologias à prática pedagógica, a exemplo da Resolução do Conselho Nacional de Educação/Conselho Pleno (CNE/CP) 1/2002 (BRASIL, 2002) e da Deliberação do Conselho Estadual de Educação CEE 111/2012 (SÃO PAULO, 2012), alterada pela Deliberação 126/2014 (SÃO PAULO, 2014). 2. Referencial Teórico Iniciamos conceituando formação para o uso de tecnologias; após, esclarecemos o que entendemos por concepções e o que nos motivou a analisá-las; ao final, focalizamos concepções presentes no processo de ensinar e aprender com tecnologias. 2.1 Formação para o uso das TDIC: em que consiste A literatura educacional tem apontado a necessidade de repensar a formação do professor no contexto das tecnologias, não pela sua presença na sociedade, mas pelo impacto cultural dessa presença sobre o aluno. De acordo com Kenski (1998), as tecnologias digitais geram novos modos de pensar e de agir em sociedade, criando novas linguagens e estilos, e carregam potencial para redimensionar o tempo e o espaço educacionais. Alinhado a essa perspectiva, Palfrey (2011) afirma que os nascidos na era digital tendem a aprender de modo diferenciado, por desenvolverem, no contato diário com tecnologias e mídias, conhecimentos e habilidades cognitivas distintos. Paradoxalmente, nas escolas públicas brasileiras, há computadores e softwares educacionais pouco utilizados. Os programas e projetos de formação continuada voltados à formação para o uso das tecnologias na Educação Básica parecem não alterar esse quadro (MORAES, 2006; SANTOS, 2009). A formação inicial, por sua vez, não vem formando professores para esse fim, segundo Velloso (2009), Souza (2010) e Silva 2933
(2011), apesar de há mais de uma década estudos apontarem essa necessidade (MISKULIN, 2003; BARCELOS, 2004). A licenciatura pode propiciar ao futuro professor conhecimentos para ensinar com tecnologias, segundo Richt (2005), Marco (2009), Viseu e Ponte (2012) e Sampaio e Coutinho (2015). Não se trata, contudo, de uma formação qualquer, que leve a fazer mais do mesmo, mas a fazer a diferença usando tecnologias, para fazer novas coisas que anteriormente não eram feitas (CANAVARRO, 1993, p. 36). Nessa direção, pressupomos uma formação para o uso das TDIC que ocorra ao longo do curso de licenciatura e não apenas ao final ou em disciplinas isoladas, não se restrinja ao aprender sobre o uso de tecnologias no ensino e considere o impacto da utilização das mesmas pelos professores do curso sobre o licenciando e sua futura prática pedagógica. Vislumbramos, assim, um processo em que o futuro professor seja formado no e pelo trabalho com as TDIC, concebendo-as como ferramentas para a aprendizagem (VALENTE, 1993) ou ferramentas mediadoras (COLL; MAURI; ONRUBIA, 2010) a serem utilizadas pelo aluno. Essa perspectiva difere de outra que atribui à tecnologia o papel de meio didático a ser usado pelo professor para facilitar seu trabalho em sala de aula, caso do retroprojetor e do PowerPoint em aulas expositivas. 2.2 Concepções sobre ensinar e aprender com tecnologia Ao investigar concepções, atribuímos às mesmas o sentido de pensamento que orienta a ação. Em Educação, trata-se do pensar que orienta o fazer docente, (GARCIA, 1997). Nos dizeres de Brown (2003), concepções são estruturas organizadas, a partir das quais o professor vê, interpreta e age no ambiente de ensino. Por que investigá-las, quando se tem como objeto de estudo a formação para o uso das TDIC? Ao focar as concepções, partimos do entendimento de que elas são de cada um, individualmente, e de um grupo, submetido a um mesmo processo formativo chamado licenciatura, traduzindo apropriações de conhecimentos externos. Por meio e a partir delas, o sujeito percebe e interpreta as distintas informações e o ambiente no qual está imerso (GODED, 1999, p. 128). Nessa perspectiva, referimo-nos à concepção de um único sujeito ou de um único grupo de sujeitos que protagonizou, na condição de aluno ou de professor, um curso específico, numa instituição singular, na qual partilharam um mesmo processo formativo, num tempo e espaço definidos. Partindo do pressuposto de que as ações de ensinar e aprender com tecnologias são orientadas por concepções que repousam em princípios epistemológicos construídos pelo futuro professor ao longo de sua trajetória escolar, na pesquisa focalizada, as concepções são classificadas quanto à abordagem pedagógica, compreendida como 2934
modo de utilização das TDIC no ensino e aprendizagem, e à abertura, entendida como postura assumida pelo sujeito quando se trata do uso das tecnologias no ensino. Do ponto de vista da abordagem pedagógica, as concepções podem ser instrucionista ou construcionista, classificação fundamentada em Papert (1994) e em Valente (1993, 1999). Os termos concepção instrucionista e concepção construcionista indicam concepção baseada no paradigma instrucionista e concepção baseada no paradigma construcionista, respectivamente. A primeira tem como principais características professor transmissor da informação, aluno passivo, tecnologia como meio didático utilizado pelo professor, aprendizagem como memorização e reprodução de conteúdo e ensino centrado no professor. Segundo Valente (1999), trata-se do ensino tradicional sob nova roupagem. A segunda, professor facilitador da aprendizagem, aluno ativo, tecnologia como ferramenta que o aluno utiliza para aprender, aprendizagem como processo que pressupõe construção de conhecimento, ensino centrado no aluno, em seus interesses e necessidades. Assim, uma situação em que a tecnologia é utilizada pelo professor somente para a exibição do conteúdo de ensino, caso em que o professor assume o papel de transmissor da informação, a tecnologia o papel de máquina de ensinar (VALENTE, 1999) ou meio didático (VALENTE, 1993) e o aluno o papel de ouvinte, apresenta traços da abordagem instrucionista. Do ponto de vista da abertura, tendo como referência Chaib (2002), as concepções podem ser otimista, realista ou pessimista 1. Na concepção otimista, o sujeito se mostra seguro com relação ao computador, encara-o como um desafio, acredita que é preciso dominá-lo, demonstra interesse pelo mesmo, concebe-o como facilitador que pode ajudar em situações que envolvem dificuldades de aprendizagem, reconhece seu valor pedagógico. A realista pode ser verificada, por exemplo, nos casos em que o sujeito reconhece potencial na tecnologia, mas aponta dificuldades para implementá-la no ensino; aponta fatores que dificultam a utilização das mesmas, neles centrando sua atenção. Na pessimista, o sujeito nega o valor pedagógico do computador, teme suas consequências, acredita que seu uso pode acarretar a perda do contato humano ou a perda da capacidade de aprendizagem do aluno, inibir sua iniciativa e criatividade. 3. Metodologia De cunho qualitativo, a pesquisa adotou como instrumentos metodológicos questionário, aplicado presencialmente a 25 alunos concluintes, distribuídos em três turmas, duas do Curso de Licenciatura 1 (CM1) Turma 1 (T1), composta por oito alunos, e Turma 2 (T2) por sete e uma do Curso de Licenciatura 2 (CM2) Turma 3 (T3) com dez alunos. Em cada turma, os alunos são denominados Aluno 1 (A1), Aluno 2 2935
(A2) e assim por diante. Além do questionário, entrevistamos 14 professores que ministraram disciplinas envolvidas na formação para o uso das tecnologias a esses alunos, identificados como Professor 1 (P1) 2, Professor 2 (P2) e assim sucessivamente, distribuídos por curso e disciplina. Além das disciplinas cujos professores foram entrevistados, outras foram indicadas pelos alunos no questionário, a exemplo de Geometria Euclidiana (CM1) e Psicologia da Educação (CM2), sendo, porém, menos apontadas nas categorias: Disciplinas nas quais estudou sobre o uso de tecnologias na Educação; Disciplinas obrigatórias nas quais discutiu o uso de tecnologias no Ensino Fundamental e/ou Médio; Disciplinas optativas nas quais discutiu o uso de tecnologias no Ensino Fundamental e/ou Médio; Disciplinas obrigatórias nas quais usou recursos como computador e softwares para aprender Matemática; Disciplinas optativas nas quais usou recursos como computador e softwares para aprender Matemática; Disciplinas com carga horária de prática como componente curricular nas quais vivenciou situações de ensino e aprendizagem envolvendo o uso de tecnologias 3. Com o respaldo de Bardin (2009), a análise foi realizada em quatro unidades, cada qual contendo categorias específicas. Neste trabalho, priorizamos aquela em que identificamos as concepções dos licenciandos quanto à abordagem pedagógica, em instrucionista ou construcionista, tradicional ou cognitivista, e à abertura, em otimista, pessimista ou realista, podendo ser, ainda, indefinida. A abordagem pedagógica tem como indicador o papel atribuído pelo sujeito ao aluno, ao professor e à tecnologia no processo de ensino e aprendizagem, enquanto a abertura é inferida das dificuldades e possibilidades vislumbradas no uso das TDIC. Além das concepções relativas à abordagem pedagógica (instrucionista ou construcionista) e à abertura (otimista, realista ou pessimista), há a tradicional e a cognitivista, ditas impermeáveis, nomenclatura inspirada em Coutinho (2003). Estas ocorrem quando o sujeito apresenta concepção sobre ensino e aprendizagem que não inclui tecnologias. Exemplo disso é o aluno que, solicitado a descrever uma aula de Matemática com tecnologias, apresenta-a sem TDIC. Há, ainda, as indefinidas, que surgem quando o corpus não permite distinguir concepções, por falta de elementos ou presença de elementos desconexos. Partindo do pressuposto de que, para conhecer as concepções do sujeito, é preciso investigar sua prática (GARNICA, 2008), neste caso, a prática declarada, o corpus prioriza perguntas sobre o uso das tecnologias em variados contextos. Assim, analisamos o que os sujeitos escreveram sobre o uso das TDIC em suas futuras aulas; sua segurança para ensinar Matemática usando o computador e softwares que 2936
conhecem para esse fim; seu entendimento sobre uso pedagógico das TDIC e o papel das mesmas no processo de ensino e aprendizagem. 4. Análise e Resultados Os alunos foram questionados sobre o que pensavam acerca do uso de tecnologia na escola no início e no final do curso. Para além das possíveis mudanças em sua forma de conceber o uso, nos dois cursos, chama a atenção o fato de desviarem o foco: ao invés de tratarem do uso propriamente, centram sua atenção nas dificuldades para esse fim na referida instituição. Outra pergunta indagou se pretendiam usar tecnologia em suas futuras aulas, com que frequência, de que modo e com que finalidade. No CM2, todos pretendiam utilizá-las, o mesmo ocorrendo com a T2 do CM1 e sete alunos da T1 desse mesmo curso, resultado interpretado como indício da concepção otimista. O único aluno que não pretendia usar tecnologias em suas aulas escreveu que não queria ser professor. Quanto à abertura, esse resultado é positivo, na medida em que os futuros professores se mostraram dispostos a realizar uma prática diferente daquela que vivenciaram na Educação Básica. Entretanto, evidenciaram haver uma distância entre o que pretendem e o preparo que têm para esse fim. Nas futuras aulas com tecnologia que descreveram verificamos, de um lado, um tratamento instrucionista à aula, planejada para ser conduzida segundo essa abordagem pedagógica, parcial ou integralmente, de outro, a preocupação com o aluno, em motiválo, despertar seu interesse, promover a aprendizagem. Trata-se de um olhar construcionista que privilegia o aluno e sua aprendizagem, mas se traduz, e se perde, em práticas instrucionistas, possivelmente presentes por falta de uma base de conhecimentos para a implementação das TDIC na aula sob a abordagem construcionista, condição que se encontra refletida, por exemplo, na escrita de A3T2, que pretende utilizar tecnologias para enriquecer a aula e transmitir conhecimento de uma maneira diferente, motivar os alunos. Constatamos a existência de um olhar construcionista fundamentado não nos pressupostos de Papert (1994), que esses futuros professores pareciam desconhecer, mas no compromisso com a aprendizagem e a formação do aluno (TEDESCO, 2010). A análise indicou uma possível falta de ferramentas conceituais que permitissem a esses futuros professores pôr esse olhar em ação, ferramentas inscritas no que Mizukami (1996) chama de quadros referenciais. Apesar disso, no CM2, oito alunos informaram que se sentiam seguros para ensinar Matemática usando o computador, enquanto no CM1 sete se encontravam nessa condição. Os oito alunos do CM1 que responderam negativamente apontaram como 2937
motivo: falta de experiência (cinco de nove indicações, mais de uma por aluno); falta de conhecimento (três); realidade escolar (uma). Nas duas turmas, ter conhecimento para ensinar com tecnologia desponta como fator que confere segurança aos futuros professores. Em termos de concepções, este resultado contribuiu para a compreensão de outros, relativos ao interesse em usar TDIC em suas futuras aulas e à aula com tecnologia que elaboraram. O preparo dos alunos para usar tecnologia em suas futuras aulas na escola básica tornou-se evidente também nas respostas à pergunta sobre os softwares que conheciam para ensinar Matemática, relevantes quando confrontadas com a tecnologia que indicaram nas aulas que apresentaram. No CM2, todos os alunos indicaram mais de um software. Ao todo, foram apontados dez, sobressaindo-se Winplot e GeoGebra. No CM1, 14 informaram conhecer um software ou mais para ensinar Matemática, ao todo indicaram sete distintos, com destaque para o GeoGebra. Além de indicarem os softwares que conheciam, os futuros professores escreveram sobre o uso pedagógico das TDIC, que conceituamos a partir de Karsenti, Villeneuve e Raby (2008). Nos dois cursos, dos 25 alunos, um (do CM1) evidenciou conhecer e 80% (oito do CM2 e 12 do CM1) desconhecerem em que consiste o uso pedagógico das tecnologias. Além desses, dois não responderam (um de cada curso) e um apresentou resposta incompleta. Do mesmo modo, expusemos os alunos à premissa de que as tecnologias estão voltadas mais à aprendizagem que ao ensino, solicitando que concordassem ou discordassem da mesma. No CM2, oito discordaram, apresentando o argumento de que estão voltadas à aprendizagem e ao ensino. Do ponto de vista da abordagem pedagógica, em cinco enunciados verificamos indícios da abordagem instrucionista. No restante (outros cinco) não foram encontrados elementos que permitissem identificar a abordagem. No CM1 nove alunos concordaram com a referida premissa. Dos seis que discordaram, três argumentaram que o uso da tecnologia depende do professor. Em suas respostas, evidenciaram indícios da abordagem instrucionista. De modo geral, constatamos que no CM1 a abordagem pedagógica, que explica a diferença entre o foco no ensino ou na aprendizagem, foi identificada por cinco futuros professores. Quanto às concepções, das cinco ocorrências encontradas, quatro apontaram a instrucionista e uma a otimista. Ao final, solicitamos aos licenciandos que elaborassem uma aula com tecnologia 4. No que diz respeito à abordagem pedagógica, nas aulas esboçadas pelos dez alunos do CM2 identificamos 26 ocorrências de concepções, sendo elas: construcionista (sete), indefinida (seis), instrucionista (quatro), cognitivista (cinco) e tradicional (quatro). Com relação à concepção indefinida, nos casos em que foi encontrada, tratou-se da falta de 2938
elementos (por exemplo, quem usaria a tecnologia na atividade proposta, se o professor ou os alunos) que permitissem distinguir entre construcionista e instrucionista, tradicional e cognitivista. No CM1, nas seis aulas elaboradas pelos alunos da T1, constatamos 11 ocorrências de concepções, a saber: construcionista (três), instrucionista (duas), tradicional (duas), cognitivista (duas) e indefinida (duas). Do mesmo modo, nas sete aulas elaboradas pelos alunos da T2, encontramos 12 ocorrências de concepções, que incluem: tradicional (seis), instrucionista (três), cognitivista (duas) e construcionista (uma). Dois alunos da T1 não elaboraram a aula e três da T2 apresentaram aulas sem TDIC. Quanto à abertura, no CM1 prevaleceu a concepção otimista dos alunos sobre o uso das tecnologias no ensino, por exemplo, quando apontaram as finalidades de suas futuras aulas com tecnologia; no CM2, a realista. Nas aulas elaboradas, a tecnologia adotada por sete alunos do CM2 e oito do CM1 foi software. Entretanto, sem identificação do mesmo em quatro das sete aulas em que foi indicado no CM2 e em cinco das oito aulas em que foi apontado no CM1, apesar de todos os alunos do CM2 responderem que conheciam softwares para ensinar Matemática e informarem quais eram eles, o mesmo ocorrendo com 14 alunos do CM1. Este resultado levou a questionar que conhecimento sobre softwares tinham os alunos desses cursos, uma vez que evidenciaram não dispor dele para a elaboração de uma aula. À luz de Abreu e Bairral (2010, p. 28), os licenciandos evidenciaram um conhecimento de caráter informativo, caracterizado pela falta de vivência com o recurso: o futuro professor apenas ouviu falar e viu algumas atividades. A não identificação do software nas aulas dos futuros professores pode, ainda, ser indício de que não dispõem: a) de conhecimentos para indicá-los ou b) de conhecimentos sobre o uso dos mesmos em situações de ensino e/ou aprendizagem específicas, tendo em vista que, segundo Valente (1999), o potencial de um software varia de acordo com a sua classificação (de tutorial a software de programação) e esse fator influi nas situações de aprendizagem previstas para a aula. Nesse caso, embora conhecessem softwares, conforme evidenciaram suas respostas, não dispunham desse conhecimento numa situação de ensino (aula com tecnologia para o Ensino Fundamental ou Médio). Outro elemento a destacar é o papel do professor na aula. Nenhum dos futuros professores atribuiu ao professor o papel de transmissor da informação, ao contrário, identificaram-no como orientador ou aquele que auxilia, ajuda, monitora, questiona, desperta curiosidade etc. Tais papéis supõem atividades que a aula esboçada não comportava ou negava. Por exemplo, numa aula sem tecnologias, marcada por traços da abordagem tradicional do ensino, A6T2 atribuiu ao professor o papel de interagir ao máximo com os alunos, fazendo com que participem bastante da aula, com perguntas e desafios. 2939
5. Considerações finais Neste trabalho, apresentamos parte dos resultados de uma pesquisa de doutorado concluída, que teve como objetivo geral investigar a formação para o uso das TDIC em dois cursos de Licenciatura em Matemática de uma universidade pública do Estado de São Paulo, por meio de questionário aplicado a alunos concluintes e entrevista semiestruturada realizada com professores que ministraram a esses alunos disciplinas envolvidas na formação focalizada e coordenadoras dos cursos. Os resultados são relativos a uma das unidades de análise, que consistiu em identificar as concepções dos licenciados sobre ensino e aprendizagem com TDIC, classificadas em instrucionista ou construcionista; otimista, realista ou pessimista; tradicional ou cognitivista; indefinida. A análise evidenciou que em uma mesma resposta os alunos apresentam concepções sustentadas por princípios epistemológicos distintos, por exemplo, as relativas à aula de Matemática com tecnologia e ao uso de tecnologia em suas futuras aulas. Também evidenciou contradições nas respostas fornecidas a uma e outra pergunta, por exemplo, entre a que os questionou sobre os softwares que conheciam para ensinar Matemática, a que indagou se eles se sentiam seguros para ensinar Matemática usando o computador e a que solicitou a estruturação de uma aula (uso de tecnologia em suas futuras aulas e aula de Matemática com tecnologia). Nos dois cursos as respostas dos alunos a perguntas sobre o uso das tecnologias foram evasivas, não tratando do uso propriamente, a exemplo daquela que os indagou sobre mudanças em sua forma de pensar o uso da tecnologia na escola no início e no final do curso, ou desprovida de elementos que informassem como ocorreria, caso da frequência e do modo de utilização em suas futuras aulas. Além disso, no CM1, dos oito alunos da T1, dois não elaboraram a aula de Matemática com tecnologia, e, dos sete da T2, três formularam aula sem TDIC. Nesta mesma turma, na aula de Matemática com tecnologia, 12 das 21 ocorrências relativas à abordagem pedagógica correspondem às concepções tradicional e instrucionista. Em ambos os cursos as concepções oscilam, um mesmo aluno apresenta mais de uma, chegando a cinco em uma mesma resposta (caso de A2T3). No CM2 nenhuma das aulas de Matemática com tecnologia é orientada por uma única concepção. No CM1 das 13 elaboradas, três encontram-se nessa condição, uma delas integralmente indefinida. Em geral, a concepção cognitivista corresponde à concepção de aprendizagem do licenciando, enquanto a instrucionista à de ensino, inferida pelo papel do professor e/ou da tecnologia na aula. Isto fica mais evidente, por exemplo, na finalidade de uso da tecnologia delimitada pelos alunos para as suas futuras aulas e na aula de Matemática 2940
com tecnologia. Os futuros professores investigados têm a atenção voltada ao aluno, pretendem tornar a aula de Matemática mais interessante e motivadora quebrando o paradigma giz e lousa, como escreveu A6T2, enxergam nas tecnologias possibilidades, evidenciando, assim, concepção otimista, mas buscam promover essa aprendizagem pela abordagem tradicional ou instrucionista. Referências Bibliográficas AFONSO, C. A. Internet no Brasil alguns dos desafios a enfrentar. Informática Pública, v. 4, n. 2, p. 169-184, 2002. BAIRRAL, M. A. (Org.). Tecnologias informáticas, salas de aula e aprendizagens matemáticas. Rio de Janeiro: Ed. UFRRJ, 2010. BARCELOS, G. T. Inovação no sistema de ensino: o uso pedagógico das Tecnologias de Informação e Comunicação nas Licenciaturas em Matemática da Região Sudeste. 2004. Dissertação (Mestrado em Ciências de Engenharia) Universidade Estadual do Norte Fluminense, Centro de Ciência e Tecnologia, Campos dos Goytacazes, RJ, 2004. BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2009. BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CP 1/2002. Diário Oficial da União, Brasília, 9 de abril de 2002a, Seção 1, p. 31. Institui as Diretrizes Nacionais Curriculares para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível Superior, curso de Licenciatura, de graduação plena. BROWN, G. T. Teacher s instructional conceptions: assessment s relationship to learning, teaching, curriculum, and teacher efficacy. CONFERENCE OF THE AUSTRALIAN AND NEW ZEALAND ASSOCIATIONS FOR RESEARCH IN EDUCATION, Auckland, p. 1-24, nov./dez. 2003. CANAVARRO, A. P. Concepções e práticas de professores de Matemática: três estudos de caso. 1993. Tese (Mestrado em Educação) Universidade de Lisboa, Faculdade de Ciências, Lisboa (PT), 1993. CHAIB, M. Frankstein na sala de aula: as representações sociais docentes sobre informática. Nuances, n. 8, p.47-64, set. 2002. COLL, C.; MAURI, T.; ONRUBIA, J. A incorporação das tecnologias da informação e da comunicação na educação: do projeto técnico-pedagógico às práticas de uso. In: COLL, C.; MONEREO, C. Psicologia da educação virtual: aprender e ensinar com as tecnologias da informação e da comunicação. Porto Alegre: Artmed, 2010, p. 67-93. COUTINHO, L. M. Imagens sem fronteiras: a gênese da TV Escola no Brasil. In: SANTOS, G. L. (Org.). Tecnologias na educação e formação de professores. Brasília: Plano Editora, 2003, p. 69-98. GARCIA, C. M. A formação de professores: centro de atenção e pedra-de-toque. In: NÓVOA, A. Os professores e a sua formação. 3. ed. Lisboa: Dom Quixote, 1997, p. 53-76. 2941
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1 Chaib (2002) investiga representações sociais de professores sobre Informática na Educação, classificando-as como otimista, realista e pessimista, categorias que adaptamos para o estudo das concepções. 2 O Professor 1 (P1) foi entrevistado na aplicação-piloto. 3 Categorias de elaboração própria, criadas na ocasião em que foi formulado o questionário, a partir dos pressupostos de Schön (1997), Pires (2002), Gatti e Barretto (2009), entre outros. 4 Os sujeitos deveriam apresentar o esboço de uma aula de Matemática com tecnologias, não necessariamente um plano de aula, dadas as circunstâncias de produção do mesmo. 2944