ENSINO DE BIOLOGIA E A PERSPECTIVA DE CURRÍCULO NOS DOCUMENTOS ORIENTADORES NACIONAIS E DO ESTADO DE GOIÁS Resumo: Christianne de Lima Borges Moraes Mestranda do PPG em Educação em Ciências e Matemática Universidade Federal de Goiás Professora efetiva da Educação Básica da Rede Pública Estadual de Ensino do Estado de Goiás Simone Sendin Moreira Guimarães Professora do PPG em Educação em Ciências e Matemática Universidade Federal de Goiás O ensino das Ciências e de Biologia sempre esteve vinculado ao desenvolvimento científico e aos interesses sociais vigentes em cada época, esses interesses se materializam nos currículos propostos para o ensino desse componente curricular na Educação Básica. Pensar a que ideias de currículo se vinculam as orientações federais e estaduais relacionadas à Biologia pode subsidiar o entendimento do terreno no qual se dá o ensino dessa área no Ensino Médio. Para essas reflexões foi realizada uma pesquisa documental nos documentos orientadores (federais e estadual) para o ensino de Biologia a saber: 1) Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio Parte III Ciências da Natureza Matemática e suas Tecnologias (PCNEM), 2) Parâmetros Curriculares Nacionais Mais para o Ensino Médio - Ciências da Natureza Matemática e suas Tecnologias (PCN + EM), 3) Orientações Curriculares para o Ensino Médio - Ciências da Natureza Matemática e suas Tecnologias (OCEM) e 4) Currículo de Referência da Rede Estadual de Educação do Estado de Goiás - Biologia (CRREEGO). Essa pesquisa teve com objetivo identificar e discutir a perspectiva de currículo presente nesses documentos orientadores no que tange a especificidade da Biologia. Os dados preliminares indicam que aparecem inicialmente, na análise dos documentos, algumas ideias atreladas às teorias Críticas e Pós-críticas de currículo mas, no geral, embora existam muitos indicativos nos documentos escritos (PCNEM, PCN + EM e OCEM) que remetam a uma perspectiva de currículo de Biologia nessa direção, em uma análise mais criteriosa percebemos que a mudança prometida é muitas vezes contraditória e não tem possibilidades de se materializar. Palavras-chave: Ensino de Ciências e Biologia. Currículo. Diretrizes Oficiais 1. Introdução O Ensino das Ciências sempre esteve vinculado ao desenvolvimento científico e aos interesses sociais vigentes em cada época (KRASILCHIK, 2008; MARANDINO, SELLES, FERREIRA, 2009), sendo esses interesses materializados em propostas curriculares para o ensino da área na educação básica. Atualmente o currículo é um campo de estudos permeado por diversas teorias. As ideias de uma teoria dirigem nossa atenção para certas coisas e os conceitos por trás dessa teoria organizam e estruturam nossa percepção da realidade, assim, as teorias do currículo são 9576
2 caracterizadas pelos conceitos que enfatizam (SILVA, 2015). No cenário atual destacam-se três teorias sobre currículo: as Tradicionais, as Críticas e as Pós-críticas. As teorias Tradicionais são identificadas como teorias de aceitação, o currículo é concebido como uma atividade burocrática cujas finalidades educacionais remetem as exigências profissionais da vida adulta (SILVA, 2015). As teorias Críticas desconfiam do status quo, são questionadoras e perseguem a transformação radical da sociedade. Finalmente as teorias Pós-críticas, agregam novos conceitos, tais como: cultura, identidade, subjetividade, raça, gênero, sexualidade, discurso, linguagem (MOREIRA e SILVA, 2013). O presente artigo é parte de uma pesquisa de mestrado ainda em andamento e neste recorte tem como objetivo identificar e discutir a perspectiva de currículo presente em quatro documentos orientadores da área de Ciência/Biologia: 1) Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio Parte III Ciências da Natureza Matemática e suas Tecnologias (PCNEM), 2) Parâmetros Curriculares Nacionais Mais para o Ensino Médio - Ciências da Natureza Matemática e suas Tecnologias (PCN + EM), 3) Orientações Curriculares para o Ensino Médio - Ciências da Natureza Matemática e suas Tecnologias (OCEM) e 4) Currículo de Referência da Rede Estadual de Educação do Estado de Goiás - Biologia (CRREEGO). 2. Procedimentos Metodológicos A presente pesquisa é qualitativa e utilizou como instrumento metodológico a análise documental conforme proposta por Lüdke e André (1986). As etapas deste momento da pesquisa foram: a) seleção e organização dos documentos; b) leitura flutuante; c) criação da ficha de análise; d) organização das categorias (estabelecidas a priori); d) leitura metódica; e) categorização. Os documentos orientadores nacionais (PCNEM, PCN + EM, OCEM) e estadual (CRREEGO) foram categorizados a partir dos referenciais teóricos adotados. 3. Resultados e Discussão Para sistematizar a análise utilizamos as ideias propostas por Silva (2015) explicitadas na Tabela 1, que resume as teorias de acordo com os conceitos que elas enfatizam. A análise dos documentos orientadores sobre o ensino de Biologia, realizada a partir das teorias de currículo (Tradicionais, Críticas e Pós-críticas), foi sintetizada na Tabela 2. No recorte desse texto optamos por uma análise que leve em conta as ideias que consideramos as mais significativas/convergentes nos documentos. Quando nos referimos aos conceitos enfatizados na teoria Tradicional, verificamos que a ideia voltada a um forte enquadramento está presente nos quatro documentos. O forte 9577
3 enquadramento caracteriza-se pelos objetivos do ensino-aprendizagem,, estratégias e metodologias, mecanismos avaliativos voltados ao desenvolvimento de habilidades e competências. Tal enquadramento privilegia interesses de um grupo de pessoas que fazem parte de uma cultura hegemônica, mantendo a ideia de um ensino-aprendizagem tecnicista e burocrata, em que professores e alunos reproduzem um conhecimento considerado como verdadeiro e primordial, voltado ao mercado de trabalho e à manutenção do status quo. Sobre esse aspecto, Silva (2015, p. 46-47) nos afirma que: Nos modelos tradicionais, o conhecimento existente é tomado como verdade, como inquestionável. [...] Como consequência, os modelos técnicos de currículo limitam-se à questão do como organizar o currículo. Contraditoriamente, verifica-se em vários elementos textuais dos documentos nacionais analisados a ideia de uma formação para emancipação, autonomia, posicionamento crítico e tomada de decisão, o que nos leva a pensar nos aspectos históricos e contextuais do momento da elaboração de tais documentos, em que a teoria Crítica estava sendo bastante difundida/desenvolvida no Brasil. Apesar de tais características estarem presentes nos elementos textuais verificamos que houve apenas uma aproximação na tentativa de abordagem de princípios preconizados em tal teoria, além de contemplar aqueles preconizados na LDB/96. Pois, na análise mais atenta do contexto dos documentos verifica-se que estes termos estão utilizados mais no sentido de ocultações ideológicas do que de fato como princípios formativos para um cidadão, uma vez que prevalece a perspectiva tradicional de currículo. Finalmente, em relação aos conceitos enfatizados na Teoria Pós-crítica, encontramos como elemento comum entre os documentos orientadores a articulação entre as a partir da interdisciplinaridade/transdisciplinaridade. Apesar de a interdisciplinaridade/ transdisciplinaridade aparecerem como uma nova proposta curricular, com o intuito de superar um currículo essencialmente centrado em tradicionais, verificamos que o currículo não se materializa a partir da nova proposta. Sobre este aspecto, inferimos que há o prevalecimento de um currículo fortemente classificado, organizado em tradicionais (SILVA, 2015). 4. Considerações Finais O currículo nunca é desinteressado ou um conjunto neutro de conhecimentos, assim, pensar que elementos de uma teoria curricular subsidiam os textos dos documentos orientadores pode auxiliar na compreensão sobre qual terreno se situa o ensino de Biologia no 9578
4 Ensino Médio. Sem a pretensão de esgotarmos as discussões presentes neste trabalho, até porque são provenientes de uma análise preliminar, entendemos que embora existam muitos indicativos nos documentos escritos (PCN, PCN+ e OCEM) que remetam a uma perspectiva de currículo de Biologia crítico, em uma análise mais criteriosa percebemos que a mudança prometida é muitas vezes contraditória e não tem possibilidades de se materializar. 5. Referências BRASIL. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais (Ensino Médio). Brasília: MEC, 2000.. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros curriculares nacionais para o ensino médio PCN+ Orientações educacionais complementares aos Parâmetros curriculares nacionais. Brasília: MEC/SEMTEC, 2002.. Ciências da natureza, matemática e suas tecnologias - Orientações curriculares para o ensino médio; volume 2/ Secretaria de Educação Básica. Brasília: Ministério da Educação, 2006. GOIÁS. Currículo Referência da Rede Estadual de Educação de Goiás. Goiânia, SEDUC- GO, 2013. KRASILCHIK, M. Prática de Ensino de Biologia. 4ª ed., São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2008. LÜDKE, M.; ANDRÉ, M. E. D. A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo. EPU. 1986. MARANDINO, M.; SELLES, S. E.; FERREIRA, M. S. Ensino de Biologia: histórias e práticas em diferentes espaços educativos. São Paulo: Cortez, 2009. MOREIRA, A. F.; SILVA T. T. Sociologia e teoria crítica do currículo: uma introdução. In:Currículo, Cultura e Sociedade. Cortez Editora. São Paulo, SP. 2013. 12ª edição. SILVA, T. T. Identidades terminais: as transformações na política da pedagogia e na pedagogia da política. Petrópolis: Vozes, 1996. SILVA, T. T. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Autêntica Editora. Belo Horizonte. 2015. Tabela 1: Conceitos enfatizados nas Teorias Tradicionais, Críticas e Pós-crítica (Adaptado de Silva, 2015). Teorias Tradicionais Críticas Pós-Críticas Conceito Enfatizado Ensino, aprendizagem, avaliação, metodologia, didática, organização, planejamento, eficiência e objetivos. Ideologia, reprodução cultural e social, poder, classe social, capitalismo, relações sociais de produção, conscientização, emancipação e libertação, currículo oculto e resistência. Identidade, alteridade, diferença, subjetividade, significação e discurso, saber-poder, representação, cultura, gênero, raça, etnia, sexualidade e multiculturalismo. Tabela 2: Síntese da análise dos documentos orientadores em relação às perspectivas de currículo 9579
5 Documentos orientadores PCNEM Perspectivas de currículo Tradicional Crítica Pós-crítica Entendimento histórico da Ciência em Articulação entre as geral e da Biologia Prescrição dos Visão de um sujeito transformador Valorização da alteridade a serem Associação entre Ciência, Tecnologia e bem como de aspectos Sociedade CTS éticos e morais Desenvolvimento de Formação para emancipação, Visão de mundo numa habilidades e autonomia, posicionamento crítico e perspectiva sistêmica competências com base tomada de decisão Construção coletiva do em conteúdo Pensamento moderno fundamentado na conhecimento selecionado por um racionalidade e nas certezas científicas Pensamento pós-moderno grupo de pessoas Ideia progressista associando o fundamentado nas Perspectiva curricular desenvolvimento social com incertezas científicas, no o desenvolvimento científico/tecnológico questionamento da Formação voltada ao Aluno e professor ativos no processo racionalidade e da ajuste e adaptação ensino-aprendizagem construção do Dominação cultural Problematização dos conhecimento científico imposição e ocultação PCN + EM OCNEM CRREEGO Prescrição dos a serem Desenvolvimento de habilidades e competências com base em conteúdo selecionado por um grupo de pessoas Perspectiva curricular Formação voltada ao ajuste e adaptação Validação da prescrição dos a serem Valorização do como fazer Prescrição dos a serem Perspectiva curricular Foco na aprendizagem Fragmentação do conteúdo Entendimento histórico da Ciência em geral e da Biologia Visão de um sujeito transformador Associação entre Ciência, Tecnologia e Sociedade CTS Formação para emancipação, autonomia, posicionamento crítico e tomada de decisão Ideia progressista associando o desenvolvimento social com o desenvolvimento científico/tecnológico Aluno e professor ativos no processo de ensino-aprendizagem Problematização dos Crítica à perspectiva curricular tradicional Socialização dos produtos científicos e tecnológicos- Alfabetização Científica Formação para emancipação, autonomia, posicionamento crítico e tomada de decisão Aluno e professor ativos no processo de ensino-aprendizagem Crítica à perspectiva curricular tradicional Socialização dos produtos científicos e tecnológicos- Alfabetização Científica Articulação entre as Visão de mundo numa perspectiva sistêmica Construção coletiva do conhecimento Articulação entre as Visão holística do aprendizado Destaque ao protagonismo juvenil e ao multiculturalismo 9580