02558 INTERDISCIPLINARIDADE E FENOMENOLOGIA NO ESPAÇO MUSEOLÓGICO Luciana Pasqualucci Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP Resumo A intenção deste trabalho é ampliar a compreensão de como o espaço museológico pode colaborar para a construção de um conhecimento interdisciplinar, evidenciando as aproximações entre os conceitos da Fenomenologia e da Interdisciplinaridade. O conteúdo aqui partilhado é fruto de uma pesquisa em andamento e do resultado do trabalho desenvolvido em um museu na cidade de São Paulo (SP) durante nove anos. A interdisciplinaridade fundamenta-se inicialmente na fenomenologia (FAZENDA, 2006). Ambas responsabilizam o homem pela produção de significados, mas, diferentemente da fenomenologia, que se realiza enquanto concepção, a interdisciplinaridade acontece na ação. Enquanto a fenomenologia respalda o pensamento acadêmico na importância de considerar experiência e percepção com fundantes da racionalidade, a interdisciplinaridade acontece na e pela experiência, no estado de inter-relação e interação do homem com o coletivo e com os demais fenômenos. A fenomenologia e sua visão de homem articuladas aos pressupostos da interdisciplinaridade podem orientar o desenvolvimento do trabalho realizado no espaço museológico, pautado pela perspectiva de que o museu e a arte: suscitam questões; possibilitam antecipações; estabelecem relações; compartilham ideias; apresentam possibilidades; incentivam a interação entre os sujeitos e seus saberes; incentivam a integração entre as disciplinas; retiram o sujeito da obviedade; consideram a pluralidade de ideias; instauram novas formas de compreensão; ofertam à consciência valores humanos e relativos à cidadania; favorecem o protagonismo do sujeito na construção de sentidos, possibilitam elaborações objetivas e subjetivas; exercitam antecipações e elaborações de hipóteses e são instrumentos de investigação crítica do conhecimento. O museu é mais do que um espaço institucional, social e cultural que se dá pela soma dos objetos apresentados em suas exposições, é um espaço de experiências, de diálogo e de encontro entre diversidades. Palavras-chave: Educação Museus Interdisciplinaridade Introdução A intenção deste trabalho é ampliar a compreensão de como o espaço museológico pode colaborar para a construção de um conhecimento interdisciplinar. O conteúdo aqui partilhado é fruto de uma pesquisa em andamento e resultado do trabalho desenvolvido em um museu na cidade de São Paulo (SP) durante nove anos (2000-2009). A autora,
02559 que atuou como educadora e como coordenadora do Setor Educativo da instituição, acredita que a fenomenologia e a interdisciplinaridade podem contribuir para a aproximação do sujeito com a arte e tornar o espaço museológico um espaço de produção de conhecimentos e valorização de experiências individuais e coletivas. Interdisciplinaridade e Fenomenologia no museu A interdisciplinaridade fundamenta-se inicialmente na fenomenologia (FAZENDA, 2006). Ambas responsabilizam o homem pela produção de significados, mas, diferentemente da fenomenologia, que se realiza enquanto concepção, a interdisciplinaridade acontece na ação. A fenomenologia é uma proposta de visão de homem e de mundo. Um mundo que precede a existência humana, que oferece possibilidades factuais, que ora se mostra ora se vela às nossas percepções. A fenomenologia surge por um questionamento crítico epistemológico em que Edmund Husserl (1958) procura discutir as perspectivas do pensamento cientifico. Husserl desenvolve seu pensamento buscando uma produção de conhecimento que alcance maior rigor do que o cientifico positivista, pois criticava três vertentes pelo qual o conhecimento era construído: o psicologismo, onde se compreende o conhecimento como derivado de uma subjetividade e organização psicológica; o sociologismo, que considera a produção de conhecimento como um produto social e o historicismo, onde a produção de conhecimento é resultado de produtos históricos. Foi em busca de rigor que Husserl desenvolveu o método fenomenológico. A fenomenologia procura alicerçar-se numa perspectiva metodológica que possibilite, segundo Husserl, uma fundamentação da ciência que resulte de um movimento de ir às coisas mesmas. Considerando a observação do fenômeno (aquilo que se mostra e se manifesta), como princípio pelo qual qualquer produção de conhecimento ocorre, tenta fundamentar as bases metodológicas da sua proposta considerando a observação dos fenômenos a base para o contato com o mundo e para a produção de conhecimentos. Ir às coisas mesmas, aos fenômenos como aparecem, sem mediações teóricas, é a proposta da fenomenologia. A primeira condição da fenomenologia é a eliminação do subjetivo, o que Husserl denomina de redução eidética (eidos). Primeiro conhecemos o fenômeno, depois o transformamos em conceito. Colocar em suspensão nossas crenças sobre o fenômeno interrogado, ou realizar a epoché, é buscar abstrair-se de qualquer teoria, pressuposto ou hipótese. A fenomenologia auxilia na construção de uma visão interpretativa em decorrência da percepção livre de preconceitos e expectativas. No espaço museológico, na relação com o objeto de arte, podemos praticar a epoché. A fenomenologia embasa,
02560 na investigação aqui apresentada para uma construção interdisciplinar do conhecimento, a possibilidade do sujeito fazer uso subjetivo de suas referências afim de que a arte dê a sua contribuição enquanto metáfora epistemológica. A arte enquanto metáfora pode ser entendida como objeto visual e conceitual carregado de estímulos estéticos que produz uma reação em cadeia onde a produção de significados quanto à forma disparadora destes sentidos (obra) torna-se tão originária quanto aquilo o que ela pode dizer para o sujeito. Esta é uma concepção fenomenológica da relação do sujeito com o espaço museológico. No museu, a direcionalidade da consciência volta-se para objetos de arte que são resultados e apresentações de fenômenos do mundo. São objetos intencionais, pelos quais a consciência os atinge por meio de atos de significação. Ao tomar contato com os pressupostos da fenomenologia, nota-se que o espaço do museu pode ser considerado, in loco, um espaço fenomenológico. De acordo com Merleau-Ponty (1999), são as percepções da pessoa que definem os limiares de troca com o mundo. O museu é mais do que um espaço institucional, social e cultural que se dá pela soma dos objetos que apresenta em suas exposições. É um espaço que evidencia a dimensão da existência. É um campo permanente em que o ser-para-si encontra o ser-no-mundo (Idem). Enquanto a fenomenologia respalda o pensamento acadêmico em relação à importância de considerar experiência e percepção como fundantes da racionalidade, a interdisciplinaridade acontece na e pela experiência, no estado de inter-relação e interação do homem com o coletivo e com os demais fenômenos. Compartilhamos com os escritos de Fazenda (2011) quando percebemos que viver a interdisciplinaridade é viver a própria aprendizagem. A busca pela interdisciplinaridade, segundo Fazenda (2006) evidencia-se pela atitude do educador, do propositor ou por aquele que planeja ou coordena ações educativas. As experiências no espaço museológico evocam a interdisciplinaridade no sentido de que ela pode ser considerada (FAZENDA, 2007): a) como meio de conseguir uma melhor formação geral, pois somente o enfoque interdisciplinar possibilita certa identificação entre o vivido e o estudado, desde que o vivido resulte da inter-relação de múltiplas e variadas experiências; b) como meio de atingir uma formação profissional, já que permite a abertura a novos campos do conhecimento e novas descobertas; c) como incentivo à formação de pesquisadores e de pesquisas; d) como condição para uma educação permanente, posto que por meio da subjetividade, característica essencial da interdisciplinaridade, será possível a troca de experiências; e) como forma de compreender e modificar o mundo, pois, sendo o homem agente e paciente da realidade do mundo, torna-se necessário um conhecimento
02561 efetivo dessa realidade em seus múltiplos aspectos; f) como superação da dicotomia ensino-pesquisa. Pode-se dizer neste contexto que exercer a interdisciplinaridade é praticar a fenomenologia e colocar a fenomenologia em prática é exercitar a interdisciplinaridade. Buscar a interdisciplinaridade é buscar a parceria, a intersubjetividade, a coerência e o desapego, este último no sentido de suspendermos nossas crenças e valores para percebermos o que acontece à nossa volta de acordo como as coisas se apresentam. A fenomenologia e sua visão de homem, articuladas aos pressupostos da interdisciplinaridade, podem orientar o desenvolvimento do trabalho realizado no espaço museológico, pautado pela perspectiva de que o museu e a arte contemporânea: disparam questões, possibilitam antecipações, estabelecem relações, compartilham ideias, questionam, buscam compreender, apresentam possibilidades, incentivam a interação entre os sujeitos e seus saberes, incentivam a integração entre as disciplinas, retiram o sujeito da obviedade, consideram a pluralidade de ideias, instauram novas formas de compreensão, refletem sobre os valores por meio da arte, ofertam à consciência valores humanos e relativos à cidadania, favorecem o protagonismo do sujeito, refletem fenômenos do mundo, são fenômenos do mundo, exercitam a receptividade de aparências, favorecem elaborações objetivas e subjetivas, exercitam antecipações e elaborações de hipóteses, são instrumentos de investigação crítica do conhecimento. Considerações Por que considerar a fenomenologia para a construção de um conhecimento interdisciplinar em museus? Por acreditar no protagonismo do homem na produção de sentidos e na sua responsabilidade em traçar os caminhos da própria existência. Por vislumbrar que, na relação com a arte, em especial a produção contemporânea, onde os significados da mesma não estão prontos e sugerem espaços para reflexões sobre o cotidiano e sobre possibilidades futuras, a concepção fenomenológica de homem e de mundo auxilia no desenvolvimento de estratégias educativas que favoreçam a aproximação do sujeito com a arte, valorizando a experiência de cada um. A arte contemporânea carrega certa cota de veículo comunicativo que pode ir além das compreensões óbvias. Os fenômenos da realidade que embasam a produção de arte dividem espaço com uma esteticidade de tal modo estruturada que o sujeito, mesmo recorrendo à sua sensibilidade mais ampla, depara-se com limites quase intransponíveis. O sujeito, ao apropriar-se das relações sugeridas pelo objeto de arte, volta-se a ele para encontrar as razões desta sugestão. Este movimento entrelaça os sentidos disparados
02562 pela arte objeto pela provocação às qualidades estéticas da obra, mas também evoca um compartilhar de significados. Assim, na dialética entre obra e abertura, o persistir da obra é garantia das possibilidades comunicativas e ao mesmo tempo das possibilidades de fruição estética (ECO, 1976, p. 176). A fenomenologia como discurso que abre possibilidades encontra na interdisciplinaridade um viés prático, de ação. A concepção fenomenológica de homem, como ser postado na primazia do ato perceptivo, que apreende as coisas num campo objetivo e estabelece relações entre a apreensão e sua vida de um modo pessoal, considera-o como um ser em ação, em devir, que pergunta pelos sentidos das coisas. A fenomenologia considera o mundo percebido como o fundante dos sentidos que o humano constrói à sua existência e aos fenômenos com os quais se depara e alça como facetas originárias da condição humana a percepção, a intencionalidade, o gesto e a condição de ser em devir. Pesquisar e exercitar uma atitude interdisciplinar, pautada na fenomenologia, em museus e espaços culturais significa indagar as certezas e praticar a cooperação, a humildade, a escuta, o desapego e exercitar a reflexão. Não podemos construir uma única teoria da interdisciplinaridade e não existem fórmulas para a atitude interdisciplinar. Não existe um modelo interdisciplinar. Existem possibilidades. Luciana Pasqualucci é mestranda em Educação: Currículo na PUC-SP linha de pesquisa Interdisciplinaridade, especialista em Psicopedagogia pela PUC-SP, graduada em Artes Plásticas pela FAAP. Possui experiência em educação em museus, formação de professores e estratégias para o ensino da Arte Contemporânea. Pesquisadora do GEPI Grupo de Pesquisas em Interdisciplinaridade. Contato: lucianapasqualucci@gmail.com Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/6970732117221802 Bibliografia ECO. U. Obra Aberta: Forma e indeterminação nas poéticas contemporâneas. São Paulo: Perspectiva, 1976. FAZENDA, I. C. A. Interdisciplinaridade: História, Teoria e Pesquisa. Campinas: Papirus, 2011.. Interdisciplinaridade: Um projeto em parceria. São Paulo: Loyola, 2007.. Interdisciplinaridade: qual o sentido? São Paulo: Paulus, 2006. HUSSERL, E. A Ideia da Fenomenologia. Lisboa: Edições 70, 1958. MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da Percepção. (trad. Carlos Alberto Ribeiro de Moura). São Paulo: Martins Fontes, 1999.