O PROCESSO DA ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA E A ELABORAÇÃO DE UMA PROPOSTA DE FORMAÇÃO CONTINUADA PARA PROFESSORES DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA



Documentos relacionados
Um espaço colaborativo de formação continuada de professores de Matemática: Reflexões acerca de atividades com o GeoGebra

PRÓ-MATATEMÁTICA NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES

CURSO: LICENCIATURA DA MATEMÁTICA DISCIPLINA: PRÁTICA DE ENSINO 4

AS REPRESENTAÇÕES DE PROFESSORES SOBRE A DOCENCIA COMO PROFISSÃO: UMA QUESTÃO A SE PENSAR NOS PROJETOS FORMATIVOS.

V Seminário de Metodologia de Ensino de Educação Física da FEUSP Relato de Experiência INSERINDO A EDUCAÇÃO INFANTIL NO CONTEXTO COPA DO MUNDO.

COORDENADORA: Profa. Herica Maria Castro dos Santos Paixão. Mestre em Letras (Literatura, Artes e Cultura Regional)

O olhar do professor das séries iniciais sobre o trabalho com situações problemas em sala de aula

Pesquisa com Professores de Escolas e com Alunos da Graduação em Matemática

PROGRAMA DE CAPACITAÇÃO E APERFEIÇOAMENTO PARA TUTORES - PCAT

A Ponte entre a Escola e a Ciência Azul

GUIA DE IMPLEMENTAÇÃO DO CURRICULO ANO 2 - APROFUNDAMENTO

NÚCLEO DE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA E ENSINO DE FÍSICA E AS NOVAS TECNOLOGIAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES

DA UNIVERSIDADE AO TRABALHO DOCENTE OU DO MUNDO FICCIONAL AO REAL: EXPECTATIVAS DE FUTUROS PROFISSIONAIS DOCENTES

TÍTULO: ALUNOS DE MEDICINA CAPACITAM AGENTES COMUNITÁRIOS NO OBAS CATEGORIA: CONCLUÍDO ÁREA: CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E SAÚDE

ALFABETIZAÇÃO DE ESTUDANTES SURDOS: UMA ANÁLISE DE ATIVIDADES DO ENSINO REGULAR

Trabalho em Equipe e Educação Permanente para o SUS: A Experiência do CDG-SUS-MT. Fátima Ticianel CDG-SUS/UFMT/ISC-NDS

UMA EXPERIÊNCIA EM ALFABETIZAÇÃO POR MEIO DO PIBID

FORMAÇÃO PEDAGÓGICA DE DOCENTES NO ENSINO SUPERIOR

Plano de Trabalho Docente Ensino Médio

BRITO, Jéssika Pereira Universidade Estadual da Paraíba

11 de maio de Análise do uso dos Resultados _ Proposta Técnica

Projeto Pedagógico Institucional PPI FESPSP FUNDAÇÃO ESCOLA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA DE SÃO PAULO PROJETO PEDAGÓGICO INSTITUCIONAL PPI

Orientações para informação das turmas do Programa Mais Educação/Ensino Médio Inovador

Justificativa: Cláudia Queiroz Miranda (SEEDF 1 ) webclaudia33@gmail.com Raimunda de Oliveira (SEEDF) deoliveirarai@hotmail.com

MATRIZES CURRICULARES MUNICIPAIS PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA - MATEMÁTICA: UMA CONSTRUÇÃO COLETIVA EM MOGI DAS CRUZES

Estado da Arte: Diálogos entre a Educação Física e a Psicologia

O PERCURSO FORMATIVO DOS DOCENTES QUE ATUAM NO 1º. CICLO DE FORMAÇÃO HUMANA

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Orientações para a elaboração do projeto escolar

PSICOPEDAGOGIA. DISCIPLINA: Desenvolvimento Cognitivo, Afetivo e Motor: Abordagens Sócio Interacionistas

OS CONHECIMENTOS DE ACADÊMICOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA E SUA IMPLICAÇÃO PARA A PRÁTICA DOCENTE

REFLEXÕES SOBRE A PRÁTICA DE ENSINO EM UM CURSO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE MATEMÁTICA A DISTÂNCIA

2.5 AVALIAÇÃO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

01 UNINORTE ENADE. Faça também por você.

PROGRAMA INSTITUCIONAL DE BOLSA DE INICIAÇÃO À DOCÊNCIA - PIBID

Faculdade de Direito Ipatinga Núcleo de Investigação Científica e Extensão NICE Coordenadoria de Extensão. Identificação da Ação Proposta

OBJETIVO Reestruturação de dois laboratórios interdisciplinares de formação de educadores

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

Universidade Federal do Acre Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-graduação Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática

tido, articula a Cartografia, entendida como linguagem, com outra linguagem, a literatura infantil, que, sem dúvida, auxiliará as crianças a lerem e

CONTRIBUIÇÕES PARA UMA ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA: ANALISANDO ABORDAGENS DA PRIMEIRA LEI DE NEWTON EM LIVROS DIDÁTICOS DE FÍSICA

WALDILÉIA DO SOCORRO CARDOSO PEREIRA

EDUCAÇÃO E CIDADANIA: OFICINAS DE DIREITOS HUMANOS COM CRIANÇAS E ADOLESCENTES NA ESCOLA

INTEGRAÇÃO DE MÍDIAS E A RECONSTRUÇÃO DA PRÁTICA PEDAGÓGICA

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA

A Família e sua importância no processo educativo dos alunos especiais

DISCIPLINA A PROBLEMÁTICA AMBIENTAL E A GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS

DIFICULDADES DE LEITURA E ESCRITA: REFLEXÕES A PARTIR DA EXPERIÊNCIA DO PIBID

PRÁTICA PROFISSIONAL INTEGRADA: Uma estratégia de integração curricular

PVANET: PRINCIPAIS FERRAMENTAS E UTILIZAÇÃO DIDÁTICA

ESCOLA, LEITURA E A INTERPRETAÇÃO TEXTUAL- PIBID: LETRAS - PORTUGUÊS

A IMPORTÂNCIA DAS DISCIPLINAS DE MATEMÁTICA E FÍSICA NO ENEM: PERCEPÇÃO DOS ALUNOS DO CURSO PRÉ- UNIVERSITÁRIO DA UFPB LITORAL NORTE

Plano de Trabalho Docente Ensino Médio

APRENDER A LER PROBLEMAS EM MATEMÁTICA

Plano de Trabalho Docente Ensino Médio

PNAIC. CEAD-UFOP Coordenadora Geral: Profa. Dra. Gláucia Jorge Coordenador Adjunto: Prof. Dr. Hércules Corrêa

A inserção de jogos e tecnologias no ensino da matemática

CADERNO DE ORIENTAÇÃO DIDÁTICA PARA INFORMÁTICA EDUCATIVA: PRODUÇÃO COLABORATIVA VIA INTERNET

FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES ALFABETIZADORES: O PNAIC EM FOCO

INSTITUTO SINGULARIDADES CURSO PEDAGOGIA MATRIZ CURRICULAR POR ANO E SEMESTRE DE CURSO

Colégio Cenecista Dr. José Ferreira

FUNDAÇÃO CARMELITANA MÁRIO PALMÉRIO FACIHUS FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS Educação de qualidade ao seu alcance SUBPROJETO: PEDAGOGIA

Atividades CTS em uma abordagem argumentativa: a reflexão de um futuro professor

QUALIFICAÇÃO DA ÁREA DE ENSINO E EDUCAÇÃO PERMANENTE EM SAÚDE: FORMAÇÃO PEDAGÓGICA PARA PROFISSIONAIS DE SERVIÇOS DE SAÚDE

PESQUISA-AÇÃO DICIONÁRIO

PROJETO DE LEITURA E ESCRITA LEITURA NA PONTA DA LÍNGUA E ESCRITA NA PONTA DO LÁPIS

CURSINHO POPULAR OPORTUNIDADES E DESAFIOS: RELATO DE EXPERIÊNCIA DOCENTE

Mostra de Projetos Como ensinar os porquês dos conceitos básicos da Matemática, visando a melhora do processo ensino e aprendizado

Qualidade ambiental. Atividade de Aprendizagem 18. Eixo(s) temático(s) Vida e ambiente

ESCOLA MUNICIPAL DE PERÍODO INTEGRAL IRMÃ MARIA TAMBOSI

REGULAMENTO DO LABORATÓRIO DE ENSINO DO CURSO DE PEDAGOGIA IFC - CAMPUS CAMBORIÚ. Título I LABORATÓRIO DE ENSINO. Capítulo I Princípios e Diretrizes

A Experimentação Investigativa no Ensino de Química: Reflexões. partir do PIBID FRANCIELLE DA SILVA BORGES ISIS LIDIANE NORATO DE SOUZA CURITIBA 2013

PROBLEMATIZANDO ATIVIDADES EXPERIMENTAIS NA FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES/AS

REGULAMENTO GERAL DE ESTÁGIO CURRICULAR DO CURSO DE LICENCIATURA EM QUÍMICA

CURSO DE EDUCAÇÃO FISICA ATIVIDADES EXTRA CURRICULARES

ALUNOS DO 7º ANO CONSTRUINDO GRÁFICOS E TABELAS

PARANÁ GOVERNO DO ESTADO

ANAIS DA 66ª REUNIÃO ANUAL DA SBPC - RIO BRANCO, AC - JULHO/2014

QUALIFICAÇÃO E PARTICIPAÇÃO DE PROFESSORES DAS UNIDADES DE ENSINO NA ELABORAÇÃO DE PROGRAMAS FORMAIS DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL

REALIZAÇÃO DE TRABALHOS INTERDISCIPLINARES GRUPOS DE LEITURA SUPERVISIONADA (GRULES)

OLIMPÍADAS DE CIÊNCIAS EXATAS: UMA EXPERIÊNCIA COM ALUNOS DO ENSINO PÚBLICO E PRIVADO

X Encontro Nacional de Educação Matemática Educação Matemática, Cultura e Diversidade Salvador BA, 7 a 9 de Julho de 2010

SAÚDE E EDUCAÇÃO INFANTIL Uma análise sobre as práticas pedagógicas nas escolas.

USO DAS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES PRESENCIAL E A DISTÂNCIA

PROGRAMA INSTITUCIONAL DE BOLSA DE INICIAÇÃO À DOCÊNCIA - PIBID

CURSO: GESTÃO AMBIENTAL

A EXTENSÃO EM MATEMÁTICA: UMA PRÁTICA DESENVOLVIDA NA COMUNIDADE ESCOLAR. GT 05 Educação Matemática: tecnologias informáticas e educação à distância

PLANO DE ENSINO PROJETO PEDAGÓCIO: Carga Horária Semestral: 80 Semestre do Curso: 6º

Reflexões sobre as dificuldades na aprendizagem de Cálculo Diferencial e Integral

ESTÁGIO DOCENTE DICIONÁRIO

A PRÁTICA DE MONITORIA PARA PROFESSORES EM FORMAÇÃO INICIAL DE LÍNGUA INGLESA DO PIBID

O ENSINO FUNDAMENTAL DE 9 ANOS: CONTRIBUIÇÕES PARA UM DEBATE

A construção da. Base Nacional Comum. para garantir. Direitos e Objetivos de Aprendizagem e Desenvolvimento

EXPLORANDO ALGUMAS IDEIAS CENTRAIS DO PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS ENSINO FUNDAMENTAL. Giovani Cammarota

A PESQUISA NO ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS: RELAÇÃO ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA DOCENTE DE ENSINO

Proposta de curso de especialização em Educação Física com ênfase em Esporte Educacional e projetos sociais em rede nacional.

TUTORIA DE ESTÁGIO: CONTRIBUIÇÕES À FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES/AS

O que fazer para transformar uma sala de aula numa comunidade de aprendizagem?

APRESENTANDO TRABALHOS NA JORNADA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA DA Unifebe. Profª Heloisa Helena

CONSELHO DE CLASSE DICIONÁRIO

Transcrição:

O PROCESSO DA ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA E A ELABORAÇÃO DE UMA PROPOSTA DE FORMAÇÃO CONTINUADA PARA PROFESSORES DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA Fabiana Maris Versuti-Stoque (Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto/USP) Marcelo Tadeu Motokane (Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto/USP) Caio Castro e Freire (Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto/USP) Michele Dayane Facioli Medeiros ( Instituto de Física/ USP ) Aureli Martins Sartori de Toledo (Secretaria da Educação do Estado de São Paulo SEE/SP) RESUMO O objetivo do presente trabalho é apresentar o relato de uma proposta de formação continuada de professores de Ciências, Biologia, Física e Química que teve por objetivo discutir aspectos da alfabetização científica (AC). Para atingir esse objetivo, um grupo de 27 professores integrantes de uma diretoria de ensino da rede pública estadual participou de um encontro de formação organizado pelo grupo de pesquisa em Linguagem e Ensino de Ciências (LINCE) da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto. A temática do encontro foi o processo da AC nas aulas de Ciências Naturais e os apontamentos sugerem que a proposta formativa adotada ajudou os professores a caracterizarem ações educativas que podem favorecer e/ou dificultar o processo da AC. Palavras chave: formação continuada de professores, alfabetização científica e ensino de ciências. INTRODUÇÃO Uma das temáticas fundamentais na área de educação em Ciências é o processo da alfabetização científica, que tem como objetivo central formar cidadãos capazes de transformar a sociedade em que vivem (SASSERON; CARVALHO, 2011). Alfabetização científica define-se como um processo pelo qual o aluno se apropria das ferramentas culturais das Ciências, entendendo suas formas específicas de produzir, legitimar e divulgar conhecimento, dotadas de regras e valores próprios (JIMÉNEZ-ALEIXANDRE; AGRASO, 1911

2006). Não se trata apenas do uso de fórmulas e termos técnicos, mas de práticas sociais e discursivas que configuram um novo modo de pensar e ver a realidade (LAHORE, 1993). Diversas práticas discursivas podem ser destacadas como indícios importantes do processo de alfabetização científica: compreender e produzir mensagens, informações e textos de conteúdo científico; comunicar resultados de forma oral, escrita, gráfica e matemática; construir hipóteses; prever; selecionar dados; avaliar conclusões; explicar; justificar explicações; discutir; defender ideias e argumentar (JIMÉNEZ; DÍAZ, 2003). Nessa perspectiva, a aprendizagem da Ciência é inseparável da aprendizagem da linguagem científica, manifestando-se nas interações discursivas desenvolvidas entre professor e alunos (MORTIMER et al. 2007). Apesar dos numerosos estudos sobre interações discursivas e alfabetização científica, a realidade de atuação dos professores ainda se apresenta bem distante do ensino de Ciências almejado pela literatura (CACHAPUZ et al., 2005). Driver, Newton e Osborne (2000) salientaram que as restrições dos repertórios pedagógicos dos professores para promover interações discursivas em sala de aula constituem um dos principais obstáculos para o ensino de Ciências, já que a maneira de gerenciar o discurso influencia diretamente os modos de produção de conhecimento pelos alunos. De modo geral, o professor que ministra os conteúdos curriculares de Ciências não está a par dos resultados das pesquisas sobre o papel da linguagem na alfabetização científica. Mortimer (2002) destaca como compromisso da academia fazer com que a produção chegue ao contexto escolar, auxiliando os professores. Cachapuz e colaboradores (2005) ressaltam que a estratégia potencialmente mais efetiva para os professores se apropriarem dos resultados dessas pesquisas é envolvê-los na investigação das próprias práticas. Permitir que o professor investigue e analise as interações discursivas decorrentes de sua atuação docente pode ser uma maneira de auxiliar seu processo formativo, ajudando-o a compreender o que tais interações dizem sobre o processo da alfabetização científica (COHEN; MARTINS, 2009). Assim, neste estudo, o objetivo foi apresentar uma proposta de formação continuada de professores de Ciências, Biologia, Física e Química a partir de discussões sobre o processo da alfabetização cientifica (AC) e refletir sobre suas possíveis contribuições. 1912

APRESENTANDO A PROPOSTA DE FORMAÇÃO CONTINUADA A proposta formativa para professores de Ciências, Biologia, Física e Química contemplou quatro etapas (que serão descritas a seguir) e foi colocada em prática durante um encontro (com duração de oito horas) organizado pelo grupo de pesquisa em Linguagem e Ensino de Ciências (LINCE) da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto. Participaram 27 professores integrantes de uma diretoria de ensino da rede pública de cidades do interior paulista e a temática do encontro foi o processo da AC nas aulas de Ciências Naturais. Etapa 1) Discussão sobre a importância da AC como um dos objetivos da Educação Básica Na Universidade, recepcionados pela equipe do grupo LINCE, os professores assistiram a uma palestra com o título "A importância da Alfabetização Científica", que em síntese falou sobre a diferença entre "alfabetizar" e "alfabetizar cientificamente" o estudante, relatou alguns princípios da alfabetização científica e propôs reflexões sobre o conhecimento científico e a educação científica na escola, bem como sobre a aprendizagem dos conteúdos de Ciências, oportunizando aos cursistas o esclarecimento de dúvidas sobre o assunto, o contato com pesquisadores da área e a visualização de exemplos práticos para serem realizados no contexto escolar. Etapa 2) Apresentação de sequências didáticas (SD's) elaboradas pelo grupo LINCE e segundo pressupostos da AC Inicialmente, os professores tiveram contato com o projeto "Trilhas da Biodiversidade", que é um programa de visitas monitoradas à floresta da USP - campus de Ribeirão Preto, cujo objetivo é estimular comunidades escolares a realizarem atividades de ensino por investigação usando temas como preservação e conservação do ambiente, fauna e flora (patrimônio biológico) regional. Assim, para o encontro de formação continuada, a ideia foi apresentar aos professores uma sequência didática com potencial para desenvolver indicadores de AC em espaços não formais de ensino. Durante a trilha, foi trabalhada a percepção do grupo sobre o ambiente que estavam visitando e diferenças perceptíveis entre as áreas de reflorestamento mais recente e mais antiga. 1913

Após a trilha, os professores tiveram mais exemplos de sequências didáticas desenvolvidas pelo grupo LINCE. Foram apresentadas outras duas SD's também sobre ecologia vegetal, porém voltadas para os espaços formais (Quadro 1). Quadro 1. Características centrais das sequências didáticas desenvolvidas pelo grupo LINCE e apresentadas na proposta de formação continuada. Estrutura geral da SD s Tema Conteúdos Objetivos Etapas da atividade e indicadores de AC A influência de fatores abióticos e bióticos na distribuição de plantas- Ecologia de comunidades e ecossistemas. - A articulação de conceitos de diferentes áreas- por ex.: fisiologia + evolução + ecologia de ecossistemas; ecologia de organismos + de populações + de comunidades; - Discussão sobre aspectos do fazer científico envolvidos com a produção de conhecimento ecológico. 1) Relacionar conceitos ecológicos para resolver um problema de ecologia. 2) Reconhecer procedimentos envolvidos em uma investigação científica 3) Elaborar conclusões apoiadas em dados fornecidos pela SD. I. Predição (levantar hipóteses, justificar, raciocínio lógico) II. Observação (organizar, seriar, avaliar informações); III. Explicação (justificar, argumentar, raciocínio lógico). As sequências se apoiam nas estratégias didáticas propostas por Erduran (2006), como o modelo: "predição-observação-explicação", e por Guisasola e colaboradores (2006), focando o uso da imaginação, criatividade, e discurso em sala de aula para o desenvolvimento de destrezas inerentes ao trabalho científico. 1914

Etapa 3) Atividade de interação com um modelo de interpretação das interações discursivas registradas durante a aplicação das SD's do grupo LINCE Os professores realizaram uma atividade de análise de interações discursivas registradas durante a aplicação das SD's na rede pública de ensino em estudos anteriores desenvolvidos pelo grupo LINCE (VERSUTI-STOQUE; MOTOKANE, 2012). Os participantes receberam quadros de episódios de ensino (contendo turnos de falas de professores e alunos) que foram gravados e transcritos e um modelo para fazer a análise das práticas discursivas registradas (Quadro 2). O objetivo foi discutir se as práticas expressavam indicadores de alfabetização científica. Quadro 02: Modelo de interpretação funcional das interações discursivas. Episódios de Condições antecedentes Práticas discursivas dos Eventos subsequentes ensino da SD alunos - (práticas de ensino diante possíveis indicadores de (ações do professor que das quais ocorreram as AC se seguiram à emissão práticas discursivas dos (comportamentos dos das ações dos alunos) alunos) alunos decorrentes das condições de ensino dispostas pelo professor) 01 02... Etapa 4) Apresentação oral do roteiro de interpretação funcional elaborado pelos professores participantes na etapa anterior Finalmente, na última parte do encontro, os professores tiveram que socializar as respostas produzidas para as seguintes questões: 1) Observando e analisando os quadros dos episódios de ensino, você considera que as práticas discursivas dos alunos transcritas na coluna do meio expressam indicadores de alfabetização científica? 2) Quais são as principais análises ou comentários sobre as práticas do professor (primeira e terceira colunas) diante das quais foram registradas as práticas discursivas dos alunos (coluna do meio)? 1915

APONTANDO ALGUMAS CONTRIBUIÇÕES DA PROPOSTA FORMATIVA A partir do exercício de análise das interações discursivas (etapas 3 e 4), os professores de maneira geral, foram capazes de qualificar os episódios de ensino em termos de indicadores de alfabetização científica expressos, examinando o quanto a prática do educador responsável pela aplicação das SD's influenciava as ações discursivas dos alunos. Entre as falas dos participantes, destaca-se: Prof.1: "O professor [que aplica a SD] faz questionamentos, perguntas, quando o aluno responde equivocadamente, ele retorna a pergunta direcionando a resposta correta do aluno. Ele fala 'presta atenção nisso, olha, vamos levar isso em consideração'. O aluno acertando, ele faz uma nova pergunta, seria a continuação do que ele quer que o aluno aprenda. Então ele faz uma nova pergunta, geralmente com um grau de dificuldade maior, para que o aluno responda, se respondeu, continua com uma nova pergunta, se não, ele faz o mesmo direcionamento, ele tenta induzir o aluno a responder corretamente, mediante alguma informação". Do mesmo modo, os professores facilmente reconhecem episódios nos quais, segundo eles, o educador não propicia um ambiente de interação para os alunos participarem ativamente da dinâmica discursiva em sala de aula, e desconsidera as argumentações destes, estando corretas ou não, o que prejudica a construção coletiva do conhecimento. Resumindo, os professores apontaram diferenças significativas entre os episódios analisados, e reconheceram que a ausência de medidas de aprendizagem (possíveis indicadores de alfabetização científica) em alguns casos foi uma resposta às condições de ensino apresentadas, desfavoráveis para ampliação do diálogo em sala de aula e para o estabelecimento de uma postura mais (inter) ativa dos alunos nos processos de construção do conhecimento científico. Portanto, sugere-se que essa proposta formativa voltada para a inserção dos professores na investigação e reflexão sobre a atuação docente, e focada na análise das interações discursivas, pode auxiliar o desenvolvimento ou a mobilização de repertórios desses profissionais favoráveis à avaliação de vínculos entre suas práticas (práticas de ensino) e as medidas de desempenho dos alunos, e consequentemente, favoráveis à caracterização de ações educativas mais compatíveis com o processo da AC. 1916

Para Alarcão (1996), "[...] os processos de formação implicam o sujeito num processo pessoal, de questionamento do saber e da experiência numa atitude de compreensão de si mesmo e do real que o circunda". Esse foi o objetivo principal do pensamento e da ação reflexiva proporcionada por encontros de formação continuada como o realizado. Defende-se que é por meio da adoção de uma postura investigativa e crítica-reflexiva, e do desenvolvimento de novas aprendizagens profissionais na docência, que o professor terá condições de efetivamente aproximar a educação científica do contexto escolar. CONSIDERAÇÕES FINAIS Estudos em educação em Ciência mostram que as concepções de Ciência que os professores possuem têm implicações no modo como ensinam e que visões já superadas sobre a natureza do trabalho científico têm sido um dos principais obstáculos para a renovação do ensino (CACHAPUZ et al., 2005). Sendo assim, esses profissionais necessitam de formação contínua para enfrentar as demandas, se desenvolver profissionalmente e ampliar a consciência crítica sobre a própria prática. Desta maneira, esta experiência de formação ofereceu condições para que os professores da educação básica que participaram do estudo observassem melhor a sua atuação na sala de aula, gerando importantes reflexões a respeito da própria prática pedagógica relacionada à alfabetização científica (AC) e acerca de possíveis mudanças. Foi oportunizado aos professores espaço e tempo de contato com os princípios da AC e estes puderam refletir, discutir, confrontar e, sobretudo, vivenciar situações que os levaram a aprofundar as suas próprias concepções sobre o assunto, retirando também indicações, orientações e ensinamentos quanto às estratégias, métodos e procedimentos melhor adotar no seu trabalho docente em relação a alfabetizar cientificamente os estudantes. Consideramos que, a boa formação do professor refletirá na qualidade das aulas que ele oferecerá. 1917

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALARCÃO, I. Formação reflexiva de professores: estratégias de supervisão. Porto Editora, Portugal, 1996. CACHAPUZ, A; GIL-PÉREZ, D; CARVALHO, A.M.P; PRAIA, J; VILCHES, A. A Necessária renovação do ensino das Ciências. São Paulo: Cortez, 2005. COHEN, M.C.R.; MARTINS, I. Aproximações entre fluxo da interação verbal e argumentação: Análise de textos autorados por professores de Ciências da escola básica. In: NASCIMENTO S.S.; PLANTIN C. (Orgs.). Argumentação e Ensino de Ciências. Curitiba: Editora CRV, p. 39-56, 2009. DRIVER, R.; NEWTON, P.; OSBORNE, J. Estabilishing the norms of scientific argumentation in classrooms. Science Education, v.84, n.3, p. 287-312, 2000. ERDURAN, S. Promoting ideas, evidence and argument in initial science teacher training. School Science Review, v.87, n.321, p. 45-50, 2006. GUISASOLA, J.; FURIÓ, C.; CEBERIO, M. Science education based on developing guided research. In: THOMASE M.V. (Ed.). Science Education in Focus. New York: Nova Science Publishers, p. 55-85, 2006. JIMÉNEZ-ALEIXANDRE, M.P.; AGRASO, M.F. A argumentação sobre questões sóciocientíficas: processos de construção e justificação do conhecimento em sala de aula. Educação em Revista, v.43, p. 13-33, 2006. JIMÉNEZ-ALEIXANDRE, M.P.; DÍAZ DE BUSTAMANTE, J. Discurso de Aula y Argumentación en la Clase de Ciências: Cuestiones Teóricas y Metodológicas. Enseñanza de las Ciencias, v.21, n.3, p. 359-370, 2003. LAHORE, A. Lenguaje literal y connotado en la ensenãnza de las ciencias. Ensenãnza de Las Ciencias, v.11, n.1, p. 59-62, 1993. MORTIMER, E.F. Uma agenda para a pesquisa em educação em Ciências. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências. v.2, n.1, p. 25-35, 2002. MORTIMER, E.F.; MASSICAME, T.; BUTY, C.; TIBERGHIEN, A. Uma metodologia para caracterizar os gêneros de discurso como tipos de estratégias enunciativas nas aulas de ciências. In: NARDI R. (Org.). A pesquisa em ensino de ciência no Brasil: alguns recortes. São Paulo: Escrituras, p. 53-94, 2007. 1918

SASSERON, L.H.; CARVALHO, A.M.P. Construindo argumentação na sala de aula: a presença do ciclo argumentativo, os indicadores de alfabetização científica e o padrão de Toulmin. Ciência e Educação, v.17, n.1, p. 97-114, 2011. VERSUTI-STOQUE, F.M.; MOTOKANE, M.T. O uso da argumentação para a construção de indicadores da Alfabetização Científica: Uma proposta para o desenvolvimento de novas aprendizagens profissionais na docência. In: X Jornadas Nacionales V Congreso Internacional de Enseñanza de la Biología, 2012, Córdoba. Anais da X Jornadas Nacionales V Congreso Internacional de Enseñanza de la Biología, 2012. 1919