RESIDÊNCIA PEDIÁTRICA



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Residência Pediátrica 2014;4(1):17-21. RESIDÊNCIA PEDIÁTRICA RELATO DE CASO Neuroblastoma cervical - Um relato de caso Cervical neuroblastoma - A case report Ana Paula Kuczynski Pedro Bom 1, Caio Sola Deponte 2, Ivan Caznok Lima 2, Luciana Piasecki 3, Andressa Jardim Pierin 2, Juliana Vicentini Bonatto 2 Palavras-chave: neoplasias, neoplasias de cabeça e pescoço, neuroblastoma. Resumo Os neuroblastomas são tumores sólidos que podem se originar em qualquer parte do sistema nervoso simpático. O quadro clínico dependerá da localização e da extensão da doença; por isso, pode causar inúmeras sintomatologias. O diagnóstico geralmente é feito entre 19 e 22 meses após o nascimento, sendo 90% diagnosticados antes dos 5 anos de idade. Os neuroblastomas cervicais são raros, sendo mais comuns os de apresentação em região abdominal. Este relato de caso refere-se a um paciente de 3 meses de vida, do sexo feminino, que iniciou o quadro clínico apenas com o aparecimento de uma massa cervical à esquerda. Após a ressecção, o estudo anatomopatológico confirmou o diagnóstico de neuroblastoma. O paciente foi, então, encaminhado para o serviço de Hematologia do Hospital Pequeno Príncipe para investigação e acompanhamento. Keywords: head and neck neoplasms, neoplasms, neuroblastoma. Abstract Neuroblastomas are solid tumors that may arise anywhere in the sympathetic nervous system. The clinical presentation depends on the location and extent of the tumor, therefore, can cause numerous symptomatology. The diagnosis is usually made between 19 and 22 months after birth, and 90% are diagnosed before age 5. The cervical neuroblastomas are rare, being most common in the abdominal region. This case report is of a patient 3 months old, female, who initiated the clinical picture only with the appearance of a left cervical mass. After resection and performing the histological evaluation confirmed the diagnosis of neuroblastoma. The patient was forwarded to the service of Hematology, Hospital Pequeno Príncipe for research and monitoring. 1 Professora da Escola de Medicina da PUCPR - Pediatra Hematologista do Hospital Pequeno Príncipe. 2 Graduação em Medicina - Estudante. 3 Pediatra do Hospital Pequeno Príncipe - Residente em Cancerologia Pediátrica do Hospital Pequeno Príncipe. Endereço para correspondência: Ana Paula Kuczynski Pedro Bom. Hospital Pequeno Príncipe Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Av. Visconde De Guarapuava, nº 3084, apto 301. Centro. Curitiba - PR. Brasil. CEP: 81010-100. 17

INTRODUÇÃO O neuroblastoma é um tumor embrionário derivado do sistema nervoso simpático periférico, que aparece durante o período fetal ou nos primeiros anos de vida 1. Seu desenvolvimento ocorre a partir de células nervosas indiferenciadas da crista neural, das quais se originam a medula adrenal e todos os gânglios e plexos simpáticos 2. Representa, dentre os tumores sólidos extracranianos, a neoplasia mais comum da infância, responsável por cerca de 8% das doenças malignas nesta faixa etária 2,3. A idade ao diagnóstico varia entre 19 meses e dois anos de idade, sendo a malignidade mais comum entre os neonatos 2,4,5. Engloba tumores de variados graus de diferenciação neural, desde indiferenciados (neuroblastomas) até bem diferenciados (ganglioneuroma) 6. O sítio primário desta neoplasia pode estar em qualquer parte ao longo do sistema nervoso simpático, como abdômen, tórax, pescoço ou pelve 6. De forma geral, as localizações mais acometidas são medula suprarrenal (60%), região retroperitoneal (20%), mediastino (10%), pelve (6%) e pescoço (2%) 2. O quadro clínico, extremamente diversificado, tem os sinais e sintomas baseados na localização e na extensão da doença. Os pacientes podem apresentar apenas sintomas inespecíficos, locais e, menos frequentemente, neurológicos 5,7. Síndromes paraneoplásicas e metástases são, também, possivelmente encontradas 6. Devido à ampla heterogeneidade de sintomatologia, o neuroblastoma pode mimetizar condições neoplásicas ou não neoplásicas 7,8. O prognóstico é bastante variável e o tumor pode regredir espontaneamente, tornar-se bem diferenciado mesmo sem terapia ou, então, metastatizar e apresentar má resposta aos tratamentos atualmente disponíveis 1. RELATO DO CASO Paciente do sexo feminino, 3 meses, com quadro de nodulação cervical à esquerda, palpável e não visível, sem outros sintomas ou sinais clínicos. Foi inicialmente avaliada pelo serviço de cirurgia do Hospital Pequeno Príncipe, onde se optou por realizar excisão linfonodal. Este foi enviado para estudo anatomopatológico, que indicou um neuroblastoma pouco diferenciado, de 5 cm x 2 cm x 2,5 cm de tamanho e pesando 20 g. A paciente foi, então, encaminhada ao serviço de hematologia do mesmo hospital para acompanhamento. Continuava assintomática e sem alterações ao exame físico, inclusive sem observação de nódulos cervicais ou abdominais palpáveis. A mãe realizou pré-natal completo (G1P1C1). A criança nasceu com 40 semanas, peso de 2.800 g e recebeu alta com a mãe, após 48 h de vida. Não houve intercorrências gestacionais nem perinatais. Foi então internada para investigação e os seguintes exames foram solicitados: hemograma, VHS, PCR, LDH, ferritina, provas de funções renal e hepática, dosagem urinária de ácidos homovanílico e vanilmandélico, TAC de tórax, abdome e pelve, mielograma e biópsia de medula óssea, pesquisa de N-Myc e cintilografia com MIBG. Resultados dos exames Anatomopatológico: neuroblastoma pouco diferenciado com baixo índice mitótico e de cariorrexis. PCR: 1,7 mg/dl; LDH: 392 U/L; Ur: 9 mg/dl; Cr: 0,2 mg/dl; TGO: 50 U/L; TGP: 51 U/L; ferritina: 173 ng/ml. Hemograma: Hb: 10,6 g/dl; VG: 31,2%; Leucócitos: 12.300/mm 3 ; neutrófilos: 31% e plaquetas: 953.000/mm 3. Tomografias de abdômen, pelve e tórax sem alterações e dentro dos padrões da normalidade. Dosagem de ácidos homovanílico e vanilmandélico: não realizados. N-Myc: negativo. Cintilografia com MIBG: não demonstrou áreas de captação anômala de radiofármaco. Estudo sem evidências do processo neoplásico de linhagem neuroectodérmica. Não foram evidenciados quaisquer sinais de lesões metastáticas nem aparecimento de outros sintomas. Portanto, o tratamento realizado foi a excisão completa do tumor. A paciente permanecerá em acompanhamento por pelo menos 5 anos, realizando consultas mensais durante o primeiro semestre e a cada dois meses a partir de então. DISCUSSÃO O neuroblastoma, um dos tumores neuroblásticos, é originário do sistema nervoso simpático e desenvolve-se durante a vida embrionária ou pós-natal precoce 1. Deriva das células da crista neural que migram dos gânglios paravertebrais para a medula adrenal e cadeia simpática, durante o início da vida fetal 2. Apresenta curso clínico bastante variável, podendo regredir espontaneamente ou se tornar muito agressivo, com rápida velocidade de crescimento e metastatizar 2,3,7,9. Quanto à classificação histológica, os tumores neuroblásticos podem ser divididos em três subgrupos: neuroblastomas, ganglioneuroblastomas e ganglioneuromas 2,5,8. Eles representam a principal causa de malignidade no primeiro ano de vida e, juntos, ocupam o terceiro lugar dentre as causa mais comuns de neoplasia na infância, após tumor de sistema nervoso central e leucemia 8,10. São, ainda, responsáveis por cerca de 15% das mortes por câncer entre as crianças 1,4,9. 18

A média de idade ao diagnóstico está entre 19 e 22 meses pós-natais e 90% deles são diagnosticados antes dos 5 anos de vida 2,3,9. Quanto ao predomínio do tumor entre os sexos, não há consenso e alguns autores consideram que no sexo masculino a prevalência é maior 2,6,9. Em relação à raça mais acometida, há maior frequência entre os brancos, porém, ressalta-se que o aparecimento da doença é mais tardio em crianças negras 6. A história familiar é responsável por 1% a 2% dos casos, sendo a grande maioria de aparecimento esporádico 2,9. O desenvolvimento do neuroblastoma pode ocorrer em qualquer parte do sistema nervoso simpático e o quadro clínico reflete a localização e a extensão do tumor 5. O sítio primário mais comum é na medula adrenal (60%), seguido de aparecimento retroperitoneal (20%), mediastino (10%), pelve (6%) e pescoço (2%) 2,8. O acometimento cervical nessa neoplasia é raro, mas esta localização faz parte das mais comuns dentre os tumores de cabeça e pescoço 8,11,12. Frequentemente, os sintomas são inespecíficos e o paciente pode apresentar-se com perda de peso, letargia, hiporexia e febre 2. Faz parte da apresentação clínica mais comum a presença de uma massa lobular que se estende do flanco e ultrapassa a linha média abdominal. O tumor pode, ainda, causar um efeito massa, levando a distensão e desconforto abdominais, anorexia e perda de peso como sintomas. Quando há compressão vascular renal ou produção de metabólitos de catecolaminas, os pacientes podem desenvolver hipertensão arterial 2,4,5,9. Há, também, neuroblastomas que liberam peptídeo vasoativo no intestino e, como consequência, podem ocasionar diarreia secretora 2,5. Em relação aos tumores de origem torácica, os principais sintomas englobam queixas do trato respiratório superior (dispneia, disfagia, estridor e bronquiolite) 4,9,10. As massas cervicais, quando presentes, geralmente são duras e fixas e podem associar-se à síndrome de Horner e compressão traqueal 4,8. Pode ser encontrada, ainda, uma síndrome paraneoplásica de origem autoimune associada ao neuroblastoma. Esta se manifesta com ataxia e opsomioclonia ( olhos dançantes e pés dançantes ) e, nesses casos, o sítio primário encontra-se no tórax ou no abdômen 5,8. As massas cervicais, em geral, são achados comuns na infância e a maioria dessas lesões apresenta caráter benigno. Elas podem representar malformações da arquitetura branquial, do sistema vascular, linfático e de outras estruturas cervicotorácicas. Lesões malignas, de localização cervical, são muito raras para a faixa etária infantil 13. Os principais diagnósticos diferenciais de massas encontradas em região do pescoço, nos infantes, estão listados na Tabela 1. Tabela 1. Diagnóstico diferencial de massas cervicais durante a infância 13. Cisto branquial Cisto tireoglosso Timo ectópico e cistos tímicos Anomalias vasculares e linfáticas: Hemangioma Higroma cístico Anomalias congênitas: Condições inflamatórias: Tumor do esternocleidomastoide (torcicolo muscular congênito) Ranula Linfadenite e abscesso cervical Cisto dermoide e teratoma Lipoblastomas Miofibromas Neuroblastomas Tumor de células germinativas Rabdomiosarcoma Linfoma Neoplasias benignas: Malignas: Fonte: Y Lau, CH Li, KY Tsui, ACW Lee. Life-threatening airway obstruction: An unusual presentation of a cervical mass during infancy. HK J Paediatr (new series). 2006;11(2):153-6. Dentre as causas acima citadas, o torcicolo muscular congênito é um dos principais diagnósticos diferenciais de neuroblastoma e, geralmente, é identificado nos primeiros 3 meses de vida. Pode ocorrer em ambos os lados do pescoço, envolvendo principalmente o terço medial ou inferior do músculo esternocleidomastoide, apresentando-se como um edema palpado ao longo deste. Seu diagnóstico é clínico e o tratamento, feito com fisioterapia. Como já referido, as lesões malignas em região de pescoço são extremamente raras na infância. No entanto, os neuroblastomas de apresentação cervical e cervicotorácicos representam as mais comuns e, ainda assim, constituem apenas 3%-5% de todos os neuroblastomas 13. Em relação às metástases, os sítios mais acometidos são medula óssea, linfonodos e fígado. Quando esta forma da doença está presente, os pacientes podem ter febre, irritação, queda do estado geral, dor óssea, proptose orbital, nódulos cianóticos subcutâneos e equimoses periorbitais 5,6. A suspeita clínica para o diagnóstico de neuroblastoma baseia-se na anamnese e no exame físico. Inicialmente, o exame laboratorial de investigação é 19

o hemograma, visando identificar anemia ou trombocitopenia, o que sugere invasão medular. Outro exame importante para estabelecer o diagnóstico é o de urina, para detectar metabólitos de catecolaminas (ácidos homovanílico - HVA e vanilmandélico - VMA) e dosagem de catecolaminas sérica e urinária (HVA e VMA). Ressalta-se que esta é considerada como critério maior de diagnóstico laboratorial e seguimento 4,8. Deve-se levar em conta que a presença de neuroblastos na medula óssea do paciente, juntamente com níveis elevados de VMA e HVA na urina, fecha o diagnóstico de neuroblastoma, sem a necessidade da realização de biópsia do tumor primário 4,5. Quanto à análise citogenética, destaca-se como importante indicador de mau prognóstico o encontro do oncogene N-Myc. Este se localiza na parte distal do braço curto do cromossomo 2 (2p24) e indica, também, rápida progressão do tumor, comportamento mais agressivo e alto risco de recorrência. O mecanismo que leva a tais características não é ainda bem compreendido 4,9. A idade, os estágio da doença, as dosagens de enolase sérica não específica acima de 200 ng/ml, de ferritina sérica acima de 143 ng/ml e de desidrogenase láctica acima de 1.500 unidades também são indicadores de mau prognóstico 4,6. Além de exames laboratoriais, outras técnicas investigativas importantes são ultrassonografia, radiografia simples e tomografia computadorizada com pet scan. É importante frisar que, frequentemente, o diagnóstico de neuroblastoma é feito pela visualização de uma ou múltiplas massas aos exames acima citados ou à ressonância nuclear magnética. Ressalta-se, ainda, a possibilidade diagnóstica durante o pré-natal por meio da ultrassonografia 5,9. Quando há suspeita de metástases, devem-se incluir imagens com cintilografia com tecnécio-99 para confirmar as ósseas e com meta-iodo-benzil-guanidina (MIBG) para avaliar as generalizadas 4-6,8,9. No que diz respeito ao tratamento do neuroblastoma, as medidas terapêuticas são bastante variadas de acordo com a idade ao diagnóstico, o estadiamento da doença, condição N-Myc e a histologia Shimada 1,2,5,8,9 (Tabelas 2 e 3). Nos estágios 1 e 2 com baixo risco, o tratamento é apenas cirúrgico, retirando-se toda a lesão primária. Nos estágios 3 e 4, os tumores tendem a ser irressecáveis, portanto, são tratados basicamente com quimioterapia e associa-se radioterapia se a resposta àquela não for satisfatória. O uso de quimioterapia neoadjuvante pode ser feito no pré-operatório, para redução do tamanho do tumor e diminuição da vascularização, aumentado a possibilidade de ressecabilidade 5,8. Tabela 2. Grupo de risco para neuroblastoma 5. Grupo de Risco Baixo Médio Alto Classificação INSS Idade Condição N-Myc Histologia de Shimada Sobrevida 1 Todas Qualquer Qualquer 90%-100% 2 < 1 ano Qualquer Qualquer 2 > 1 ano Qualquer Favorável 4S < 1 ano < 10 cópias Favorável 3 > 1 ano < 10 cópias Favorável 75% 3 e 4 < 1ano < 10 cópias Qualquer 4S < 1 ano < 10 cópias Desfavorável 2 > 1 ano Qualquer Desfavorável 20%-60% 3 Todas > 10 cópias Qualquer 4 < 1ano > 10 cópias Qualquer 4 > 1 ano Qualquer Qualquer Fonte: Kliegman RM, Behrman RE, Jenson HB, Stanton BF. Tratado de Pediatria. 18ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2009. Os tumores do estágio 4S apresentam, na maioria dos casos, resolução espontânea e, portanto, o tratamento aplicado é apenas de suporte 1,2,4,5. Quanto aos fatores prognósticos que influenciam diretamente o tratamento, destacam-se o estágio da doença, a idade do paciente ao diagnóstico, as características histopatológicas da neoplasia (classificação de Shimada) e as alterações genéticas presentes nas células tumorais 8. Dentre estas, ressaltam-se o aumento do proto-oncogene NMYC e a hiperploidia do conteúdo de DNA da célula tumoral 8,9. O prognóstico é melhor em recém-nascidos e menores de um ano, independentemente do estadiamento e da extensão da doença 1,4,8. No caso relatado, optou-se apenas pelo tratamento cirúrgico e seguimento, pois a paciente tinha menos de um ano de idade, apresentou N-Myc negativo e possibilidade de ressecção tumoral total. Estas características são compatíveis com prognóstico bastante favorável da doença. Esta paciente será acompanhada ambulatorialmente, no Hospital Pequeno Príncipe, por pelo menos 5 anos. CONCLUSÃO O neuroblastoma é uma neoplasia de quadro clínico muito inespecífico e variado. Sua investigação e suspeita como diagnóstico diferencial é muito importante, pois quando descoberto e tratado de forma precoce, possivelmente terá excelente prognóstico. No presente caso, foi de grande importância a excisão total da lesão e o estudo histopatológico para definição diagnóstica. Além disso, o oncogene N-Myc negativo indicou um tumor de pequena agressividade e, por isso, a paciente em questão provavelmente terá bom prognóstico, com baixas taxas de recidiva. 20

Tabela 3. Sistema Internacional de Classificação do neuroblastoma 5. Classificação 1 2A 2B 3 4 4S Definição Tumor localizado com excisão macroscópica completa, com ou sem doença residual microscópica, linfonodos ipsilaterais representativos negativos para o tumor microscopicamente (linfonodos anexados e removidos com o tumor primário podem ser positivos). Tumor localizado com excisão macroscópica incompleta; linfonodos ipsilaterais representativos não aderentes negativos para o tumor microscopicamente. Tumor localizado com ou sem excisão macroscópica completa, com linfonodos ipsilaterais representativos não aderentes positivos para o tumor. Linfonodos contralaterais aumentados devem ser negativos microscopicamente. Tumor unilateral irressecável, infiltrante através da linha média, com ou sem envolvimento regional de linfonodo; ou tumor unilateral localizado com envolvimento de linfonodo regional contralateral; ou tumor na linha média com extensão bilateral com infiltração (ressecável) ou envolvimento de linfonodo. Qualquer tumor primário com disseminação para linfonodos distantes, osso, medula óssea, fígado, pele e outros órgãos (exceto os definidos para a classificação 4S). Tumor primário localizado (como o definido para as classificações 1, 2 A ou 2 B), com disseminação limitada à pele, fígado e medula óssea (limitada a infantes de < 1 ano de idade). Fonte: Kliegman RM, Behrman RE, Jenson HB, Stanton BF. Tratado de Pediatria. 18ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2009. REFERÊNCIAS 1. Davidoff AM. Neuroblastoma. Semin Pediatr Surg. 2012;21(1):2-14. DOI: http://dx.doi.org/10.1053/j.sempedsurg.2011.10.009 2. GS Arul. Neuroblastoma. Surgery (Oxford). 2007;25(7):309-11. DOI: http:// dx.doi.org/10.1016/j.mpsur.2007.05.011 3. Schor NF. Neuroblastoma. Drug Discov Today Dis Models. 2006;3(4):387-90. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.ddmod.2006.10.010 4. Alexander F. Neuroblastoma. Urol Clin North Am. 2000;27(3):383-92. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/s0094-0143(05)70087-2 5. Behrman RE, Kliegman RM, Jenson HB, Stanton BF. Nelson: tratado de pediatria. 18a ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2009. 6. Cartum J. Neuroblastoma: o enigmático tumor da infância. Pediatr Mod. 2012;48(8):296-301. 7. Kumar V, Abbas AK, Fausto N, Mitchell RN. Robbins - Bases patológicas das doenças. 7a ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2005. 8. Moukheiber AK, Nicollas R, Roman S, Coze C, Triglia JM. Primary pediatric neuroblastic tumors of the neck. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2001;60(2):155-61. PMID: 11518594 DOI: http://dx.doi.org/10.1016/s0165-5876(01)00499-2 9. Esiashvili N, Anderson C, Katzenstein HM. Neuroblastoma. Curr Probl Cancer. 2009;33(6):333-60. PMID: 20172369 DOI: http://dx.doi. org/10.1016/j.currproblcancer.2009.12.001 10. Parikh D, Short M, Eshmawy M, Brown R. Surgical outcome analysis of paediatric thoracic and cervical neuroblastoma. Eur J Cardiothorac Surg. 2012;41(3):630-4. DOI: http://dx.doi.org/10.1093/ejcts/ezr005 11. Zygogianni A, Kyrgias G, Kouvaris J, Alexopoulou E, Zefkili S, Theodorou K, et al. A radiological and radiotherapeutic approach for paediatric tumours in the head and neck area. Head Neck Oncol. 2013;5(2):18. 12. Kanemura N, Nakano T, Hirano A, Amatsu H, Koshimo N, Uemura G, et al. A case report on cervical neuroblastoma with ataxia. Nihon Jibiinkoka Gakkai Kaiho. 2011;114(5):505-10. PMID: 21702171 DOI: http://dx.doi.org/10.3950/jibiinkoka.114.505 13. Y Lau, CH Li, KY Tsui, ACW Lee. Life-threatening airway obstruction: An unusual presentation of a cervical mass during infancy. HK J Paediatr (new series). 2006;11(2):153-6. 21