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Transcrição:

KAMLA, Renata Ferreira. Máscaras, uma possibilidade criativa para práticas cênicas. São Paulo: Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo. Diretora, encenadora e professora de teatro. RESUMO Partindo das seguintes questões: Como unir os procedimentos didáticos para ensinar teatro sem perder o espetacular? O que trazer de instigante para a criação artística dos alunos aspirantes a atores? O presente texto apresenta a possibilidade da utilização de máscaras como um caminho pedagógico, facilitador e fomentador para o processo criativo do ator. Metodologia esta desenvolvida durante a pesquisa de mestrado que culminou na dissertação Um olhar por meio de Máscaras, uma possibilidade pedagógica orientada pelo professor doutor Armando Sérgio da Silva. Os estudos se apoiaram nas pesquisas pedagógicas de Constantin Stanislavski, Jacques Copeau, Jacques Lecoq e Armando Sérgio da Silva. A máscara além da utilizada no rosto também é vista como - objetos, figurinos, maquiagens e tudo aquilo que o ator puder vestir e colocar no corpo para se transvestir, servindo para o seu desenvolvimento artístico. O processo criativo fundamentou-se em duas partes definidas, a pré-expressiva composta pelas improvisações com diversas possibilidades de máscaras e a expressiva composta pela criação cênica partindo da inspiração do texto Hamlet de William Shakespeare. O amplo trabalho com as máscaras e suas experimentações trouxe outro campo de pensar e agir em relação à criação. Palavras-chave: Máscara. Pedagogia. Ator. Criação. ABSTRACT KAMLA, Renata Ferreira. Masks- a creative possibility for scenic practice. São Paulo: Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo. Director and Acting Teacher. Starting from the following questions: How to merge teaching procedures to teach theater without losing the spectacular? What exciting elements should be brought to the artistic creation of the students aspiring actors? This paper presents the possibility of the use of masks as an educational, facilitator and stimulator path for the creative process of the actor. The methodology was developed during the master's research that culminated in the dissertation "A look through" - masks a pedagogical possibility - directed by Professor Armando Sérgio da Silva. The studies were supported in educational researches developed by Constantin Stanislavski, Jacques Copeau, Jacques Lecoq and Armando Sérgio da Silva. The mask, used not only on the face, is also seen as - objects, costumes, makeup and everything that the actor can wear to transform his appearance, serving for his artistic development. The creative process was based on two defined parts: pre-expressive composed by improvisations with various mask possibilities and expressive composed by scenic creation inspired in William Shakespeare's Hamlet. The extensive work

with masks and their experiments brought another field of thinking and acting in relation to the creation. Key-words: Mask. Pedagogy. Actor. Creation. Máscaras, uma possibilidade criativa para práticas cênicas. Este resumo expandido, objetiva apresentar aos leitores interessados na arte de atuar uma possibilidade de ferramenta utilizada pelo ator na sua criação, por meio de utilização de várias máscaras. Procedimento este desenvolvido na pesquisa de mestrado: Um olhar por meio de. Máscaras, uma possibilidade pedagógica - As constantes inquietações como - O que trazer de instigante para a criação artística desses alunos aspirantes a atores? Como ampliar o seu repertório criativo e facilitar sua criação? Qual ferramenta pedagógica poderia apresentar a esses alunos-atores para facilitar, instigar e contribuir com o seu fazer artístico? - impulsionaram-me a seguinte hipótese: a utilização de diferentes tipos de máscaras para ampliar e facilitar o repertório de possibilidades criativas para o ator, através do jogo teatral, possibilitando ao aluno perceber o seu próprio fazer criativo e os caminhos metodológicos adquiridos. A palavra máscara envolvida no título da dissertação de mestrado provocava desde o início uma grande curiosidade: Qual é a máscara utilizada? A máscara neutra? A máscara do clown? Máscaras expressivas? Verificando que o conceito padrão de máscara é: o objeto que representa uma cara ou parte dela, e se usa no rosto como disfarce 1 e fundindo com a visão de Barba e Savarese (1995, p. 227) que nos mostram como os figurinos podem transformar o ator numa cenografia em miniatura e que esses figurinos com suas cores, formas, tamanhos, pesos, enchimentos, mangas longas ou curtas, estreitos ou largos, podem levar a um corpo extracotidiano, acreditamos que além da máscara colocada sobre o rosto, objetos, figurinos, maquiagens, tudo aquilo que o ator puder vestir e colocar no corpo para se transvestir (FO,1999, p.32), pode ser considerado uma máscara útil para o seu desenvolvimento artístico num momento de préexpressividade, permitindo, assim, o surgimento de uma representação extracotidiana 2. Segundo os autores Barba e Savarese (1995, p.152) [...] o 1AURÉLIO 1977, p. 309 2 O modo como usamos nossos corpos na vida cotidiana é substancialmente diferente de como os usamos em situações de representação. Na vida cotidiana usamos uma técnica corporal que foi condicionada pela nossa cultura, nossa posição social e profissão. Mas numa situação de representação o uso do corpo é completamente diferente. Portanto, é possível diferenciar entre a técnica cotidiana e a técnica extracotidiana. (BARBA; SAVARESE, 1995, p. 227)

nível pré-expressivo poderia ser definido, em geral, como o nível onde as condições para o sentido são construídas Já para Copeau, o trabalho pré-expressivo não vem do texto e, sim, do estado de neutralidade propiciado pelo treino com a máscara neutra. O diretor francês busca um estado de neutralidade, no qual os aspectos cotidianos, inclusive o pensamento, deveriam dar lugar a uma vida criadora. A neutralidade seria condição para a criação. (ICLE, 2010, p. 9). Nas pesquisas de Barba e Savarese (1995), percebe-se que o nível preexpressivo e expressivo não pode ser separado, pois, trata-se de uma organicidade única. Pensando apenas em uma forma didática de refletir o préexpressivo como um trabalho do ator que os espectadores não veem e o expressivo como a execução cênica e fazendo uma analogia com o método das ações físicas de Stanislavski, podemos supor que o pré-expressivo no método das Ações Físicas de Stanislavski poderia ser, se fosse possível separar o expressivo e o pré-expressivo: um reconhecimento da ação da peça em que o ator estabelece a fábula e os fatos motores; o estudo das circunstâncias da peça (circunstâncias dadas e imaginadas); e a experimentação nos acontecimentos da peça (ICLE, 2010, p. 7). Tanto Stanislavski, pelo caminho da consciência, como Copeau, minimizando a razão, ambos buscam o mesmo: a organicidade das ações do ator. Tanto um quanto outro trabalham com métodos precisos nos quais o ator deve ter plena consciência do que realiza. (ICLE, 2010, p. 10, grifo nosso). Já em relação a Silva (2010), o trabalho com os chamados anteparos pode ser visto como o momento pré-expressivo, já que proporciona ao ator uma investigação física e sensorial que se corporifica na ação. Assim, consideramos que o trabalho com as máscaras colocadas em jogo ou criadas pelos atores na sua investigação cênica pode ser esse momento préexpressivo, por isso não pode se reduzir a uma só possibilidade e deve ser explorado num campo amplo de composições possíveis. Os figurinos também são utilizados como máscaras nas pesquisas de Ariane Mnouchkine no Théâtre du Solei, e essa prática possibilita o desenvolvimento de um estado cênico que o ator deve sustentar enquanto estiver atuando: Ariane Mnouchkine, que foi aluna de Jacques Lecoq, diz-nos que a máscara é para seus atores uma disciplina de base, com a qual exercitam a musculatura da imaginação. [...] No Théatrê du Solei, mesmo que em alguns espetáculos não se tenha o objeto-máscara, pode-se perceber a aplicação dos seus princípios. [...] A máscara compreende não apenas o objeto, mas inclui o figurino e, principalmente, a exploração de um estado que o aluno-ator deve sustentar enquanto estiver atuando. Nesse sentido, a sua entrada em cena é fundamental, uma vez que ele já deve manifestar corporalmente o estado-máscara proposto. Ao longo das improvisações, as diversas dinâmicas daí resultantes têm como base essa presença cênica. (COSTA, 2006, p.19-20, grifo nosso)

A dificuldade está em manter essa presença cênica durante todo o tempo de atuação. Portanto, o presente trabalho não se refere apenas a um tipo de máscara, mas amplifica o que pode vir a ser máscara, subvertendo, quebrando paradigmas e, de certa forma, (des)sacralizando a própria palavra máscara. A pesquisa que se dividiu em três partes. Primeira parte: 1- Experiências voltadas para improvisações espontâneas. 2- Trabalho com a máscara neutra 3 para a limpeza do gestual. 3- Experimentos com máscaras expressivas de animais e feições humanas. 4- Confecções de possibilidade de máscaras expressivas com sacos plásticos, papelão, tecidos, barbantes e objetos. 5- Na sequencia a composição de máscaras misturando várias delas formando uma só. Na segunda parte realizamos - improvisações de cenas partindo do jogo das máscaras, criando imagens, situações dramáticas, personagens e textos. No terceiro e último momento houve a escolha de um texto dramático, para verificação desse método com o elemento textual em jogo. O texto escolhido foi Hamlet de William Shakespeare. Sistematização do trabalho - Descrição do processo: Verificamos três pilares em jogo: a relação do ator com a máscara criada a partir da perspectiva da personagem investigada; a relação com o outro ator e a sua máscara criada, e a relação com o texto. Isso se realizou através dos seguintes passos: 1) Leitura da peça para contextualização cênica. 2) Improvisações investigativas para a composição da personagem por meio da mascarada 4. 3A máscara neutra é um objeto particular. É um rosto, dito neutro, em equilíbrio, que propõe a sensação física de calma. Esse objeto colocado no rosto deve servir para que se sinta o estado de neutralidade que precede a ação, um estado de receptividade ao que nos cerca, sem conflito interior. Trata-se de uma máscara de referência, uma máscara de fundo, uma máscara de apoio para todas as outras máscaras. (Lecoq 2010, p..69)

3) Jogo das máscaras em improvisação das cenas escolhidas do texto/ criação de um novo texto. 4) Improvisação e criação de cenas com base em temas do universo da peça Hamlet. Selecionamos duas cenas para serem investigadas: Cena 4 do ato 3 (SHAKESPEARE, 2004, p. 169): aposentos da Rainha. Cena entre a Rainha, o filho Hamlet e aparição do Espectro do pai morto. Cena 1 do ato 3: a personagem Ofélia entra para falar com Hamlet. (SHAKESPEARE, 2004, p. 135-138). Outro campo de investigação, além da mascarada, foi a elaboração de uma cena com base em um tema proposto, seguindo as perspectivas da peça: Tema 1: O pai morto. Tema 2: A amizade. Concluímos que a pesquisa agregou aos atores envolvidos uma possibilidade de se chegar a resultados inusitados com a utilização das máscaras. Que podem levar a infinitas composições e assim provocar resultados diferenciados em cada improvisação, um mesmo tema ou texto, pode ser encenado de várias formas dependendo das máscaras em jogo, apresentou-se um caminho metodológico diferente, a máscara possibilita os estados psicofísicos e a criação cênica. Bibliografia Livros BARBA, Eugenio; SAVARESE, Nicola. A arte secreta do ator: dicionário de antropologia teatral. São Paulo: Hucitec; Campinas: Editora da Unicamp, 1995. FÉRAL, Josette. Encontros com Ariane Mnouchkine: erguendo um monumento ao efêmero. São Paulo: Senac, 2010. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Minidicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1977. ICLE, Gilberto. O ator como Xamã: configurações da consciência no sujeito extracotidiano. São Paulo: Perspectiva, 2010. LECOQ, Jaques. O corpo poético: uma pedagogia da criação teatral. São Paulo: Senac, 2010. SILVA, Armando Sérgio da. (Org.) CEPECA: uma oficina de pesquisatores. São Paulo: Associação Amigos da Praça, 2010. 4Termo utilizado por Stanislavski no capítulo II Vestir a personagem do livro A construção da Personagem (2009, p. 38). Fazíamos um círculo com várias máscaras para os atores escolherem.

SHAKESPEARE, William. Hamlet. Tradução Millôr Fernandes. São Paulo: Editora Peixoto Neto, 2004. STANISLAVSKI, Constantin. A preparação do ator. Tradução Pontes de Paula Lima. 7. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1986.. A construção da personagem. Tradução Pontes de Paula Lima. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009.. A criação de um papel. Tradução Pontes de Paula Lima. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972. Dissertações e teses COSTA, Felisberto Sabino da.a outra face: a máscara e a (Trans)formação do ator, 2006. 190 f. Tese (Livre Docência). Departamento de Artes Cênicas, Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006. SILVA, Armando Sérgio da.oficina da essência, 2003. 127 f. Tese (Livre Docência em Artes Cênicas) Departamento de Artes Cênicas, Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003.