A Gestão de RH no setor saúde: Administração de pessoal ou desenvolvimento de RH?



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Transcrição:

A Gestão de RH no setor saúde: Administração de pessoal ou desenvolvimento de RH? Isaias Cantoia Luiz - SESA Paulina Ap. K. de Bastos - SESA Eliane de Fátima Rauski - UEPG 1 Introdução A discussão sobre o papel dos gestores do SUS na área de recursos humanos representa um dos mais importantes temas da agenda atual da política de saúde. As dimensões desse mercado de trabalho, a complexidade dos conflitos de interesse e poder aí presentes, a emergência de novos atores nesse cenário e, como pano de fundo de todos esses aspectos, o processo de consolidação da participação da sociedade brasileira, são elementos que conferem destaque e relevância ao assunto. Por em prática o complexo e continuo processo de gestão de pessoas no setor público constitui um significativo desafio profissional, por conta do elevado nível de exigência envolvendo habilidades de compreensão e condução das relações humanas em ambiente de trabalho tão peculiar. (BERGUE, 2005). O objetivo desse artigo é discutir algumas idéias, estimular o debate e contribuir para o encaminhamento das decisões políticas e técnicas que já tardam e que, em grande medida, dependem da atuação dos gestores do SUS na área de recursos humanos, e, mais especificamente analisar a situação presente na 3.ª Regional de Saúde 1, que atende uma região composta por 12 Municípios, onde atuam aproximadamente 400 servidores vinculados ao Estado e a União, trabalhando em conjunto com servidores municipais e também com trabalhadores terceirizados, cargos comissionados (CLT), recebendo salários e benefícios diferenciados que se traduz no agravo gerado pelos diferentes regimes de contratação. 2 As Reformas do Estado: Foco na Área de Recursos Humanos O setor público possui uma longa tradição de reformas administrativas desencadeadas, geralmente a cada início de um novo governo, com rótulos diversificados e, modeladas a partir das teorias clássicas da administração 2, com pressupostos meramente tecnicistas. Essas reformas são concebidas para supostamente prover adequação da máquina pública aos planos do governo. As duas reformas administrativas anteriores que marcaram um remodelamento do Estado foram as realizadas no período dos anos 30 (Era Vargas) e a dos anos 60, na ditadura militar (PIERATONE, 2001). A primeira representou o processo de construção do Estado desenvolvimentista nacional demandou a adequação das estruturas administrativas para o exercício do poder centralizado e organizador dos interesses da sociedade. A partir dessa reforma, foram criados importantes instrumentos de viabilidade de políticas sociais da previdência, trabalhista e econômica. A segunda, com o decreto-lei N.º 200 3 flexibilizou a administração pública e viabilizou a presença do Estado na área econômica, permitindo a substituição de importações iniciada na década de 1930, rompendo com os entraves burocráticos que limitavam a expansão do capital associado (FLEURY, 1997 apud PIERATONE). 1 A estrutura administrativa da Secretaria Estadual da Saúde se divide, em 22 Escritórios de Representação denominados Regionais de Saúde conforme mapa apresentado na seqüência. 2 Sobre este tema ver Henri Fayol. 3 Decreto Lei n.º 200 (1968), que instituiu as autarquias e fundações como agências do Governo encarregadas da execução de atividades para as quais o setor público havia demonstrado incapacidade. Capítulo 8 - Administração e Previdência 447

As reformas do Estado 4 no Brasil, a partir da década de 1990, são tratadas de forma incremental e segmentadas no governo de Itamar Franco (1992). O sucesso do Plano Real e a eleição de Fernando Henrique Cardoso 5 no mesmo ano (1994) trazem à reforma do Estado para uma discussão mais articulada, com o objetivo de inserção do país no mercado internacional. O marco referencial do Programa de Reforma Administrativa proposto pelo MARE Ministério da Administração e Reforma do Estado, é o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (1995), que identifica a crise brasileira da última década (1990) como uma crise do modelo de desenvolvimento adotado pelos governos anteriores, desviando o Estado de suas funções básicas 6, o que teria agravado a crise fiscal e, por conseqüência, a inflação. A questão da crise do Estado é trazida para a contemporaneidade dos últimos 20 anos, destacando a aceleração do desenvolvimento tecnológico e da globalização da economia mundial. Nestes termos, o documento (Brasil 1995:15) caracteriza, assim, a crise do Estado: Uma crise fiscal, caracterizada pela crescente perda do crédito por parte do Estado e pela poupança pública que se torna negativa; O esgotamento da estratégia estatizante de intervenção do Estado, a qual se reveste de várias formas: Estado do bemestar social nos países desenvolvidos, a estratégia de substituição de importações, no terceiro mundo, e o estatismo nos países comunistas e; A superação da forma de administrar o Estado, isto é, a superação da administração pública burocrática.... Podemos considerar também como marcos institucionais importantes para a compreensão do processo de reforma do aparelho do Estado, a evolução constitucional em curso desde a promulgação da constituição em 1988, com a aprovação de inúmeras emendas constitucionais e, convergente legislação intraconstitucional editada com o propósito de promover ajustes pontuais de maior ou menor amplitude, conforme o caso, notadamente nas áreas da educação, saúde, fiscal, previdenciária e administrativa em geral. (BERGUE, 2005, pág. 59). No Brasil, segundo PIERATONI (2001), o foco central da reforma da década de 1990, na prática, estabeleceu metas para privatização de um lado e, de outro, a flexibilização da gestão, principalmente das relações de trabalho. A autonomia financeira e administrativa alcançada por esta modalidade de gestão poderia romper com a estabilidade do regime jurídico único (RJU), possibilitando a dotação de mecanismos mais eficientes para contratações e dispensas na máquina pública em beneficio de uma maior eficiência. A favor dessas propostas encontrava-se uma opinião pública fortemente cooptada pelos meios de comunicação, especialmente no governo de Fernando Collor de Mello 7, que fortaleceu o descrédito no funcionalismo público, o que terminou por neutralizar os próprios trabalhadores do setor. O efeito produzido, no entanto, demonstrou que a demissão em massa não resolveria a ineficiência da burocracia estatal. É consensual que a natureza dessa ineficiência seguramente não pode ser relacionada com aspectos quantitativos, mas com aspectos qualitativos que envolvem, entre outras coisas, o baixo investimento dispensado e acumulado para as atividades de desenvolvimento de recursos humanos. As conseqüências do baixo investimento podem ser aferidas pela pouca 4 A Reforma do Estado constitui processo complexo que envolve fundamentalmente a mudança de seu papel e de seus propósitos institucionais em relação à sociedade civil (Bergue, 2005, pág. 57) 5 Por ocasião da edição do Plano Real, o Ministro da Fazenda era Fernando Henrique Cardoso. 6 Aqui fica identificada claramente a tendência neoliberal a ser implementada na gestão do Estado, ou seja, Estado Mínimo. 7 Em um primeiro momento, particularmente no governo de Fernando Collor de Melo, o impulso reformista ficou restrito a cortes de pessoal e redução da máquina estatal, com metas de dispensa de 360 mil servidores. A conseqüência negativa dessa reforma explicita-se pelo desmantelamento do aparato administrativo, pela degradação do serviço público e conseqüente agravamento de sua ineficiência. A intervenção centralizada do executivo logrou a demissão ou dispensa de 112 mil funcionários e cerca de 45 mil aposentadorias (DINIZ, 2000). 448 A Gestão de RH no Setor Saúde: Administração de Pessoal ou Desenvolvimento de RH?

profissionalização e conseqüente estabelecimento de baixa valorização do trabalho realizado. Essas condições se agravam pela ausência de perspectivas de melhor remuneração, transformando o vínculo público em fonte de renda adicional. Este modelo tem como pressupostos: descentralização das decisões e funções do Estado, autonomia no que diz respeito à gestão de recursos humanos, materiais e financeiros e ênfase na qualidade e na produtividade do serviço público. A Reforma Gerencial busca aumentar a eficiência e efetividade dos órgãos ou agências do Estado por meio da descentralização; fortalecer a capacidade do Estado de promover o desenvolvimento econômico e social através da garantia dos contratos e assegurar o caráter democrático da administração pública com o serviço orientado para o cidadão cliente e a responsabilização do servidor público pelos seus resultados. (PIMENTA, 1998). Assim, o caminho escolhido pela reforma, a partir da escolha de soluções quantitativas para ajustar as contas públicas, direciona a implementação dessas políticas e o enfoque da área de RH no caminho inverso do assumido pelas empresas privadas, origem primeira do modelo de administração gerencial. Nestas a centralidade na valorização de recursos humanos está direcionada para a obtenção de graus de excelência na produção de bens e serviços, assim como na promoção e viabilização de mudanças organizacionais. A emenda de reforma do Estado é aprovada pelo Senado em 1998, após um período de dois anos e meio de tramitação, e aponta para questões centradas nas relações de trabalho e nos contratos de gestão. De acordo com Nogueira (1996) a estabilidade de funcionário público é um valor de base das políticas de recursos humanos estreitamente associado à concepção weberiana de uma burocracia profissionalizada. Os funcionários, estáveis mediante seus compromissos com a impessoalidade e a lisura dos processos internos, são sustentáculos da estabilidade da missão institucional. A estabilidade do funcionário tem por justificativa seus méritos publicamente comprováveis, daí que dentro do quadro dessa concepção ela está longe de representar um dom gratuito: cabe ao concurso público e aos filtros das carreiras apreciarem a extensão e a atualidade desses méritos. Portanto, a estabilidade do indivíduo é vista em função da própria estabilidade das políticas institucionais, como interesse público, e da sua necessária proteção contra uma possível intrusão de interesses personalistas mesquinhos (o que, em nosso meio, poderiam ser bem traduzidos como clientelismo e nepotismo). Essa imagem idealizada dos objetivos da estabilidade, conectada a uma correspondente concepção histórica do Estado e de seus órgãos, foi recentemente posta em xeque pelas linhas gerenciais de pensamento sobre a administração pública, que enfatizam a necessidade de contar com um quadro de pessoal ajustado permanentemente às mudanças tecnológicas, às variações do mercado e a diversos fatores culturais e econômicos específicos de cada instância de trabalho. As soluções para os problemas emergentes (e para o cidadão visto como cliente) têm de ser encontradas muito mais rapidamente e mediante expedientes bem mais criativos do que os pressupostos pelos esquemas weberianos de normas burocráticas universais. Outra questão também deve ser analisada, ou seja, a flexibilização do emprego e do trabalho, neste caso, significa encontrar formas de colocar prontamente a pessoa certa no lugar certo para garantir a satisfação do cliente e permitir a própria reprodução da instituição diante das forças do mercado e das tecnologias modernas. O vínculo empregatício e as formas de remuneração têm, naturalmente, de estar ajustadas a esses requisitos que implicam numa intensificação do sentimento de premência do tempo. A temporariedade do contrato, a variedade das jornadas de trabalho, a multiplicação de incentivos, a elevação da taxa de demissão e readmissão são apresentadas como características imprescindíveis para esse ajustamento da administração pública ao ritmo da sociedade contemporânea. Aqui não pretendemos somar argumentos adicionais de um lado ou outro dessa contraposição teórica, que vem envolvendo muitos desentendimentos e confusões políticas por conta da discussão em torno da Reforma do Aparelho Administrativo do Estado. O que queremos sublinhar é que, quaisquer que sejam as vantagens Capítulo 8 - Administração e Previdência 449

da flexibilidade, esta não pode como orientação geral prescindir da garantia de continuidade das políticas institucionais, que tem de ser dada pela existência de um núcleo permanente de funcionários estáveis e em exercício de funções típicas de carreira (tais como os cargos executivos). A flexibilidade obtida por contratos temporários (por exemplo, o retorno da CLT ou novas formas de contratação por prazo determinado), pela terceirização e pela cooperativização não deve excluir a estabilidade funcional de um número maior ou menor de pessoas que garantem a continuidade da direção institucional. 3 Os Recursos Humanos e as Reformas da Saúde O processo de construção do Sistema Único de Saúde SUS tem levantado desafios e debates cruciais para a continuidade (ou negação) da idéia básica de cidadania incorporada ao projeto de reforma sanitária 8 decorrente dos avanços apontados na Constituição de 1988, e regulamentados através das Leis N.º 8080/90 e 8142/90. A unificação e a municipalização da rede pública de serviços, assim como a proposta de um novo modelo assistencial, são estratégias básicas para a implementação do novo sistema, que tem na equidade seu eixo condutor. O sistema institucionalizado determina que as ações e serviços públicos de saúde integrem uma rede regionalizada, e constituam-se em um sistema único organizado de acordo com as diretrizes: descentralização, integralidade e controle social. Esta construção tem adquirido distintos contornos e conformações facilmente observáveis através da comparação dos processos existentes de Estado a Estado e de Município a Município (NETO, 1997). Absorvido por uma incessante busca de equacionamento das questões de financiamento do sistema, tal processo tem levado em pouca conta a inauguração ou destaque de uma nova ordem de problemas e desafios que, passo a passo, têm assumido características de natureza estrutural e cujas superações não se apresentam, ainda, de maneira decisiva na pauta de interesse dos diversos níveis gestores do sistema. Assim, é que se agrupam um conjunto de textos, documentos, relatórios de fóruns, conferências, seminários, oficinas e reuniões que tratam da questão estratégica da necessidade de conformação do que poderia vir a ser chamado de Política de Recursos Humanos para a Saúde, que na IX Conferência Nacional de Saúde realizada em 1992, se traduziu na: (...) reafirmação da necessidade de uma política nacional de recursos humanos para o SUS; implantação de regime jurídico único em cada esfera de governo; definição de uma política de formação e capacitação de recursos humanos; implementação de estímulo à interiorização de profissionais de saúde; estabelecimento de mecanismos de avaliação contínua de desempenho dos profissionais de saúde; garantia de equipes multiprofissionais. (Relatório Final IX CNS, 1992). Os anos 90 marcaram para as políticas de recursos humanos em saúde um período de grande renovação e instabilidade nas bases de valores que as orientam. De acordo com NOGUEIRA (1996), já está havendo uma renovação por comparação com tudo aquilo que se fez presente na política de recursos humanos de saúde ao longo da década de 1980, que correspondeu à fase de deslanche da Reforma Sanitária. Mas há, por assim dizer, uma instabilidade, porque são evidentes os muitos conflitos, as incertezas e o efeito do jogo de aparências no processo de sua definição. Isto demonstra que nos movemos, nos anos de 1990, em meio a um espaço de ação investido de menos consenso entre os atores (o governo, as corporações, a academia, o movimento sanitário etc.). 8 Delimitando um campo de idéias e práticas inicialmente voltadas para a crítica do modelo dominante de atenção à saúde e posteriormente para a elaboração e defesa de um projeto alternativo, o Movimento Sanitário desenvolveu-se como um conjunto organizado de pessoas e grupos partidários ou não, articulados ao redor de um projeto (Escorel, 1988), cujo desenho e conteúdo foram sendo construídos ao longo do tempo a partir de um conjunto de práticas que Arouca (1976) caracterizou em três níveis: a prática teórica (construção do saber), a prática ideológica (transformação da consciência) e a prática política (transformação das relações sociais). (CARVALHO, 1995, p. 48). 450 A Gestão de RH no Setor Saúde: Administração de Pessoal ou Desenvolvimento de RH?

As características de instabilidade estão longe de serem particulares às políticas de recursos humanos em saúde. Podem também ser encontradas nas demais áreas de políticas públicas, já que decorrem de confrontos de valores que se vêm generalizando acerca de que rumos tomar no redirecionamento do conjunto da sociedade brasileira diante da globalização e das mudanças recentes ocorridas no chamado mundo do trabalho. Mas talvez uma particularidade da área de recursos humanos de saúde seja que o amadurecimento das práticas de governo nos diferentes níveis do SUS já sedimentou uma crítica às políticas da década de 1980 e hoje contribuem para afastar ou isolar opiniões radicalizadas. No curso dos anos 1990, as políticas de gestão dos recursos humanos em saúde têm um menor consenso entre seus atores do que na década anterior, onde os debates em torno da isonomia salarial e a estruturação de PCCS para todos unificaram gestores do SUS, formuladores de políticas para a saúde, trabalhadores e suas representações. Tal dissenso pode encontrar suas raízes explicativas nos efeitos da crise do setor saúde, sentidos pelas políticas de recursos humanos. Para Mendes (1996), grande parte dos países tem vivido uma crise no setor saúde, expressa na ineficiência, ineficácia, iniqüidade e insatisfação da população. Para o autor, os sistemas de saúde vêm demonstrando tais problemas na medida em que gastam cada vez mais recursos, mas os resultados têm sido baixos, não havendo correlação entre implementação de gastos e níveis de saúde. Em termos gerais, ainda quem mais precisa é quem menos tem acesso aos serviços. Segundo esse autor: Para que o SUS possa afirmar-se como espaço de saúde há de se reconstruí-lo em seus fundamentos medulares. Para que isto se torne possível, propõe mudanças na própria concepção do processo saúde-doença, no paradigma sanitário e na prática sanitária, a vigilância da saúde. (MENDES, 1996, p. 234). Por outro lado, as políticas de recursos humanos enfrentam hoje grande instabilidade decorrente de confrontos de valores que vêm se generalizando, acerca dos rumos a tomar diante das transformações recentes na esfera da gestão do trabalho. Os resultados dessas ocorrências já fazem parte do cotidiano da gestão do trabalho no SUS, que já se encontra de certa forma flexibilizado. OLIVEIRA JÚNIOR (1996) relaciona uma grande diversidade de modalidades de vínculos no setor saúde, que vão desde o regime estatutário federal, estadual e municipal, passando pelos contratos temporários, renovados ilegalmente por anos seguidos; comissionamento de todos os cargos municipais da área de saúde, burlando não apenas o Regime Jurídico Único, mas também o concurso público; além do credenciamento tradicional de médicos para atender nos hospitais conveniados e contratados ao SUS, extensão do credenciamento aos hospitais públicos e até em ambulatórios, realizando duplo pagamento aos médicos (salário + credenciamento); crescente terceirização dos serviços de apoio na área de saúde; terceirização de atividades típicas da área de saúde, com ou sem licitação pública, através de entidades de direito público privado, incluindo as associações comunitárias, os clubes de serviço/maçonaria para gerenciar unidades públicas de saúde, contratação de cooperativas médicas, por especialidades ou por local de trabalho, empresas privadas de contratação de mão-de-obra etc.; triangulação na contratação de profissionais da área de saúde, seja através de universidades, núcleos de ensino e pesquisa, associações comunitárias, empresas filantrópicas ou lucrativas etc. O fato realmente novo é a proliferação crescente, nos últimos anos, de uma multiplicidade de modalidades de inserção e gestão dos profissionais e a identificação dessas enquanto eixos centrais de política estrutural para o setor saúde. As diretrizes quanto às necessidades de recursos humanos deveriam refletir os objetivos e formas de organização dos serviços de saúde. Como sublinha Santana: Adotados os objetivos de eficiência e eficácia social, de equidade e de democratização e a organização segundo necessidades de saúde, a quantidade e o perfil de recursos humanos serão definidas, inicialmente, com base num conceito equivalente ao de demanda social por trabalho em saúde: reflete o número e a composição de empregos adequados a um padrão de atenção médicosanitário socialmente desejável, o que nas metas de SPT/2.000 (Saúde para Todos no ano 2000) significa universalização do acesso, equidade no atendimento e integralidade das ações, nas Capítulo 8 - Administração e Previdência 451

modalidades assistenciais adequadas, dentro de uma combinação técnica ótima dos recursos (físicos, humanos e financeiros) para produção de serviços. (SANTANA, 1990, p. 69) 4 A Gestão de Recursos Humanos do SUS no Contexto da Descentralização da Saúde Apesar dos avanços que se podem observar nas políticas de saúde no Brasil nos últimos 15 anos, após a vigência da Constituição Federal de 1988, o campo da gestão dos recursos humanos pouco avançou e é certamente o que convive com maiores problemas e dificuldades até os dias atuais.... o Coordenador Geral da Política de Recursos Humanos da Secretaria de Políticas de Saúde do Ministério da Saúde, ao reconhecer o pouco desenvolvimento da gestão dos recursos humanos do SUS, destaca os seguintes desafios e problemas para esta área: 1. O perfil, a disponibilidade e a distribuição de profissionais; 2 As competências profissionais; 3 A necessidade de educação permanente; 4 A diversidade de vínculos, as modalidades de contratação e o arcabouço jurídico-institucional para o setor de Recursos Humanos. (SILVA, 2001) Os diversos problemas nesta área e as diferentes dimensões das dificuldades nos mostram que qualquer abordagem neste campo não deve desconsiderar a magnitude do grande desafio que é a gestão dos recursos humanos para o SUS. Como afirmam SCHRAIBER e MACHADO apud SILVA, (1997, p.281)... quer como objeto de estudo científico ou objeto de intervenção social, este campo ainda nos oferece mais problemas que referenciais para transformações. É necessário reconhecer, por outro lado, que existem diferentes movimentos que visam interferir e mudar esta realidade. Não é objetivo deste artigo analisar estes movimentos de mudança, mas é importante destacar que em algumas áreas de atuação, como é o caso da educação em saúde, estão conseguindo interferir positivamente, mesmo que, ainda de forma incipiente, na agenda dos processos de formação e capacitação de recursos humanos em saúde. Têm ocorrido também ações que visam fortalecer a capacidade de gestão e de gerência do SUS, e o aprimoramento técnico de profissionais de saúde, tais como, o projeto GERUS 9 e o PROFAE 10, cursos de capacitação e qualificação de gestores, por exemplo - ou de apoio à reorganização da atenção básica e de implementação da Estratégia de Saúde da Família. Nas duas últimas décadas (1980 e 1990) não existiram políticas públicas consistentes para disponibilizar e regular a oferta de profissionais para o SUS. Observou-se uma ausência total de planejamento, ocasionando graves problemas na estrutura da oferta de profissionais e serviços. Não houve, por exemplo, intervenções efetivas para readequar e regular a oferta pública. A gestão do trabalho nesta área - pública - em especial no que se refere ao vínculo e a formas de reposição e contratação de pessoal foi bastante negligenciada. De acordo com SILVA (2001), resgatando as causas históricas desta situação, percebe-se que os interesses do SUS foram preteridos porque prevaleceram as diretrizes da política econômica, cujas prioridades, a partir da década de 1990, eram viabilizar as chamadas medidas de ajuste estrutural da economia. Com a redução da capacidade de investimento do Estado nas políticas sociais, a conseqüência para o setor saúde foi a não reposição de servidores públicos federais e dos governos estaduais exonerados ou aposentados - já que com a inexistência de fundos adequados para pagar inativos, reposição significaria ampliação de gastos com pessoal, contrariando pontos vitais das negociações de ajuste, pactuadas com os organismos financiadores internacionais. Estes fatos desfalcaram de recursos humanos diferentes áreas da assistência, que eram historicamente supridas por estes níveis de governo, tais como unidades ambulatoriais especializadas e alguns hospitais estatais. Não tivemos também, segundo o mesmo autor, políticas adequadas de remuneração e de regulação da oferta do setor privado, que passou a selecionar áreas de seu interesse, deixando, por exemplo, sem cobertura adequada a assistência da chamada média complexidade - consultas e exames especializados menos complexos. Também na regulação da oferta privada, como ocorreu na 9 Projeto de Desenvolvimento Gerencial de Unidades Básicas de Saúde GERUS. 10 Projeto de Profissionalização dos Trabalhadores da Área de Enfermagem PROFAE. 452 A Gestão de RH no Setor Saúde: Administração de Pessoal ou Desenvolvimento de RH?

gestão do trabalho público, o que prevaleceu não foram os interesses da política de saúde e sim a racionalidade da política econômica, com redução do financiamento das políticas sociais. O gasto público em saúde sempre foi largamente financiado por recursos de origem federal. Para se ter uma idéia, no período de 1980 a 1990, esses recursos representaram 77,7%; nos anos seguintes, em função da implementação do SUS e do crescente comprometimento da instância municipal, a presença relativa do governo federal foi menor, embora ainda hoje constitua a principal fonte. Nos anos 94, 95, 96 e 2000, os recursos federais financiaram 60,7%; 63,8%; 53,7% e 58,3%, respectivamente, do gasto público em saúde. A redução dos gastos, a falta de critério na remuneração ao setor privado e a falta de regulação pública ampliaram a distorção na oferta deste setor. Em decorrência do marcante processo de descentralização e da municipalização da saúde no Brasil - já que atualmente 2006 mais de 99% dos municípios brasileiros estão responsáveis, ao menos em parte, pela gestão da saúde - os aspectos referidos nos parágrafos precedentes acarretaram enormes dificuldades para a gestão municipal. É importante lembrar que entre as responsabilidades que os municípios passaram a assumir, especialmente os de maior porte, destacam-se a coordenação da programação e execução dos serviços e o gerenciamento de unidades ambulatoriais, e, em muitos casos, hospitalares, que exigem novos profissionais de saúde. O reflexo de falta de pessoal suficiente nestas áreas contribui para ampliar a demanda reprimida na assistência, especialmente na área de média complexidade, e ampliou os gastos com pessoal nos municípios. Como afirma SILVA: Essa situação ampliou significativamente o quadro de servidores ativos dos municípios porque, além de assumir as responsabilidades impostas pela transferência de serviços, esse nível de governo passou a ser responsável por manter toda a estrutura de recursos humanos que atua nas redes básicas de saúde. Com o esgotamento da capacidade de expansão do quadro de pessoal, em decorrência da falta de recursos financeiros e das dificuldades impostas pela legislação - tais como a Lei de Responsabilidade Fiscal - os municípios estão tendo dificuldades em ampliar a oferta de serviços para atender lacunas na assistência. (SILVA, 2001, p. 274) A contratação de pessoal para operação dos serviços e implantação de novos programas vem se tornando uma das mais delicadas e desafiadoras tarefas para os dirigentes do Sistema Único de Saúde. Dentre as questões envolvidas e articuladas nessa problemática destacam-se as de ordem legal que acompanharam os processos recentes de reforma administrativa do Estado (a exemplo da Emenda Constitucional N.º 19 e suas derivações no que se refere a aspectos como a adoção do regime celetista no setor público) e de controle fiscal (como é o caso dos limites de gasto com pessoal imposto pela Lei de Responsabilidade Fiscal). Outros aspectos importantes dizem respeito aos esquemas de terceirização por empresas privadas e cooperativas e de parcerias com entidades nãogovernamentais. A complexidade dos processos de contratação abrange todos os quadros de pessoal, não só os internos (pessoal próprio) como os externos (pessoal de terceiros), que se juntam no esforço interinstitucional de funcionamento do SUS. As variáveis referentes a modalidades de vínculo, remuneração, encargos sociais, carreiras etc. tornam-se bem mais complexas quando se consideram em tal amplitude as questões da gestão de pessoal nos serviços de saúde. A administração pública direta, assim como a indireta, vincula os trabalhadores por dois regimes: o estatutário e o celetista. Pode-se afirmar que a totalidade dos trabalhadores celetistas é remanescente de antigos quadros que não foram convertidos em estatutários conforme determinação constitucional de um regime unificado. Isto acontece porque a nova autorização constitucional do emprego público (decorrente da EC 19) ainda não está sendo adotada pelo poder público dos três níveis de governo. Ao que se sabe os poucos concursos públicos que estão sendo abertos ainda adotam o regime estatutário para os novos servidores. Desde a institucionalização do Sistema Único de Saúde (SUS) a partir da Constituição Federal de 1988, quatro pontos sobre a gestão têm sido freqüentemente realçados como fundamentais para a sua implementação: a descentralização, o financiamento, o controle social e a Gestão do Trabalho. Capítulo 8 - Administração e Previdência 453

De todos eles, o mais complexo e que vem sofrendo o maior processo de desregulamentação dentro da política de reforma do Estado no País é a Gestão do Trabalho. Como já visto anteriormente, trabalhadores dos diversos níveis de governo e de entidades prestadoras de serviço ao Sistema Único de Saúde convivem no mesmo local de trabalho com direitos e deveres diferenciados. É comum a falta de estímulo profissional, os desvios de função, as duplas ou triplas jornadas de trabalho, a submissão a formas improvisadas e arcaicas de vinculação e gestão, cuja regra é a transgressão à lei e, ainda, com poucos ou inexistentes espaços de negociação com seus empregadores. Os problemas gerados pelos diferentes regimes de contratação existentes em 1988, onde servidores das diferentes esferas de governo - autarquias, institutos, fundações e terceirizados, originados das propostas de trabalho em parcerias e da tentativa de se implantar as Ações Integrais de Saúde AIS. Além da manutenção de todas as situações anteriores, implementou-se a contratação de trabalhadores para o serviço público, sem concurso público, com a utilização de vários mecanismos, tais como: os contratos em cargos comissionados para atividades de caráter permanente; a contratação de serviços terceirizados (empresas, associações de moradores, cooperativas e outras) para a realização de atividades públicas de caráter permanente; a instituição dos Consórcios (administrativos) Intermunicipais de Saúde transformados em empresas privadas, dentre outras, com a mesma finalidade; a utilização de contratos administrativos e da contratação por tempo determinado (instituída para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público), em situações comuns, fora das condições e prazos definidos por lei. Nas instituições privadas (filantrópicas e lucrativas), prestadoras de serviços de saúde, as distorções são de outra ordem. Nesses casos, a ênfase da desregulamentação se dá, principalmente, pela tentativa das empresas de se desonerarem das obrigações sociais e pelo descumprimento das normas regulamentares de contratação de pessoal. As formas mais comuns são: a contratação de serviços profissionais, de nível universitário, por profissionais autônomos; a contratação por meio de cooperativas (que nem sempre são regulamentadas), motivada pela isenção fiscal; e a contratação de estagiários como substituição de mão-de-obra profissional, pela possibilidade de inferior remuneração do trabalho. Em relação à Gestão do Trabalho nos serviços de saúde descentralizados, observamse situações muito diferenciadas na realidade brasileira. Por exemplo, há estados em que, até hoje, realizam-se contratações de servidores para prestarem serviços de competência dos municípios; outros que publicam documentos de descentralização de serviços e de trabalhadores, preocupando-se somente com o pagamento da folha de pessoal preexistente à municipalização. Outra situação é aquela que ocorre em locais onde há um grande número de processos de aposentadorias, transferências de servidores e dos programas de demissões voluntárias promovidos pelo governo federal e por alguns governos estaduais, em que serviços de saúde são desativados, principalmente naqueles municípios que não possuem infra-estrutura que possibilite as reposições necessárias. Os trabalhadores do setor Saúde constituem a base para a viabilização e implementação dos projetos, das ações e serviços de saúde disponíveis para a população. A utilização dos avanços tecnológicos e da alta tecnologia não substitui a atuação de um trabalhador de saúde na função essencial de atendimento àqueles que necessitam de atenção. Sabe-se que o investimento na Gestão do Trabalho irá influenciar decisivamente na melhoria dos serviços de saúde prestados à população. Assegurar que trabalhadores em saúde estejam satisfeitos com o seu processo de trabalho e com o resultado de seu trabalho é um caminho prático e certo para o avanço na implementação do sistema. Na tentativa de se estabelecer parâmetros gerais para a Gestão do Trabalho no SUS é proposta a Norma Operacional Básica de Recursos Humanos para o Sistema Único de Saúde (NOB/ RH-SUS), publicada através da Resolução N.º 330, de novembro de 2003 do Conselho Nacional de Saúde. Este documento é um instrumento de qualidade para a gestão do sistema de saúde porque sua formulação foi o produto de um processo participativo e democrático, com discussões e negociações que levaram à construção desta Política Nacional de Gestão do Trabalho de forma pactuada entre os atores sociais do SUS. 454 A Gestão de RH no Setor Saúde: Administração de Pessoal ou Desenvolvimento de RH?

Os principais problemas a serem resolvidos para a sua implementação são a falta histórica de priorização da Gestão do Trabalho no SUS e a Política de Gestão do Trabalho implementada durante os processos de reformas neoliberais do Estado já vistos nos capítulos anteriores. A implementação desses princípios e diretrizes na construção social das políticas nacional, estaduais e municipais de Gestão do Trabalho no SUS é um processo que caminha na contramão da realidade atual produzida pelo modelo neoliberal. Será conquistado no cotidiano da sociedade e dos serviços de saúde a partir da construção coletiva, da decisão política de usuários, trabalhador, prestadores de serviços e gestores e de ações programáticas e estratégicas que contemplem as dimensões técnicas, humanas e éticas que promovam novas relações de trabalho e maior governabilidade na produção dos serviços de saúde de qualidade a serem ofertados à população. 5 Análise da Estrutura de Gestão do Trabalho no SUS no Âmbito da Terceira Regional de Saúde Ponta Grossa - Paraná Considerando os apontamentos apresentados nas páginas precedentes, bem como toda polêmica que cerca a questão da gestão do trabalho no âmbito do SUS, passaremos a analisar a situação da Terceira Regional de saúde e seus aspectos específicos desde sua criação até os dias atuais. Segundo FERNANDES (1988), o Terceiro Distrito Sanitário, localizado em Ponta Grossa, como era chamado por ocasião de sua criação em 1940, se estendia até Foz do Iguaçu, abrangendo uma população de 275.000 habitantes. O Departamento Estadual de Saúde desencadeava, então, a instalação de sub postos de higiene em todo o Estado, em convênio com as prefeituras locais, que se encarregavam do controle dos mesmos. Mais tarde, estes passavam ao controle integral do Estado, já com a denominação de Postos de Higiene, com uma equipe de recursos humanos mínima de profissionais, composta de médico, guarda sanitário e visitadora domiciliar. Em maio de 1979, a Secretaria de Estado da Saúde e Bem Estar Social SESB ficava assim composta: Fundação de Saúde Caetano Munhoz da Rocha, executora das atividades sanitárias, Instituto de Assistência ao Menor, executora das ações voltadas ao reenquadramento social do menor desajustado, e Fundação de Integração e Desenvolvimento de Entidades Sociais, executora das ações de promoção do bem estar social dos paranaenses. A FCMR, paralelamente a incorporação da Fundação Hospitalar do Paraná e de grande parte do quadro de pessoal da SESB, passava a gerenciar os recursos humanos e financeiros. Tinham em seu quadro, servidores estatutários, regidos pela administração direta Lei n.o 6174/1970, os quais já estavam próximos da aposentadoria. O 3.º DS exercia funções de assistência nos Municípios, além de administrar quatro Hospitais, localizados em Ponta Grossa, Castro, Jaguariaíva e Tibagi, na época contava com um contingente de trabalhadores próximo a 1000, na maioria servidores próprios do Estado, sob o RJU estatutários e também servidores em regime da Consolidação das Leis Trabalhistas - CLT. Considerando a saúde como um direito fundamental do ser humano e devendo ao Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício, este resulta no debate nacional da implantação do SUDS Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde, que trabalha na perspectiva da unificação e descentralização das atividades / atendimento da saúde à população. Estas condições foram garantidas pelo texto constitucional e regulamentadas pelas Leis 8080 de 1990 e 8142 também de 1990. Porém, um dos fatores apontados como fundamental para sua implementação, que são os trabalhadores da saúde, não teve definição, fator determinante que, aconteceu com a cessão de servidores federais para os Estados e Municípios, no caso do 3.º Distrito Sanitário, os servidores da União lotados no INAMPS Ponta Grossa foram cedidos para o Estado do Paraná e Municípios de sua área de abrangência no ano de 1990. O ponto fundamental e conflitante é o de não haver existido uma política efetiva de recursos humanos, de ambos os órgãos, o que ocasionou grandes transtornos, pois de uma hora para outra, culturas organizacionais distintas, hábitos adquiridos ao longo do tempo pelos trabalhadores, tanto do estado, quanto da união, passaram a conviver no mesmo local sob a gestão do Estado e/ ou dos Municípios. A cessão desses servidores aconteceu de forma burocrática e autoritária, sem Capítulo 8 - Administração e Previdência 455

nenhum entendimento e conhecimento prévio, nem mesmo um instrumento de negociação entre os trabalhadores e tampouco entre os gestores. Com o Estado assumindo o gerenciamento dos serviços de saúde, sua equipe foi dividida seguindo alguns critérios: Alguns servidores da União e do Estado foram transferidos via ato administrativo portaria para a administração dos Municípios. (servidores municipalizados) Servidores da União foram transferidos para o quadro do Estado, sendo lotados na sede da 3.ª Regional de Saúde cuja conformação atual encontra-se representada no mapa abaixo -, que sucedeu o antigo Distrito Sanitário, por conta da nova proposta de Modelo Assistencial implementada pela SESA em 1987, ficando sob seu gerenciamento, ou seja, foram estadualizados; Figura 1 - Mapa do Estado do Paraná com a distribuição das 22 Regionais de Saúde no ano de 2006 Atualmente a 3.ª Regional de Saúde é composta por 12 Municípios, tendo como sede o Município de Ponta Grossa abrangendo os Municípios de Arapoti, Carambeí, Castro, Ipiranga, Ivaí, Jaguariaíva, Palmeira, Piraí do Sul, Porto Amazonas, São João do Triunfo e Sengés, perfazendo uma população aproximada de 600.000 habitantes, e está estruturada organizacionalmente conforme o organograma na seqüência. Os servidores do antigo 3.º Distrito Sanitário, também tiveram que enfrentar a mudança no local de trabalho, sendo transferidos para as instalações do Serviço de Medicina Social do INAMPS, gerando um grande desgaste funcional, devido às diferenças na forma de trabalhar; As dificuldades de relacionamentos aumentaram na medida em que os conflitos continuavam em razão da não definição de critérios claros para o desenvolvimento das atividades executadas pelos dois grupos de servidores, uma vez que cada um continuava a executar as funções do seu órgão de origem. O trato das relações de trabalho diferenciadas especialmente, em relação aos vencimentos e vantagens, jornada de trabalho, regimes de contratação, chefias, funções e a desigualdade no tratamento entre servidores próprios e cedidos além da inexistência de uma política unificada de desenvolvimento e capacitação de recursos humanos permaneceram por vários anos sem que o Estado e tampouco a União definissem critérios para tal. Somente com o início das discussões sobre a implementação da NOB/RH SUS é que estes temas vieram à tona com maior vigor, no âmbito da Regional de Saúde. 456 A Gestão de RH no Setor Saúde: Administração de Pessoal ou Desenvolvimento de RH?

Atualmente a instituição encontra sérios problemas para administrar diferentes formas de gestão de pessoas, problemas esses, maiores ainda daqueles que existiam antes da implantação do SUS. Na seqüência apresentaremos um panorama atual referente aos servidores lotados na 3.ª Regional de Saúde, bem como analisaremos essa situação. Quadro 1 Número de servidores estaduais pertencentes à 3.ª Regional de Saúde por categoria funcional e local de lotação, no ano de 2006. Fonte: Setor de RH 3.ª Regional de Saúde. *Hospital Infantil Getúlio Vargas Ponta Grossa; Hospital Anna Fiorilo Menarim Castro; Hospital Carolina Lupion Jaguariaíva. No Quadro 1, pode-se verificar que o maior número de servidores estaduais estão na categoria de apoio lotados, principalmente, nos hospitais e nos Municípios. Nesse particular cumpre destacar as diferenças enfrentadas por estes com relação aos servidores municipais e federais, que por sua vez tem diferentes tipos de vínculos, salários e jornadas, acarretando problemas principalmente referentes ao gestor municipal que tem dificuldades de organizar seus serviços, pois os servidores do estado não se submetem a legislação do município e também não podem ser aplicadas medidas administrativas sem que o gestor estadual tenha conhecimento e seja o responsável pela condução do processo administrativo obedecendo, o que prevê no Estatuto do Servidor Lei Estadual N.º 6174/1970, que é aplicado a todos os servidores do quadro geral do Estado, independentemente de seu local de lotação. Podemos exemplificar essa situação, na medida em que servidores estaduais do cargo auxiliar de saúde, que estão lotados nos hospitais de Castro e Jaguariaíva, que são administrados por Conselhos, e que podem oferecer atendimentos a particulares e/ ou convênios, estes não podem trabalhar nas alas onde estes pacientes estão internados, ocasionando inúmeros problemas, principalmente por ocasião da montagem das escalas de plantão. Outra questão que se apresenta é que o cargo auxiliar de saúde não é reconhecido pelo Coren Conselho Regional de Enfermagem como apto para o desempenho da função, muito embora quase todos os servidores nesta situação já tenham concluído o curso de auxiliar de enfermagem, entretanto, não houve por parte do Estado o reconhecimento através do reenquadramento de função. Já em relação aos servidores da categoria de execução, sua maioria encontra-se lotada na equipe regional, por se tratar de pessoal encarregado de atividades meio, que tem suas atividades diretamente relacionadas à operacionalização das ações desenvolvidas pela regional. A categoria Agente Profissional é composta por servidores que possuem nível superior, os quais tinham os requisitos exigidos para a investidura no cargo em exercício, estão lotados na equipe regional, pois tem suas atividades voltadas principalmente na assessoria técnica aos Municípios da área, com exceção dos médicos e outros profissionais de nível superior lotados nos hospitais e Municípios. Dentre os problemas enfrentados por essa categoria, podemos destacar as dificuldades em estabelecer períodos de férias, cumprimento de jornada de trabalho entre outros, pois muitos deles possuem outros vínculos de trabalho em outras instituições públicas ou não. Capítulo 8 - Administração e Previdência 457

Quadro 2 Número de servidores federais pertencentes à 3.ª Regional de Saúde por categoria funcional e local de lotação, no ano de 2006. Fonte: Setor de RH 3.ª Regional de Saúde.*Hospital Infantil Getúlio Vargas Ponta Grossa. Aqui, observa-se também, que o maior número de servidores federais encontra-se lotados na equipe regional, em razão de comporem a equipe de apoio ligada principalmente às atividades advindas do antigo INAMPS, hoje realizadas pelo SIPAS conforme organograma da Regional apresentado a seguir - restando alguns profissionais de nível superior e médio que estão disponibilizados aos Municípios. Quadro 3 Outras categorias funcionais pertencentes ao contingente de pessoal na equipe da 3.ª Regional de Saúde no ano de 2006. Fonte: Setor de RH 3.ª Regional de Saúde. Este Quadro 3 representa os serviços realizados por trabalhadores que não integram o quadro efetivo do estado e da união, estes têm vínculo empregatício com empresas contratadas pela SESA/ ISEP, como serviços terceirizados de vigilância, conservação e limpeza, bem como estagiários que fazem parte do Programa da Central de Estágio vinculado à Secretaria de Estado da Administração. Outro mecanismo de contratação é através da ocupação de cargos comissionados que têm caráter provisório e é concedido através de decreto governamental para preenchimento dos cargos de confiança de direção, chefia e assessoramento, sendo regidos pela CLT, apenas percebem gratificações de DCA Direção Chefia e Assessoramento. Citamos também os servidores aposentados (inativos ou pensionistas), os quais já deram sua contribuição ao serviço público, e quando necessário, são atendidos pela SADRH/ 3.ª Regional de Saúde, principalmente em ocasiões onde benefícios são concedidos, ações judiciais e recadastramento. Neste caso, foram considerados apenas os servidores do Ministério da Saúde, em razão de que o quadro dos inativos da SESA/ISEP é transferido para o Paraná Previdência, muito embora com suporte dos recursos humanos da regional. 6 Considerações Finais O que o país espera acontecer com sua saúde nos próximos anos? Como garantir as políticas de saúde atuais e futuras? São questões que exigem além da reflexão conjuntural, os passos necessários para a construção de viabilidade do processo de sua consolidação. Finalmente cabe discordar da tentação da visão corrente de que o mercado resolverá tais problemas. O que aqui foi apontado é tarefa para a estrutura do Estado Brasileiro, que deve de fato cumprir o seu papel de responsável pela estruturação, regulação, controle e ajustes da Política de Recursos Humanos para a Saúde. Dados os desafios presentes para a gestão do trabalho no setor saúde no país, para ficar no que poderia ser chamado de a ponta do iceberg do atual cenário de necessidades de recursos humanos em saúde, não é possível imaginar que alguém venha a discordar da urgência do debate aqui proposto. Mais que um debate acadêmico, 458 A Gestão de RH no Setor Saúde: Administração de Pessoal ou Desenvolvimento de RH?

impõe-se uma atitude política de enfrentamento para tais questões. Atitude que deve ser respaldada na enorme necessidade social, e em particular de saúde, enfrentada pela população brasileira. Coerente com a construção de um sistema/modelo de atenção que de fato racionalize recursos diante de prioridades estratégicas para o setor. As abordagens de reforma administrativa da saúde têm um hiato considerável no enfrentamento da pluralidade de sistemas envolvidos na regulação da função recursos humanos. Estes envolvem múltiplas instâncias com poder centralizado e de difícil articulação representados por diferentes sistemas, nos nível nacional, estadual e municipal. Sistema de relações de trabalho: envolve instâncias normatizadoras do Ministério do Trabalho, responsáveis pelo estabelecimento de regras e normas para a contratualização apoiadas em um sistema jurídico fiscalizador do cumprimento das leis e órgãos de representação sindical corporativa, entre outros. Nos últimos anos, a área de recursos humanos tem sido alvo de iniciativas para viabilidade dos processos de reforma que necessitam ser acompanhadas e avaliadas para que haja garantia de mudanças reais institucionalizadas e legitimadas socialmente. A configuração de uma Rede Observatório de Recursos Humanos para a Saúde (ROREHS) instituída pelo MS através da (portaria n.o 26, de setembro de 1999), com apoio técnico e operacional da OPAS e a participação de instituições de ensino e pesquisa, constituise em importante instrumento para ações mais articuladas, podendo viabilizar um eixo integrador dos diversificados sistemas envolvidos na área de RH em saúde. A esses fatos podemos acrescentar as dificuldades gerenciais observadas a partir da implementação das reformas na área da saúde. São representadas pela convivência de diferentes formas de vínculo, assalariamento direto e indireto, formas diversificadas de carga horária contratual, entre outras coisas, em espaços de gestão local do sistema de saúde. É desejável que a formulação de políticas setoriais absorva e pratique alguns princípios básicos utilizados na administração empresarial, difundidos, mas pouco utilizados na área da saúde que se relacionam à valorização profissional, por um lado, e à adoção de práticas regulatórias da autonomia e do corporativismo, de outro. Os desafios propostos para as políticas públicas de saúde exigem a inclusão definitiva de recursos humanos na agenda de propostas que destacam financiamento, modelos assistenciais, flexibilização e regulação com a inclusão dos profissionais de saúde, em suas diversificadas apresentações como participantes das políticas em seus aspectos político, administrativo, técnico e social, e que a Política de Recursos Humanos transcenda a barreira da mera administração de RH e se torne verdadeiramente uma Política de Desenvolvimento de Recursos Humanos para a saúde. Sabe-se que o investimento na gestão do trabalho irá influenciar decisivamente na melhoria dos serviços de saúde prestados à população. Assegurar que os trabalhadores em saúde estejam satisfeitos com o seu processo de trabalho e com o resultado de seu trabalho é um caminho prático e certo para o avanço na implementação do SUS. Assim, ao analisarmos a situação da Gestão do Trabalho no âmbito da 3ª Regional de Saúde, concluímos que à medida que se avança no processo de implementação da NOB/RH - SUS nos vários níveis, estes são incorporados automaticamente na esfera regional. Outrossim, também notamos que há necessidade urgente de se incorporar novos trabalhadores, tanto na equipe regional, quanto nas equipes municipais, e que esses trabalhadores tenham a tranqüilidade necessária para cumprir de forma digna e profissional a difícil missão de servir o cidadão, que em particular, na área da saúde, muitas vezes encontra-se fragilizado. Capítulo 8 - Administração e Previdência 459

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462 A Gestão de RH no Setor Saúde: Administração de Pessoal ou Desenvolvimento de RH?