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AS NORMAS CONSTITUCIONAIS QUANTO AO GRAU DE EFICÁCIA E SUA APLICABILIDADE Francisco Kleber Lopes de Paiva * kleberlopez@ibest.com.br Resumo: Este trabalho tem por objetivo abordar as normas impostas pela Constituição Federal de 1988, no tocante a sua aplicabilidade no ordenamento jurídico do país, além de sua eficácia na opinião de consagrados constitucionalistas brasileiros. Pretende dessa forma, perquirir, se estas normas contidas na Carta Magna da nação, tem obtido uma eficácia positiva, após a sua vigência. Palavras-chaves: Eficácia plena. Eficácia limitada. Eficácia contida. Abstract: This work aims to address the standards imposed by the Federal Constitution of 1988, regarding its applicability in the country`s legal system and its effectiveness in view of devoted constitutionalists Brazilians. Want this way, inquire, if these standards contained in the Charter of the nation, has gotten a positive, effective after their duration. Keywords: Full effectiveness. Limited effectiveness. Effectiveness. *10 Semestre do Curso de Direito da Faculdade Luciano Feijão (FLF). Seção I 41

INTRODUÇÃO O presente trabalho, puramente exploratório, tem por objetivo dentro do estudo do direito, apresentar de modo sucinto, uma demonstração das normas constitucionais institucionalizadas na carta magna de 1988, e sua real aplicabilidade até nossos dias, com base na opinião de ilustres doutrinadores brasileiros. Ipso facto, as normas constitucionais são dotadas de variados graus de eficácia jurídica e aplicabilidade, de acordo com a normatividade que lhes tenha sido outorgada pelo constituinte, fato que motivou grandes doutrinadores a elaborarem diferentes propostas de classificação dessas normas quanto a esse aspecto. Na opinião de José Afonso da Silva (2010, p. 91-93), as normas são preceitos que tutelam situações subjetivas de vantagem ou de vínculo, ou seja, reconhecem, por um lado, a pessoas ou entidades a faculdade de realizar certos interesses por ato próprio ou exigindo ação ou abstenção de outrem, e por outro lado, vinculam pessoas ou entidades à obrigação de submeter-se às exigências de realizar uma prestação, ação ou abstenção em favor de outrem. Os princípios são ordenações que se irradiam e imantam os sistemas de normas. Mas, os princípios que começam por ser a base de normas jurídicas, podem estar positivamente incorporados, transformando-se em normas-princípios e constituindo preceitos básicos da organização constitucional. Há, no entanto, quem concebe regras e princípios como espécies de norma, de modo que a distinção entre regras e princípios constitui uma distinção entre duas espécies de normas. A compreensão dessa doutrina exige conceituação precisa de normas e regras, inclusive para estabelecer a distinção entre ambas, o que expositores da doutrina não têm feito, deixando assim obscuro seu ensinamento. 42 Questões de Direito

Temos que distinguir entre princípios constitucionais fundamentais e princípios gerais do Direito Constitucional. Os primeiros integram o direito constitucional positivo, traduzindo-se em normas fundamentais, normas-síntese ou norma-matriz, que explicitam as valorações políticas fundamentais do legislador constituinte., normas que contêm as decisões políticas fundamentais que o constituinte acolheu no documento constitucional. Os princípios gerais formam temas de uma teoria geral do direito constitucional, por envolver conceitos gerais, relações, objetos, que podem ter o seu estudo destacado da dogmática jurídico-constitucional. Os princípios fundamentais têm função ordenadora, e ação imediata, enquanto diretamente aplicáveis ou diretamente capazes de conformarem as relações político-constitucionais, aditando, ainda que a ação imediata dos princípios consiste, em primeiro lugar, em funcionarem como critério de interpretação e de integração, pois são eles que dão coerência geral ao sistema. As normas que integram os princípios fundamentais têm relevância jurídica diversa. Algumas são normas-síntese ou normas-matriz, cuja relevância consiste essencialmente na integração das normas de que são súmulas, ou que as desenvolvem, mas têm eficácia plena e aplicabilidade imediata, como as que contêm os princípios da soberania popular e da separação de poderes (art. 1º, parágrafo único, e 2º). A expressão República Federativa do Brasil, é em si, uma declaração normativa, que sintetiza as formas de estado e de governo, sem relação predicativa ou de imputabilidade explícita, mas vale tanto quanto afirmar que o Brasil é uma República Federativa. É uma Seção I 43

norma implícita, e norma-síntese e matriz de ampla normatividade constitucional. A afirmativa de que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito, não é uma mera promessa de organizar esse tipo de Estado, mas a proclamação de que a Constituição está fundando um novo tipo de Estado,e, para que não se atenha a isso apenas em sentido formal, indicamse-lhe objetivos concretos, embora de sentido teleológico, que mais valem por explicitar conteúdos que tal tipo de Estado já contém. Outras normas dos princípios fundamentais são indicativas dos fins do Estado, como a do inciso III do artº 3º. CLASSIFICAÇÃO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS O Constitucionalismo moderno refuta a ideia da existência de normas constitucionais desprovidas de eficácia jurídica. Reconhece-se que todas as normas constitucionais possuem eficácia, mas se admite que elas se diferenciam quanto ao grau dessa eficácia e quanto a sua aplicabilidade. Da constatação dessas diferenças, Ruy Barbosa, inspirado na doutrina norte-americana, já enquadrava as normas constitucionais em dois grupos: a. normas auto-executáveis (self-executing; self-enforcing;self-acting),preceitos constitucionais completos, que produzem seus plenos efeitos com a simples entrada em vigor da Constituição; e b. normas não auto-executáveis (not-self-executing; not-self-enforcing provisions ou notself-acting), indicadoras de princípios, que necessitam de atuação legislativa posterior, que lhes dê plena aplicação. 44 Questões de Direito

Além dessa classificação tradicional, apresentaremos a seguir, a consagrada classificação de José Afonso da Silva e também a classificação norteada por Maria Helena Diniz. Classi cação de José Afonso da Silva O professor José Afonso da Silva formulou uma classificação das normas constitucionais que, sem dúvida, é a predominantemente adotada pela doutrina e jurisprudência pátrias. Para José Afonso da Silva, as normas constitucionais não podem ser classificadas em apenas duas categorias, pois há uma terceira espécie que não se encaixa, propriamente, em nenhum dos dois grupos idealizados pela doutrina americana. Dessa forma, o eminente constitucionalista pátrio classifica as normas constitucionais, quanto ao grau de eficácia, em: a. normas constitucionais de eficácia plena; b. normas constitucionais de eficácia contida; c. normas constitucionais de eficácia limitada; Normas de E cácia Plena As normas constitucionais de eficácia plena são aquelas que, desde a entrada em vigor da Constituição, produzem, ou têm possibilidade de produzir, todos os efeitos essenciais, relativamente aos interesses, comportamentos e situações que o legislador constituinte, direta e normativamente, quis regular. As normas de eficácia plena não exigem a elaboração de novas normas legislativas que lhes completem o alcance e o sentido, ou lhes fixem o conteúdo, porque já se apresentam suficientemente explícitas na definição dos interesses nelas regulados. São, por isso, normas de aplicabilidade direta, imediata e integral. Seção I 45

Normas de E cácia Contida As normas constitucionais de eficácia contida são aquelas em que o legislador constituinte regulou suficientemente os interesses relativos a determinada matéria, mas deixou margem à atuação restritiva por parte da competência discricionária do Poder Público, nos termos d que a lei estabelecer ou nos termos de conceitos gerais nelas enunciados. As normas de eficácia contida são, assim, normas constitucionais dotadas de aplicabilidade direta, imediata, mas não integral, porque sujeitas a restrições que limitem sua eficácia e aplicabilidade. Essas restrições poderão ser impostas: a. pelo legislador infraconstitucional (e.g. art.5º, incisos VIII e XIII); b. por outras normas constitucionais (e.g. arts. 136 a 141, que diante do estado de defesa e estado de sítio, impõem restrições aos direitos fundamentais); c. como decorrência do uso, na própria norma constitucional, de conceitos ético-jurídicos consagrados, que comportam um variável grau de indeterminação, tais como ordem pública, segurança nacional, integridade nacional, boms costumes, necessidade ou utilidade pública, perigo público iminente (ao fixar esses conceitos, o Poder Público poderá limitar o alcance de normas constitucionais, como é o caso do art. 5º, incisos XXIV e XXV, que impõem restrições ao direito de propriedade, estabelecido no inciso XXII do mesmo artigo).. Explica o professor José Afonso da Silva que a peculiaridade das normas de eficácia contida configura-se nos seguintes pontos: 46 Questões de Direito

a. são normas que, em regra, solicitam a intervenção do legislador ordinário, fazendo expressa remissão a uma legislação futura; mas o apelo ao legislador ordinário visa a restringir-lhes a plenitude da eficácia, regulamentando os direitos subjetivos que delas decorrem para os cidadãos, indivíduos ou grupos; b. enquanto o legislador ordinário não expedir a normação restritiva, sua eficácia será plena; nisso também diferem das normas de eficácia limitada, de vez que a interferência do legislador ordinário, em relação a estas, tem o escopo de lhes conferir plena eficácia e aplicabilidade concreta e positiva; c. são de aplicabilidade direta e imediata, visto que o legislador constituinte deu normatividade suficiente aos interesses vinculados à matéria de que cogitam; d. algumas dessas normas já contêm um conceito ético juridicizado (bons costumes,ordem pública etc.), com valor societário ou político a preservar, que implica a limitação de sua eficácia; e. sua eficácia pode ainda ser afastada pela incidência de outras normas constitucionais, se ocorrerem certos pressupostos de fato(estado de sítio,por exemplo). Em regra, as normas de eficácia contida exigem a atuação do legislador ordinário, fazendo expressa remissão a uma legislação futura. Entretanto, a atuação do legislador ordinário não será para tornar exercitável o direito nelas previsto (este já é exercitável desde a promulgação do texto constitucional), tampouco para ampliar o âmbito de sua eficácia ( que já é plena, desde sua entrada em vigor), mas sim para restringir, para impor limitações ao exercício desse direito. Seção I 47

Um bom exemplo de norma constitucional de eficácia contida é o art. 5º, XIII: XIII é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer; Essa norma assegura, desde logo, o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, mas sujeita-se à imposição de restrições por parte do legislador ordinário, devendo ser interpretada da seguinte maneira: (a) enquanto não estabelecidas em lei as qualificações profissionais necessárias para o exercício de determinada profissão, o seu exercício será amplo, vale dizer, qualquer pessoa poderá exercê-la; (b) em um momento seguinte, quando a lei vier a estabelecer as qualificações profissionais necessárias para o exercício dessa profissão, só poderão exercê-la aqueles que atenderem a essas qualificações previstas em lei. Outro exemplo temos no inciso do art. 5º da Constituição Federal, segundo o qual: VIII ninguém será privado de direitos por motivos de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei; Esse dispositivo assegura a liberdade de crença religiosa e de convicção filosófica ou política, e deve ser assim interpretado: (a) a princípio, a liberdade religiosa ou de convicção filosófica ou política é ampla, sendo certo que ninguém será privado de direito por esses motivos; (b) a lei poderá, entretanto, fixar prestação alternativa àqueles que invocarem alguma crença ou convicção para eximir-se de obrigação legal a todos imposta; (c) uma vez fixada a prestação alternativa em lei, aquele que alegue motivo de crença religiosa ou convicção filosófica ou política, para eximir-se de 48 Questões de Direito

obrigação legal a todos imposta, poderá ser privado de direito, caso se recuse, também, a cumprir a prestação alternativa. Outro exemplo é o direito de propriedade. O inciso XXII do art. 5º da Constituição Federal garante o direito de propriedade, mas os incisos XXIV e XXV apresentam os elementos de sua limitação, permitindo a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, bem como a requisição de propriedade particular pela autoridade competente no caso de perigo público iminente. Com efeito, embora a Constituição Federal assegure a imediata eficácia do direito de propriedade ( art. 5º, XXII), o mesmo texto constitucional já autoriza a imposição de restrição ao seu gozo, por meio de conceitos jurídicos de larga aceitação, tais como necessidade ou utilidade pública e interesse social ( na hipótese de desapropriação art. 5º inciso XXIV) ou iminente perigo público (na hipótese de requisição administrativa art. 5º, XXV). Normas de E cácia limitada As normas constitucionais de eficácia limitada são aquelas que não produzem, com a simples entrada em vigor, os seus efeitos essenciais, porque o legislador constituinte, por qualquer motivo, não estabeleceu, sobre a matéria, uma normatividade para isso bastante, deixando essa tarefa ao legislador ordinário ou a outro órgão do Estado. São de aplicabilidade indireta, mediata e reduzida, porque somente incidem totalmente a partir de uma normação infraconstitucional ulterior que lhes desenvolva a eficácia. Enquanto não editada essa legislação infraconstitucional integrativa, não têm o condão de produzir todos os seus efeitos. Seção I 49

O professor José Afonso da Silva ainda classifica as normas de eficácia limitada em dois grupos distintos: a. as definidoras de princípio institutivo ou organizativo; b. as definidoras de princípio programático. As normas definidoras de princípio institutivo ou organizativo são aquelas pelas quais o legislador constituinte traça esquemas gerais de estruturação e atribuições de órgãos, entidades ou institutos, para que, em um momento posterior, sejam estruturados em definitivo, mediante lei. São exemplos: a lei disporá sobre a organização administrativa e judiciária dos Territórios (art.33); a lei disporá sobre a criação, estruturação e o funcionamento do Conselho de Defesa Nacional (art.91, 2º); a lei disporá sobre a constituição, investidura, jurisdição, competência, garantias e condições de exercício dos órgãos da Justiça do Trabalho (art.113). Por sua vez, essas normas constitucionais definidoras de princípio institutivo ou organizativo podem ser impositivas ou facultativas. São impositivas aquelas que determinam ao legislador, em termos peremptórios, a emissão de uma legislação integrativa (e.g, art. 20, 2º; art. 32 4º; art.33; art. 88; art. 91, 2º). São facultativas ou permissivas quando não impõem uma obrigação, mas se limitam a dar ao legislador ordinário a possibilidade de instituir ou regular a situação nelas delineada (e.g., art.22, parágrafo único; art. 125, 3º; art. 154, I). As normas constitucionais definidoras de princípios programáticos, são aquelas em que o constituinte, em vez de regular, direta e imediatamente, determinados interesses, limitou-se a lhes traçar os princípios 50 Questões de Direito

e diretrizes, para serem cumpridos pelos órgãos integrantes dos poderes constituídos (legislativos, executivos, jurisdicionais e administrativos), como programas das respectivas atividades, visando à realização dos fins sociais do Estado. Constituem programas a serem realizados pelo Poder Público, disciplinando interesses econômicosociais, tais como: realização da justiça social; valorização do trabalho; amparo à família; combate ao analfabetismo etc. Esse grupo é composto pelas normas que a doutrina constitucional denomina normas programáticas, de que são exemplos o art. 7º, XX e XXVII; o art. 173, 4º; o art. 216, 3º. As principais distinções entre normas constitucionais de eficácia contida e normas constitucionais de eficácia limitada são: a. com a promulgação da Constituição, as normas de eficácia contida têm aplicação direta e imediata, isto é, o direito nelas previsto é imediatamente exercitável; as normas de eficácia limitada têm aplicação indireta e mediata, o que significa que o exercício do direito nelas previsto dependente da edição de regulamentação ordinária; b. ambas requerem normatização legislativa, mas a finalidade dessa normatização ordinária é distinta nas normas de eficácia contida, a normação ordinária imporá limites ao exercício do direito (que, até então, desde a promulgação da Constituição, era amplamente exercitável);nas normas de eficácia limitada, a regulação ordinária virá para assegurar, para tornar viável o pleno exercício do direito, até então não efetivo; c. a ausência de regulamentação tem consequências distintas no caso das normas de Seção I 51

eficácia contida, enquanto não houver regulamentação ordinária, o exercício do direito é amplo ( a legislação ordinária virá para impor restrições ao exercício desse direito); em se tratando de norma de eficácia limitada, enquanto não houver regulamentação ordinária, não há efetivo exercício do direito ( a legislação ordinária virá para tornar pleno o exercício desse direito). E á a Plena E á a e Ap ab l dade das normas Cons tu ona s(josé Afonso da S va) E á a Con da De Pr n íp o Ins tu vo ou Organ za vo.impos vas.fa ulta vas E á a L tada De Pr n íp o Programá o E cácia das normas programáticas Vimos que as normas constitucionais programáticas são aquelas de eficácia limitada que requerem dos órgãos estatais uma determinada atuação, na consecução de um objetivo traçado pelo legislador constituinte. Como a própria denominação indica, estabelecem um programa, um rumo inicialmente traçado pela Constituição e que deve ser perseguido pelos órgãos estatais (exemplos: art.23, 205, 211, 215, e 218 da Constituição). As normas programáticas não são normas voltadas para o indivíduo, e sim para os órgãos estatais, exigindo 52 Questões de Direito

destes a consecução de determinados programas nelas traçados. São as denominadas normas de eficácia limitada definidoras de princípios programáticos, características de uma constituição do tipo dirigente, que exigem do Estado certa atuação futura, em um determinado rumo predefinido. Essas normas não produzem seus plenos efeitos com a mera promulgação da Constituição. Afinal, como estabelecem programas a serem concretizados no futuro, é certo que só produzirão seus plenos efeitos ulteriormente, quando esses programas forem, efetivamente, concretizados. Entretanto, não se pode afirmar que as normas programáticas sejam desprovidas de eficácia jurídica enquanto não regulamentadas ou implementados os respectivos programas. As normas que integram uma Constituição do tipo rígida são jurídicas e, sendo jurídicas, têm normatividade. Afirmar que essas normas não produzem os seus plenos efeitos com a entrada em vigor da Constituição, antes da exigida regulamentação e implementação, não significa que sejam elas desprovidas de qualquer eficácia jurídica. O constitucionalismo moderno firma que as normas programáticas, embora não produzam seus plenos efeitos de imediato, são dotadas da chamada eficácia negativa, isto é: a. revogam as disposições contrárias ou incompatíveis com os seus comandos(o direito infraconstitucional anterior à norma constitucional programática não é recepcionado; diz-se que ela tem eficácia paralisante); e b. impedem que sejam produzidas normas ulteriores que contrariem os programas por elas estabelecidos (a norma programática é paradigma para declaração de inconstitucionalidade Seção I 53

do direito ordinário superveniente que lhe seja contrário; diz-se que ela tem eficácia impeditiva). Além dessa eficácia negativa (paralisante e impeditiva), a norma programática também serve de parâmetro para a interpretação do texto constitucional, uma vez que o intérprete da Constituição deve levar em conta todos os seus comandos, com o fim de harmonizar o com junto dos valores constitucionais como integrante de uma unidade. Com efeito, o prof. José Afonso da Silva, esclarece que as normas programáticas têm eficácia jurídica imediata, direta e vinculante quanto aos seguintes aspectos: a. estabelecem um dever para o legislador ordinário; b. condicionam a legislação futura, com a consequência de serem inconstitucionais as leis ou atos que as ferirem; c. informam a concepção do Estado e da sociedade e inspiram sua ordenação jurídica, mediante a atribuição de fins sociais, proteção dos valores da justiça social e revelação dos componentes do bem comum; d. constituem sentido teleológico para a interpretação, integração e aplicação das normas jurídicas; e. condicionam a atividade discricionária da Administração e do Judiciário; f. criam situações jurídicas subjetivas, de vantagem ou de desvantagem. A Classi cação de Maria Helena Diniz A professora Maria Helena Diniz propõe uma classificação que combina os critérios da intangibilidade e 54 Questões de Direito

da produção de efeitos concretos das normas constitucionais, segundo a qual temos as seguintes categorias de normas na Constituição: a. Normas com eficácia absoluta; b. Normas com eficácia plena; c. Normas com eficácia relativa restringível d. Normas com eficácia relativa dependente de complementação legislativa. As normas de eficácia absoluta (ou supereficazes) são normas constitucionais intangíveis, que não poderão ser contrariadas nem mesmo por meio de emenda constitucional. É o caso das cláusulas pétreas, previstas no art. 60, 4, da Constituição Federal de 1988. As normas com eficácia plena são aquelas plenamente eficazes desde a entrada em vigor da Constituição, por conterem todos os elementos imprescindíveis para que haja a produção imediata dos efeitos previstos. Diferem das normas de eficácia absoluta porque, ao contrário destas, poderão ser atingidas por emenda constitucional. As normas com eficácia relativa restringível correspondem, em sua descrição, às que o Prof. José Afonso da Silva denomina normas de eficácia contida, e o prof. Michel Temer, normas de eficácia redutível ou restringível. Têm aplicabilidade imediata, embora sua eficácia possa ser reduzida, restringida nos casos e na forma que a lei estabelecer. As normas com eficácia relativa complementável (ou dependente de complementação legislativa) não têm aplicação imediata, por dependerem de norma posterior que lhes desenvolva a eficácia, para então permitir o exercício do direito ou do benefício nelas consagrado. Sua possibilidade de produção de efeitos é mediata, pois, enquanto não for promulgada a legislação Seção I 55

regulamentadora, não produzirão efeitos positivos, mas terão eficácia paralisante de efeitos de normas precedentes incompatíveis e impeditiva de qualquer conduta contrária ao que estabelecerem. E cácia Absoluta E cácia e Aplicabilidade das normas Cons tucionais (Maria Helena Diniz) E cácia Plena E cácia Rela va Restringível E cácia Rela a Dependente de Complementação Legisla a CONCLUSÃO Pelo exposto, vimos, portanto, que há preceitos constitucionais que têm aplicação imediata, por dependerem de norma posterior, ou seja, de lei complementar ou ordinária, que lhes desenvolva a eficácia, permitindo o exercício do direito ou do benefício consagrado. Sua possibilidade de produzir efeitos é imediata, pois enquanto não for promulgada aquela lei complementar ou ordinária, não produzirão efeitos positivos, mas terão eficácia paralisante de efeitos de normas precedentes incompatíveis e impeditiva de qualquer conduta contrária ao que estabelecerem. Não recebem, portanto, do constituinte, normatividade suficiente para 56 Questões de Direito

sua aplicação imediata, porque ele deixou ao legislativo a tarefa de regulamentar a matéria, logo, por esta razão, não poderão produzir todos os seus efeitos de imediato, porém têm aplicabilidade imediata, já que incidirão totalmente sobre os interesses tutelados, após o regramento infraconstitucional. Por este motivo, denominam-se de normas com eficácia relativa dependente de complementação legislativa. REFERÊNCIAS ALEXANDRINO, Marcelo & PAULO, Vicente. Direito Constitucional Descomplicado, 8ªed. Rio de Janeiro: Editora Forense. São Paulo: Método, 2012. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 19ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2006. DINIZ, Maria Helena. Norma Constitucional e seus efeitos. 3ªed. São Paulo: Editora Saraiva, 1997. LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 14ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2010. MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade. 2ª ed. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1999. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 22ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2007. SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 7ª ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2007.. Curso de Direito Constitucional Positivo. 33ªed. São Paulo: Malheiros Editores, 2010. Seção I 57