Efetividade do tratamento cirúrgico em sarcomas de partes moles da cabeça e pescoço

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Transcrição:

Artigo Original Efetividade do tratamento cirúrgico em sarcomas de partes moles da cabeça e pescoço The efficacy of surgery in the treatment of head and neck soft tissue sarcomas Terence Pires de Farias Pedro Collares Maia Filho Fernando Luiz Dias Leonardo Guimarães Rangel Marcus Vinicius Menegasse Câmara Bernardo Cacciari Peryassu Rodrigo Maia da Costa RESUMO ABSTRACT Introdução: sarcomas da cabeça e pescoço (SCP) são tumores malignos raros, formando um grupo heterogêneo (diferentes subtipos histológicos e comportamentos clínico-biológicos), dificultando a realização de estudos para definir seu tratamento ideal. A cirurgia é considerada a principal modalidade terapêutica para a maioria dos SCP. Objetivo: avaliar a efetividade do tratamento cirúrgico nos SCP de partes moles. Métodos: estudo retrospectivo pela análise de prontuários dos casos de SCP tratados em uma única instituição entre janeiro/997 e janeiro/007, excluindo-se: osteosarcomas, condrosarcomas, tumores desmóides, sarcomas de Kaposi, hemangiopericitoma e carcinosarcomas. Resultados: cento e quarenta e cinco casos foram incluídos no estudo (06 adultos e 9 pediátricos). Nos adultos, 6 casos receberam tratamento cirúrgico. Observou-se um aumento da sobrevida global (SG) estatisticamente significante (p<0,00 e Log Rank = 9,4) nos SCP de adultos tratados com cirurgia. No grupo pediátrico, o número de casos cirúrgicos foi pequeno (/9) e a análise confrontando a SG dos casos operados com a SG dos não-operados não foi estatisticamente significante (p=0,4). O esvaziamento cervical foi realizado em apenas casos (oito adultos e três pediátricos), dos quais apenas quatro casos (todos em adultos) apresentaram comprovação histopatológica de metástase linfonodal na análise dos espécimes cirúrgicos. O percentual de metástase linfonodal encontrado nos adultos foi de,77% (4/06). Conclusão: o tratamento cirúrgico é efetivo, aumentando a SG de adultos portadores de SCP de partes moles. Na população pediátrica estudada, o tratamento mais empregado foi a quimio/radioterapia. O índice de metástases linfonodais encontrado não indica o esvaziamento cervical profilático. Introduction: head and neck sarcomas (HNS) are rare malignant tumors, forming a heterogeneous group, once they have several histological subtypes and different clinical-biological behavior. This makes difficult the achievement of scientific studies to define the optimal treatment for those tumors. Surgery is usually considered the primary treatment. Objective: to evaluate the effectiveness of surgical treatment for soft tissue HNS. Methods: retrospective analysis of HNS cases treated in a single institution between January 997 and January 007, excluding osteosarcomas, condrosarcomas, desmoid tumors, Kaposi's sarcoma, hemangiopericytomas and carcinosarcomas. Results: 4 cases were included in the study (06 adults and 9 children). Sixty three cases of SCP in adults received surgical treatment. There was an increase in overall survival (OS) statistically significant (p <000 and Log Rank = 9.4) in the HNS adults treated with surgery. In the pediatric group, the number of cases treated with surgery was small (/9) and the analysis of data comparing the OS of surgical cases with the OS of non-surgical cases was not statistically significant for this group (p = 0,4). Neck dissection was performed in only cases (8 adults and children), of which only 4 cases (all adults) had evidence of lymph node metastasis in the analysis of the surgical specimens (4/06 =.77%). Conclusion: the surgical treatment is effective, increasing OS in adults with soft tissue HNS. In the studied pediatric population, the most used treatment was chemo/radiotherapy. The low occurrence of lymph node metastases does not indicate the prophylactic neck dissection for HNS. Key words: Sarcoma. Head and Neck Neoplasms. Descritores: Sarcoma. Neoplasias de Cabeça e Pescoço. ) Mestre em Oncologia pelo INCA MS RJ; Titular da Seção de de Cabeça e Pescoço do INCA MS RJ; Coordenador da Residência Médica em de Cabeça e Pescoço do INCA MS RJ; Professor de de Cabeça e Pescoço da PUC-RJ. ) Médico Residente de de Cabeça e Pescoço do INCA MS RJ. ) Chefe da Seção de de Cabeça e Pescoço do INCA MS RJ; Doutor em Medicina pelo Departamento de da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP); Professor Coordenador do Curso de de Cabeça e Pescoço da PUC-RJ. Instituições: Seção de de Cabeça e Pescoço do Instituto Nacional de Câncer (INCA) Ministério da Saúde Rio de Janeiro, RJ, Brasil; e Curso de Pós-Graduação em de Cabeça e Pescoço da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Correspondência: Terence Pires de Farias, Rua Ministro Artur Ribeiro, 98 / 0 Rio de Janeiro, RJ. E-mail: terencefarias@yahoo.com.br Recebido em: 8//007; aceito para publicação em: 7/0/008; publicado online em: /0/008. Conflito de interesse: nenhum. Fonte de fomento: nenhuma. Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v. 7, nº, p. -, janeiro / fevereiro / março

INTRODUÇÃO, Sarcomas são neoplasias malignas de origem mesenquimal que constituem um grupo vasto e heterogêneo de tumores, tanto sob aspectos histopatológicos, como em relação ao seu - comportamento clínico-biológico. Trata-se de tumores raros, correspondendo a menos de % dos cânceres diagnosticados nos Estados Unidos. Os sarcomas com sítios primários localizados na cabeça e pescoço (SCP) são ainda mais raros: aproximadamente a % de todos os casos de sarcomas em -8 adultos e apenas cerca de % dos tumores malignos -4,6,8 primários que ocorrem na cabeça e pescoço. Por causa dessas características (heterogenicidade e ocorrência rara), torna-se difícil desenvolver estudos randomizados ou prospectivos que possam definir de forma incontestável o melhor tratamento para cada subtipo de SCP. A literatura indica a cirurgia como parte principal do tratamento com intenção curativa da maioria dos SCP em adultos, embora seja comum o emprego de outras modalidades terapêuticas (radioterapia e/ou quimioterapia) adjuvantes ao tratamento cirúrgico. Já nas crianças, o tipo histológico de SCP de partes moles mais freqüente (rabdomiossarcoma) costuma responder bem a tratamentos não-cirúrgicos com quimio/radioterapia, fazendo com que a cirurgia seja uma modalidade terapêutica menos empregada para o tratamento desses tumores na, população pediátrica O tipo de procedimento cirúrgico empregado varia de acordo com o sítio anatômico da cabeça e pescoço acometido pelo tumor. Entretanto, preconiza-se a ressecção em bloco do tumor primário com margens amplas, sendo considerado fator de mal prognóstico importante os limites cirúrgicos comprometidos pela neoplasia. Tais estudos utilizam-se de conceitos adquiridos no tratamento de sarcomas em outras localizações mais comuns (fora da cabeça e pescoço) ou baseiam-se em experiências de centros oncológicos renomados, amostras reduzidas e heterogêneas, metanálises ou estudos multicêntricos. É difícil encontrar publicações que avaliem o tratamento cirúrgico dos SCP de forma objetiva e com uma amostra significativa de uma única instituição. O objetivo desse trabalho é avaliar a efetividade do tratamento cirúrgico dos sarcomas de partes moles da cabeça e pescoço no Instituto Nacional de Câncer (INCA). MÉTODOS Foi realizado um estudo retrospectivo uni-institucional, através da análise dos prontuários de pacientes matriculados no Instituto Nacional de Câncer (INCA) entre janeiro/997 e janeiro/007, com diagnóstico histopatológico e imunoistoquímico de SCP. Foram excluídos os seguintes subtipos histológicos: osteosarcomas, condrosarcomas, tumores desmóides, sarcomas de Kaposi, hemangiopericitoma e carcinosarcomas; por serem entidades de comportamento clínico-biológico sabidamente diferente da maioria dos sarcomas de partes moles. Pacientes tratados previamente em outras instituições, antes da matrícula no INCA, também foram excluídos. Os prontuários foram analisados para coleta dos seguintes dados: idade do paciente, subtipos histológicos, tratamentos empregados e evolução da doença. A análise estatística dos dados foi feita com o programa SPSS 0.0, usando o teste de x, considerando p significativo menor que 0,0. Foram utilizados o teste de Kaplan-Meier para o cálculo da sobrevida global e o teste Log Rank para o estudo das diferenças entre as sobrevidas. O protocolo de pesquisa descrito foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética do INCA. RESULTADOS Foram avaliados 4 prontuários. Destes, 4 casos preenchiam os critérios de inclusão para fazer parte do estudo. A maioria da população era composta de adultos (06 casos), sendo apenas 9 casos de pacientes pediátricos (idade inferior a 8 anos). Os subtipos histológicos encontrados na população adulta e pediátrica estão descritos na Tabela. Nos adultos, o subtipo histológico mais encontrado foi o angiosarcoma; enquanto os rabdomiosarcomas foram os mais freqüentes nas crianças. Tabela Subtipos histológicos encontrados nos pacientes com SCP A população estudada foi tratada com uma ou mais das seguintes modalidades terapêuticas: cirurgia, radioterapia (RxT) e quimioterapia (QT). Os casos foram agrupados de acordo com o tratamento empregado da seguinte forma: cirurgia sem RxT ou QT, cirurgia seguida de RxT adjuvante, cirurgia seguida de RxT e QT, QT e RxT sem cirurgia, QT sem cirurgia ou RxT e cirurgia seguida de QT. Não houve casos tratados com radioterapia exclusiva. A maioria dos adultos (44%) foi tratada com cirurgia e radioterapia adjuvante, enquanto 66,% das crianças foram tratadas com QT e RxT sem cirurgia (Tabela ). Os procedimentos cirúrgicos empregados no tratamento dos casos estudados podem ser divididos entre: cirurgias para tratamento do tumor primário (Tabela ) e os esvaziamentos cervicais. As cirurgias mais realizadas nos adultos foram as ressecções de tumores de face ou couro cabeludo. Nas crianças, foram as mais realizadas: ressecção de tumor de face, maxilarectomia e ressecção de tumor de cavidade oral. O esvaziamento cervical foi realizado em casos (oito adultos e três crianças). Os casos estudados foram estadiados segundo a classificação adotada por The American Joint Committee on Cancer / União Internacional Contra o Câncer (AJCC/UICC). Os estadiamentos encontrados em cada grupo (cirúrgico, nãocirúrgico, adulto e pediátrico) são mostrados na Tabela 4.

Tabela Tratamentos empregados nos pacientes com SCP tratados no INCA. Tabela Taxas de sobrevidas dos pacientes adultos com SCP s anos 0 anos Sim 07 9,67 6, Não 6 9, 9, 9,4 < 0,00 RxT = radioterapia, QT = quimioterapia. Tabela Tipos de procedimentos cirúrgicos realizados para tratamento do sítio primário de pacientes com SCP Na população pediátrica, casos receberam tratamento cirúrgico (SG = 0,0 meses) e 6 casos não foram operados (SG = 66,64 meses, p =0,4 e Log Rank =,). Os subtipos histológicos dos casos submetidos à cirurgia foram: fibrossarcoma, sinoviossarcoma e rabdomiossarcoma. Em relação aos esvaziamentos cervicais, dos 8 casos que realizaram o esvaziamento em adultos, apenas 4 (correspondendo a,77% da população adulta do estudo) apresentaram metástases linfonodais comprovadas no estudo histopatológico da peça cirúrgica: angiossarcomas, fibrohistiocitoma maligno e sarcoma não especificado. A SG do grupo de pacientes submetidos a esvaziamento cervical nos adultos foi de 4,7 meses, enquanto a SG dos que não realizaram esvaziamento foi de,89 meses (p=0,8). Nas crianças, não houve metástases linfonodais na análise histopatológica dos espécimes cirúrgicos de nenhum dos esvaziamentos cervicais realizados. As margens cirúrgicas foram livres de tumor em 44,7% dos adultos e em,8% das crianças. As Tabelas 6 e 7 mostram o impacto da necessidade de ampliação cirúrgica e do comprometimento das margens na sobrevida global dos pacientes. Tabela 6 Impacto da ampliação cirúrgica das margens nas taxas de sobrevidas dos pacientes com SCP Tabela 4 Estadiamento segundo AJCC/UICC dos pacientes com SCP Estadios % de Casos Adultos Todos Sem Pediátricos Todos Sem Iniciais 0% 60% 6,% 0,% 44% % Estadio I 8% 4% % 6% % % Estadio II % 7%,% 4,% % 0 Avançados 0% 40% 6,% 69,% 6% 78% Estadio III % % % 9% 4%,% Estadio IV 8% 8% 0,% 0,% % 4,% Entre os adultos, 6 casos foram submetidos a tratamento cirúrgico e casos não foram operados, sem haver qualquer subtipo histológico que se destacasse por estar mais relacionado à realização ou não de cirurgia. O grupo que recebeu tratamento cirúrgico obteve uma sobrevida global (SG) = 07 meses, enquanto o grupo não-cirúrgico apresentou uma SG = 6 meses (p < 0,00 e Log Rank = 9,4). Esses dados estão dispostos na Tabela. s Ampliação de Margens anos 0 anos Sim 7,9 7,9 Não 6 49, 0 0, 0, Tabela 7 Impacto do comprometimento das margens cirúrgicas nas taxas de sobrevidas dos pacientes com SCP Margens Livres s anos 0 anos Sim 6,64 46, Não 6,9 8,4,9 0,6

DISCUSSÃO SCP são tumores raros e com uma grande diversidade de subtipos histológicos e comportamento clínico-biológico variado. Isso também se refletiu em nossa casuística, impedindo que os subtipos histológicos fossem analisados individualmente em relação à efetividade do tratamento cirúrgico e necessitando de análise em grupo para gerar dados com valor estatístico. O subtipo histológico mais encontrado nos adultos de nosso estudo foi o angiosarcoma, seguido do dermatofibrosarcoma e do fibroistiocitoma maligno. Outras casuísticas também mencionam estes subtipos dentre os mais freqüentes. Sturgis et al. descreveu que: osteosarcoma, angiosarcoma, rabdomiosarcoma e fibroistiocitoma maligno são os subtipos mais comumente encontrados na cabeça e pescoço, correspondendo a cerca de 0% dos sarcomas nessa região. O estudo conduzido encontrou um aumento estatisticamente significante (p<0,00) da sobrevida global, em mais de 9 vezes (Log Rank = 9,4), no grupo de adultos portadores de SCP de partes moles submetidos a tratamento cirúrgico, em comparação com pacientes que não foram operados. Esse achado está em concordância com a literatura especializada, que aponta o tratamento cirúrgico como principal modalidade - terapêutica com finalidade curativa para a doença em questão. Penel et al., por exemplo, encontraram em sua casuística a ausência de cirurgia como um dos principais fatores de 6 prognóstico ruim (p<0,0) para os SCP, enquanto Chen et al. apresentaram o grupo de pacientes considerados inoperáveis como o de maior mortalidade (8%). O grupo de adultos submetidos a tratamento cirúrgico em nossa casuística mostrou uma tendência a apresentar estádios mais iniciais da doença (60% dos casos operados foram classificados como estádios I ou II). Isso pode ter contribuído para o melhor prognóstico em relação ao grupo não-cirúrgico (6,% classificados como estádios III ou IV). Embora a radioterapia exclusiva (isolada) tenha péssimos resultados no tratamento dos sarcomas (taxas de controle variando de 0-0% para lesões pequenas), a radioterapia adjuvante à cirurgia é indicada para tumores de alto grau, lesões maiores que cm e para margens comprometidas ou 4 exíguas, proporcionando um melhor controle local da doença (aumento de % para 90%). Em nosso estudo, a cirurgia exclusiva (sem adjuvância) correspondeu a apenas 8% dos casos tratados em adultos, sendo a RxT adjuvante à cirurgia (com ou sem QT) o esquema terapêutico empregado em % dos adultos tratados. Patel et al. ressalta que o impacto da radioterapia adjuvante no controle local não se traduz em um aumento da sobrevida, por causa do óbito por doença à distância. Os sarcomas localizados em extremidades e tronco são mais comuns do que aqueles localizados primariamente em sítios anatômicos da cabeça e pescoço. Embora os SCP apresentem um prognóstico pior e uma freqüência maior de subtipos histológicos mais agressivos (como o angiosarcoma e o rabdomiosarcoma, incomuns nos sarcomas de membros), as bases que definem seu tratamento originaram-se da experiência com o tratamento de sarcomas de extremidades. Entretanto, enquanto a quimioterapia neoadjuvante vem exercendo um papel cada vez mais significativo no tratamento com preservação de membros nos sarcomas avançados de - extremidades, seu papel nos SCP permanece com,,7,8 resultados insatisfatórios ou inconclusivos. Patel et al. informa que a QT adjuvante no tratamento dos SCP de partes moles tem sido decepcionante, com taxas de resposta de apenas % para os agentes mais ativos (Doxorrubicina e Ifosfamida). Isso foi retratado em nossa casuística, onde não houve casos de tratamento pré-operatório com intenção neoadjuvante, sendo a quimioterapia em adultos reservada principalmente para tratamento de pacientes com doença sistêmica ou inoperável. O esvaziamento cervical em adultos não mostrou benefício estatisticamente significante na melhora da sobrevida global e as metástases linfonodais foram comprovadas em apenas,77% (4/06) casos. A literatura também traz dados compatíveis com este achado do estudo, informando da raridade de metástases linfonodais nos SCP. Penel et al. relatam 4% de metástases linfonodais e Pellitteri et 4 al. descrevem taxas variando entre % a 8%, não indicando o esvaziamento cervical profilático para esses tumores. Ainda segundo a literatura, metástases linfonodais são quase que exclusivas de tumores de alto grau; sendo alguns subtipos histológicos mais relacionados com este tipo de metástase, como: rabdomiosarcomas, sinoviosarcomas, angiosarcomas,,4 fibroistiocitoma maligno e sarcoma epitelióide. Em nosso estudo, os quatro casos que apresentaram metástases linfonodais eram: angiossarcomas, fibrohistiocitoma maligno e sarcoma não especificado. Na população pediátrica estudada, 4 dos 9 casos consistiam em rabdomiosarcomas da cabeça e pescoço, subtipo,, histológico sabidamente mais prevalente nesta faixa etária. O tratamento apenas com quimioterapia e radioterapia deste, subtipo de sarcoma apresenta boa resposta. Na revisão da literatura feita por Penel et al., o tratamento do rabdomiosarcoma pediátrico com quimio/radioterapia apresenta uma SG em anos de cerca de 70%, enquanto a do rabdomiosarcoma adulto é de cerca de %. Isso justifica o baixo índice (/9) de ressecções cirúrgicas empregadas para tratamento dos SCP pediátricos em nossa instituição. Como conseqüência, a análise de dados realizada para avaliar a efetividade do tratamento cirúrgico nos SCP pediátricos não foi estatisticamente significante em nosso estudo. Vale ressaltar que, embora o rabdomiosarcoma seja apontado na literatura como um dos subtipos histológicos dos SCP que mais evolui,4 com metástases cervicais, os três esvaziamentos cervicais realizados na população pediátrica de nosso estudo não apresentaram linfonodos acometidos no exame histopatológico dos produtos cirúrgicos desses esvaziamentos. A presença de margem cirúrgica comprometida pelo tumor é relatada como fator de mau prognóstico e uma das justificativas para uma pior evolução dos SCP comparados aos sarcomas de extremidades, pela dificuldade na obtenção de margens livres em sítios anatômicos da cabeça e pescoço por causa da,,4 proximidade de estruturas nobres. Embora não tenha sido estatisticamente significante (p=0,6), nosso estudo também demonstrou uma tendência a pior prognóstico com a presença de margens comprometidas. CONCLUSÃO O tratamento cirúrgico é efetivo para os adultos portadores de SCP de partes moles, aumentando a sobrevida global dos pacientes nesta faixa etária. Na população pediátrica estudada, o tratamento mais empregado foi a quimio/radioterapia, ficando a cirurgia reservada, na maioria das vezes, apenas para realização de biópsias. O índice de metástases linfonodais encontrado não indica o esvaziamento cervical profilático de rotina para o tratamento cirúrgico dos SCP. REFERÊNCIAS. Patel SG, Shaha AR, Shah JP. Soft tissue sarcomas of the head and neck: an update. Am J Otolaryngol. 00;():-8.. Colville RJ, Charlton F, Kelly CG, Nicoll JJ, McLean NR. Multidisciplinary management of head and neck sarcomas. Head Neck. 00;7(9):84-4.. Sturgis EM, Potter BO. Sarcomas of the head and neck region. Curr Opin Oncol. 00;():9-. 4. 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