A concordância de número no DP: propostas minimalistas

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Transcrição:

A concordância de número no DP: propostas minimalistas Leonor Simioni Programa de Pós-Graduação em Lingüística Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) leonor.simioni@viars.com.br Abstract. This paper aims at investigating number agreement inside the DP, focusing mainly on possible structures for the DP, as well as the different patterns of morphological number agreement and the mechanics involved in this process. I hope to provide, or at least sketch, an analysis which allows us to understand and explain the facts about number agreement observed across languages. Keywords. Agree; determiner phrase (DP); number agreement. Resumo. Este artigo visa investigar a concordância de número no DP, abordando especialmente possíveis estruturas funcionais do DP, os diferentes padrões de concordância morfológica de número, e também a mecânica envolvida no processo de estabelecimento da concordância. Espero fornecer, ou ao menos esboçar, uma análise que permita entender e explicar os fatos sobre concordância de número observados nas línguas. Palavras-chave. Agree; sintagma determinante (DP); concordância de número. 1. Introdução O objetivo deste trabalho é examinar o funcionamento da concordância nominal de número, focalizando questões referentes à estrutura funcional do DP, aos diferentes padrões de marcação morfológica de número nas línguas e sua (possível) relação com a interpretabilidade do traço de número, e também ao(s) mecanismo(s) de concordância sintática em jogo. Para tanto, revisarei algumas propostas para a estrutura do DP, principalmente trabalhos desenvolvidos no quadro do Programa Minimalista (PM), bem como discutirei diferentes tratamentos para a operação Agree, em especial as propostas de Chomsky (1998; 1999) e Frampton & Gutmann (2000). Estes últimos apresentam uma reformulação de Agree segundo a qual há compartilhamento, e não simplesmente checagem/valoração de traços. Conforme veremos, tal proposta parece mais interessante para o tratamento dos fenômenos de concordância no DP. Espero, a partir das idéias apresentadas, esboçar uma proposta que dê conta dos fatos observados nas línguas naturais. A organização do trabalho é a seguinte: na seção 2, apresento uma breve tipologia dos dados de concordância nominal de número observados no inglês, italiano e português brasileiro (PB), que servirá como base para a discussão das propostas no restante do trabalho. Na seção 3, são discutidas as propostas relativas aos mecanismos de concordância sintática, e na seção 4, prováveis estruturas do DP. A seção 5 traz o cruzamento das propostas e as conclusões. 2. Os dados Tomando por base o português brasileiro (PB), o inglês e o italiano, podemos notar algumas diferenças bastante robustas nos padrões de marcação de concordância de número no DP, conforme é possível perceber pelos exemplos abaixo: (1) As casas vermelhas são bonitas. (PB) Estudos Lingüísticos XXXVI(1), janeiro-abril, 2007. p. 117 / 125

(2) As casa vermelha são bonita(s). (PB) (3) As casa vermelha é bonita. (PB) (4) The red houses are beautiful. (inglês) (5) Le case rosse sono belle / La casa rossa è bella. (italiano) Nos exemplos de (1) a (5) acima, vemos que o inglês apresenta o determinante no singular, o nome no plural e o adjetivo no singular; além disso, não há marcação de concordância de gênero. Já no italiano há ocorrência de marcação redundante de número, ou seja, a marca se manifesta em todos os elementos flexionáveis do sintagma. A marcação de gênero e número nessa língua é expressa pelo mesmo morfema (morfema cumulativo). No caso do PB, temos dois padrões: em (1), o PB padrão, semelhante ao italiano (ou seja, com marcação redundante de número), porém com morfemas dissociados para gênero e número; e em (2), um registro mais coloquial, temos marcação de número apenas no determinante (e opcionalmente no adjetivo), como no inglês, mas com marcação de concordância de gênero. O exemplo em (3) também pertence a um registro mais coloquial; temos aí que o verbo é e o adjetivo bonita (possivelmente predicado de uma Small Clause complemento do verbo ser, cujo sujeito é o DP) não concordam em número com o DP; entretanto, o adjetivo apresenta concordância de gênero com o nome casa. Já os exemplos de (6) a (9) abaixo são duvidosos, ou seja, aceitos por alguns falantes do PB e rejeitados por outros; sua particularidade é uma aparente marcação aleatória do número. (6)?As casa vermelhas são bonitas. (7)??As casa vermelhas são bonita. (8)??As casa vermelhas é bonita. (9)??As casa vermelhas é bonitas. Finalmente, os exemplos de (10) a (13) abaixo apresentam padrões agramaticais (não atestados na fala adulta) nas línguas em questão. (10) *A casas vermelha(s) [...] (11) *Le casa rossa [...] (12) *La case rossa [...] (13) *Thes reds houses [...] Com base nestes fatos, passo agora a discutir propostas para a concordância e a estrutura do DP. 1 3. A concordância no Programa Minimalista O mecanismo de concordância proposto por Chomsky (1998) para o nível da sentença consiste na operação Agree, na qual uma sonda (Probe) com traços-_ nãointerpretáveis ([u]) checa seus traços contra um alvo (Goal) com traços-_ interpretáveis ([i]). Os traços-_ são traços formais (pessoa, número e gênero) não-interpretáveis nas categorias funcionais, das quais devem ser eliminados antes de Spell-out, ou seja, antes do momento em que a derivação é enviada para os níveis de interface Forma Lógica (LF, do inglês Logical Form) e Forma Fonológica (PF, do inglês Phonetic Form), que fazem interface com, respectivamente, o sistema conceptual-intensional (C-I) e o sistema articulatório-perceptual (A-P). A operação Agree permite, através da checagem de traços, o apagamento (erasure) dos traços não-interpretáveis da sonda e do traço não-interpretável de Caso do alvo, evitando que a derivação imploda (crash) em LF. As condições para que Agree aconteça são as seguintes: a sonda α deve possuir traços-_ não-interpretáveis e c-comandar o alvo β (o alvo deve estar no domínio de complemento da sonda); os traços de sonda e alvo tem que combinar (deve haver identidade); não deve haver um alvo alternativo γ tal que α c-comande γ e γ c-comande β; e, finalmente, o alvo β deve estar ativo para o sistema, isto é, deve possuir um traço nãointerpretável de Caso a ser checado. Ao ser inserida na derivação, a sonda α sonda seu Estudos Lingüísticos XXXVI(1), janeiro-abril, 2007. p. 118 / 125

domínio de complemento em busca de um elemento nominal β ativo; ao encontrá-lo, α entra em relação de Agree com β, checando e apagando seus traços não-interpretáveis; ao mesmo tempo, α checa e apaga o traço de Caso de β, que é não-interpretável e também deve ser eliminado antes de Spell-out. A proposta de Chomsky (1995 e obras posteriores) prevê a existência de dois mecanismos de concordância: Agree e Concord. Agree seria a concordância descrita acima, no nível da sentença, enquanto Concord funcionaria in situ (isto é, via Merge) apenas no nível do sintagma. Vale ressaltar que em nenhum momento o autor entra em detalhes sobre o funcionamento de Concord, mas parece claro que ele não toma este mecanismo como uma operação sintática strictu senso, e sim como um mecanismo morfológico de concordância. Além disso, Chomsky assume que os traços-_ são interpretáveis em N (ou seja, a concordância no DP aparece sobre modificadores e D, mas é regida por N). Chomsky (1999) propõe uma alteração na operação Agree: a interpretabilidade dos traços é determinada já no léxico, com distinção de valores: traços não-interpretáveis entram na derivação sem valor especificado, enquanto os traços interpretáveis entram com valores especificados. A operação Agree valora e apaga os traços não-interpretáveis da sonda e o Caso do alvo. A proposta de Frampton & Gutmann (2000) para a operação Agree mantém algumas características da proposta de Chomsky conforme apresentada acima, ao mesmo tempo em que traz reformulações interessantes. Para esses autores, concordância sintática significa que dois nós terminais distintos incluem um mesmo traço. Nessa visão, Agree induz compartilhamento de traços; traços interpretáveis ou não-interpretáveis que combinam (matching features) se juntam em um único traço compartilhado, que é valorado se um dos traços combinados tiver valor. Essa idéia substitui aquela em que um traço valorado dá seu valor a uma contraparte não valorada. Outra diferença importante é que traços [u] se juntam tanto quanto um traço [u] e um [i]; a operação Agree é induzida por traços [u] e é cega aos valores dos traços. O sistema funciona da seguinte maneira: há dois tipos de traços relevantes para o estabelecimento da concordância sintática: traços-δ e traços-_; elementos N vêm do léxico com seus traços-δ e _ valorados, enquanto os atribuidores de Caso vêm sem valor. 2 Além disso, não há indicação direta de Caso na sintaxe; Caso é atribuído após a sintaxe, com base no compartilhamento de traços: nominais recebem marcação de Caso porque compartilham um traço-_ com um atribuidor de Caso. O requerimento de que um nominal seja marcado para Caso é, portanto, morfológico. Uma derivação neste modelo ocorre da seguinte forma: a operação Select introduz os núcleos (pivot) na sintaxe; logo após, a operação Attract satisfaz os traços [u] do pivot conduzindo uma busca top-down e uma busca externa (caso a primeira não funcione); as operações Select e Attract de cada pivot constituem um ciclo. O efeito de interveniência é traduzido nos seguintes termos: a busca top-down não continua após o encontro de um matching feature, mesmo que este seja [u]. Os autores propõem ainda a existência de núcleos-te (TE-heads), que desempenhariam um papel na atribuição de Caso e na visibilidade dos argumentos para o componente interpretativo. A definição do que seriam esses núcleos-te não é clara; os autores dizem apenas que se espera que sejam elementos relacionados à estrutura eventotemporal. Vale ressaltar ainda que a noção de cadeia é fundamental para esta proposta; Frampton & Gutmann (2000) formulam uma condição sobre cadeias que diz que cada cadeia-δ deve ser encabeçada por um núcleo-te e cada núcleo-te deve ser a cabeça de uma cadeia-δ. As conseqüências mais evidentes desta proposta são a eliminação do Caso como um traço sintático (da qual resulta uma mudança nos conceitos de interveniência e Estudos Lingüísticos XXXVI(1), janeiro-abril, 2007. p. 119 / 125

inatividade) e a relevância das cadeias. Na seção 5, veremos as implicações dessas idéias caso se assuma um mesmo mecanismo de concordância para os níveis da sentença e do sintagma (contrariamente a Chomsky); antes, no entanto, discutirei duas propostas relacionadas à estrutura do DP e à concordância de número em seu interior. 4. A estrutura do DP Abordarei a seguir dois trabalhos que trazem propostas de estrutura do DP: a primeira autora (Carstens, 2000) endossa a existência de uma categoria funcional Num que seria responsável pelo número, seguindo autores como Ritter (1991), entre outros; já a segunda (Magalhães, 2004) defende a valoração de traços dentro do DP através do mesmo mecanismo Agree que opera no nível da sentença. 328): A estrutura de DP proposta pela primeira autora é a seguinte (Carstens, 2000, p. Para ela, D possuiria traços interpretáveis de pessoa e não-interpretáveis de gênero e número; Num possuiria traço interpretável de número e N, traço interpretável de gênero. Essa autora assume ainda que a concordância no DP se dá através do mecanismo Concord; todavia, diferente da proposta original de Chomsky (1995), na qual Carstens (2000) se baseia, tal mecanismo envolveria movimento (alçamento de N a Num e a D motivado pelos traços não-interpretáveis deste último), coberto ou encoberto a depender da língua analisada. 3 Já a segunda proposta consiste em postular um mesmo mecanismo de concordância para os níveis da sentença e do DP, a saber, a mesma operação Agree. Magalhães (2004) retoma o trabalho de Chomsky (1999) sobre a valoração de traços em construções de particípio e propõe que a valoração dos traços formais do DP se dá da seguinte maneira: primeiro, os traços-_ dos concordantes são valorados entre eles e em seguida, o DP tem seu Caso valorado por uma sonda (Magalhães, 2004, p. 156). Além disso, a autora apresenta uma outra inovação ao discutir em que núcleo do DP o traço de número seria interpretável. Baseada nas análises de Abney (1987), Olsen (1989) e Longobardi (1994), Magalhães (2004) afirma que há evidências de que o traço de número seja interpretável nos determinantes, diferente do que prevê a hipótese chomskiana, segundo a qual, conforme já mencionado, o traço de número é interpretável nos nomes. Assim, partindo da estrutura do DP proposta por Abney (1987), a autora teoriza que D tenha traço interpretável de número e não-interpretável de gênero; os demais elementos do sintagma teriam todos os traços não-interpretáveis. Segundo Magalhães (2004), mesmo no inglês, em que o morfema de plural aparece manifesto no nome apenas, há evidências de que o traço seja interpretado em D (o exemplo oferecido é o plural em itens como these, those). É importante salientar que esta autora não assume a projeção Num como o núcleo de uma categoria funcional independente, conforme podemos perceber a partir da estrutura a seguir (Magalhães, 2004, p. 159): Estudos Lingüísticos XXXVI(1), janeiro-abril, 2007. p. 120 / 125

A proposta de Magalhães (2004) busca explicar os fenômenos de concordância no PB respaldando-se em Abney (1987); a autora afirma que, para este autor, há uma relação de s-seleção entre D e N semelhante à existente em IP entre sujeito e verbo: No DP, D é o núcleo que seleciona o NP como complemento do mesmo modo que o VP funciona como complemento para Infl. Temos assim uma relação argumento/predicado entre D e N no sintagma nominal e sujeito e verbo no sintagma verbal. Na sentença, os traços de número são interpretáveis no sujeito (argumento) e não-interpretáveis no verbo (predicado). O mesmo acontece no DP: traços de número são interpretáveis no D (argumento de N) e não-interpretáveis em N (predicado). (Magalhães, 2004, p. 161). 4 Com isso, tem-se uma explicação para o desaparecimento ou enfraquecimento da flexão nos predicados no PB, gerando estruturas como Nós vai ou As casa velha em alguns dialetos. Nos dois exemplos, o traço de número só se manifesta no argumento; no momento em que se perde a redundância da realização da flexão nos sintagmas, esta só se realiza no item na qual é interpretável. 5 A seguir, apresento um exemplo de derivação segundo o modelo de Magalhães (2004): (15) As casas vermelhas (a) vermelhas casas [-n/-g/-k] [-n/+g/+p/-k] (b) vermelhas casas [-n/+g/-k] [-n/+g/+p/-k] (c) D vermelhas casas [+n/-g/-k] [-n/+g/-k] [-n/+g/+p/-k] (d) D vermelhas casas [+n/-g/-k] [+n/+g/-k] [-n/+g/+p/-k] (e) D vermelhas casas [+n/-g/-k] [+n/+g/-k] [-n/+g/+p/-k] (f) D vermelhas casas [+n/+g/-k] [+n/+g/-k] [+n/+g/+p/-k] (g) T D vermelhas casas [-n/-p] [+n/+g/-k] [+n/+g/-k] [+n/+g/+p/-k] Estudos Lingüísticos XXXVI(1), janeiro-abril, 2007. p. 121 / 125

(h) T D vermelhas casas [+n/-p] [+n/+g/nom] [+n/+g/-k] [+n/+g/+p/-k] (i) T D vermelhas casas [+n/-p] [+n/+g/nom] [+n/+g/-k] [+n/+g/+p/-k] (j) T D vermelhas casas [+n/-p] [+n/+g/nom] [+n/+g/nom] [+n/+g/+p/-k] (k) T D vermelhas casas [+n/-p] [+n/+g/nom] [+n/+g/nom] [+n/+g/+p/-k] (l) T D vermelhas casas [+n/+p] [+n/+g/nom] [+n/+g/nom] [+n/+g/+p/nom] Em (a), o nome casas entra na derivação com seus traços de número e Caso não valorados, enquanto o adjetivo vermelhas entra na derivação com todos os seus traços não valorados. Em (b), vermelhas sonda e entra em relação de Agree com casas, valorando seu traço de gênero. Em (c), vemos que D entra na derivação, sonda e entra em relação de Agree com vermelhas, valorando o traço de número do último, mas não o traço de gênero de D; 6 isso faz com que D sonde casas (passo (e)), valorando seu traço de gênero e o traço de número do alvo. Por fim, uma sonda T entra na derivação e sonda cada um dos elementos do DP, valorando os traços de Caso dos mesmos. Ao sondar D (g), a sonda T valora seu traço de número e ao sondar casas (k), seu traço de pessoa. Esta análise, apesar de aparentemente ser capaz de dar conta dos dados, não é livre de problemas: por exemplo, a ordem linear do adjetivo não corresponde à ordem observada no PB. 7 Além disso, a valoração de gênero de D poderia ocorrer quando do estabelecimento de Agree entre D e o adjetivo (passo (c) acima, conforme nota 6). Por fim, o fato de a marca morfológica de número ser expressa em N no inglês parece representar um problema, pois Magalhães (2004) associa a interpretabilidade do traço ao núcleo em que a marca morfológica é realizada (ver também nota 5). A autora propõe, a esse respeito, que a interpretabilidade do traço de número seja um parâmetro. No entanto, conforme evidências apresentadas por Simioni (2004), os dados de aquisição parecem refutar essa hipótese. 8 5. Discussão e conclusões As hipóteses sobre a estrutura do DP tratadas na seção 4 apresentam duas grandes diferenças entre si: a presença, em Carstens (2000), da categoria funcional Num como responsável pelos traços de número, e a categoria em que tal traço seria interpretado: para Carstens (2000), número é um traço interpretável em Num, enquanto Magalhães (2004) assume que o núcleo em que este traço é interpretável é D (ao menos no PB). Nesse ponto, nenhuma das duas propostas está de acordo com Chomsky (1998; 1999), segundo o qual o traço de número é interpretável nos nomes. A proposta de Magalhães baseia-se principalmente nos dados do PB, em que há presença de marca morfológica de plural apenas no determinante em alguns dialetos. No entanto, não podemos esquecer de que há línguas como o inglês, nas quais a marca de plural aparece apenas sobre os nomes; muito menos de que outras línguas, e mesmo algumas variedades do PB, apresentam marca morfológica de plural em todos os elementos flexionáveis do sintagma. Portanto, a menos que o núcleo de interpretabilidade do traço de número seja um parâmetro (conforme já mencionado, essa idéia não parece ser suportada pelos dados de aquisição de linguagem), a idéia de uma categoria funcional como responsável por esse traço parece mais atraente, e será a hipótese assumida aqui. Estudos Lingüísticos XXXVI(1), janeiro-abril, 2007. p. 122 / 125

Quanto à concordância no interior do DP, parece razoável propor um mesmo mecanismo para os níveis da sentença e do sintagma, uma vez que a existência de mecanismos diferentes seria consideravelmente antieconômico para o sistema. Dentre as propostas discutidas na seção 3, a idéia de compartilhamento de traços parece apresentar vantagens: a primeira delas é a manutenção de algumas características da operação Agree conforme originalmente proposta por Chomsky. Com isso, poder-se-ia defender a idéia de Magalhães (2004) de que a operação Agree opera também no nível do sintagma. 9 O funcionamento de Agree também no nível do sintagma pode ser concebido nos seguintes termos: suponha que D seja um núcleo-te; toda cadeia-_ precisa ser encabeçada por um núcleo-te, e todo núcleo-te precisa encabeçar uma cadeia-_. Os traços-_ são, segundo Frampton & Gutmann (2000), responsáveis pela definitude (conforme nota 2). Pode-se, portanto, pensar que D é o núcleo-te do DP; é a cabeça da cadeia-_. Essa hipótese pode ser ancorada no fato de que os traços de D constituem a ponte com LF, além de fazer sentido o determinante ser o portador do traço de definitude. Já Num, apesar de também ser uma categoria funcional, não seria um núcleo-te, não por não possuir os mesmos tipos de traços de D (ambos comportam-se sintaticamente de maneira idêntica), mas antes por diferir quanto ao papel desempenhado na determinação da interpretabilidade das cadeias em que aparecem justamente o papel desempenhado por D em LF. 10 Se pensarmos nos dados do PB, vemos que existem algumas variantes em que a marca morfológica de número aparece apenas sobre o determinante. Nesses casos, é possível imaginar que é D, por ser a cabeça da cadeia-_, o responsável pela definitude e pela interpretação semântica em LF, carregando a marca de plural. Já no caso das variedades do PB que apresentam marca morfológica em todos os elementos do sintagma (assim como os dados do italiano) pode-se considerar que a marca se espalha por conta do compartilhamento de traços. Em línguas como o inglês, podemos supor que haveria algo como um morfema zero de plural no determinante, uma vez que no caso dos determinantes demonstrativos these, those há marca de plural manifestada morfologicamente. Ou ainda, pode-se pensar que a língua não forneça os meios para que o plural seja expresso em D (exceto no caso dos demonstrativos), e isso faz com que a marca apareça sobre outro elemento que compartilha o traço de número com D. Uma derivação de DP funcionaria, então, da seguinte forma: N entra na derivação com traço de gênero e pessoa valorados e traço de número não-valorado; Num é concatenado a NP, com o qual compartilha seus traços-_ (possivelmente esse núcleo possui apenas um traço de número, que é valorado) e traços-_; D é concatenado a NumP, sonda e valora seus traços-_ de gênero e número. Uma sonda externa entra na derivação e valora o Caso do DP (seguindo Magalhães (2004)), ou então este recebe Caso no mapeamento da sintaxe para a morfologia. Dessa forma, creio ser possível dar conta dos fatos apresentados na seção 2 de maneira satisfatória. Faz-se necessária, no entanto, uma investigação que leve em conta dados de outras línguas, para que se possa confirmar de fato a viabilidade da análise aqui esboçada. Notas: 1 Os dados de aquisição dessas línguas também trazem evidências interessantes, mas que não serão tratadas aqui por limitações de espaço. Apenas para citar alguns exemplos do PB: crianças adquirindo o PB produzem padrões do tipo exemplificado em (10) (Lopes, 2004; Simioni, 2004); além disso, pode haver forte alternância entre padrões durante um período consideravelmente longo do processo de aquisição (Simioni, 2004). Mais ainda, essas crianças dependem crucialmente da informação presente no determinante para identificar o sistema de número do português (Ferrari Neto, 2003). Estudos Lingüísticos XXXVI(1), janeiro-abril, 2007. p. 123 / 125

2 Os autores não especificam quais os valores tomados por δ, mas indicam que um candidato seria um marcador de definitude. 3 Não discutirei aqui os detalhes dessa proposta, pois a mesma é consideravelmente extensa e, a meu ver, não dá conta dos dados apresentados na seção 2; seriam necessárias problematizações e reformulações que vão além dos limites físicos deste trabalho. Mantenho apenas a sugestão de um núcleo funcional Num dominando NP, responsável pelos traços de número, a qual, conforme veremos, é interessante para o tratamento dos fenômenos em questão. 4 Pode-se questionar a comparação estabelecida pela autora entre a relação D-N (núcleocomplemento) e sujeito-verbo (especificador-núcleo). Apesar de tanto N quanto o sujeito serem argumentos, respectivamente, de D e do verbo, sabe-se que a relação entre núcleo e complemento é mais local e mais forte do que qualquer outra relação estabelecida no interior dos sintagmas (veja-se, por exemplo, o fato de que um complemento jamais viola o Princípio de Extensão). 5 Conforme veremos mais adiante, essa análise apresenta problemas se pensarmos em línguas como o inglês, em que não há redundância na marcação de número e este aparece manifesto morfologicamente apenas em N. 6 Para a autora, o traço de gênero de D não pode ser valorado na relação de Agree deste com vermelhas porque esse traço é não-interpretável no adjetivo. Mas poder-se-ia argumentar que, apesar de nãointerpretável, esse traço já foi valorado quando do estabelecimento de Agree entre vermelhas e casas, tendo assim um valor a atribuir a D. Nesse caso, não haveria necessidade de que D sondasse casas (e), o que deixaria não-valorado o traço de número do nome, fazendo com que a derivação implodisse em LF. 7 O modelo conforme proposto pela autora exige que o adjetivo entre na derivação depois do nome por uma série de razões cuja discussão extrapola os limites deste trabalho, a maioria delas relacionadas a efeitos de interveniência e à geração do resultado esperado para a derivação dos DPs no PB. 8 Por questões de limitação de espaço, não explicitarei aqui os argumentos apresentados em Simioni (2004), remetendo ao mesmo os leitores interessados. 9 Retomando o exemplo de derivação em (15) a partir da proposta de compartilhamento de traços, teríamos a eliminação dos passos (e) e (f), uma vez que D, ao estabelecer uma relação de Agree com o adjetivo, estaria estabelecendo automaticamente uma relação também com o nome, que já compartilha seus traços com vermelhas. Com isso, desapareceria o problema da não valoração do traço de gênero de D no passo (c). Além disso, não seria necessário supor que o adjetivo entre na derivação depois do nome, evitando o problema da geração da ordem esperada (ver nota 7). Referências 10 A análise é semelhante à oferecida pelos autores em relação a T e T r. ABNEY, Steven Paul. The English noun phrase in its sentential aspect. Tese (Doutorado em Lingüística) Massachusetts Institute of Technology (MIT), Cambridge, 1987. CARSTENS, Vicki. Concord in minimalist theory. Linguistic Inquiry, Cambridge, v.31, n.2, p.319-355, abr. 2000. CHOMSKY, Noam. The minimalist program. Cambridge: MIT Press, p.167-217, 1995.. Minimalist inquirires: the framework. In: MIT Occasional Papers in Linguistics. Cambridge, n.15, 1998.. Derivation by phase. In: MIT Occasional Papers in Linguistics. Cambridge, n. 18, 1999. Estudos Lingüísticos XXXVI(1), janeiro-abril, 2007. p. 124 / 125

FERRARI NETO, José. Reconhecimento do número gramatical e processamento da concordância de número no sintagma determinante na aquisição do Português Brasileiro. Tese (Mestrado em Lingüística), PUCRJ, 2003. FRAMPTON, John. & GUTMANN, Sam. Agreement is feature sharing. ms, 2000. LONGOBARDI, Giuseppe. Reference and proper names: a theory of movement in syntax and LF. Linguistic Inquiry, Cambridge, v.25, p.609-665, 1994. LOPES, Ruth. Estágios no processo de aquisição de número no DP do Português Brasileiro. Letras de Hoje, Porto Alegre, v.39, n.3, p.157-171, 2004. MAGALHÃES, Telma. M. V. A valoração de traços de concordância dentro do DP. DELTA, São Paulo, v.20, n.1, p.149-170, 2004. OLSEN, Susan. AGR(eement) in the German Noun Phrase. In: BHAYY, LÖBEL, SCHMIDT (eds.). Syntactic phrase structure phenomena in noun phrase & sentences. Amsterdam: John Benjamins, 1989, p.39-49. RITTER, Elizabeth. Two functional categories in noun phrases: evidence from modern Hebrew. In: ROTHSTEIN, Susan (ed). Syntax and semantics 25: perspectives on phrase structure. New York: Academic Press, 1991. SIMIONI, Leonor. Aquisição de concordância nominal de número: um estudo de caso. Trabalho de conclusão de curso, UFRGS, 2004. Estudos Lingüísticos XXXVI(1), janeiro-abril, 2007. p. 125 / 125